Hungria quer botar na cadeia os refugiados
PARIS – O brutal massacre de Budapeste pelos russos em 1956 traumatizou a Europa e ensanguentou o Leste Europeu, que nunca mais foi o mesmo. Cheguei lá logo depois, indo de Moscou, Varsóvia e Praga. Foi uma historia de horror, pior do que os poloneses e tchecos contaram.
Os húngaros traziam atravessado na garganta o fuzilamento de Lazlo Rajk, seu ministro do Interior, acusado por Stalin de colaborar com Tito, condenado e executado. Janos Kadar, amigo de Rajk, não foi fuzilado, mas foi para a cadeia. Rakosi, o líder do partido que assumira o governo em 1952 apoiado pelas tropas russas, era um stalinzinho sanguinário.
CZEPEL
Em março de 56, com o Relatório de Khrushev, Rajk foi reabilitado, a Hungria se levantou exigindo a saída de Rakosi, que passou o governo para Imre Nagy. Mas era tarde.
A fábrica “Czepel”, que fazia as famosas motos “Czepel” (meu irmão tinha uma linda e poderosa lá no interior da Bahia), chamada de “Ilha Vermelha” porque ficava em uma pequena ilha do Danúbio, à beira de Budapeste, com 10 mil operários, rebelou-se.
A fábrica criou uma comissão operaria e o processo disparou. Em 24 horas já haviam sido criadas milhares de “comissões operarias” A universidade foi para as ruas, os intelectuais para as rádios e jornais. Imry Nagi convocou os antigos socialistas e os sociais democratas, para um governo de unidade nacional. A estatua de Stalin, imensa, foi derrubada.
RUSSOS
De madrugada, os russos, chamados pelo traidor, atravessaram a fronteira e literalmente fuzilaram as esperanças e a alegria do povo que, aos milhões, comemorava a liberdade nas ruas. Foi um massacre. Milhares de mortos e presos. A abertura de Khrushev era só para os russos. Para as colônias, bala. Nagy cometeu a ingenuidade de ir ao comando militar soviético para negociar. Foi levado para Moscou e fuzilado.
Foi com emoção e comoção que vi, na “Ilha Vermelha” do Danúbio, os rombos enormes dos canhões soviéticos nas paredes da “Czepel”.
‘SPACIBA”
Quando disse, em russo, “spaciba” (“obrigado”), ao motorista de taxi que me levou para ver o que restou da “Ilha Vermelha”, ele fechou a cara irado, na porta do hotel em Budapeste:
– “Spaciba no! Spaciba ruski”!(Spaciba não! Spaciba é russo!”)
Não era um protesto. Era um ponto final dele. E meu. Os escassos dólares que me restavam eram para Paris e Roma, até o navio em Genova, já de passagem comprada e volta marcada para o Brasil.
Vendi três “Laikas” em uma loja de materiais fotográficos e fui para a Yugoslávia, para Belgrado. Não eram só os partidos comunistas que crepitavam. Minha cabeça também tinha sido incendiada.
EUROPA
Quase 58 anos depois, aqui estou, nesta mesma Europa, perplexo com a brutalidade do conflito entre levas de populações inteiras de refugiados arrastando famílias e tentando fugir de suas dores e guerras, através de mares que levam a naufrágios, ou fronteiras cada dia mais fechadas de povos que séculos atrás sofreram os mesmos tormentos. Jornais, revistas e televisões repetem uma dolorosa tragédia diária.
- – Os 28 ministros do Interior da União Europeia deixaram Bruxelas sem decisão sobre o plano que prevê distribuir em cotas, por países do bloco, 120 mil refugiados. A proposta soma-se ao anúncio anterior de que a União Europeia distribuiria 40 mil asilos. Mesmo se executada, a ideia deixa no limbo 58% dos 380 mil refugiados que a ONU estima terem chegado neste ano à Europa pelo Mediterrâneo, a maioria vinda da Síria, país em guerra civil desde 2011.
- – A proposta de cotas, apoiada por Alemanha e França, havia sido anunciada pelo presidente da Comissão Europeia, Jean-Clauder Juncker. Apesar do discurso do ministro alemão Thomaz de Maiziere de que todos “concordam” com o princípio de abrigá-los, nada foi selado. A próxima reunião está marcada apenas para 8 de outubro. Pode ser tarde.
HUNGRIA
As medidas mais extremas são as da Hungria, onde entrou em vigor nessa terça (15) uma lei que prevê a prisão e a deportação de imigrantes sem visto, que passam a ser considerados criminosos(e não contraventores).
O primeiro-ministro conservador Viktor Orban é um dos opositores mais radicais da acolhida aos refugiados. Seu país abriga 50 mil pessoas que ali ficaram ao tentar fazer a rota entre a Grécia e a rica Alemanha.
Orban mandou erguer uma cerca na fronteira da Servia, que não é da União Europeia. A historia é assim. Os Stalin e Hitler sempre voltam.
22 de setembro de 2015
Sebastião Nery