"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 4 de novembro de 2017

PRECISAMOS VOLTAR A FALAR DE DELAÇÕES PREMIADAS

O naufrágio da delação dos donos e executivos da J&F, a aparente defesa de interesse deles por procurador da República quando ainda integrava a Lava Jato, o malogro da delação de Delcídio do Amaral, além da concessão de prêmios nada razoáveis a delatores, como é o caso da pena que Sérgio Machado cumpre em mansão à beira-mar, trouxeram dúvidas a respeito do instituto da delação premiada.

Surpreende-me que os questionamentos se limitem ao debate sobre a necessidade de melhor regulação do instrumento processual, quando, na verdade, as chagas expostas deveriam apontar para sua extirpação do ordenamento.

Antes de mais, vale informar que não se trata de mecanismo há muito em uso no direito brasileiro.

Ainda no Império, as Ordenações Filipinas autorizaram que o traidor de Tiradentes pudesse assistir de longe ao enforcamento e esquartejamento do alferes. A legislação penal republicana repeliu a delação premiada, até que, no fim do século 20, a reinserimos para o combate ao tráfico de entorpecentes e à extorsão mediante sequestro.

Nesses casos graves, digo logo, pouco se ouviu falar em delações.

A Lei 12.850, de 2013, robusteceu a disciplina da delação, dando impulso à concessão de prêmios a delatores. Pouca notícia há de que o instrumento tenha valido para desbaratar grupos de traficantes, mercadores de armas ou para colocar em prisões organizações perigosas de ladrões de banco, por exemplo.

Utilizamos a delação para atacar a corrupção, em que o traço de violência se restringe ao discurso dos procuradores, que dizem que os valores desviados de cofres públicos matam porque o pobre não tem atendimento de saúde adequado.

Se os recursos não tivessem sido desviados, os aparelhos de saúde seriam de outro mundo...

Fosse assim tão simples, os procuradores deveriam denunciar corruptos e corruptores pelas mortes havidas nos hospitais públicos, em vez de conchavar-se com os ladravazes, não? Mas a prática brasileira tem mostrado concessão de impunidade total ou parcial a bandidos que chegam a bom termo com o Ministério Público.

Fizemos da Lava Jato um patrimônio nacional. Qualquer palavra que se diga contra seus métodos faz do argumentante traidor da pátria, amante do malfeito, quando, na verdade, quem dá mãos ao crime, na forma de concessão de benesses a criminosos, não é quem expõe os problemas do instituto.

Note-se que o Brasil, hoje, não mais espera pela descoberta de um crime, com a punição do criminoso, depois do devido processo legal.

Estamos hipnotizados pela dinâmica de impor prisão temporária ou condução coercitiva, ameaçar transformá-las em preventiva, conseguir delação e partir para a próxima condução coercitiva, enquanto escondemos a ineficiência do sistema, revelada pela desconstrução da delação de Delcídio, ao lado da leniência com o malfeito, escancarada pela imunidade outorgada a Joesley e companhia e ao prisioneiro à beira-mar Sérgio Machado.

Nesse meio do caminho, dignidades são destruídas, muita vez injustamente, o que poderia ser evitado se as autoridades voltassem a investigar em vez de se limitarem a apostar nas próximas delações.

O problema não é de falta de regulamentação, mas de princípio: a traição que integra a essência do instituto da delação, ao ser adotada pelo Estado para premiar quem praticou crime, corrompe o sistema penal e a própria sociedade —que não percebe que, desde os tempos da vovó, a traição não é conduta a ser incentivada por prêmios.

ROBERTO SOARES GARCIA, 46, advogado criminal, integra a defesa do presidente Michel Temer e atuou como advogado de acusados da Odebrecht na Operação Lava Jato, sem ter participado de acordos de delação firmados; foi vice-presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa e coordenador da Comissão de Prerrogativas da OAB/SP

04 de novembro de 2017
Roberto Soares Garcia, Folha de SP

MILAGRES ACONTECEM. DESASTRES TAMBÉM

O perigo é quando agendas são mentirosas, candidatos mais fortes se desviam das principais questões e vendem soluções fáceis

Muita gente está desanimada com o cenário para as eleições presidenciais de 2018. E — quer saber? — o quadro, visto de hoje, mostra uma polarização perigosa. Esclarecendo: a polarização não é necessariamente perigosa. Não raro as sociedades ficam diante de opções opostas, entre uma agenda liberal e outra de esquerda, por exemplo. O perigo é quando as agendas são mentirosas, quando os candidatos mais fortes se desviam das principais questões e vendem soluções fáceis.

Para quem acha que isso está por acontecer no Brasil, sugiro voltarmos a 1992. Collor caiu, Itamar Franco assumiu em meio a uma crise econômica parecida com o pós-Dilma, recessão com inflação, mas ainda pior porque o país não tinha moeda com um mínimo de credibilidade. Haviam circulado nada menos que cinco moedas desde 1985, ano da redemocratização.

Em poucos meses de governo, Itamar teve três ministros da Fazenda. As expectativas só pioravam diante do então evidente despreparo do presidente para lidar com tamanha crise. No meio disso, Itamar recebe uma mensagem iluminada sabe-se lá de onde e nomeia Fernando Henrique Cardoso ministro da Fazenda. Talvez ninguém tenha sido mais surpreendido do que o próprio FHC, até então um satisfeito ministro das Relações Exteriores.

A escolha não entusiasmou. De fato, foi recebida com algum ceticismo. Fernando Henrique tinha mais credibilidade do que seus antecessores no cargo, mas não era economista nem especialmente familiarizado com a prática de política macroeconômica.

Foi, portanto, uma boa surpresa quando FHC, sociólogo do campo da esquerda à moda europeia, montou uma equipe com economistas de primeira e deu início a um programa claro: liquidar a inflação, introduzir a nova moeda e reformar as instituições econômicas na linha mais liberal e ortodoxa.

Deu no Plano Real e na eleição de FHC, em primeiro turno, em 1994 e 98, batendo Lula nas duas vezes. Não parecia, mas acabou sendo o homem certo na hora exata em que o país mais precisava.

O Real não foi apenas a introdução de uma moeda estável, reconhecida como tal pela população, mas o início de uma sequência de reformas que retiraram o caráter estatizante da Constituição de 1988. Modernizou a administração, do Ministério da Fazenda às estatais e bancos públicos, e introduziu a noção e as leis de responsabilidade fiscal.

Portanto, pessoal, milagres acontecem, e sempre há um jeito de sair da crise. Esta história parece dar razão à tese segundo a qual a sociedade encontra o líder de que precisa na hora em que precisa. A crise gera sua solução. Acrescente aí a doutrina econômica das expectativas racionais — as pessoas sempre tomam as decisões mais racionais e mais adequadas a seus interesses e necessidades — e pronto, é só esperar que surja o FHC de 2018.

Fácil demais, simples demais para ser verdade. O prêmio Nobel de economia deste ano, Richard Thaler, demonstra exatamente o contrário, que as pessoas frequentemente tomam decisões irracionais, contrárias a seus interesses. Falava das decisões econômicas, pessoais, mas pode-se aplicar à política. Quantos povos em quantos países não votam de maneira totalmente equivocada?

Ou seria Trump um líder selecionado pela História? E Dilma? Temer?

Por outro lado, é um fato que os franceses, colocados diante de radicais de esquerda (Mélenchon) e de direita (Marine Le Pen) e representantes da velha política, elegeram Macron, que se apresentou com uma agenda clara de reformas ditas impopulares (previdência, com aumento da idade mínima, trabalhista, com aumento da jornada de trabalho, e privatizações).

Portanto, pessoal, o Brasil não está perdido. Tampouco está salvo.

04 de npvembro de 2017
Carlos Alberto Sardenberg, O Globo

BANCÕES POUCO ANIMADOS COM 2018

Itaú e Bradesco não parecem assim animados com a recuperação econômica em 2018, a julgar pelas estimativas de crescimento do crédito desses dois bancões. Não foi o único copo de água fria em quem imaginava um crescimento maior do que o ora previsto para o ano que vem, de 2% e uns trocados.

Os resultados de indústria, comércio e serviços foram fracos no terceiro trimestre, pelo que se sabe até agora. A perspectiva de aumento de salário no ano que vem está sobre o muro, sub judice. Se o investimento federal "em obras" não diminuir em 2018, será um milagre. O investimento privado é um mistério emparedado entre o receio do resultado da eleição e a capacidade ociosa das empresas.

Mais animadores são os números da confiança de indústria, comércio, serviços e empresários. Estão em alta e, na média, voltaram ao mesmo nível de meados de 2014, o que não é lá grande coisa, mas freia receios maiores sobre 2018. Os consumidores, porém, ainda estão com o pé atrás.

BANCOS

O crédito no país pode crescer até 5% no ano que vem, disse o pessoal do Bradesco ao apresentar o balanço do terceiro trimestre (descontando a inflação, dá 1%. Muito pouco). Para quem prefere ver copos meio cheios, seria um avanço, pois, de setembro de 2016 a setembro de 2017, o recuo da carteira de crédito do banco foi de 6,7%. Neste ano, a baixa do crédito no país anda pela casa de 2% (levando em conta a inflação, uns 5%).

No Itaú, o crédito encolheu 5% até setembro. Para 2018, o banco estima crescimento entre nada e 4% de sua carteira de empréstimos –mais provável que fique mais perto de nada.

Bradesco e Itaú têm cerca de um terço dos empréstimos bancários do país. Logo, indicam para onde o vento sopra. No caso de outros bancos maiores do país, a Caixa, por exemplo, está com a língua de fora, sem capital. O BNDES vai continuar sob lipoaspiração.

SALÁRIOS

O aumento da média dos salários neste ano parece bem razoável, 2,4% sobre setembro de 2016, segundo o IBGE, em termos reais (isto é, descontada a inflação). No entanto, foi a inflação que fez parte boa do serviço de sustentar o poder de compra.

Os salários vinham com reajustes nominais altos, de 7% até meados do ano. Como a inflação caiu bem além da conta, houve ganhos inesperados de renda. Em setembro, porém, o ritmo do aumento nominal dos salários baixou a 4,9% ao ano. A inflação, por sua vez, deve sair da casa dos 3% para 4% em 2018.

Em tese, os reajustes nominais devem ser agora mais contidos, justamente por causa da inflação baixa deste 2017 e porque, enfim, há sobra de trabalho, desemprego enorme. Ou seja, há risco de os aumentos reais de salário estagnarem ou minguarem.

A compensação pode vir por meio do aumento da massa de rendimentos (total dos salários, digamos) devido ao aumento da ocupação. Isto é, com mais gente trabalhando, pode haver mais dinheiro para consumo. Um resto de ânimo pode vir da queda da despesa das famílias com o pagamento de suas dívidas, que continua.

Mas, como se nota, ainda estamos catando moedas a fim de manter a esperança de crescimento melhor em 2018.

04 de novembro de 2017
Vinicius Torres Freire, Folha de SP

MAIS OCUPAÇÃO, MENOS EMPREGO

O crescimento do trabalho informal não pode ser avaliado apenas como defeito conjuntural; o mundo do Trabalho passa por grandes mudanças

O desemprego recuou, mas a maior parte dos novos postos de trabalho é informal ou, simplesmente, corresponde a atividades “por conta própria”. É o que se viu nas estatísticas do IBGE, que acusaram queda no desemprego de 13,7%, pico registrado no trimestre terminado em março, para 12,4%, no trimestre terminado em setembro.

É uma situação que assegura mais poder aquisitivo, que vem beneficiada por outro fator: pela derrubada da inflação e, portanto, pela menor corrosão da renda com o aumento de preços. Mas à custa da queda das ocupações com carteira assinada.

Algumas avaliações sobre esse comportamento do emprego sugerem que o crescimento do trabalho informal e autônomo não passa de defeito conjuntural, digamos, da atual fase de retomada da atividade econômica. E que, mais à frente, o emprego volta a ser o que era.

Não dá para desfazer totalmente essa impressão. A recuperação por aqui é lenta e sujeita a instabilidades. Ninguém sabe, por exemplo, em que mãos vai ficar o comando político a partir de 2019. São fatores que freiam não só o investimento, mas, também, a contratação de pessoal. E, se esses obstáculos forem superados, será inevitável maior crescimento do emprego formal.

Mas não dá para contar com virada substancial no mercado de trabalho. Esta Coluna vem advertindo de que o emprego, tal como o conhecemos, passa por rápidas transformações, à medida que o setor de serviços segue absorvendo a maior parte da mão de obra e à medida que a tecnologia de informação, a internet, a inteligência artificial e toda sorte de aplicativos transformam as atividades profissionais.

Categorias profissionais importantes estão sendo atingidas pela modernidade. Os bancos, por exemplo, estão fechando agências e deixando de contratar pessoal porque o celular e os aplicativos substituem os caixas convencionais. Tendência parecida acontece no comércio, à medida que as compras eletrônicas dispensam lojas e vendedores. Tem o Uber, o Cabify e tantas outras virações que proporcionam atividades com remuneração até melhor do que o contrato de trabalho com registro em carteira. Os tempos que vêm aí poderão proporcionar trabalho e ocupação, mas não emprego.

Daí, dois efeitos colaterais perversos: a redução do arrecadação do Imposto de Renda na fonte sobre os salários; e a redução da arrecadação da Previdência Social, que já vem sendo fortemente prejudicada pelas aposentadorias precoces e pelo aumento da expectativa de vida da população.

Pode-se argumentar que o trabalho autônomo também está sujeito às regras do Imposto de Renda e das contribuições para a Previdência. No entanto, a falta de comprovação leva os contribuintes ou a fugir dos pagamentos ou a recolher valores mínimos. Além disso, no caso da Previdência, deixa de existir a contribuição do empregador.

Ou seja, além dos rombos já existentes, as mutações no trabalho tendem a criar problemas adicionais.

CONFIRA

» Marcha lenta

Não dá para comemorar demais o crescimento industrial de setembro, de 0,2% sobre agosto, perfazendo um acumulado de 1,6% nos nove primeiros meses do ano. A recuperação é lenta e desigual, mas promissora. O resultado ficou algo aquém do esperado mas, o principal indicador a considerar é a recuperação do poder aquisitivo da população, pelo aumento da ocupação e queda da inflação (como apontado no corpo desta Coluna), fator que tende a empurrar a indústria nos próximos meses.

04 de novembro de 2017
Celso Ming, Estadão

NÃO TEM SALVADOR DA PÁTRIA

As dificuldades para conquistar o eleitorado em 2018 não serão apenas de um eventual candidato apoiado pelo governo. O descontentamento da sociedade é amplo e salpicado de intolerância, e os anseios são variados
O governo Temer perdeu a batalha da comunicação. Houve vários avanços na agenda econômica e, segundo Carlos Pereira, com custo agregado (ministérios, recursos e emendas parlamentares) menor do que o de presidentes anteriores. Ainda assim, a desconfiança prevalece, com interpretação distorcida de qualquer iniciativa do governo.

No Congresso, a base governista se reduziu, ainda que talvez menos pelo desgaste das denúncias contra o presidente e mais pela dificuldade de Temer de ser cabo eleitoral em 2018. Como ensina Carlos Melo, o poder de um político hoje provém da perspectiva de poder no futuro.

A comunicação falha alimenta o déficit de credibilidade do governo, o que afeta o humor do consumidor. A sociedade não compreende que a queda da inflação e a recuperação em curso da economia não são acontecimentos fortuitos, mas sim frutos dos acertos da política econômica. Não confia, portanto, que haverá mais avanços. Assim, apesar da melhora do mercado de trabalho, antes do esperado, o medo do desemprego se mantém em patamares recordes e a confiança do consumidor não apresenta o mesmo vigor que a dos empresários, que caminha mais rapidamente para o campo otimista. Fosse o governo Lula, o retrato seria bem diferente.

Apesar disso, o governo de transição de Temer poderá entregar o que prometeu: uma ponte para 2019.

A economia importa, sim. Não é coincidência que, na eclosão dos protestos em 2013, a inflação de alimentos estava em 15% ao ano. A economia mais arrumada após o desastre dos últimos anos ajudará a conter o sentimento de indignação da sociedade, que já começa a recuar, segundo a Ipsos. E também poderá produzir um debate eleitoral mais maduro no campo econômico, que não negue os problemas, inclusive entre as candidaturas mais extremistas.

As dificuldades para conquistar o eleitorado em 2018 não serão apenas de um eventual candidato apoiado pelo governo. O descontentamento da sociedade é amplo e salpicado de intolerância, e os anseios são variados. Uma parcela da sociedade quer agenda econômica liberal; outra, intervencionismo econômico. Uma parcela é conservadora nos costumes; outra condena esses valores; e outra defende a liberdade. Uma deseja igualdade de oportunidades; outra teme a perda de seus privilégios. A colcha de retalhos é grande, com as mais diversas combinações nesses temas. Não se trata de esquerda versus direita, nem PT versus PSDB.

A sociedade brasileira é heterogênea. O desastre econômico e político exacerbou sua complexidade, o que deixa todos os candidatos vulneráveis. O diálogo com a sociedade é mais desafiador. A rejeição, mesmo a não políticos, é elevada. A desaprovação a Sergio Moro, por exemplo, atingiu 45%, segundo a Ipsos.

Ainda que este seja um fenômeno global, no Brasil há mais elementos.

A consequência é que, provavelmente, todos os candidatos terão “teto baixo”, inclusive aqueles com discurso estridente. Não há “salvador da pátria”. Apenas salvadores de alguns grupos, sem arrebanhar maiores parcelas da sociedade. Será uma eleição disputada, não só entre candidatos. A luta será também para tirar o eleitor do desalento. A eleição suplementar no Amazonas este ano, com pouco mais de 50% de votos válidos, é simbólica.

A pauta da eleição está crescendo entre os eleitores. O eleitor aos poucos migrará do atual estágio mais emocional para uma decisão mais racional de voto. E o quadro econômico deverá contribuir para esse movimento. Valores dos eleitores capturados nas pesquisas qualitativas, como experiência e honestidade, deverão ganhar maior importância.

Apesar de sermos hoje uma sociedade mais complexa, um sentimento une a todos: o desejo de melhorar a vida ou o crescimento sustentado. Essa agenda pressupõe zelo com as contas públicas, melhor gestão de políticas governamentais e ambiente de negócios favorável para atrair o capital privado. Não há fórmula mágica. E, desta vez, após o tombo, temos uma sociedade mais vacinada contra discursos fáceis.

Zeina Latif
04 de novembro de 2017
ECONOMISTA-CHEFE DA XP INVESTIMENTOS

AS MICRORRUPTURAS INSTITUCIONAIS

Uma obra da engenharia civil, salvo em casos de imprevisíveis desastres naturais, não desmorona sem antes emitir sinais, que isoladamente podem nada significar, mas que, no conjunto, constituem evidências de algum comprometimento.

Por analogia, o tecido institucional brasileiro vem revelando disfunções que, conquanto não sinalizem uma indesejada ruptura, inviabilizam, no médio prazo, qualquer perspectiva de desenvolvimento e paz social. São as microrrupturas institucionais. Destaco alguns dessas disfunções.

A Constituição de 1988, por uma manobra política, afastou-se da pretensão originalmente parlamentarista para fixar-se no presidencialismo, sem dispensar, contudo, instrumentos próprios daquele regime, como a Medida Provisória, que findou sendo uma versão piorada do execrado Decreto-lei.

Os requisitos de relevância e urgência da Medida Provisória jamais foram verdadeiramente apreciados no Legislativo, exceto em raríssimos episódios com incidental motivação política.

Esse instituto desmotivou a iniciativa de projetos de lei no âmbito do Legislativo e ensejou, na aprovação dos projetos de lei de conversão, uma abjeta barganha para liberação das emendas parlamentares.

A essa disfunção juntou-se o ativismo judicial, que prospera em virtude da mora legislativa, como no disciplinamento da greve no setor público, e de princípios constitucionais demasiado abertos, sem regras que fixem sua aplicabilidade para casos concretos, como no acesso aos serviços públicos de saúde, cuja judicialização encerra, frequentemente, conflitos com o princípio universal da escassez.

O ativismo judicial aprimorou-se a ponto de dispor sobre normas regimentais do Legislativo, ainda que não raro estimulado por demandas dos parlamentares insatisfeitos com reveses em sua própria Casa.

Apenas para argumentar, qual seria a reação se a algum parlamentar ocorresse a insana ideia de, mediante lei, estabelecer regras aplicáveis aos regimentos do Judiciário?

São kafkianas as normas processuais aplicáveis à responsabilização do Presidente da República, nos crimes de responsabilidade e nas infrações penais comuns de que tratam os arts. 85 e 86 da Constituição.

O processo de impeachment da deposta Presidente Dilma foi uma tediosa e infindável sequência de julgamentos burocráticos, que beiravam o ridículo.

De igual forma, as acusações recentes contra o Presidente Temer revelam um poder desproporcional do Chefe do Ministério Público Federal, capaz de paralisar o País ao promover um patético julgamento político, com enormes e desnecessários custos para o País.

Acompanhando uma tendência mundial, acolhemos, na legislação pátria, instrumentos poderosos de combate à corrupção, com especial destaque para a colaboração premiada e para os acordos de leniência.

É certo que a colaboração premiada permitiu desmontar organizações criminosas enraizadas na administração pública brasileira, mas não se pode esquecer que é tão somente um instrumento de investigação.

Quando procedente a colaboração, a premiação deveria seguir parâmetros objetivos a serem aplicados pela Justiça, vedada qualquer possibilidade de “indulto”.

Lamentavelmente, ela é, quase sempre, acompanhada de vazamentos, autorizados ou não pela Justiça, confundindo a sociedade que a entende como prova.

Os vazamentos se inserem em um ambiente de espetacularização, que assume enredo de novela animada por uma mórbida alegria popular pela desgraça alheia (Schadenfreude, em alemão).

Quando a colaboração se revela ineficaz, por ausência de prova, transparece para a sociedade que houve impunidade.

Acordos de leniência, por sua vez, estão envoltos em furiosos conflitos corporativos, que comprometem seus objetivos. A pertinente legislação é malfeita e demanda revisão.

São muitas as microrrupturas institucionais. Em algum momento, é preciso dar curso a um preventivo processo de repactuação dos limites dos Poderes e dos instrumentos de combate à corrupção, sem receio das previsíveis e indevidas reações corporativas.

04 de novembro de 2017
Everardo Maciel, Estadão

GAROTAS TÊM RAZÃO EM TEMER 0S QUE ALIMENTAM O ÓDIO DO FEMININO

Disfarçada de bruxa, uma menina de 7 anos deve participar de um arrastão de "doçura ou travessura" no prédio de uma amiga. Ela pergunta: "Pai, as bruxas existem?".

Achando que as bruxas podem ser apavorantes, o pai responde que elas não existem: bruxas são só fantasias para crianças brincarem. A menina insiste: e se aparecer algum adulto que não quer brincar? O pai garante que, na festa, bruxa só será disfarce de criança.

Na verdade, a menina não disse que ela tinha medo das bruxas. Ela perguntou se as bruxas existem e se há adultos que não topam brincar (não necessariamente adultos disfarçados de bruxas). Ou seja, talvez a menina não tenha medo das bruxas, mas, caso ela mesma seja a bruxa de brincadeira, dos "adultos" que não saberiam brincar.

Ela tem razão. Não precisou que as bruxas existissem para que 50 mil mulheres fossem queimadas vivas, enforcadas, afogadas e torturadas ao longo de poucos séculos, que, aliás, terminaram anteontem, menos de 300 anos atrás.

Para os leitores que pedem a lista dos 200 livros imperdíveis: "A Feiticeira" (prefiro "a bruxa"), de Jules Michelet (Aquariana, 2003).

Voltando: O Brasil tem a quinta maior taxa de feminicídio do mundo. Feminicídio não é qualquer assassinato de uma mulher; no ano passado, houve 5.657 registros de mulheres assassinadas, e 533 deles eram feminicídios.

Há feminicídio quando uma mulher é morta por ela ser mulher. A lei do feminicídio (13.104/2015 ) reconhece nele um crime de ódio: trata-se de odiar e matar uma mulher por sua diferença, por ela ser mulher.

Esse ódio do diferente está presente em grande parte da violência contra a mulher: o estuprador, por exemplo, não age por gostar "demais" das mulheres e não conseguir se controlar. O inenarrável deputado Jair Bolsonaro fala como se quisesse estuprar mulheres que acha gostosas. É um erro primário: sem exceções conhecidas, quem estupra odeia a sua vítima (e o feminino em geral).

Enfim, a caça às bruxas foi uma enorme onda de feminicídios, bem na aurora da modernidade. A nossa menina de Halloween tem razão em ter medo –não das bruxas, mas dos (homens) adultos que não brincam e, há 20 séculos, alimentam um formidável ódio do feminino.

Começou com a ideia de que Eva, a tentadora, seria responsável pela desobediência e pela desgraça de Adão. Continuou com a punição que Eva recebeu de Deus: parir com dor e estar sob o domínio do marido.

A literatura feminista mostra de maneira irrefutável, há quase meio século: repressão e ódio do feminino são constantes e talvez até princípios organizadores da nossa cultura.

É engraçado e compreensível que, ao mesmo tempo, o desejo feminino tenha sido idealizado como grande e fascinante mistério (Freud e a psicanálise entraram nessa), porque ele seria, desde aquele início bíblico, o protótipo do desejo sexual que deveria ser recalcado para que Adão e sucessores vivessem em paz.

Qualquer flecha contra essa estranha ordem do mundo é bem-vinda. Chester Brown acaba de publicar uma extraordinária história em quadrinhos, "Maria Chorou aos Pés de Jesus - Prostituição e Obediência Religiosa na Bíblia" (Martins Fontes).

Ele reconstrói as histórias de personagens que conhecemos bem: Caim e Abel, Tamar, Raabe etc., até Maria, mãe de Jesus. Só aos poucos nos damos conta das pequenas distorções que Brown introduz, sempre para mostrar outra possibilidade de situar o desejo feminino na história.

A coisa desabrolha quando Brown explica a suposta virgindade de Maria como uma maneira oculta de contar que Maria era promíscua e não saberia de quem Jesus seria filho –entendendo que a promiscuidade seria originalmente um traço positivo de várias figuras femininas do Antigo Testamento: figuras fortes, livres, cujo desejo não seria submisso ao do homem.

Mesmo que você se indigne com tanta "ousadia", não desista. Os quadrinhos são acompanhados de notas e referências bibliográficas preciosas: Chester Brown conhece a história bíblica, suas variantes, suas interpretações possíveis e sua exegese. Perder-se nos livros que ele cita, aliás, é sumamente interessante.

E, sobretudo, lembre-se: a de Brown é uma empreitada desesperada contra séculos de repressão cultural. Desesperada, mas portadora de uma grande esperança: a de que uma menina, no dia de Halloween, não precise ter medo de ser menina e de se vestir de bruxa.

04 de novembro de 2017
Contardo Calligaris, Folha de SP

A ESCRAVA QUE NÃO É ISAURA

É uma afronta à Lei Áurea e aos direitos humanos utilizar a lei que aboliu a escravidão no País como argumento para receber mais que o teto previsto na Constituição

A ministra dos Direitos Humanos, Luislinda Valois, apresentou um pedido ao governo para acumular o seu salário de ministra com o de desembargadora aposentada, o que lhe garantiria vencimento bruto de R$ 61,4 mil mensais, revelou o Estado. Por força do teto constitucional, ela recebe atualmente R$ 33,7 mil mensais. Essa situação, “sem sombra de dúvidas, se assemelha ao trabalho escravo, o que também é rejeitado, peremptoriamente, pela legislação brasileira desde os idos de 1888 com a Lei da Abolição da Escravatura”, diz o pedido apresentado no início de outubro.

É uma afronta à Lei Áurea e aos direitos humanos utilizar a lei que aboliu a escravidão no País como argumento para receber mais que o teto previsto na Constituição. A remuneração dos ocupantes de cargos públicos não pode exceder o subsídio mensal dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), diz o art. 37, XI da Constituição.

Insatisfeita com os seus rendimentos de R$ 33,7 mil mensais, a ministra dos Direitos Humanos fez uma interpretação muito peculiar do que seria o teto constitucional. “Ao criar o teto remuneratório, não se pretendeu, obviamente, desmerecer ou apequenar o trabalho daquele que, por direito adquirido, já percebia, legalmente, os proventos como sói acontecer na minha situação”, diz Luislinda Valois, referindo-se ao fato de que ela – obviamente sem contar as famosas verbas indenizatórias – já recebia R$ 30.471,10 como desembargadora aposentada e, portanto, o acréscimo em seus proventos pelo cargo de ministra se resume a R$ 3.292 mensais brutos.

E é justamente isso – receber pelo cargo de ministra apenas R$ 3.292 mensais – que faz a ministra dos Direitos Humanos achar que sua situação é equiparável à dos escravos. “Todo mundo sabe que quem trabalha sem receber é escravo”, disse Luislinda Valois ao Estado. Talvez não seja de todo inútil informar-lhe que o salário mínimo no País é de R$ 937 e que a imensa maioria dos trabalhadores não tem direito ao que Luislinda Valois, pelo fato de ser ministra, tem: carro com motorista, jatinhos da FAB à disposição, cartão corporativo e imóvel funcional.

Se Luislinda Valois sente-se insatisfeita e desmerecida com as condições de seu trabalho a ponto de equipará-lo à escravidão, deve imediatamente pedir demissão de seu cargo de ministra de Direitos Humanos, em vez de requisitar que o governo descumpra a Constituição e lhe pague R$ 61,4 mil mensais.

O pedido apresentado por Luislinda Valois é manifestação de absoluta incompatibilidade com o cargo que ocupa. O respeito aos direitos humanos tem como requisito primário o cumprimento da lei. Quem busca um privilégio que afronta a Constituição – receber do Estado R$ 61,4 mil mensais – não preenche as condições para ocupar a chefia do Ministério dos Direitos Humanos.

Além de respeitar a lei, quem comanda o Ministério de Direitos Humanos precisa ter um mínimo de sensibilidade com a situação do governo e do País. Há um grave problema fiscal, de difícil resolução, com consequências para todos, população e governo. Basta ver a árdua batalha para aprovar a reforma da Previdência. Além disso, há gravíssimos problemas sociais, a começar pelos 12,96 milhões de brasileiros desempregados, segundo dados do IBGE. Enquanto isso, a ministra dos Direitos Humanos apresenta um pedido de 207 páginas ao governo federal para que possa receber R$ 61,4 mil mensais.

Quando questionada sobre a razoabilidade de seu requerimento e de seu argumento sobre a escravidão, Luislinda Valois disse-se triste com a repercussão do caso. “Estou muito triste. Sempre fui muito correta, estudiosa e não admito que queiram me levar para o lado negativo. (...) Tanta coisa que tem que se fazer no País e as pessoas ficam se apegando a miudezas? Eu só quero o meu direito de peticionar.”

Certamente, cabe-lhe o direito de postular suas pretensões salariais e de dizer o que pensa. O que não cabe é fazer tais pedidos e interpretações e continuar ocupando o Ministério dos Direitos Humanos. Se o pesado cargo lhe é demais, alforrie-se. Ela é livre para isso. O que ela chama de “miudezas” está longe de ser miudezas – são acintosos privilégios num país de desprivilegiados.

04 de novembro de 2017
Editorial O Estadão

COMPARANDO RECESSÕES

Sabe-se o que é uma recessão –a queda aguda, ampla e prolongada da atividade econômica. Nem sempre se pode determinar com exatidão, entretanto, o momento em que uma se inicia ou se encerra.

Torna-se consensual, de todo modo, o diagnóstico de que chegou ao fim o devastador ciclo recessivo experimentado pelo Brasil. Documento recém-elaborado por um comitê de estudiosos, reunido na Fundação Getulio Vargas, avalia que o período de contração estendeu-se do segundo trimestre de 2014 ao fim de 2016.

A demora em se chegar a tal conclusão dá ideia de como o setor produtivo ainda está debilitado. Investimentos empresariais se mantêm em baixa; a expansão da indústria e do comércio é tíbia; o desemprego cai, mas graças à criação de vagas sem carteira assinada.

Uma crise tão brutal deixa sequelas duradouras, que transcendem o campo econômico.

Até onde os dados alcançam, a recessão que ficou para trás figura entre as quatro maiores vividas pelo país desde o século 20 –e é candidata à condição de pior delas.

Não há mais do que estimativas precárias acerca da derrocada de 1930-31, quando a Grande Depressão americana derrubou as exportações do café. Mas não restam dúvidas quanto a seu impacto: findava ali a República Velha, baseada no poder agrário.

Comparações mais precisas se podem fazer a partir dos anos 1980, quando o Produto Interno Bruto nacional começou a ser medido em bases trimestrais. O período compreende ainda a ruína do modelo de desenvolvimento fomentado pela intervenção estatal.

De acordo com os critérios do Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codace, abrigado pela FGV), somente a retração de 1981-83 rivaliza em intensidade com a de 2014-16, quando o PIB encolheu assustadores 8,6%. Em duração, o ciclo recessivo mais recente iguala o recorde de 11 trimestres apurado entre 1989 e 1992.

Editoria de Arte/Folhapress



O cotejo merece ressalvas, contudo, dado que o cálculo do produto passou por expressivas mudanças de metodologia no período. Ademais, o crescimento populacional acelerado nas décadas anteriores implicava taxas maiores de queda da renda por habitante.

Fato é que recessões de tal calibre escancaram profundas fragilidades e equívocos da gestão econômica, dos quais resultam desequilíbrios como excesso de dívidas ou descontrole da inflação.

No caso presente, um colapso orçamentário ainda a ser superado –o que não se dará sem conflitos e transformações políticas.

04 de novembro de 2017
Editorial Folha de SP

RESGATE DA HECATOMBE

Vítima do surto nacionalista da aliança entre Lula e Dilma, estatal foi salva pelo impeachment

Há muito o que analisar, debater, inventariar e registrar para a História — a fim de que erros não se repitam —, sobre a devastadora passagem do lulopetismo pelo poder em Brasília. Mais exatamente a partir de 2005, ainda no primeiro mandato de Lula, quando eclodiu o escândalo do mensalão, e o poderoso ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu recebeu um impacto direto do caso, deixou o cargo e abriu espaço para a ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, ser ainda mais influente no Planalto. Ela assumiu o lugar de Dirceu, naquele ano, e dividiria com Lula — que hoje, em campanha, se esforça para se distanciar da pupila — a guinada da política econômica, que iria literalmente quebrar o país e a abalar a Petrobras. Isso, sem desmerecer o peso da corrupção nessa crise, relacionada ao projeto de poder lulopetista e aos anseios de melhoria de padrão de vida de companheiros, Lula à frente. Além de aliados.


A volta de Lula a receitas do velho PT ocorreu no fim do seu segundo mandato, com Dilma atuando de escudeira. A aceleração da crise mundial a partir de fins de 2008 levou à “nova matriz econômica”, com sua visão protecionista, de reserva de mercado etc. A confirmação de grandes reservas de petróleo no pré-sal foi usada para justificar um programa “geiselista” de substituição de importações de equipamentos usados na área de exploração como navios, sondas, plataformas.

Coerente com a visão cartorial da economia do velho PT — na verdade, no PT de sempre —, instituiu-se um monopólio estatal na operação nessas áreas, criou-se uma participação compulsória de 30% da estatal em todos os consórcios do pré-sal, enquanto se fixavam índices de nacionalização dos equipamentos inexequíveis, considerando os padrões mínimos de custos e eficiência. Nem mesmo técnicos da estatal deixavam de criticar os índices. Não publicamente, por óbvio.


Essa reserva de mercado, para viabilizar uma indústria de equipamentos usados pelo setor, produziu, como no programa do governo Geisel, aumento de custos, descumprimento de prazos, logo, ineficiência nas empresas forçadas a adquirir esses bens de capital. A Petrobras padeceu dos mesmos problemas — como esperado. Outro golpe forte na estatal foi o congelamento dos preços dos combustíveis, para mascarar a inflação deflagrada por Dilma por meio de uma política fiscal desregrada. Sem executar projetos de investimento de forma eficiente, devido à reserva de mercado, sem praticar preços de mercado nos seus produtos e abalada por superfaturamentos absurdos, a fim de bombear dinheiro para a corrupção do petrolão, a Petrobras acumulou prejuízos e viu seu preço de mercado desabar.

O impeachment de Dilma salvou a empresa, que passou a ter gestão profissional, para abater dívidas com a venda de ativos, voltar a tornar atrativos os leilões em áreas do pré-sal e passar a praticar preços relacionados ao mercado internacional. Apenas no ano passado, o valor da estatal subiu 106% — indicador seguro do resgate da confiança dos investidores na empresa.


04 de novembro de 2017
Editorial O Globo

O PASSEIO CHEFIADO POR MAIA TEM A CARA CAFAJESTE DO BRASIL

Oficialmente, a comitiva liderada por Rodrigo Maia participa de "uma cerimônia no monumento votivo militar brasileiro". Conversa de 171

Nesta quinta-feira, Dia de Finados, os brasileiros comuns estarão visitando o túmulo da família, que frequentemente abriga dez parentes. Enquanto isso, na Itália, dez brasileiros da classe especial estarão caprichando na pose de viúva inconsolável num cemitério em Pistoia que hoje abriga um homem só. É o único soldado da FEB morto na 2ª Guerra Mundial que não foi identificado.

É o único que ficou por lá depois do traslado para o Brasil do último dos mais de 600 pracinhas sepultados na cidade italiana. Todos os anos, o país é representado nessa solenidade pelo embaixador em Roma. Desta vez, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, estará por lá escoltado por nove deputados. Segundo a programação oficial da comitiva, os dez pais-da-pátria estão abrilhantando “uma cerimônia no monumento votivo militar brasileiro”. Conversa de 171.

Os turistacom foro privilegiado precisavam de algum pretexto para incluir a Itália no roteiro da missão oficial que começou em Israel no fim de semana e vai terminar em Lisboa no próximo sábado. Ninguém sabe o que os integrantes da excursão fizeram de útil nos cinco dias em que desfrutaram dos confortos do Hotel Rei David, o mais estrelado de Jerusalém e um dos melhores do Oriente Médio.

A diária mais barata cobrada pelo hotel supera os US$ 428 embolsados a cada 24 horas pelos acompanhantes de Rodrigo Maia — que, por ser presidente da Câmara, ganha US$ 550 por dia. Se gastaram tudo no hotel, de onde veio o dinheiro para a comida, a bebida e os deslocamentos urbanos em Israel? O transporte aéreo é grátis. Para eles, porque os pagadores de impostos bancam também o avião da FAB — mais precisamente, da frota da FABTur — que já na sexta-feira voará para Lisboa levando a bordo a carga de congressistas.

Na capital portuguesa, a comitiva programou dois compromissos: um “encontro com diplomatas”, cujos nomes não foram revelados, e “uma palestra”, sabe Deus ministrada por quem abe quem dará a palestra. Como ninguém e de ferro, o sábado foi reservado a uma “agenda privada”. Tradução: os viajantes poderão gastar nosso dinheiro como e onde quiserem.

Se essas missões oficiais de araque fossem simplesmente abolidas, o Brasil não perderia nada. E ficaria um pouco menos cafajeste.


04 de novembro de 2017
Augusto Nunes, VEJA

A ELEIÇÃO PRESIDENCIAL COMEÇA A TOMAR FORMA

Lula aposta na possibilidade de ‘gerar uma comoção nacional’, caso venha a ser condenado em segunda instância

Ao cabo de intermináveis 160 dias, a crise política deflagrada em 17 de maio parece ter chegado ao fim, na semana passada. É hora de avaliar danos e verificar em que medida a travessia de 2018 ficou mais difícil. Com o país já a 11 meses das eleições, a sucessão presidencial passa a ser agora a questão crucial.

Boa parte do ano foi consumida em manobras para bloquear denúncias da Procuradoria-Geral da República contra o presidente. No final das contas, além de passar incólume pelo julgamento do Tribunal Superior Eleitoral, Temer conseguiu que a Câmera preservasse seu mandato. O que não é pouco.

Mas a preservação do mandato lhe saiu muito cara. A janela de oportunidade para aprovação da reforma previdenciária parece ter sido perdida. O capital político com que contava Temer no Congresso foi, em boa parte, dilapidado. A bancada governista encolheu, tornou-se menos confiável, mais conflagrada e incomparavelmente mais voraz. O vale-tudo para reforçar o apoio ao bloqueio das denúncias contribuiu para corroer ainda mais a imagem do presidente.

Como a travessia dos próximos 12 meses poderá ser afetada? As metas fiscais tiveram de ser relaxadas. E é quase certo que a reforma previdenciária terá de ser adiada. O governo ainda parece acreditar que, até dezembro, terá tempo para melhorar em alguma medida as perspectivas do quadro fiscal. Mas, com a proximidade do ano eleitoral, já não parece haver, no Congresso, disposição para aprovar medidas que possam contrariar o eleitorado.

É bem verdade que inflação abaixo da meta, taxa real de juros prestes a cair a menos de 3% e a perspectiva de uma retomada relativamente vigorosa da economia, em 2018, podem compensar, em alguma medida, as apreensões com o quadro fiscal mais adverso e ajudar a travessia.

Mas o destravamento de decisões de investimento ainda depende de um desfecho favorável na disputa presidencial do ano que vem. Ainda há muita água para passar debaixo da ponte. Mas, em meio a poucas certezas e muitas dúvidas, a configuração da disputa começa a tomar forma.

Enredado em sérias dificuldades com a Justiça, Lula parece empenhado em ser candidato a qualquer custo. E aposta na possibilidade de “gerar uma comoção nacional”, caso venha a ser condenado em segunda instância. O PT continua alegando não ter plano B. E vem tentando se eximir de qualquer culpa pelo desastre em que meteu o país. Seu último programa veiculado na televisão é um primor de mistificação. Atribui o descalabro deixado por Dilma Rousseff à “crise internacional de 2015”, ano em que a economia mundial cresceu 3,1%, e as economias emergentes, nada menos que 4%!

No lado oposto do espectro, o discurso extremado de Bolsonaro continua lhe assegurando bom desempenho nas pesquisas de intenção de votos. Ainda há quem acredite que sua candidatura poderá vir a ser sufocada por falta de recursos. Mas o mais provável, por ora, é que Bolsonaro tenha votação expressiva, que candidatos de centro terão de levar em conta, caso queiram chegar ao segundo turno.

O que mais importa, no momento, é como o centro do espectro de forças políticas deverá se apresentar na disputa presidencial. Por sorte, já há sinais de que os principais pré-candidatos de centro perceberam, afinal, que o mais prudente, tendo em vista o que lhes espera, à esquerda e à direita, é unir forças e tentar construir uma ampla coalizão, multipartidária, em torno de um deles.

Não se pode subestimar as enormes dificuldades envolvidas nesse desafio. Mas não há como deixar de enfrentá-las. E parece a cada dia mais claro que a única argamassa que pode dar solidez a uma coalizão tão ampla e heterogênea — que vá de tucanos “cabeças pretas”, de um lado, à tropa de choque de Temer, do outro — é o compromisso comum com a manutenção, no próximo mandato presidencial, da política que vem sendo levada à frente pela equipe econômica do atual governo. Política que Lula vem prometendo, país afora, desmantelar.

É isso que estará em jogo em 2018. E não há tempo a perder.


04 de novembro de 2017
Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio
O Globo

A ESCRAVA LUISLINDA

A ministra dos Direitos Humanos, logo ela, quis aproveitar a onda contra o “trabalho escravo” para dobrar o seu salário. Assim também já é demais

Ninguém sabia até algumas horas atrás quem era essa Luislinda Valois, ministra dos Direitos Humanos – sim, acredite ou não, existe tal emprego no Brasil Para Todos: “ministro dos Direitos Humanos”, com direito a carro chapa branca e todas aquelas outras cerejas no bolo que você conhece tão bem. Luislinda, em condições normais, seria mais um caso de alta autoridade que faz a costumeira viagem do anonimato para o anonimato. 
Mas a ministra resolveu aparecer – e armou um desastre que, a partir de agora, se transforma na história da sua vida. “Luislinda?”, vão dizer no futuro os que ainda se lembrarem do caso. “É aquela que queria ganhar 60.000 reais por mês, porque acha que os 33.000 e tantos que está ganhando são tão pouco que caracterizam trabalho escravo.”

A ministra queria somar o seu salário de desembargadora na Bahia aos vencimentos que tem à frente o ministério. Não pode, embora seja praticado abertamente de norte a sul em nosso Brasil brasileiro por um monte de gente que manda mais do que ela. Mas há certas coisas que não dá para fazer nem em Brasília. Dizer-se vítima de “trabalho escravo” ganhando mais de 30.000 reais por mês, e pedir que o erário público lhe pague o dobro do que já está pagando, é uma delas.

Não deu certo. Todo o mundo ficou sabendo, porque foi publicado na imprensa, e Luislinda teve de desistir subitamente do requerimento que havia feito. Porque desistiu, se achava que tinha razão? Afinal, ela foi capaz de escrever uma petição com mais de 200 páginas exigindo os seus 60.000. É coisa muito pensada, que levou tempo e deu trabalho para fazer – só de pensar na obrigação de ler um negócio desses a pessoa já fica exausta. Se considerava a si mesma tão cheia de razão, tinha de insistir no seu pedido – no mínimo, para não incentivar essa turma que, segundo a pregação corrente na praça, quer abolir a abolição da escravatura. Mais: se o governo não iria atender ao seu grito de revolta, ela teria, pelo menos, de pedir demissão do cargo.

Que esperança. Luislinda continua lá, com salário de escrava e tudo, porque no fim das contas é isso o que lhe interessa: ficar. É a atitude clássica do mandarim brasileiro. Se faz alguma coisa escondido e ninguém percebe, beleza. Se ficarem sabendo e der confusão, Suas Excelências caem fora.

O ministério ocupado por Luislinda, em si, já é uma trapaça gigante. Direitos Humanos? Como, num governo que gasta mais de 1 trilhão de reais por ano, não há ninguém para cuidar disso? Precisa de ainda mais gente? É engraçado: quando mais imprestável é alguma coisa no serviço público, maior é a tendência de seus responsáveis se meterem em casos assim. A ministra só é diferente numa coisa, apenas uma, da manada de promotores, procuradores, juízes, desembargadores (ela tem esse cargo, aliás), ministros dos tribunais regionais, superiores e supremos, marajás variados, etc.: quase todos eles violam sem o menor constrangimento a lei do teto salarial e saem ganhando sempre. Luislinda, no fundo, é apenas mais uma prova, agora apresentada de uma forma francamente patética, do mundo de demência em que vivem os altos funcionários deste país. Passam a acreditar, com empenho fanático, que a realidade é aquela que vivem, e que o pagador de impostos tem a obrigação de prover o bem estar que decidem ser indispensável para si próprios. A psiquiatria chama isso de “desordem delusional” – o conjunto de alucinações e crenças psicóticas através das quais o indivíduo nega a realidade ao seu redor e constrói um universo artificial onde tudo existe em função de seu interesse pessoal. É um distúrbio ilusório grave. Parece que não tem cura.

04 de novembro de 2017
J.R.Guzzo,  VEJA

A MÍDIA DOS SONHOS DE LULA

Definitivamente, não é democrata quem pretende, como anunciou, 'fazer a regulação dos órgãos de imprensa'

Não se pode dizer que Lula da Silva não tente, com córnea obstinação, parecer um democrata. Em sua campanha eleitoral antecipada, o ex-presidente costuma dizer, por exemplo, que, quando perdia alguma eleição, voltava “quieto para casa”, isto é, teria sempre aceitado o resultado com resignação democrática. Em seus discursos, também levanta a voz para defender o que chama de “estado de direito”, que em sua opinião estaria em risco no País, e o maior exemplo dessa ameaça seria a “perseguição política” de que se diz vítima, sem falar no alegado “golpe” contra sua pupila, a presidente cassada Dilma Rousseff. Na segunda-feira passada, chegou a dizer que vai “trazer a democracia de volta para este país”. Quem o ouve falar, portanto, pode até imaginar que ali, no palanque, está um homem devotado às liberdades.

Mas esse figurino de campeão da democracia não cai bem em um líder político que incita seus seguidores a odiar quem não pertence à patota e quem procura revelar o que ele gostaria de esconder, isto é, a imprensa livre e independente. Definitivamente, não é democrata quem pretende, como anunciou, “fazer a regulação dos órgãos de imprensa”, um eufemismo nada sutil para um declarado programa de controle estatal dos meios de comunicação. E Lula, no mesmo discurso em que denunciou o suposto autoritarismo de seus adversários, disse que “a gente (ele e Dilma) foi muito condescendente com os meios de comunicação” e “a gente não pode permitir que nove famílias continuem dominando a comunicação e inventando mentiras”.

Com essas declarações, Lula revela todo o seu antagonismo a quem não o venera como a encarnação do “povo”. Mas só se surpreende com esse comportamento quem não conhece Lula ou dedica a vida a adulá-lo. Pois o chefão petista sempre manifestou, em palavras e atos, seu menosprezo pelos pilares da democracia, a começar pela liberdade de imprensa.

Como esquecer, por exemplo, que em 2004 o então presidente Lula mandou cassar o visto de trabalho do repórter norte-americano Larry Rohter quando este publicou no New York Times reportagem sobre os supostos hábitos etílicos do petista? Na ocasião, Lula lançou mão de uma lei característica do regime militar para considerar “inconveniente” a presença de Rohter em território brasileiro. Ou seja, Lula confundiu sua figura pública com a do Estado, considerando a ofensa pessoal um atentado à soberania brasileira. Diante disso, não titubeou em atacar o jornalista e seu jornal, deixando claro, a quem interessar pudesse, que ele e a máquina estatal sob seu comando não tolerariam mais que jornalistas estrangeiros se dessem a liberdade de escrever o que bem entendessem, embora essa liberdade estivesse inscrita, em caráter permanente, na Constituição que Lula jurou respeitar.

Esse não foi um episódio isolado. Em 2006, o governo de Lula patrocinou a proposta de criação de um “Conselho Federal de Jornalismo”, cujo objetivo era “orientar, disciplinar e fiscalizar” o exercício da profissão de jornalista. A proposta foi prontamente rechaçada por diversos setores da sociedade em razão da óbvia tentativa de cerceamento da livre manifestação do pensamento.

Também sob o governo Lula, ministros chegaram a elaborar um projeto de regulação das comunicações que, além do necessário marco regulatório da propriedade e do funcionamento técnico do setor, previa o “controle social” da mídia, um nome que mal disfarçava a intenção de vigiar o conteúdo veiculado por meios independentes. A isso os petistas deram o nome de “democratização dos meios de comunicação”, e foi isso o que Lula agora diz lamentar não ter feito quando teve a oportunidade.

Para Lula, a responsabilidade pelo calvário petista – que inclui a prisão de vários dirigentes por corrupção, a condenação do próprio ex-presidente e o impeachment de Dilma Rousseff por crime de responsabilidade – recai em primeiro lugar na imprensa, que insiste em noticiar os escândalos em que os petistas teimam em se meter. No mundo ideal de Lula, portanto, imprensa boa é imprensa subserviente ou simplesmente muda.


04 de novembro de 2017
Editorial Estadão

ME ENGANA QUE EU GOSTO

Luislinda Valois, Lula e Bolsonaro, exemplos de mistificação para tirar vantagem
Políticos vivem de mistificações e muitos deles, ao mesmo tempo em que se colocam como vítimas por serem negros, mulheres, (ex) pobres ou de recantos longínquos do País, usam essas mesmas condições para se fazerem populares e abocanharem privilégios. Ninguém desconhece que o Brasil tem ranços racistas e machistas e que a principal origem de nossas piores mazelas está na desigualdade social, mas usar essa triste realidade para detratar os adversários, de um lado, e obter simpatias e boquinhas, do outro, é ilegítimo e cínico.

A ministra dos Direitos Humanos, Luislinda Valois (PSDB), é desembargadora aposentada, mulher das leis, mas, quando a lei afeta seus interesses, aí são outros quinhentos. Como mostrou a Coluna do Estadão, ela tentou furar o teto salarial do funcionalismo, de R$ 33,7 mil, e acumular R$ 61,4 mil com aposentadoria e salário de ministra, alegando que a adequação à lei, “sem sombra de dúvidas, se assemelha ao trabalho escravo”. Logo, quis tirar vantagem com a conexão entre sua condição de negra e a escravidão, quando o teto vale (ou deveria valer) para brancos, negros, mulatos, asiáticos...

Curiosamente, não há registro de nenhuma manifestação de Valois contra a portaria do trabalho escravo que mobilizou o País. Se alguém no governo botou a boca no trombone, foi a secretária nacional de Cidadania, Flávia Piovesan – aliás, exonerada na quarta-feira pela Casa Civil. Alegação: ela já estava a caminho mesmo de Washington, para representar o Brasil na Comissão de Direitos Humanos da OEA. Ah, bom!

O caso Luislinda Valois remete a um outro personagem que, há décadas, usa a seu favor a imagem de pobre, migrante nordestino, operário e... “de esquerda”. Sim, Luiz Inácio Lula da Silva, o inimputável, o que pode tudo, ganhar presentes de empreiteiras, fatiar a propina da Petrobrás, ratear estatais e fundos de pensão entre os “cumpanheiro”, jogar as culpas na mulher já falecida, lavar as mãos diante dos erros da pupila feita presidente da República.

Se Valois quis driblar a lei por ser negra e argumentar contra a escravidão (dela, não dos outros), Lula sempre se pôs acima de críticas, de regras e agora da lei porque tem a biografia que tem. E como cuida bem dessa biografia! Em nome dela e da mítica do nordestino pobre e “perseguido pelas elites”, ele preferiu aceitar sítio, triplex na praia e apartamento em frente ao seu de presente, em vez de simplesmente comprá-los. Seu dinheiro legal dava e sobrava para isso. Mas perder a aura de pobrezinho? Jamais. Esse é o seu “trunfo”.

A mitificação vale também para o presidenciável Jair Bolsonaro, que se faz passar por “militar” até hoje, angariando apoios e simpatias nas bases das Forças Armadas e de saudosistas da ditadura, apesar de estar na reserva do Exército desde 1988, como capitão, estar na política desde 1990, há quase 30 anos, e desfrutar do seu sétimo mandato como deputado federal.

Para se consolidar no segundo lugar das pesquisas e escamotear sua falta de condições para disputar a Presidência, o que ficou chocantemente evidente em suas últimas entrevistas, Bolsonaro se esconde por trás da fantasia de “militar”, da mesma forma como Lula usa a de “pobre e do povo”, e Valois, a de “negra vítima da escravidão”.

São todas mistificações para dourar a realidade ou “enganar um bobo, na casca do ovo”. Não um, mas milhões de bobos que não conseguem ver que Lula, o campeão das pesquisas, é réu seis vezes, já condenado uma vez, e deixou de ser pobre há décadas. E que Bolsonaro, o segundo colocado, foi um militar expelido prematuramente da tropa e é um político medíocre, que só sai do anonimato raramente e à custa de bandeiras do atraso. Só não vê quem não quer.

04 de novembro de 2017
Eliane Cantanhede, Estadão

A VOCAÇÃO DA BOA POLÍTICA

A ansiedade é péssima analista da realidade, especialmente da política. No afã de decretarem o fim de um governo 14 meses antes do prazo, alguns jornalistas e comentaristas políticos, além de roucas vozes do "quanto pior, melhor", correm para afirmar que nada relevante será aprovado até a posse do próximo presidente, em 2019.

Dá para levar a sério a hipótese de paralisia até lá?

Provar que as vivandeiras estão enganadas é dever não só do governo Michel Temer, mas de cada deputado e senador efetivamente dedicado ao Brasil, não só à extensão do próprio mandato.

A melhor forma de se fazer isso é retomar a agenda de reformas com a qual se comprometeram todos aqueles que apoiaram o impeachment, em especial o PSDB. Boas mudanças têm aval popular: em 1998, os partidos que apoiaram as propostas do governo FHC ampliaram suas bancadas.

Pela afoiteza e pelos interesses não esclarecidos de pretensos paladinos, apoiados por falsos arrependidos, desperdiçamos meses no avanço dessas medidas, quando deveríamos conciliá-las aos processos investigatórios.

Apesar disso, a economia apresentou performance louvável: inflação abaixo da meta, juros em queda e a volta do crescimento e do emprego após a recessão lulopetista. Imagine como não estaríamos se em maio

tivéssemos começado a aprovar a reforma da Previdência...

Não podemos ignorar a necessidade de se garantir a sustentabilidade do sistema previdenciário, acabar com regras que privilegiam os mais ricos e escolarizados, assim como a elite da burocracia, que consome bilhões nos Poderes Executivos e Legislativo, mas também no Judiciário e no Ministério Público.

Há igual urgência em mudar o sistema tributário, que cobra proporcionalmente mais impostos dos pobres que dos ricos, distorção total do papel do Estado.

São medidas essenciais para o Brasil recuperar os empregos destruídos pelo governo passado e oferecer melhores condições fiscais ao próximo presidente.

Superadas as análises das duas denúncias na Câmara, é hora de a classe política mostrar serviço à nação. No caso do PSDB, isso é ainda mais fundamental. Se a divisão foi inevitável nessas votações, ela é inconcebível em relação às mudanças na Previdência.

É obrigação de deputados e senadores tucanos aprovar uma proposta que acabe com inaceitáveis privilégios corporativistas, combata desigualdades e evite atrasos ou calote das futuras aposentadorias, como vimos em alguns Estados. É também uma forma de se redimirem pela equivocada extinção do fator previdenciário.

Não reformar de maneira ampla a Previdência, como previsto no relatório da comissão especial, é cair no proselitismo do PT, a quem só interessa paralisar o país e inviabilizar qualquer governo que não seja o seu.

A eles importa manter o statu quo e os privilégios, em especial da burocracia que lhe rende votos, e não corrigir iniquidades. Este tempo precisa ficar para trás, assim como ficaram para trás os governos de Lula e Dilma.

Por natureza, políticos começam a pensar na próxima eleição assim que as urnas se fecham. A diferença é o que cada um faz nesse meio tempo em prol da coletividade e seu caráter diante das intempéries e da grita das redes sociais.

Na linha do que afirmou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, a pacificação da base aliada precisa resultar em ativismo parlamentar a favor do Brasil. Isso se concretizará aprovando uma Previdência menos injusta e mais racional.

Max Weber (1864-1920) disse que "somente quem tem a vocação da política terá certeza de não desmoronar quando o mundo, do seu ponto de vista, for demasiado estúpido ou demasiado mesquinho para o que ele lhe deseja oferecer". O Congresso tem a chance de mostrar vocação para a boa política.


04 de novembro de 2017
JOSÉ ANÍBAL (PSDB-SP) é presidente nacional do Instituto Teotônio Vilela e senador suplente. Foi deputado, vereador e presidente nacional do PSDB
Folha de SP

A MÁQUINA DO TEMPO

O sistema apodrecido nos empurra para a nostalgia militar ou a estrada para a Venezuela

Que período é este em que entramos após a rejeição da segunda denúncia contra Temer? Imagino um remanso político até o fim do ano e entrada em cena da campanha de 2018.

Alguns analistas acham que os políticos se fortaleceram. Outros, que eles descobriram ser possível enfrentar com êxito a opinião pública. Esquecem que estão em confronto com a sociedade, logo, ela enfraqueceu.

O maior golpe nas expectativas positivas veio do Supremo. Há uma pressão contra o foro privilegiado. Ele foi amplificado com a decisão de submeter medidas cautelares contra parlamentares ao Congresso.

Nos três anos de Lava Jato, o Supremo manteve regularidade no seu índice de condenação dos políticos envolvidos: zero. Numa país onde algumas pessoas se colocam acima da Justiça, estamos, na verdade, sujeitos à lei da selva, isto é, à lei do mais forte.

As concessões que Temer fez para se preservar no cargo transformaram o esforço de reduzir os gastos numa tarefa de Sísifo. Os acertos da dívida das empresas com o governo ficaram mais flexíveis. Perda de arrecadação. Os políticos aliados barraram a privatização do Aeroporto de Congonhas.

Se o capital do Estado agoniza no vaivém de cortes e concessões, o capital político de Temer, que já era modesto, foi abalado por dois acordos.

Na primeira denúncia, Temer determinou a abertura de uma reserva mineral na Amazônia. Em outra, amenizou a lei de combate ao trabalho escravo. Ambos são temas passíveis de uma discussão racional. No entanto, o acordo com os ruralistas impunha uma decisão monocrática.

Um Congresso blindado e um presidente que apenas sobrevive no cargo são um peso morto. A semana foi marcada por relatórios indicando o crescimento da violência no País. Não se fala disso. O plano de segurança de Temer não saiu do papel. O tema passa ao largo de todo o universo político. Apenas Jair Bolsonaro trata dele, o que dá a impressão de que suas propostas são as únicas para enfrentar o problema. Naturalmente, os candidatos apresentarão as suas. Mas é evidente que, se não mergulham no tema desde agora, serão menos convincentes.

Nesta ligeira calmaria na política, a vida real não dá trégua. O ministro da Justiça nos colocou, os que vivem no Rio, numa situação delicada. Ele afirma haver conluio entre o governo e o crime organizado e que os comandantes da PM estão no esquema. Segundo Torquato Jardim, nem o governador nem o secretário de Segurança controlam a polícia e isso só mudará depois das eleições de 2018. Ainda estamos em novembro.

A generalização do ministro da Justiça é incorreta. Há bons comandantes e muitos policiais que perdem a vida nas ruas.

É um remanso perigoso este. Ele certamente vai influenciar o período que lhe sucede: as eleições.

A ainda débil retomada econômica e ligeira recuperação do emprego não bastam para evitar a tensão. No front cultural já é uma incômoda realidade, conflitos em torno de temas que poderiam ser tratados racionalmente terminam em insultos.

O próprio Supremo, de quem se espera frieza e serenidade, sobretudo neste momento do País, transmite ao vivo discussões agressivas como a travada por Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso.

São fatores de instabilidade que tornam mais difícil o caminho da mudança, pois contribuem, indiretamente, para a polarização esquerda-direita, como se nos lançassem, na máquina do tempo, ao período da guerra fria. Uma intensa luta ideológica é inevitável. Mas se domina a cena morre com ela a chance de um diagnóstico mais próximo da realidade. E, consequentemente, ressalta fórmulas esgotadas como a do governo militar e a experiência lulopetista.

Para ser coerente com sua tática de negação dos seus crimes, o PT analisa que errou por não ser duro, não ter confrontado os conservadores. Daí a proposta de controlar os meios de comunicação, a ameaça de retaliar procuradores e juízes.

Bolsonaro sonha com a militarização das escolas no Brasil. Apoia-se no melhor rendimento dos colégios militares. E diz que a disciplina é a razão da boa qualidade do ensino. Talvez esteja pensando com os padrões da revolução industrial, do treinamento de trabalhadores fabris. No mundo complexo em que vivemos, a iniciativa, a criatividade são instrumentos de sobrevivência, assim como ser flexível para sobreviver diante da precarização do trabalho.

Isso não significa defender a indisciplina. Apenas afirmar que cada época demanda uma combinação de restrições e liberdades que preparem as pessoas para sobreviver nela.

Se erramos a mão, corremos o risco de formar um exército de desempregados, disciplinados, que se levantam quando entra o professor e cantam o Hino Nacional. Da mesma forma, se usarmos o método Paulo Freire, concebido para ser um instrumento de vanguarda para formar revolucionários, corremos o risco de incendiar a juventude com sonhos sepultados pela História. Esse é apenas um lance da polarização no setor mais importante para alavancar a mudança.

O colapso do sistema político-partidário não deixou pedra sobre pedra. O encastelamento, no fundo, é uma tática do tipo depois de nós, o dilúvio.

No Rio, parte da sociedade não achou o caminho para evitar o que lhe pareciam duas regressões: uma esquerda do século passado ou um mergulho na Idade Média, quando Igreja e Estado se confundiam. Houve um grande número de votos em branco, mas venceu uma das regressões.

Não creio que o Brasil caia na mesma armadilha: de um lado, a nostalgia do governo militar; de outro, a estrada para a Venezuela. Mas é preciso levar em conta que o sistema político apodrecido nos empurra para isso.

O período é favorável para refletir sobre alternativas. Uma corrente mais colada nos fatos pode até perder. Mas é uma chama que não pode se apagar. Um dia, escaparemos da máquina do tempo.


04 de novembro de 2017
Fernando Gabeira, Estadão

CLICAR E COMPRAR

O e-commerce acumula crescimento de 20% em todo o mundo, mas o Brasil ainda está longe dos padrões internacionais

Celso Ming, Raquel Brandão e Ana Beatriz Assam, especial para 'O Estado'

Basta um clique ou um toque na tela do celular para que a compra de um vestido, uma televisão ou a contratação de uma viagem aconteça. A facilidade do e-commerce, nome dado ao comércio pela internet, levou esse tipo de varejo a acumular crescimento mundial de 20% nos últimos dez anos, aponta a consultoria Euromonitor.

Projeções recentes do Credit Suisse mostram que, nos Estados Unidos, maior mercado consumidor online, 20% dos shopping centers serão fechados nos próximos cinco anos. Apenas em 2017, 8.600 lojas devem fechar, batendo amplamente o recorde de 6.200 casos registrados em 2008, primeiro ano da recessão que devastou a economia americana.

No Brasil, o varejo físico também levou pancada. Em 2016, mesmo com 19 novos shopping centers, o número de lojas nesses centros comerciais caiu 12,9%. Essa retração não pode ser creditada apenas ao avanço do e-commerce, pois o impacto da crise econômica não pode ser desdenhado. No entanto, enquanto as receitas do varejo total cresceram somente 1,9% no primeiro semestre de 2017 ante mesmo período de 2016, as do e-commerce avançaram 7,5%.

Ainda que se trate de uma revolução silenciosa, na expressão de Pedro Guasti, presidente da Ebit e do Conselho de E-commerce da Fecomercio-SP, o comércio eletrônico aposta em duas estratégias, já adotadas no exterior, para impulsionar as vendas.

A primeira é a venda por plataformas móveis, como smartphones e tablets. Guasti explica que atualmente “25% de compras online são realizadas por esse meio, mas devem chegar a 33% no fim do ano”. Este é um canal especialmente eficiente no Brasil, onde o acesso à internet às classes C e D tem aumentado pela intensificação do uso dos celulares.

A segunda estratégia reproduz o que os gigantes do comércio eletrônico, o chinês Alibaba e a americana Amazon, põem em prática desde que surgiram. É o marketplace. Funciona como shopping centers virtuais, nos quais sites grandes hospedam produtos de empresas menores, em troca de comissão. Mas é o comercializador do produto que se responsabiliza por operações posteriores à venda, como a entrega do produto. Em 2016, as vendas por marketplace responderam por R$ 7 bilhões dos R$ 44 bilhões de faturamento do e-commerce brasileiro. A Ebit, que faz pesquisas de mercado sobre o setor, estima que, neste ano, chegue aos 25% das receitas.

Convém ter ideia das proporções. O comércio eletrônico ainda corresponde a só 4% do varejo brasileiro e está muito distante dos padrões de países avançados. O relatório da Euromonitor indica que, em 2016, o e-commerce mundial se expandiu 8,5%. As vendas feitas pela Coreia do Sul contribuíram com 18% do total; as feitas pelos americanos, 10%; as do Brasil, menos de 5%.

Paulo Ferezin, especialista em Varejo da consultoria KPMG, diz que o baixo crescimento reflete a cultura de consumo do País, ainda atrelada a lojas físicas. Mas, com hábitos mudando, o varejo tradicional deve se adaptar. “Metade das compras online é concluída após o cliente testar o produto na loja física. É preciso saber conquistar o cliente nesse momento.”

CONFIRA

» Comerciários sob mira

Nos Estados Unidos, onde o varejo emprega 15 milhões de pessoas, já se sente o impacto da expansão do e-commerce. Desde janeiro, 50 mil postos de trabalho foram fechados. Pedro Guasti, da Ebit, diz que bom contato com o cliente não é habilidade tão importante. É preciso mais conhecer estratégias de marketing e ter intimidade com tecnologia e manipulação de dados.

» Estratégia brasileira

O marketplace já foi adotado pelas redes Via Varejo (Casas Bahia, Extra.com e Ponto Frio), Magazine Luiza, Máquina de Vendas e B2W (Submarino, Americanas.com, Shoptime e Sou Barato).

» Mês esperado

Novembro é o melhor mês do e-commerce. No dia 11, o Alibaba faz seu “Dia do Solteiro”, a mais importante data do e-commerce mundial, com vendas de até US$ 18 bilhões. No Brasil, a última sexta-feira do mês é agitada pela Black Friday, que, em 2016, garantiu faturamento de R$ 1,9 bilhão ao setor.

04 de novembro de 2017
Celso Ming, Estadão