Ilustração reproduzida do Arquivo Google
Quando o governador do Rio decretou o estado de calamidade financeira, o decreto equivaleu à sentença que decreta a falência de uma empresa. Embora tenha sido um artifício rigorosamente inconstitucional, uma vez que “calamidade financeira” não existe em nenhuma lei, o nome pegou, criou raízes e está sendo usado para justificar um grande estrago. Fala-se até em “recuperação judicial”, como se este instituto previsto na lei de falência, também fosse possível empregá-lo em benefício de um ente público federado. Quanta barbeiragem jurídica! Mas que o Estado do Rio de Janeiro está falido, está. Que o decreto de “calamidade financeira” segue incólume e vigente, isso também é verdade. Que “calamidade financeira” nada mais é do que o reconhecimento público e oficial da autofalência, ninguém põe em dúvida e nem contesta.
Então, por analogia, vamos às consequências que o decreto de “calamidade pública”, quer dizer, o decreto que confessa a autofalência produz. E recorrer à analogia não é heresia jurídica. O artigo 4º da Lei nº 12.376, de 30.12.2010 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro) aponta e autoriza, ao instituir a analogia como fonte do Direito.
CONSEQUÊNCIA DA FALÊNCIA – Desde o dia em que foi publicada no Diário Oficial, a falência (“calamidade financeira”) do Estado do Rio de Janeiro produziu efeitos imediatos, mas que não foram obedecidos e até hoje continuam descumpridos. O primeiro deles é o afastamento do governador do Estado e a nomeação pelo governo federal de um interventor, o que corresponderia à figura do síndico da massa falida. Segue-se a arrecadação de todos os bens do devedor, pois a sentença da falência (ou “decretação do estado de calamidade financeira”) afeta tanto o empresário individual como os sócios responsáveis pela quebra, que perdem a administração e disponibilidade de todos os seus bens.
Na falência é assim. Logo, no “estado de calamidade financeira” não pode ser diferente. Mas nada aconteceu. E tudo segue em afronta à legislação é à moralidade pública.
INTERVENÇÃO – O governador Pezão deveria ser imediatamente afastado. Ou por decisão dele próprio, ou por decreto do presidente da República, ou por ação do Ministério Público Estadual e mesmo pela Procuradoria-Geral da República, por que não? Afinal, o Brasil não é uma República Federativa formada pela união indissolúvel dos Estados, Municípios e do Distrito Federal? Ou seja, não é um ente só, uno e indissolúvel?
Ou até mesmo através de Ação Popular, proposta por qualquer cidadão-eleitor residente no Estado do Rio, com pedido de liminar para afastar Pezão da governadoria e a nomeação judicial de um interventor. E junto com Pezão, o afastamento todo o secretariado. Sem descartar a prisão preventiva de todos. Se na falência pode, porque na insolvência estatal não pode? Ou seja, uma intervenção total e completa, com nova administração. É assim na falência. É para ser também assim quando da decretação pelo Estado da “calamidade financeira”.
NINGUÉM SE COMOVE – Mas a desgraça que atinge a população do Estado do RJ não comove ninguém. E os que ocupam relevantes cargos e funções públicas prevaricam, quando deveriam agir. Isso não é com eles. É com o povo. E o povo que se dane. Sim, o povo, o alvo e sujeito principal de todos os direitos e atenções estatais, como consta logo no artigo primeiro da Constituição do Estado do Rio: “O povo é o sujeito da Vida Política e da História do Estado do Rio de Janeiro”.
Todos são culpados, até prova em contrário. A culpa e a consequente responsabilidade de todos os governadores e secretários que nos últimos vinte anos estiveram à frente da governadoria do Estado do RJ é culpa escancarada, culpa objetiva e que não precisa ser apurada. O estrago danoso é a maior prova. O que se pode fazer é investigar quem administrou pior, ou quem roubou mais e quem roubou menos. E nem venham alegar prescrição. Crime de lesa-pátria é imprescritível. E a pátria, a Nação Brasileira, é formada pela união de todos os Estados e o povo brasileiro é um só. A divisão em Estados e Municípios é meramente administrativa, circunscricional e jurisdicional. Não mais que isso.
QUE DIZ A PGE? – No decreto de prisão do ex-governador Sérgio Cabral, o juiz federal da 7a. Vara do Rio alude a contrato e aditivos referentes às obras a cargo do Estado. O caso do Maracanã é do conhecimento de todos. Orçou-se a obra primeiramente por um preço, depois vieram os aditivos elevando o preço. Considerando que o artigo 176, parágrafo 3º da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, dispõe expressamente:
“A Procuradoria-Geral (do Estado) oficiará obrigatoriamente no controle interno da legalidade dos atos do Poder Executivo e exercerá a defesa dos interesses legítimos do Estado, incluídos os de natureza financeiro-administrativa, sem prejuízo das atribuições do Ministério Público”,
cabe a indagação se a Procuradoria-Geral do Estado (PGE), que oficia obrigatoriamente no controle da legalidade dos atos do governador, não apurou, não detectou, não vislumbrou, não percebeu a menor ilegalidade nos muitos contratos que os governadores assinaram com empreiteras, notadamente no tocante à Copa do Mundo e à Olimpíada? Será que tudo foi feito, retificado e ratificado à luz do Direito, da legalidade, da razoabilidade, da honestidade, da moralidade, da isenção de interesse pessoal dos governantes? Em suma: foi tudo limpo?
COITADO DELES E DE TODOS NÓS – Esse quadro de quebra, de falência, de insolvência, de “calamidade financeira” vai levar muitos anos para que o Estado se reerga. Coitados de nós, povo fluminense. Coitados deles, os funcionários públicos do Estado. As contas da energia elétrica, do telefone, da água, do aluguel… a cobrança dos impostos, todos e tudo marcam um dia para o pagamento. E pagar à vista, de uma só vez. Enquanto isso o Estado não paga o salário de seus servidores, ativos, aposentados e pensionistas. E diz que, quando for pagar, vai pagar parcelado.
Você M. G. S., tem razão para chorar novamente. O Estado foi condenado a pagar pensão pelo assassinato de seu marido, que estava desempregado. Depois foi a vez de seu filho, assassinado, também. Você hoje é uma anciã e vive só. Por isso a pensão mensal que o ERJ vinha-lhe pagando, de apenas 1/3 do salário mínimo, era o seu único sustento. Agora, nem os quase R$ 300 você consegue receber. Miseráveis! Bandidos! Corruptos!.
Saibam que não os reconhecemos como autoridades. São irresponsáveis e boçais, a esmagar na imensa porcaria milhares e milhões de indivíduos que estão achatados numa prensa: ódio em cima, ódio embaixo, parafraseando Gracialiano Ramos (“Memórias do Cárcere, 2º volume, página 177).
22 de dezembro de 2016
Jorge Béja