O ex-ministro Mangabeira Unger costuma criticar esquerdistas brasileiros cuja visão para o Brasil é a “Suécia tropical”. Devo dizer, o slogan resume exatamente o que eu defendo: social-democracia e combate à mudança climática para garantir que continuaremos a ser um país tropical. Mudar o que está ruim, manter o que está bom. A crítica ao ideal da “Suécia tropical” não é nova. Em 2011, em um seminário no Instituto Fernando Henrique Cardoso, o filósofo José Arthur Giannotti argumentou que o discurso dos economistas presentes parecia implicar abandono do ideal do welfare state. Perguntou, então: “O que vocês pretendem fazer com essa gente?”, referindo-se aos pobres brasileiros.
Afinal, o modelo escandinavo, que é excepcionalmente igualitário mesmo para o padrão europeu, é de interesse para a discussão brasileira? Eu acho que sim.
Não somos só nós que estamos discutindo isso. Recentemente, Bernie Sanders, que disputa com Hillary Clinton a indicação para concorrer pelo Partido Democrata à Presidência da República nos EUA, causou escândalo ao se autodeclarar “socialista”. Quando questionado sobre que diabos queria dizer com aquilo, disse que defendia o modelo social-democrata europeu e deu como exemplo a Dinamarca.
FATO CURIOSO
Mas o cientista político Henry Farrell chamou atenção para um fato curioso: se é verdade que a Dinamarca dispõe de um Estado de Bem-Estar Social muito generoso (sustentado por impostos muito altos), o país também lidera o ranking dos melhores países para se fazer negócios. E, acrescento eu, está em 11º no ranking de liberdade econômica (na frente dos EUA). E esses rankings não foram feitos pelo Foro de São Paulo, mas, respectivamente, pela revista “Forbes” e pela ultraliberal fundação Heritage.
O sistema dinamarquês é conhecido como Flexicurity, uma mistura de flexibilidade e segurança. Tem como elementos principais um Estado de Bem-Estar bastante generoso, grande flexibilidade do mercado de trabalho (é fácil contratar, é fácil demitir, é fácil estabelecer trabalho em tempo parcial etc.), uma tradição de sindicatos fortes e representativos, e programas de constante requalificação dos trabalhadores desempregados. As políticas sociais são feitas de modo pragmático, constantemente avaliadas, e usam tanto o setor público quanto o setor privado no provimento dos serviços públicos.
SEM MAIS NEM MENOS
Como em todo lugar, milhões de coisas devem dar errado. E não se trata de tentar transplantar a Flexicurity dinamarquesa para o Brasil sem mais nem menos. Por exemplo, talvez nossos sindicatos não sejam fortes o suficientes para a livre negociação ser minimamente equilibrada.
Mas, em um nível mais geral, defendo que os escandinavos podem nos apontar a direção certa: os princípios da Flexicurity são flexibilidade no mercado e redistribuição de renda, e o Brasil precisa de mais das duas coisas. Também podemos aprender com as políticas de treinamento dos trabalhadores e com o pragmatismo das políticas sociais.
Sim, exige correr mais riscos no mercado e exige que paguemos mais impostos. Mas, ao menos, é uma resposta à pergunta de José Arthur Giannotti. E cada proposta atualmente na mesa deve ser julgada, antes de mais nada, por sua capacidade de respondê-la.
24 de novembro de 2015
Celso Rocha de BarrosFolha