Urge que o País se una pelas reformas. Há um limite para a irresponsabilidade
Em países desenvolvidos, com Estado forte e regras democráticas compartilhadas por todos os cidadãos, a guerra fica a cargo do estamento militar e a política, dos representantes populares, eleitos para tal função.
Para quem foi formado na arte da guerra, seus opositores são tidos por inimigos que devem ser eliminados. Para quem foi formado na arte da política, opositores são adversários com quem se convive com base em valores constitucionais comuns.
Ora, o País vive uma situação assaz bizarra, há uma espécie de inversão entre os militares e os políticos, aí incluindo representantes de Poderes constitucionais, como alguns membros do Supremo, e até a cúpula do Ministério Público Federal. Fosse outro o momento histórico, os militares já teriam intervindo. Por muito menos tomaram o poder em 1964.
A segurança pública é um descalabro, por ano faz tantas vítimas quanto o número de soldados americanos mortos durante toda a Guerra do Vietnã. A classe política está totalmente desmoralizada, pois boa parte de seus membros foi capturada nas teias da Lava Jato. O mesmo vale para ministros do atual governo e dos anteriores.
As instituições estão frequentemente em conflito entre elas e internamente. O lulopetismo montou um esquema de corrupção do Estado que o minou em seus fundamentos. Sua herança nas áreas econômica e social é desastrosa.
No entanto, os militares estão vigilantes no cumprimento da Constituição e, certamente, preocupados com os destinos do País. Seriam irresponsáveis se não seguissem com atenção os conflitos institucionais e políticos em curso.
Por outro lado, os políticos estão dando mostras de irresponsabilidade, salvo as exceções de praxe. O PT e legendas afins partiram para uma cruzada contra o governo Temer, como se não fossem eles os maiores responsáveis pelo desmoronamento econômico, social e institucional do País. Com o intuito de ocultar seus desastrosos feitos, defendem, agora, eleições diretas, como meio de voltarem ao poder antes de Lula ser condenado em segunda instância. Todos os que deles discordam são tidos por “inimigos”.
Almejam voltar à sua posição de mando para concluírem o seu trabalho de desmonte do País. Eleições diretas, para eles, significa nada mais que pôr o Brasil na rota da bolivarização. A Venezuela hoje seria o Brasil amanhã.
Note-se que Joesley Batista é cria lulista. Foi farto financiador das campanhas petistas. Tornou-se “campeão nacional” graças aos generosos subsídios do BNDES. Ora, é esse o personagem usado pela Procuradoria-Geral da República para incriminar o presidente Temer!
Outro exemplo de contradição é o PSDB. A única decisão que parece ter tomado é a de ficar em cima do muro. Num dia apresenta-se como defensor do governo, no outro diz que vai abandoná-lo. E o faz sem corar, como se seu próprio presidente não estivesse sendo acusado de corrupção. Pode pôr em risco as reformas tão necessárias ao País e defendidas pelo próprio partido.
Já o procurador-geral, Rodrigo Janot, mais parece ter uma questão pessoal a resolver com o presidente da República. É o seu “inimigo”. Sempre foi cuidadoso na apresentação de denúncias. Alguns chegam a dizer excessivamente demorado. De repente, afoito, procura de todas as maneiras denunciar o presidente, com o claro intuito de produzir um feito político.
Do ponto de vista jurídico, deveria aguardar a perícia de um áudio que traz marcas de ter sido editado, segundo vários peritos que o analisaram. Ato subsequente, com o acordo do ministro Edson Fachin, tentou obrigar o presidente a responder em 24 horas a um questionário de 82 perguntas. Tudo indica que sua preocupação maior consiste em fazer o presidente produzir provas contra si mesmo.
Aliás, as perguntas são um capítulo à parte. São constituídas dos seguintes grupos: 1) boa parte é relativa ao áudio não periciado; 2) outra parte diz respeito a atos anteriores ao mandato presidencial, que não podem, portanto, ser trazidos à tona; 3) uma terceira consiste em perguntas de ordem pessoal, que não vêm ao caso; 4) e outra diz respeito a seu ex-assessor Rodrigo Loures, que corre em processo à parte.
Observe-se, ainda, que o procurador-geral da República está tentando puxar para si o prestígio da Lava Jato, mesmo que esse processo não guarde nenhuma relação com ela. Está contaminando, dessa maneira, um imenso patrimônio nacional.
O objetivo político torna-se ainda mais evidente pelo rito processual a ser seguido no caso de um presidente da República. Ele é politicamente inexequível. Não cabe ao ministro Fachin, nem à presidente do Supremo, aceitar ou não essa denúncia. Talvez possam arquivá-la, submetendo-a ao plenário, embora isso não esteja previsto no artigo 86 da Constituição.
O rito constitucional estabelece que o ministro Fachin, ou a presidente do STF, deve encaminhar diretamente a denúncia para ser admitida ou não pela Câmara dos Deputados. O presidente desta, por sua vez, a envia à Comissão de Justiça para ser ou não referendada. Ato contínuo, ela é levada a plenário, onde deve ser aprovada por dois terços. Se esse quórum não for atingido, ela é rejeitada. Ora, o presidente goza de confortável apoio na Câmara.
Resolvida a questão do Tribunal Superior Eleitoral, à qual se deve seguir o arquivamento dos processos de impeachment, cabe ao País retomar o seu caminho rumo à aprovação das reformas. A trabalhista deverá ser aprovada até o fim do mês. A previdenciária depende do clima de pacificação a ser instaurado. O presidente já deu sinais claros de que não renunciará.
A política entendida como guerra de amigos contra inimigos deveria cessar. É tarefa urgente que o País se una no prosseguimento da reformas, feito do governo Temer, que estão sendo bombardeadas pelos que não se preocupam com os destinos nacionais.
Há um limite para a irresponsabilidade reinante.
12 de junho de 2017
Denis Lerrer Rosenfield, Estadão