Do jeito que estamos, será difícil trazer craques. Mas bons e modernos técnicos podem vir com seu know-how e seu pessoal
No futebol, o Brasil também é exportador de matéria-prima. O país tem exportado jogadores muito jovens, ainda sem valor agregado, que são formados profissionalmente no exterior.
Neymar já saiu craque, mas é exceção. Na verdade, é o único caso assim na atual seleção. Os demais ganharam valor lá fora. Mesmo Neymar não se tornou — ainda, talvez — o protagonista do Barcelona. Parece que tem algo a ser mais elaborado.
No geral, eis o problema: o país do futebol exporta não apenas matéria-prima, mas uma matéria-prima inacabada.
A coisa piorou ao longo de anos. Lembram-se da grande seleção de 1982? Só Falcão jogava fora. Os demais (Zico, Sócrates, Careca, Junior, Cerezo etc) estavam por aqui ganhando Brasileirão e Libertadores. Todos foram para a Europa logo depois e lá assumiram posição de destaque.
Fenômeno e Ronaldinho Gaúcho saíram jovens, mas já craques reconhecidos, mais ou menos como Neymar agora.
De lá para cá, no balanço geral, o país tem exportado jovens desconhecidos ou quase, não formados, que dão ou não dão certo lá fora. Vão para batalhar — e, de repente, aparece um Luís Gustavo na Seleção. E que, aliás, está longe de ser protagonista no seu clube.
Sendo só exportador, e de matéria-prima, o futebol brasileiro sofreu uma grande perda de qualidade. Se mandamos para fora os craques recém-aparecidos, jovens talentos e jovens apenas promissores, quem fica para jogar aqui?
Reparem: o país exporta e não importa. Quer dizer, importa alguns latino-americanos, mas raríssimos de primeiro time ou mesmo de suas seleções.
Não importa pela mesma razão que exporta. O mercado local não é capaz de manter alta qualidade.
Qual a saída? Proibir a exportação? Como já dissemos aqui, seria ineficiente e ilegal. Ineficiente porque não há ambiente econômico para a formação de grandes times, dado o modo como o futebol é administrado — tanto o profissional, adulto, quanto o dos meninos da base. Ilegal porque não se pode coibir o direito de uma pessoa de trabalhar no exterior para ganhar mais e se aperfeiçoar.
O caminho é modernizar a gestão do futebol, criando uma legislação que permita o desenvolvimento de uma economia de livre mercado: clubes-empresas privados, sem subsídios ou favores do governo, investidores que efetivamente arrisquem seu dinheiro (e possam ganhar mais honestamente).
Faz parte disso uma globalização mais intensa que, no nosso caso, só pode ser a abertura e o incentivo às importações. A começar pelos técnicos. Seria como importar tecnologia e conhecimento para aperfeiçoar uma indústria local.
Do jeito que estamos, será difícil importar craques. Mas bons e modernos técnicos podem trazer seu know-how e seu pessoal.
A Alemanha tem um grande futebol local, com qualidade, público e dinheiro. Tanto é assim que, dos quatro semifinalistas, é o time que tem mais jogadores locais (15). O pessoal da casa não tem tanto motivo para emigrar. Ainda assim, a Alemanha tem oito “estrangeiros”, todos jogando em grandes times europeus. Nenhum na Ucrânia ou na Rússia ou na Grécia...
Faz algum tempo que a Alemanha, assim como Espanha, Itália, Inglaterra, onde jogam os “exportados” alemães, mantêm o mercado aberto e importam os melhores do mundo. Isso elevou a qualidade local, ao impor enorme competição e desafio aos nativos. E, claro, um ambiente favorável: é diferente crescer treinando com os craques do Bayern Munique, aliás, o time mais bem representado nas semifinais, com nove jogadores.
A Holanda, rica e globalizada, tem dez nativos e 13 estrangeiros. Já Brasil e Argentina são basicamente exportadores, com 19 e 21 “estrangeiros” respectivamente. Aqui como lá, os “emigrados”, quando voltam para suas seleções, caem num ambiente de baixa qualidade. Ganham pela sua longa tradição, chegam a semifinais porque têm muitos jogadores espalhados por aí. Mas estão claramente piorando e dependentes de um ou dois jogadores. A estrutura, exportar matéria-prima inacabada, vai se fixando aos poucos, mas inexoravelmente.
Mal comparando, eis alguns números para pensar: na última safra, o Brasil exportou 34 milhões de sacas de café, por 5,3 bilhões de dólares. Nossa principal freguesa é a Alemanha que, de seu lado, está entre as maiores exportadoras de café em pó (solúvel, instantâneo etc.). Importa café verde, matéria-prima, e exporta produto industrializado, com tecnologia, distribuição e marketing. O quilo desse café vale 70% mais que o verde. Também reexporta o verde, por um valor maior do que compra. E não tem um pé de café.
Proibir a exportação do café brasileiro não vai levar a nada exceto prejuízo para os produtores. A saída é criar condições para uma indústria local competitiva — e a situação da indústria brasileira tem piorado, como o futebol.
No futebol, o Brasil também é exportador de matéria-prima. O país tem exportado jogadores muito jovens, ainda sem valor agregado, que são formados profissionalmente no exterior.
Neymar já saiu craque, mas é exceção. Na verdade, é o único caso assim na atual seleção. Os demais ganharam valor lá fora. Mesmo Neymar não se tornou — ainda, talvez — o protagonista do Barcelona. Parece que tem algo a ser mais elaborado.
No geral, eis o problema: o país do futebol exporta não apenas matéria-prima, mas uma matéria-prima inacabada.
A coisa piorou ao longo de anos. Lembram-se da grande seleção de 1982? Só Falcão jogava fora. Os demais (Zico, Sócrates, Careca, Junior, Cerezo etc) estavam por aqui ganhando Brasileirão e Libertadores. Todos foram para a Europa logo depois e lá assumiram posição de destaque.
Fenômeno e Ronaldinho Gaúcho saíram jovens, mas já craques reconhecidos, mais ou menos como Neymar agora.
De lá para cá, no balanço geral, o país tem exportado jovens desconhecidos ou quase, não formados, que dão ou não dão certo lá fora. Vão para batalhar — e, de repente, aparece um Luís Gustavo na Seleção. E que, aliás, está longe de ser protagonista no seu clube.
Sendo só exportador, e de matéria-prima, o futebol brasileiro sofreu uma grande perda de qualidade. Se mandamos para fora os craques recém-aparecidos, jovens talentos e jovens apenas promissores, quem fica para jogar aqui?
Reparem: o país exporta e não importa. Quer dizer, importa alguns latino-americanos, mas raríssimos de primeiro time ou mesmo de suas seleções.
Não importa pela mesma razão que exporta. O mercado local não é capaz de manter alta qualidade.
Qual a saída? Proibir a exportação? Como já dissemos aqui, seria ineficiente e ilegal. Ineficiente porque não há ambiente econômico para a formação de grandes times, dado o modo como o futebol é administrado — tanto o profissional, adulto, quanto o dos meninos da base. Ilegal porque não se pode coibir o direito de uma pessoa de trabalhar no exterior para ganhar mais e se aperfeiçoar.
O caminho é modernizar a gestão do futebol, criando uma legislação que permita o desenvolvimento de uma economia de livre mercado: clubes-empresas privados, sem subsídios ou favores do governo, investidores que efetivamente arrisquem seu dinheiro (e possam ganhar mais honestamente).
Faz parte disso uma globalização mais intensa que, no nosso caso, só pode ser a abertura e o incentivo às importações. A começar pelos técnicos. Seria como importar tecnologia e conhecimento para aperfeiçoar uma indústria local.
Do jeito que estamos, será difícil importar craques. Mas bons e modernos técnicos podem trazer seu know-how e seu pessoal.
A Alemanha tem um grande futebol local, com qualidade, público e dinheiro. Tanto é assim que, dos quatro semifinalistas, é o time que tem mais jogadores locais (15). O pessoal da casa não tem tanto motivo para emigrar. Ainda assim, a Alemanha tem oito “estrangeiros”, todos jogando em grandes times europeus. Nenhum na Ucrânia ou na Rússia ou na Grécia...
Faz algum tempo que a Alemanha, assim como Espanha, Itália, Inglaterra, onde jogam os “exportados” alemães, mantêm o mercado aberto e importam os melhores do mundo. Isso elevou a qualidade local, ao impor enorme competição e desafio aos nativos. E, claro, um ambiente favorável: é diferente crescer treinando com os craques do Bayern Munique, aliás, o time mais bem representado nas semifinais, com nove jogadores.
A Holanda, rica e globalizada, tem dez nativos e 13 estrangeiros. Já Brasil e Argentina são basicamente exportadores, com 19 e 21 “estrangeiros” respectivamente. Aqui como lá, os “emigrados”, quando voltam para suas seleções, caem num ambiente de baixa qualidade. Ganham pela sua longa tradição, chegam a semifinais porque têm muitos jogadores espalhados por aí. Mas estão claramente piorando e dependentes de um ou dois jogadores. A estrutura, exportar matéria-prima inacabada, vai se fixando aos poucos, mas inexoravelmente.
Mal comparando, eis alguns números para pensar: na última safra, o Brasil exportou 34 milhões de sacas de café, por 5,3 bilhões de dólares. Nossa principal freguesa é a Alemanha que, de seu lado, está entre as maiores exportadoras de café em pó (solúvel, instantâneo etc.). Importa café verde, matéria-prima, e exporta produto industrializado, com tecnologia, distribuição e marketing. O quilo desse café vale 70% mais que o verde. Também reexporta o verde, por um valor maior do que compra. E não tem um pé de café.
Proibir a exportação do café brasileiro não vai levar a nada exceto prejuízo para os produtores. A saída é criar condições para uma indústria local competitiva — e a situação da indústria brasileira tem piorado, como o futebol.
11 de julho de 2014
Carlos Alberto Sardenberg, O Globo