Não é preciso ser profeta para antever a alta possibilidade de manifestações de descontentamento, protestos, até distúrbios, no País com o término da Copa do Mundo e a intensificação das campanhas eleitorais. Basta olhar o noticiário.
Pode-se começar pela inflação. O último relatório trimestral do Banco Central (BC) indica que este ano ela deve ficar em 6,4%, próxima do teto previsto pelo governo, 6,5% (Estado, 27/6). De março a junho subiu 0,3%. E ainda faltam seis meses até o fim do ano. Paralelamente, a dívida federal chegou (1.º/7) a um acumulado de R$ 2,052 trilhões (28/5) - equivale a 56,8% do produto interno bruto (PIB). O déficit nas transações externas já crescera em abril. Aumenta a participação do consumo interno nas importações, que foi de 22,5% nos primeiros meses do ano (17/5) - e talvez por isso diga o BC que "a alta nos preços de alimentos está se dissipando", o que poderia levar a uma baixa de preços no atacado (2/7). Mas na balança comercial, pela primeira vez desde 1980, o setor primário responde por mais de 50% das vendas ao exterior. A redução das exportações totais tem influência forte da Argentina em crise - menos 19,8% comprados do Brasil no primeiro semestre. Com isso a participação de manufaturados no comércio exterior baixou 10,2% e a de semimanufaturados, 8,1%.
O quadro social também é preocupante, com taxas de violência próximas de 30 por 1.000 habitantes (Correio Braziliense, 22/6), nada menos que 56,3 mil mortes em um ano. E 70% dos que deixam a prisão voltam ao crime, segundo artigo de Fernando Schüler, do Projeto Fronteiras do Pensamento (Aliás, 29/6). Temos perto de 100 milhões de processos em andamento (ou parados) na Justiça, mais de 700 mil pessoas encarceradas. E não se faz a tão pedida reforma do Judiciário.
É inacreditável que o País ainda tenha quase 50 milhões de pessoas em nível de pobreza ou miséria, incluindo os 40 milhões que se beneficiam do Bolsa Família, que incluiu 13,8 milhões de famílias e reduziu a extrema pobreza em 28% (O Globo, 16/10/2013). Mas a faixa da extrema pobreza abrange ainda 3,6% da população. E as desigualdades de renda no País são constrangedoras. Só 58% dos alunos matriculados concluem o ensino médio (Estado, 2/7) e 85% destes são dos segmentos de maior renda. E a maioria dos que abandonam a escola, entre 13 e 15 anos de idade, segundo análise do BID, o fazem porque "não acreditam que a educação vai lhes proporcionar mais qualidade de vida" (Estado, 2/7).
Embora os condutores de nossas macropolíticas só deem importância real a taxas de crescimento da economia - sem levar em conta fatores sociais, recursos naturais, serviços públicos, etc., que as reduziriam -, a previsão de economistas varia entre 0,8% e 1,9% do PIB em 2014. Segundo o ministro da Fazenda, esses índices baixos são culpa da seca, da inflação, da recuperação lenta da economia mundial, do baixo crescimento da Europa, da volatilidade cambial - nenhuma culpa nossa (Estado, 31/5), apesar de a revista britânica The Economist (13/6) dizer que passamos de Belíndia para Italordânia (mistura de Itália com Jordânia). O fato é que nossa indústria, tão acalentada pelos adoradores da economia, se reduziu em 0,9% no último trimestre, 1,4% no primeiro. A da construção civil reduziu sua participação no PIB em 0,9%. A melhor situação ficou nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste (Estado, 29/6).
Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), não teremos como fugir a "reformas estruturais" se quisermos continuar a crescer (13/6). Basta ver o nível de vendas de veículos nos seis primeiros meses do ano, que é o pior desde 2010 e com queda de 7,6% em relação ao primeiro semestre.
E tudo isso ocorre no 20.º aniversário do Plano Real, que ajudou a baixar a inflação de 2.477,1% em 1993 para menos de 6% (Estado, 2/7), da mesma forma que reduziu o desemprego, mas aumentou os impostos (de 25% para 35% do PIB). Ainda assim, economistas consultados pelo BC (Folha de S.Paulo, 29/6) acham que o aumento do PIB, de 1,6% este ano segundo cálculos governamentais (que chegou a falar em 6%), deverá ser de apenas 1,2%.
Não bastasse, autoridades insistem em velhos caminhos, como redução de impostos para setores como a indústria automobilística, sem sequer mencionar quanto o aumento do número de veículos nas ruas significa para os gigantescos problemas urbanos e para perdas não contabilizadas de tempo pelos usuários; 253 mil unidades foram vendidas em junho, quase 10% menos que em maio. E com tudo isso retornamos à antiga posição de o setor agropecuário ser o maior fator de crescimento econômico e de nos tornarmos importadores de cada vez mais produtos, principalmente da Ásia. E ainda sem levar em conta que a agropecuária, segundo estudo de Embrapa, Unicamp e WRI, está se tornando a principal fonte de emissão de poluentes.
Mas talvez o fator mais poderoso de inquietação seja a mais recente taxa de crescimento do emprego formal, a pior em 22 anos, com apenas 58,8 mil vagas criadas (Estado, 29/6), apesar de a taxa de desemprego ainda estar em 4,6%, o menor nível histórico (Folha, 29/6). Nesse quadro, quem ousa propor mudanças profundas em nossa sociedade?
Prestações de contas do Congresso querem fazer parecer que vivemos no melhor dos mundos. Mas os congressistas só trabalharão em quatro dias durante dois meses. Empreiteiras continuam a ser a maiores contribuintes de dinheiro para campanhas eleitorais.
"Não esperem nada do Congresso", diz o senador Pedro Simon, que está deixando a vida pública. "Vivemos uma crise de gestão", acrescenta o ministro Gilmar Mendes, do STF. Nossas instituições "estão num processo de erosão", segundo o recém-aposentado ministro Joaquim Barbosa. De onde virão soluções, se a sociedade não se organizar, não exigir a descentralização de tudo, sua participação em tudo na administração pública - é preciso insistir?
Pode-se começar pela inflação. O último relatório trimestral do Banco Central (BC) indica que este ano ela deve ficar em 6,4%, próxima do teto previsto pelo governo, 6,5% (Estado, 27/6). De março a junho subiu 0,3%. E ainda faltam seis meses até o fim do ano. Paralelamente, a dívida federal chegou (1.º/7) a um acumulado de R$ 2,052 trilhões (28/5) - equivale a 56,8% do produto interno bruto (PIB). O déficit nas transações externas já crescera em abril. Aumenta a participação do consumo interno nas importações, que foi de 22,5% nos primeiros meses do ano (17/5) - e talvez por isso diga o BC que "a alta nos preços de alimentos está se dissipando", o que poderia levar a uma baixa de preços no atacado (2/7). Mas na balança comercial, pela primeira vez desde 1980, o setor primário responde por mais de 50% das vendas ao exterior. A redução das exportações totais tem influência forte da Argentina em crise - menos 19,8% comprados do Brasil no primeiro semestre. Com isso a participação de manufaturados no comércio exterior baixou 10,2% e a de semimanufaturados, 8,1%.
O quadro social também é preocupante, com taxas de violência próximas de 30 por 1.000 habitantes (Correio Braziliense, 22/6), nada menos que 56,3 mil mortes em um ano. E 70% dos que deixam a prisão voltam ao crime, segundo artigo de Fernando Schüler, do Projeto Fronteiras do Pensamento (Aliás, 29/6). Temos perto de 100 milhões de processos em andamento (ou parados) na Justiça, mais de 700 mil pessoas encarceradas. E não se faz a tão pedida reforma do Judiciário.
É inacreditável que o País ainda tenha quase 50 milhões de pessoas em nível de pobreza ou miséria, incluindo os 40 milhões que se beneficiam do Bolsa Família, que incluiu 13,8 milhões de famílias e reduziu a extrema pobreza em 28% (O Globo, 16/10/2013). Mas a faixa da extrema pobreza abrange ainda 3,6% da população. E as desigualdades de renda no País são constrangedoras. Só 58% dos alunos matriculados concluem o ensino médio (Estado, 2/7) e 85% destes são dos segmentos de maior renda. E a maioria dos que abandonam a escola, entre 13 e 15 anos de idade, segundo análise do BID, o fazem porque "não acreditam que a educação vai lhes proporcionar mais qualidade de vida" (Estado, 2/7).
Embora os condutores de nossas macropolíticas só deem importância real a taxas de crescimento da economia - sem levar em conta fatores sociais, recursos naturais, serviços públicos, etc., que as reduziriam -, a previsão de economistas varia entre 0,8% e 1,9% do PIB em 2014. Segundo o ministro da Fazenda, esses índices baixos são culpa da seca, da inflação, da recuperação lenta da economia mundial, do baixo crescimento da Europa, da volatilidade cambial - nenhuma culpa nossa (Estado, 31/5), apesar de a revista britânica The Economist (13/6) dizer que passamos de Belíndia para Italordânia (mistura de Itália com Jordânia). O fato é que nossa indústria, tão acalentada pelos adoradores da economia, se reduziu em 0,9% no último trimestre, 1,4% no primeiro. A da construção civil reduziu sua participação no PIB em 0,9%. A melhor situação ficou nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste (Estado, 29/6).
Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), não teremos como fugir a "reformas estruturais" se quisermos continuar a crescer (13/6). Basta ver o nível de vendas de veículos nos seis primeiros meses do ano, que é o pior desde 2010 e com queda de 7,6% em relação ao primeiro semestre.
E tudo isso ocorre no 20.º aniversário do Plano Real, que ajudou a baixar a inflação de 2.477,1% em 1993 para menos de 6% (Estado, 2/7), da mesma forma que reduziu o desemprego, mas aumentou os impostos (de 25% para 35% do PIB). Ainda assim, economistas consultados pelo BC (Folha de S.Paulo, 29/6) acham que o aumento do PIB, de 1,6% este ano segundo cálculos governamentais (que chegou a falar em 6%), deverá ser de apenas 1,2%.
Não bastasse, autoridades insistem em velhos caminhos, como redução de impostos para setores como a indústria automobilística, sem sequer mencionar quanto o aumento do número de veículos nas ruas significa para os gigantescos problemas urbanos e para perdas não contabilizadas de tempo pelos usuários; 253 mil unidades foram vendidas em junho, quase 10% menos que em maio. E com tudo isso retornamos à antiga posição de o setor agropecuário ser o maior fator de crescimento econômico e de nos tornarmos importadores de cada vez mais produtos, principalmente da Ásia. E ainda sem levar em conta que a agropecuária, segundo estudo de Embrapa, Unicamp e WRI, está se tornando a principal fonte de emissão de poluentes.
Mas talvez o fator mais poderoso de inquietação seja a mais recente taxa de crescimento do emprego formal, a pior em 22 anos, com apenas 58,8 mil vagas criadas (Estado, 29/6), apesar de a taxa de desemprego ainda estar em 4,6%, o menor nível histórico (Folha, 29/6). Nesse quadro, quem ousa propor mudanças profundas em nossa sociedade?
Prestações de contas do Congresso querem fazer parecer que vivemos no melhor dos mundos. Mas os congressistas só trabalharão em quatro dias durante dois meses. Empreiteiras continuam a ser a maiores contribuintes de dinheiro para campanhas eleitorais.
"Não esperem nada do Congresso", diz o senador Pedro Simon, que está deixando a vida pública. "Vivemos uma crise de gestão", acrescenta o ministro Gilmar Mendes, do STF. Nossas instituições "estão num processo de erosão", segundo o recém-aposentado ministro Joaquim Barbosa. De onde virão soluções, se a sociedade não se organizar, não exigir a descentralização de tudo, sua participação em tudo na administração pública - é preciso insistir?
06 de julho de 2014
Washington Novaes, O Estado de S.Paulo
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