"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 19 de abril de 2014

NOVAS PROVAS DE CORRUPÇÃO NA PETROBRAS

ÉPOCA revela mais suspeitas de gestão temerária — e também de irregularidades — dentro da estatal

MACACÃO A presidente Dilma Rousseff em Suape, Pernambuco, de uniforme da Petrobras. Ela batizou o petroleiro Dragão do Mar

Na manhã da segunda-feira, dias após o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter convocado os petistas a defender a Petrobras das mais graves acusações de corrupção na história, a presidente Dilma Rousseff trocou o discreto tailleur preto da Presidência pela clássica jaqueta laranja da estatal. Deixou a labuta no Planalto para fazer campanha no Porto de Suape, em Pernambuco.
Numa cerimônia montada às pressas para lançar ao oceano o navio Dragão do Mar, Dilma defendeu incisivamente a Petrobras. “Não ouvirei calada a campanha negativa dos que, por proveito político, não hesitam em ferir a imagem desta empresa que nosso povo construiu com tanto suor e lágrimas”, disse, zangada. “Nada, nem ninguém, conseguirá destruir (a Petrobras). Com o apoio de todas as pessoas, a Petrobras resistiu bravamente às tentativas de desvirtuá-la, reduzi-la e privatizá-la.”
 
A jaqueta laranja que Dilma ostentava ao discursar já deu orgulho aos brasileiros.
Quem não teria orgulho da maior empresa do Brasil, a 13ª produtora de petróleo do mundo e líder inconteste na exploração de óleo em alto-mar? Hoje, é a mesma jaqueta de Paulo Roberto Costa, o ex-diretor da Petrobras preso pela Polícia Federal (PF), acusado de comandar um dos mais vastos esquemas de corrupção já descobertos na estatal, um sujeito mantido no cargo por um consórcio entre PT, PP e PMDB, com o aval de Lula, que o chamava de “Paulinho”. A mesma jaqueta de Nestor Cerveró, o ex-diretor internacional da Petrobras que, indicado por PT e PMDB, é agora acusado de ser o artífice do desastre conhecido como “operação Pasadena”, em que a estatal desembolsou US$ 1,2 bilhão por uma refinaria nos Estados Unidos comprada um ano antes por US$ 42 milhões.

CONEXÃO O ex-ministro José Dirceu, ao levantar o punho depois de ser condenado e preso no caso do mensalão. Um advogado ligado a ele foi contratado para representar a Astra

A jaqueta laranja não é mais a mesma. Nem a autoridade política de Dilma, após ficar claro que ela avalizara a compra da refinaria Pasadena em 2006. Somente agora, tantos anos depois, ela se disse enganada pela diretoria da Petrobras, acusada de não ter explicado corretamente os termos do negócio.
Como fica a imagem de gestora competente, marca de Dilma, assim como a jaqueta laranja é a marca da competência da Petrobras? A combinação das duas imagens pareceu fora do lugar. Tudo ali estava fora do lugar. O navio Dragão do Mar fora construído pelo Estaleiro Atlântico Sul, uma sociedade entre as empreiteiras Camargo Corrêa e Queiroz Galvão, ambas suspeitas de pagar propina para conseguir contratos na Petrobras, segundo a PF investiga na Operação Lava Jato.
 
Nos últimos dias, Maria das Graças Foster, presidente da Petrobras, e Nestor Cerveró, ex-diretor da Área Internacional, foram ao Congresso Nacional falar sobre o caso da refinaria Pasadena. Eles divergiram. Para Graça Foster, “o negócio originalmente concebido tornou-se um investimento de baixo retorno sobre o capital investido.” Para Cerveró, “foi um bom negócio, sem dúvida”.
 
É útil relembrar a cronologia da transação. Em 2004, a empresa belga Astra comprou o controle acionário da refinaria Pasadena, no Texas, por US$ 42,5 milhões. A Astra pagou dívidas antigas, fez investimentos e vendeu 50% da refinaria à Petrobras por US$ 360 milhões. Havia no contrato uma cláusula segundo a qual, em caso de divergência entre os sócios, a empresa divergente deveria comprar a parte do outro. Tal divergência ocorreu em 2008, e a Astra fez uma proposta para vender a refinaria à Petrobras. A Petrobras decidiu não pagar e entrar na Justiça. Perdeu — e foi obrigada a pagar uma indenização de US$ 639 milhões.

Leia mais: - Graça Foster: compra da refinaria de Pasadena foi um "mau negócio"
- Cerveró diz que Pasadena foi bom negócio

O prejuízo, já grande, poderia ter parado por aí. Bastava à Petrobras ter feito um acordo com a Astra. De acordo com documentos inéditos obtidos por ÉPOCA, a Astra estava disposta a negociar. Em vez disso, a Petrobras preferiu entrar na Justiça outra vez. Perdeu de novo – e o prejuízo para o acionista subiu a US$ 1,2 bilhão.

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Como um mau negócio se tornou um negócio ainda pior
 
Até julho de 2009, o negócio de Pasadena era apenas ruim para a Petrobras. Depois, se tornou desastroso — quando não suspeito, tamanha a sequência de más decisões tomadas no curso de muitos anos. Até ali, havia um prejuízo de US$ 639 milhões com uma refinaria que para nada servia, a não ser enriquecer advogados contratados para defender a Petrobras na Justiça americana. E enriquecer também ex-fun­cionários da Petrobras que foram trabalhar na Astra. Somente os advogados contratados pela Petrobras já haviam cobrado US$ 3,9 milhões em honorários. Mesmo perdendo.
 
A Astra, segundo executivos ouvidos por ÉPOCA, já estava satisfeita com a indenização.
Havia outros processos na Justiça americana sobre o mesmo caso, mas a Astra, de acordo com executivos ligados a ela, estava disposta a fazer um acordo para encerrar o assunto. Não interessava extrair, nos tribunais, todo o dinheiro possível da Petrobras. Como uma trading, a Astra pretendia fazer mais dinheiro vendendo petróleo, nos anos seguintes, à própria Petrobras. E a manutenção de um longo e desgastante litígio contra a Petrobras, um dos gigantes do petróleo mundial, também afetava as outras relações comerciais da Astra, com empresas no mundo todo. Segundo esses executivos, a Astra não apenas poderia aceitar fazer um acordo. Ela queria fazer um acordo.
 
Se a Astra queria encerrar o assunto, quem poderia sair ganhando caso a Petrobras continuasse brigando nos tribunais? E, ainda por cima, brigando com poucas chances de se livrar do prejuízo de US$ 639 milhões — mas com chances razoáveis de aumentar substancialmente esse valor? Sem dúvida, os advogados contratados para prolongar essa briga.
Quanto mais tempo e mais processos, mais honorários milionários para eles. Não parece fortuito, portanto, que a decisão de prolongar a disputa judicial tenha partido, na Petrobras, de um grupo de advogados. Ao menos oficialmente.
 
No dia 9 de julho de 2009, segundo documentos internos da Petrobras, o chefe do Jurídico Internacional, o advogado Carlos Borromeu, defendeu, perante a diretoria da empresa, que a Petrobras continuasse brigando com a Astra nos tribunais americanos.
O departamento jurídico da Petrobras, como acontece na maioria das empresas, tem tal peso que raramente uma decisão é tomada em desacordo com a opinião dos advogados. Tem peso também, por óbvio, para escolher que advogados serão contratados para ajudar nos processos. Na Petrobras, os advogados reportam-se diretamente ao presidente — suas carreiras dependem dele. Naquele momento, o presidente era o petista José Sérgio Gabrielli, aquele que aprovara, anos antes, a compra da refinaria. E que, até hoje, defende o negócio.
 
Naquele dia de julho, Borromeu deveria estar em baixa. Fazia pouco tempo que uma corte arbitral dos Estados Unidos decidira que a Petrobras deveria pagar à Astra a indenização de US$ 639 milhões. Borromeu, sem se abalar pelo prejuízo que ele e seu departamento não haviam conseguido evitar na Justiça, disse aos diretores que a postura da Astra era “belicosa”. Disse também que a estratégia mais inteligente consistia em “prosseguir litigando” com os belgas. Por quê?
 
Segundo os cálculos apresentados por Borromeu à diretoria, a que ÉPOCA também teve acesso, eram mínimas as chances — 30%, para ser exato — de que a Astra aceitasse um acordo. Borromeu não explicou como chegara a esse percen­tual. Em contrapartida, argumentou, havia uma chance de 50% de que a Petrobras estancasse os prejuízos se continuasse nos tribunais. Logo, a decisão mais sensata era “prosseguir litigando”.
 
Para diretores que estavam na reunião, e altos executivos da Petrobras que entendiam do caso, os percentuais não faziam sentido. Estavam, na mais benigna das hipóteses, invertidos. O mais provável era que a Astra topasse um acordo. E, diante do tamanho do prejuízo que a derrota final da Petrobras nos tribunais americanos significaria, era preciso articular esse acordo. Gabrielli estava inflexível — não se sabe se por convicção pessoal, se por influência dos advogados ou se por ordens superiores. Como presidente, tinha poder para decidir que “sugestão de encaminhamento” seria feita ao Conselho de Administração, presidido por Dilma. Gabrielli comprou o argumento de Borromeu.



Procurado por ÉPOCA, Gabrielli afirma que “a disputa judicial buscava o melhor resultado para a Petrobras”. “As diferenças entre os sócios eram sobre procedimentos operacionais e o tamanho do investimento a realizar”, diz ele. “Buscamos explicitar as diferenças entre a disputa arbitral sobre essas questões e a judicial, que era o exercício do ‘put option’.” Pasadena foi um bom negócio?
 
Gabrielli afirma que a resposta é “sim” para o momento da compra, mas não teria sido sob o cenário de 2008 a 2012. “Vale lembrar que a refinaria está em operação todos esses anos e, devido à disponibilidade de petróleo leve e barato no Texas, especificamente no campo de Eagle Ford, atualmente é lucrativa, ainda que a Petrobras não tenha realizado os investimentos para capacitá-la a processar petróleo pesado”, diz.
Ele sustenta que as cláusulas omitidas do Conselho de Administração — a “put option” (sobre a opção de venda) e “marlim” (referente ao petróleo brasileiro) — não são as responsáveis por transformar um bom negócio no momento da compra, em 2006, em aparente mau negócio no cenário que vai de 2008 a 2012.
“Nesse período, o mundo mudou, descobrimos o pré-sal e o planejamento estratégico da Petrobras acompanhou as mudanças”, diz. Quanto à cláusula “marlim”, que garantiria a rentabilidade de 6,9% à sócia da Petrobras no caso de duplicação da capacidade de refino, ela é inócua. “Como não houve o investimento previsto — e essa é a razão da disputa judicial com a Astra —, ela não é válida. Isso foi reconhecido pela Justiça americana.”
 
Na época da reunião da diretoria, Cerveró não era mais diretor internacional da Petrobras. Pelos bons serviços prestados ao PT e ao senador Renan Calheiros, que também o apadrinhava, fora realocado para a Diretoria Financeira da BR Distribuidora, uma das principais subsidiárias da estatal.
 
Em depoimento ao Senado nos últimos dias, Graça Foster deu a entender que Cerveró fora rebaixado em virtude do mico Pasadena. Nem tanto. É como se Cerveró deixasse de dirigir uma Ferrari para pilotar um Jaguar — e com o mesmo combustível BR. A Ferrari agora estava nas mãos de Jorge Zelada, apadrinhado pela bancada do PMDB na Câmara. Era ele que, ao lado de Paulo Roberto Costa, pilotava o bólido mais veloz da Petrobras, tinha de dar explicações e resolver o problemaço que se tornara Pasadena. Ambos discordavam do cavalo de pau proposto pelo jurídico da Petrobras — e aprovado por Gabrielli.
 
Os técnicos abaixo deles, também. Nos relatórios internos obtidos por ÉPOCA, eles criticam o resultado da reunião e a posição de Gabrielli.  Parte desse material já foi publicado por ÉPOCA — mas a íntegra dos documentos agora revelados detalha os bastidores que levaram a Petrobras a ter ainda mais prejuízo com Pasadena. “Após a explanação (do advogado), resolveu a Diretoria apresentar ao Conselho a sugestão de não negociar-se com a Astra e sim prosseguir com a ação na Corte”, escreveram os executivos da área de Abastecimento. “A razão que fez com que a Diretoria optasse pelo prosseguimento da ação ao invés do acordo deveu-se principalmente pela alegada ‘prepotência’ com que a Astra vem se colocando frente à Petrobras e, segundo colocado na Diretoria, nunca ter havido de parte da Astra uma manifestação de desejar o acordo.”
 
Eles preferiam o acordo. E tinham argumentos, não apenas legais, para isso. Um deles: “O fato de pessoa altamente credenciada da Astra e membro do seu Board ter procurado uma aproximação para início de entendimentos com a Petrobras”. Em seguida, deixando de lado a dita prepotência dos executivos da Astra, os técnicos afirmaram o óbvio: o acordo significava menos prejuízo num negócio que, use-se lá qual fórmula matemática, já era um mico. “Caso no litígio a Petrobras perca, o custo total irá para cima de US$ 1 bilhão, acrescidos de honorários de sucumbência. Vale lembrar que a Petrobras já perdeu na arbitragem, e a possibilidade de perder na Corte é preocupante”, escreveram.
 
Diante desse cenário, o que propuseram os executivos? “A ministra Dilma deverá ser procurada para ser informada de que a Astra está procurando entendimentos, inicialmente por canais informais. (…) Com isto, a ministra Dilma deveria, na reunião do Conselho da próxima sexta-feira, comunicar que estão havendo (sic) movimentos de aproximação da Astra com relação a Petrobras e, com isto, o Conselho daria um prazo para que se consumasse o acordo — ou, aí sim, a partir deste prazo não restaria outra alternativa senão prosseguir na Corte.”
 
Os técnicos foram ignorados, os advogados prevaleceram, e o Conselho presidido por Dilma tomou, mais uma vez e no mesmo caso, uma decisão que, sob a luz do presente, revela-se profundamente danosa aos cofres — e à imagem — da Petrobras. Pode-se argumentar que Dilma e o Conselho de Administração foram, como no começo do caso Pasadena, mal assessorados. Que não tinham acesso às informações necessárias para tomar a melhor decisão possível em favor da Petrobras.
 
Outros executivos talvez tivessem prestado atenção aos apelos dos técnicos para levar a sério as abordagens informais da Astra. Mesmo depois que o Conselho presidido por Dilma resolveu levar a briga judicial até as últimas consequências, executivos da Astra prosseguiam buscando formas de encerrar o caso — o oposto do que asseguravam, meses antes, os advogados da Petrobras. Tamanho era o desejo dos belgas de pôr fim à disputa judicial que Mike Winget, presidente da Astra nos Estados Unidos, e Kari Burke, diretora da empresa, vieram ao Brasil diversas vezes, em busca de contatos políticos que resolvessem o caso definitivamente.
 
Segundo empresários e lobistas que mantiveram contato com eles, os diretores da Astra queriam duas coisas: que a Petrobras pagasse os US$ 639 milhões e que as duas empresas voltassem a fazer negócios. Para conseguir, a Astra, de acordo com esses relatos, estava disposta a pagar até US$ 70 milhões à pessoa certa — à pessoa que resolvesse o caso. Procuraram o lobista Fernando Soares, conhecido como Fernando Baiano, e um assessor informal dele, Carlos Mattos.
 
Como revelou ÉPOCA, Fernando Baiano é parceiro de negócios de Paulo Roberto. Baiano não conseguiu resolver. Procuraram outros lobistas, que também não resolveram. Nas conversas com esses lobistas e empresários, os dois executivos da Astra diziam que haviam contratado um advogado ligado ao ex-mi­nistro José Dirceu para resolver o assunto. Não declinavam o nome do advogado, o método empregado por ele para “resolver”, nem o andamento das tratativas. Para convencer a Petrobras a encerrar o caso, os executivos conseguiram até que o senador americano Ted Kennedy enviasse uma carta à presidência da Petrobras, apelando para a boa relação entre os dois países.
A intensa movimentação dos executivos demonstra que a Astra não estava interessada em faturar os US$ 1,2 bilhão pagos pela Petrobras. Queriam mais — mas em negócios. Ao fim, quem mais ganhou com tudo isso, além dos belgas, foram os advogados contratados pela Petrobras.

19 de abril de 2014
ÉPOCA Online
Diego Escosteguy, com Marcelo Rocha, Murilo Ramos e Flávia Tavares

A VERDADE QUE A MÍDIA NÃO MOSTRA!!!

A HISTÓRIA DA MACONHA

O PT DAS PATRANHAS E DESCARAMENTO

DOMINAR A INFLAÇÃO EXIGE CREDIBILIDADE

O represamento de preços funcionou como um bumerangue, e os mercados têm posto em dúvida a capacidade de o governo controlar as finanças públicas

Turbinada pela alta dos preços dos alimentos, a inflação para o consumidor, medida pelo IPCA, continua se aproximando do teto da meta fixada pelo governo. Os analistas do mercado financeiro já trabalham com a hipótese de a inflação acumulada em doze meses ultrapassar, de maio a julho, o patamar de 6,5%, pois, em igual período do ano passado, os índices foram mais bem comportados, e dificilmente, em 2014, devido, inclusive, a essa pressão dos alimentos, ficarão abaixo dos percentuais registrados em 2013.

A inflação não teve ainda forte impacto negativo sobre os níveis de emprego, mas a IBGE detecta em suas últimas pesquisas uma queda no ritmo de aumento dos rendimentos médios das pessoas ocupadas.

É um risco, para o próprio governo, tentar empurrar esse quadro com a barriga até depois das eleições gerais de outubro. A disputa política tende a deixar os mercados mais ansiosos, pela expectativa de mudanças na política econômica, dificultando o já complexo controle da inflação.

O Banco Central tem elevado as taxas básicas de juros, mas os equívocos cometidos anteriormente na política econômica causaram tamanho desgaste que o aperto monetário não foi até agora suficiente para neutralizar as expectativas pessimistas quanto à trajetória futura da inflação. Pesquisas de opinião revelam que o pessimismo contaminou empresários e consumidores, sem distinção. O represamento de preços importantes (combustíveis, energia elétrica) funcionou como um bumerangue. Os agentes econômicos percebem que um ajuste será inevitável, o que equivale a uma bomba relógio sem data precisa para detonar.

No passado, o câmbio serviu como anteparo a pressões inflacionárias: quando os produtos encareciam no mercado doméstico, a importação de bens se tornava mais atraente, estimulando a concorrência. Mas hoje uma apreciação expressiva do real seria impensável, porque o país já acumula um déficit acentuado com o exterior no conjunto transações que envolvem mercadorias e serviços. E não há mais capitais de sobra e dispostos a financiar um déficit crescente. Assim, no médio prazo, o real está mais propenso à depreciação do que a uma valorização.

Sem esses fatores que contribuíram para segurar a inflação, o governo terá de dar muitas provas de que será capaz de pôr em ordem as finanças públicas.

Os mercados têm duvidado desse esforço. A recuperação de credibilidade — e esse desafio é ainda maior em um período pré-eleitoral — é decisiva para que o governo consiga domar novamente a inflação, que por décadas causou terríveis danos à economia brasileira, e cujos efeitos deixaram o Brasil em situação de desvantagem por longo tempo em um mundo globalizado.

 
19 de abril de 2014
Editorial O Globo

PASADENA, A TOQUE DE CAIXA

 

Ao reconstituir a história da compra da Refinaria de Pasadena, em depoimento na Câmara dos Deputados, quarta-feira, o ex-diretor da área internacional da Petrobrás Nestor Cerveró contou que, depois de um ano de negociações, a diretoria executiva da estatal aprovou em 5 de fevereiro de 2006 a aquisição de metade da instalação pertencente à belga Astra Oil por US$ 359,2 milhões. A decisão foi levada ao Conselho de Administração da empresa e aprovada por unanimidade - no dia seguinte!

Dificilmente se encontrará anomalia maior nos registros da transação que custaria à Petrobrás US$ 1,249 bilhão, conforme o "esclarecimento" de página inteira que ela publicou na imprensa, e deixaria um rombo de US$ 530 milhões, como admitiu a sua atual presidente, Graça Foster, ao depor no Senado na véspera da ida de Cerveró. A nota, aliás, não faz menção ao prejuízo. Limita-se a dizer que o que parecia "um bom negócio" quando foi fechado "transformou-se em um empreendimento de baixo retorno sobre o capital investido".

Da perspectiva do modo pelo qual, pelo menos nesse caso, a maior companhia brasileira toma decisões envolvendo desembolsos milionários, o desenlace do investimento em Pasadena, que de fato poderia parecer promissor dois anos antes da quebra de Wall Street, chega a ser secundário. À luz da revelação de Cerveró - que reduz o Conselho presidido pela então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, e integrado por autoridades, empresários e executivos de gabarito à condição de mera repartição homologadora -, pouco importa, por exemplo, se o colegiado avaliou corretamente a estratégia que levou a Petrobrás a buscar um nicho nos Estados Unidos.

Tanto faz também se os conselheiros se fundamentaram apenas em um resumo executivo, "técnica e juridicamente falho", como Dilma admitiu, ou se a papelada completa da operação estava a seu alcance, como rebateu o então presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli. Tanto faz ainda se as cláusulas omitidas no parecer de Cerveró "não tinham importância", como avalia, ou se eram tão lesivas à estatal que "seguramente" levariam Dilma a barrar a compra, se, como afirmou, delas tivesse conhecimento.

O resumo executivo tinha uma página e meia, podendo ser absorvido em questão de minutos por um corpo consultivo composto de presumíveis conhecedores dos padrões técnicos e jurídicos usuais no mundo dos grandes negócios. Já a íntegra do contrato que Cerveró entregou à diretoria executiva tinha 450 páginas. Ainda que ela as tivesse repassado ao Conselho, em vez de encaminhar-lhe apenas o sumário, e ainda que o órgão fosse o mais sábio de todos quantos existam entre os maiores conglomerados econômicos do globo, seria humanamente impossível a seus membros formar opinião a respeito em 24 horas.

Salta à vista que a cúpula da Petrobrás não tinha o mais remoto interesse em que o Conselho debatesse com conhecimento de causa a sociedade na qual ela apostava febrilmente as suas fichas, a ponto de comprar metade da refinaria por um preço praticamente igual ao que a Astra Oil pagou por ela inteira. Ao Conselho não foi dada a oportunidade de julgar se a estatal fazia o que até hoje seus dirigentes sustentam ter sido, na origem, um bom negócio - no que Gabrielli, Graça e Cerveró concordam - ou se estava deitando dinheiro fora, quando não cometendo um ilícito.

No seu depoimento ao Senado, a presidente da Petrobrás confirmou que o resumo executivo encaminhado ao Conselho não mencionava nem a cláusula contratual Put Option, segundo a qual, em caso de desavença, um dos sócios teria de vender a sua parte ao outro, nem a Marlin, que assegurava à Astra Oil um ganho anual de 6,9% sobre as vendas do produto refinado, quaisquer que fossem as condições do mercado. Na Câmara, Cerveró, além de considerar os itens corriqueiros e desimportantes, disse que competia à diretoria executiva e não a ele definir o que o Conselho precisaria saber - daí a 24 horas.

Se a oposição conseguir furar o bloqueio do governo e instalar a CPI da Petrobrás, ela terá de averiguar por que o ente máximo da empresa, sob a condução da atual presidente da República, se prestou a esse papel humilhante.
 
19 de abril de 2014
Editorial O Estadão

TARIFAÇO NA ENERGIA

O governo federal fez o possível para segurar, mas as leis de mercado são mais poderosas. O represamento demagógico das tarifas de energia não irá até a eleição como pretendiam os atuais detentores do poder. Mais de 3,8 milhões de gaúchos já começam a receber suas contas de luz, a partir de amanhã, com um reajuste médio de 29,54%, mais de quatro vezes superior à inflação prevista para este ano. Em breve, os demais consumidores, atendidos por outras empresas, também estarão enfrentando o tarifaço, que vai se estender ao longo do próximo ano. E isso significa que, uma vez mais, a conta da imprevidência, da falta de investimentos e da equivocada política de mascarar a realidade acaba sendo arcada por todos os brasileiros.


No início deste ano, num discurso contundente que lembrava em tudo o de campanha à reeleição, a presidente Dilma Rousseff confirmou uma redução de 18% nas contas de energia elétrica, superior até mesmo à prevista inicialmente. No mesmo discurso, rechaçou as previsões sobre um apagão que, de fato, não ocorreu, mas impôs um ônus pesado para todos os consumidores. Na impossibilidade de contar com as hidrelétricas, pela escassez de chuvas, o país precisou recorrer às termelétricas, que produzem energia a um custo bem superior.

Infelizmente, confirmou-se na prática o que o governo não queria admitir na época, mas as razões não se restringem à insuficiência de chuva. Faltou também rigor no planejamento e execução de projetos, o que impediu a entrada em operação de dezenas de usinas e ainda hoje mantém algumas delas sem linhas de transmissão. Por isso, não basta o consumidor reagir contra o tamanho das contas, que vão impactar seu bolso e a taxa de inflação. É preciso acima de tudo que cobre mais eficiência do poder público, para evitar a repetição de reajustes tão desafinados com a estabilidade.
 
19 de abril de 2014
Editorial Zero Hora

GREVES OPORTUNISTAS

 

Como no mau exemplo da polícia baiana, proximidade da Copa do Mundo tende a ampliar rol de paralisações que prejudicam o público

Pela segunda vez em dois anos, a Polícia Militar da Bahia paralisou atividades e usou a população do Estado como refém para tentar impor reivindicações corporativas. Em janeiro e fevereiro de 2012, a categoria havia promovido uma greve, por quase duas semanas, que culminou num espetáculo de truculência com a ocupação da Assembleia Legislativa.

Naquela ocasião, os líderes do movimento, para chantagear o governo, usaram como trunfo a proximidade do Carnaval. Agora, tentaram aproveitar a proximidade da Copa do Mundo para cacifar-se com a sensação de insegurança.

Nos dois dias da paralisação, que se encerrou ontem, foram registrados 44 homicídios na região metropolitana de Salvador --mais de cinco vezes o que se verificou no mesmo período da semana anterior. Além disso, houve saques a estabelecimentos comerciais. O transporte público entrou em colapso. Escolas suspenderam aulas.

Mesmo em condições normais, com a polícia em atividade, a situação da Bahia é das mais graves. De acordo com o "Mapa da Violência 2013", o Estado ocupa o quarto lugar em assassinatos por armas de fogo, com uma taxa de 34,4 mortes por 100 mil habitantes, acima da média nacional (20,4).

Não há dúvida de que as condições materiais e técnicas das polícias brasileiras são ruins. Policiais precisam ser bem remunerados, treinados e equipados.

Não se justifica, porém, que responsáveis por serviço público tão essencial deflagrem movimentos paredistas em desafio à Justiça, que, no caso da Bahia, havia julgado ilegal a greve (de resto vedada a militares pela Constituição).

Tanto em 2012 quanto agora, a paralisação da PM baiana teve como um de seus líderes o presidente da Associação de Policiais e Bombeiros, Marco Prisco, vereador pelo PSDB em Salvador e pré-candidato a deputado estadual. Não há muita dúvida quanto ao caráter oportunista e político do movimento.

Com a aproximação da Copa, a quantidade de greves com esse perfil tende a aumentar. Conforme mostrou reportagem desta Folha, pelo menos 16 categorias profissionais pretendem explorar o calendário do evento para reivindicar aumentos acima da inflação e ampliar vantagens trabalhistas.

Para minimizar os efeitos colaterais dessa planejada onda de paralisações, a Justiça do Trabalho vai implantar, em São Paulo, um sistema extraordinário de plantão nos próximos meses, o que permitirá agilizar julgamentos.

É uma iniciativa elogiável para evitar o excesso de oportunismo sindical, que não hesita em prejudicar o público e ameaçar o principal evento do ano no país.

19 de abril de 2014
Editorial Folha de SP

O "FICO" DE ANDRÉ VARGAS

Os colegas de partido insistem na renúncia, mas apenas por causa do dano que a permanência do deputado na Câmara provoca às candidaturas petistas

O deputado André Vargas (PT-PR) causou nesta semana uma decepção a todos que esperavam pelo seu gesto final e dramático – o de renunciar ao mandato. Depois de dar como praticamente certa sua saída, em entrevista na segunda-feira, ele preferiu adiar a decisão, confuso sobre o que fazer em razão das dúvidas jurídicas sobre a validade do ato de renúncia. Ao se convencer de que sua saída não interromperia o processo de cassação, Vargas disse aos companheiros de partido que fica. Nem os petistas, no entanto, parecem estar muito felizes com a decisão.

Não é a primeira decepção causada pelo parlamentar paranaense. Ele já se notabilizara antes quando, na condição de secretário nacional de Comunicação do PT, advogava o controle social da mídia – eufemismo utilizado pelo partido para não revelar claramente sua intenção de impor censura seletiva à imprensa. Depois, já eleito vice-presidente da Câmara, cometeu o acinte de provocar o presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa, ao repetir o punho erguido com que os mensaleiros levados à prisão pelo Supremo pretenderam manifestar orgulho.

Por fim, nos últimos dias, soube-se das estreitas ligações de Vargas com um doleiro enrolado em traficâncias para subtrair dinheiro público e que, gentilmente, lhe proporcionara viagem de férias no jatinho particular. O deputado e o doleiro, segundo diálogo gravado pela Polícia Federal, planejavam conquistar a “independência financeira”. O conjunto da obra, mal e contraditoriamente explicado pelo deputado em ocasiões distintas, caracterizou a possível quebra de decoro parlamentar, punível com a cassação.

O que fez o PT neste meio tempo? Fez o de sempre: tentou tirar o bode da sala de modo a evitar que o mau cheiro crescente passasse a afetar os projetos do partido de reeleger a presidente Dilma Rousseff e eleger alguns dos candidatos a governos estaduais, dentre os quais a senadora paranaense Gleisi Hoffmann, ex-chefe da Casa Civil da Presidência, já em campanha para conquistar o Palácio Iguaçu. É apenas isso (e não um suposto surto de respeito à ética) que explica a insistência do deputado paulista Vicentinho, líder do PT na Câmara, e do presidente da legenda, Rui Falcão, para que Vargas renuncie. Vicentinho diz que seu colega devia sair de cena para ele “não ter de ficar sangrando permanentemente”. Mas a verdade é que, enquanto Vargas insistir, é o PT que sangra.

Semelhante comportamento o PT adotou no passado quando, diante do escândalo do mensalão, chegou a expulsar de suas fileiras seu ex-tesoureiro Delúbio Soares. A punição durou tempo suficiente para que as ondas de indignação serenassem e permitissem – como de fato aconteceu – a readmissão festiva de Delúbio aos seus quadros. Seus companheiros de jornada José Dirceu, José Genoino e João Paulo Cunha, mesmo tendo condenação em caráter definitivo pelo Supremo, não foram expulsos do partido, como prevê o estatuto do PT.

A ascensão e queda de Vargas, que até há pouco era cotado para se tornar presidente da Câmara em 2015, criou um problema interno para o PT. O deputado foi aconselhado com incrível rapidez a se afastar das posições proeminentes que ocupava, de preferência sem deixar pegadas comprometedoras que, seguidas, podem levar os investigadores a patamares políticos mais altos. Vargas sentiu logo o terreno em que pisava: deixou a vice-presidência da Câmara e anunciou sua disposição de renunciar ao próprio mandato, decisão da qual recuou ao contabilizar melhor as perdas e danos. Agora, Falcão ameaça até abrir processo na Comissão de Ética do PT. Caso a pressão fique insustentável e Vargas decida mesmo renunciar, resta-lhe um consolo: se ele olhar para os mensaleiros, perceberá que o PT recompensa bem aqueles que se sacrificam pelo partido.

 
19 de abril de 2014
Editorial Gazeta do Povo-PR

MAIS UM PAC

A presidente Dilma Rousseff anunciou o lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) número 3. Os dois anteriores, como se sabe, ainda estão inconclusos, apesar dos vultosos investimentos e das promessas de Dilma e de seu antecessor, Lula, feitas desde 2007, de que eles seriam vigorosas molas do salto econômico brasileiro.

O anúncio da presidente foi feito a seu estilo: de supetão. Durante mais uma de suas entrevistas chapa-branca a rádios regionais, desta vez em São José do Rio Preto (SP), Dilma comentava sobre uma obra ferroviária na cidade e então disse que o projeto seria incluído no PAC 3. Ao ser questionada sobre a data de lançamento do programa, respondeu: "Lá por agosto, eu acredito".

O ar de improviso é irrelevante. Para os propósitos da máquina marqueteira que sustenta o governo Dilma, o que importa é dar a impressão de movimento, de ação, como se a presidente estivesse trabalhando muito para fazer o País deslanchar. O problema dessa versão edulcorada dos fatos é a realidade que insiste em desmenti-la.

O site Contas Abertas, especializado em finanças públicas, informou que apenas 30% das obras em rodovias previstas no PAC 2 foram concluídas. O cronograma atrasou, diz o governo, porque há demora na concessão de licenças ambientais e pedidos de esclarecimentos por parte dos tribunais de contas. Ou seja: a responsabilidade é sempre dos outros.

A mesma lentidão se verifica em relação aos aeroportos, considerados prioritários em ano de Copa do Mundo. Das 106 obras aeroviárias que constavam do PAC 2, 32% ainda estão em estágios primários - várias nem sequer passaram por licitação, diz o Contas Abertas.

Há casos de aeroportos em cidades que terão jogos do Mundial, como Manaus e Belo Horizonte, cujas obras só serão concluídas, se Deus quiser, em setembro - isto é, depois do campeonato, quando todos os turistas já tiverem voltado para casa. Esse quadro é ainda mais grave quando se considera que os aeroportos das cidades-sede da Copa foram priorizados - os aeroportos regionais, prometidos pelo governo para melhorar o transporte aéreo no interior, ficaram para depois.

Ainda no PAC 2, havia a previsão de construção de 5.257 creches e pré-escolas, que Dilma prometera na campanha eleitoral de 2010. No entanto, apenas 4,2% delas foram concluídas. Do mesmo programa constava a intenção de construir 9.158 quadras esportivas em escolas públicas, mas em três anos menos de 500 foram entregues.

A excruciante lentidão do PAC já é uma tradição. O PAC 1, de 2007, ainda tem obras inacabadas, entre as quais a transposição do Rio São Francisco e a Ferrovia de Integração Leste-Oeste. No PAC 2, projetos fundamentais, como a Ferrovia Nova Transnordestina, também estão atrasados. A lista das obras que se arrastam inclui a Hidrelétrica de Belo Monte, a Usina Nuclear de Angra 3, o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) e a Refinaria Abreu e Lima.

Tudo isso se dá mesmo com a inclusão do PAC no Regime Diferenciado de Contratações (RDC), que afrouxou as exigências da Lei de Licitações. O RDC havia sido criado para acelerar as obras para a Copa do Mundo e para a Olimpíada de 2016, mas acabou sendo considerado essencial para que o governo conseguisse cumprir os cronogramas do PAC e em outras áreas. Como os números mostram, nada disso funcionou.

O governo sustenta que em dezembro atingiu 82,3% do previsto no PAC 2, mas suas contas, segundo o Ministério do Planejamento, levam em consideração o "critério de valores investidos", e não uma "metodologia meramente quantitativa". Por isso, seu balanço não inclui as obras mais significativas que estão em atraso.

Em contrapartida, foram lançados nessa contabilidade os gastos com o programa Minha Casa, Minha Vida, cujas obras - aceleradas em tempos de campanha eleitoral - representam nada menos que 56% do total do balanço apresentado pelo governo. Isso significa que o PAC se tornou um programa imobiliário, de execução relativamente simples e feito sob medida para angariar votos.
 
19 de abril de 2014
Editorial O Estadão

DESCRENÇA, PESSIMISMO OU REALISMO?!



"Lutar com palavras/ é a luta mais vã/ entanto lutamos/ mal rompe a manhã".

19 de abril de 2014
Carlos Drummond de Andrade 

A SABEDORIA (POLÍTICA) PROVERBIAL DO BARÃO DE ITARARÉ


«A vida pública é, na verdade, a continuação da privada.»
 
«O mal do governo não é a falta de persistência, mas a persistência na falta»

A moral dos políticos é como elevador: sobe e desce. Mas em geral enguiça por falta de energia, ou então não funciona definitivamente, deixando desesperados os infelizes que confiam nele.
 
«O tambor faz muito barulho mas é vazio por dentro.»

19 de abril de 2014
Apparicio Fernando de Brinkerhoff Torelli, “Barão de Itararé” (1895-1971), humorista gaúcho

O VOTO E A CASA DA MÃE DILMONA


Só no Brasil o assalto ao bem público promovido pelo estatismo se tornou uma categoria de resistência


Vamos lá, leitor, exercitar um pouquinho de "pessimismo de combate"? É aquele que levou Carlos Drummond de Andrade a escrever que "lutar com palavras/ é a luta mais vã/ entanto lutamos/ mal rompe a manhã". Na quarta, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou relatório de Roberto Requião (PMDB-PR) proibindo a doação de empresas privadas a campanhas eleitorais. Segundo o senador, aceitá-la corresponderia a acatar a "legitimidade da influência do poder econômico no processo eleitoral e, por consequência, no resultado das eleições". Com muito mais fru-fru, glacê e gongorismo igualitarista, é o que pensa o ministro Roberto Barroso, do STF. Já há uma maioria no tribunal que vai por aí. Se a tese prosperar, o processo eleitoral ficará menos dependente do capital privado e mais dependente da... Petrobras!

A política brasileira, com frequência, é uma piada macabra com lances de chanchada. Não é surpreendente que um país com tantos recursos e com características demográficas e de formação social que constituiriam janelas de oportunidades ofereça a amplas maiorias uma vida tão ruim, tão insegura, tão sem perspectiva.

A sociologia, da mais preconceituosa à mais ambiciosamente iluminista, pode ilustrar a melancolia e as "vastas solidões" (Joaquim Nabuco) em que transita o pensamento em Banânia, mas não as explica. A trilha persistente do atraso remete mesmo a uma palavrinha fora de moda, cujo sentido tanto a direita como a esquerda tentaram e têm tentado esvaziar: ideologia. Não há nada de errado com o clima. Não há nada de errado com o povo. Não há nada de errado com a história --todas as nações têm a sua, e o passado, visto à luz das conquistas morais do presente, nunca é meritório. Catastróficos por aqui são os valores que explicam a realidade e que, em larga medida, buscam substituí-la.

O que é aquilo na fala de Requião? Ele jamais vai entender que sonhos de justiça corromperam e mataram mais do que o capital. Talvez tenham salvado mais também. Não são termos permutáveis. Pensem na casa da mãe Dilmona em que se transformou a Petrobras. Parece evidente que Paulo Roberto Costa, o ex-diretor que está em cana, usava, sim, a empresa em proveito próprio, mas fazia também a corretagem a serviço de partidos. Só um idiota ou um rematado canalha (ou ambos num só) não reconhecem que, se a Petrobras fosse uma empresa privada, pagaria menos pelos serviços que contrata porque não seria preciso pagar o "Imposto Corrupção".

Venham cá: por que um partido político faz tanta questão de ter a diretoria de uma estatal? Para que suas teses sobre refino de petróleo ou hidrologia triunfem sobre as de seus rivais? Trata-se de uma luta de cavalheiros? Disputam as estatais para alimentar a República dos Ladrões. É cru, eu sei, mas é assim. E Requião, Barroso e outros sábios decidiram que a doação legal de campanha é que faz mal à democracia brasileira.

A disputa sobre mais Estado ou menos na economia e na sociedade não é nova, mas só no Brasil o assalto ao bem público promovido pelo estatismo se transformou numa categoria de resistência dos "oprimidos". Basta ver a tecla na qual petistas e congêneres decidiram bater: criticar a bandalheira na estatal seria falta de amor pelo Brasil. Samuel Johnson disse que o patriotismo é o último refúgio de um canalha porque não conheceu nossos ladrões.

O PT concorda com Requião e com Barroso. O partido enviou uma mensagem aos filiados, no dia 14, cobrando o apoio a uma emenda de "iniciativa popular" que institui o financiamento público exclusivo de campanha e o voto em lista fechada. O objetivo, está lá, é "fazer do PT o protagonista da grande e necessária reforma, que certamente mudará os rumos das eleições em nosso país". Considerando que o PT venceu as três últimas e é o primeiro partido da Câmara e o segundo do Senado, "mudar o rumo das eleições" deve implicar torná-las ociosas. Afinal, o Petróleo é nosso, mas a Petrobras é deles.

19 de abril de 2014
Reinaldo Azevedo, Folha de SP

MUDANÇA DE VENTOS


Há dois pontos novos a se destacar nesta pesquisa Ibope divulgada ontem. O mais relevante para a disputa presidencial é que pela primeira vez a soma de nulos e brancos com não sabe empata com as intenções de votos de Dilma ou fica ligeiramente abaixo, a depender do cenário. A presidente continua líder e vencendo no primeiro turno.
Outro destaque da pesquisa é que não apenas a presidente Dilma está caindo na preferência dos eleitores - de 40% para 37% -, mas também o ex-presidente Lula, quando apresentado como opção a ela, cai para 42%, quando já teve até 55% dos votos. A má notícia para Dilma é compensada por essa má notícia para Lula.

Embora se mantenha como franco favorito quando surge como candidato, Lula já está praticamente empatado tecnicamente com a presidente Dilma, o que pode indicar que o que está decaindo no gosto popular é a maneira petista de governar.

Certamente terá contribuído para o desgaste do PT o acúmulo de notícias ruins dos últimos dias, como a crise na Petrobras e o caso da ligação do deputado André Vargas com um doleiro preso. O mensalão continua sendo um processo desgastante para o partido, e as denúncias de novas corrupções só reforçam essa faceta, doze anos depois de o PT chegar ao poder.

Mas a insatisfação com a situação econômica também está refletida na pesquisa. A desaprovação ao governo já é maior que a aprovação (48% a 47%), um indicador clássico de tendência de queda de votação. A avaliação negativa subiu de 27% para 30%, aproximando-se do nível de julho de 2013, durante as manifestações populares, quando o índice foi de 31%.

Há ainda um dado preocupante a mais: já são maioria (51%) os que não confiam na presidente Dilma. As maiores quedas de Dilma ocorreram entre eleitores jovens (8 pontos entre quem tem de 25 a 34 anos), nas cidades médias (11 pontos nos municípios entre 20 mil e 100 mil habitantes), na Região Sul (6 pontos).

Não é possível tecnicamente comparar pesquisas de institutos diferentes, mas a tendência de queda da popularidade da presidente Dilma, que se reflete em perda de votação, está registrada em todas as pesquisas divulgadas recentemente.

A pesquisa Ibope foi feita entre os dias 10 e 14 de abril, e pesquisas anteriores de institutos como o Datafolha já mostravam sua queda para o mesmo patamar. A divulgação quase concomitante das pesquisas Ibope e Vox Populi dá a sensação de que refletem o mesmo momento, mas elas têm vários dias de diferença.

O Instituto Vox Populi, que faz pesquisas para o PT e para a revista Carta Capital , colocou Dilma na casa dos 40%, dentro da margem de erro, embora tenha divulgado seu levantamento só onze dias após sua realização.

A pesquisa do Ibope tem o mérito de dar tranquilidade aos candidatos principais, embora todos tenham com o que se preocupar. A presidente Dilma continua na frente e vencendo no primeiro turno, e o fantasma do volta Lula vai se extinguindo à medida que também o ex-presidente cai na preferência do eleitor. Mais do que ninguém, Lula deve estar atento a essa tendência. Mas a diferença de Dilma para os adversários está diminuindo a cada pesquisa, o que indica a possibilidade forte de haver um segundo turno.

Quando Marina Silva é colocada em lugar de Eduardo Campos na pesquisa, a alteração, embora grande - de 6% para 10% -, não chega a afetar o resultado final, não justificando, portanto, uma mudança brusca de cabeça de chapa. O candidato mais estável é o do PSDB, senador Aécio Neves, que se mantém com 14% quando a pesquisa inclui todos os nanicos, e fica com 16% quando apenas os três principais candidatos aparecem na lista. A essa altura não há ninguém dentro do partido que possa lhe fazer frente.

A tendência de queda dos candidatos do PT, e o crescimento dos que não se sentem representados pelos seus concorrentes na disputa, mostram que os adversários de Dilma terão que convencer os eleitores de que são opções válidas para esse desejo de reformulação geral que mais uma vez aparece na pesquisa. Nada menos que 62% dos eleitores querem mudanças com outro presidente no lugar de Dilma, e somente entre 24% e 29%, dependendo da lista apresentada, escolheu seu candidato entre os adversários de Dilma.

19 de abril de 2014
Merval Pereira, O Globo

PETROBRAS DE ESCÂNDALO EM ESCÂNDALO

Com seus 86 mil funcionários e presença em 25 países, a Petrobrás era o grande orgulho nacional desde a sua fundação. A empresa vinha se superando - desde que foi criada, há 60 anos, por Getúlio Vargas -, ano após ano, até alcançar em 2011, para gáudio nosso, o 12.º lugar entre as maiores empresas do mundo, batendo a General Electric, a Shell, a Microsoft, a Sony, a Nestlé, o JP Morgan, o Wall-Mart, o HSBC, a Procter & Gamble e outros gigantes mais.

Antes de qualquer conclusão precipitada, é preciso levar em conta que esses rankings variam, dependendo de quem os faz. Nós, aqui, nos valemos do ranking da revista Forbes, que é o que tem a maior credibilidade no mundo. O 12.º lugar da Petrobrás em 2011 era motivo de grande orgulho para todos nós, brasileiros. O pré-sal nos garantiria um futuro glorioso, apesar de ser um petróleo de quase impossível extração. Para alcançá-lo seria necessário penetrar em 7 quilômetros de rocha salgada, e nós assumimos esse desafio com destemor. Infelizmente, esses bons tempos passaram.

No balanço referente a 2012, a Petrobrás despencou no ranking, ocupando atualmente um desonroso 120.º lugar. E o lucro? O que houve ninguém viu, o que se sabe é que sumiu... O mistério não é tão difícil de entender: da gestão do então presidente Lula para cá, tem sido notória a apropriação de recursos da empresa para fins outros que não a exploração exclusiva de petróleo.

O fato é que a Petrobrás foi impiedosamente saqueada nos últimos tempos. E mais não se levou por escassez de espaço nas algibeiras. E a empresa, teúda e manteúda, a ninguém negou o seu úbere, servindo a todos com abundância e generosidade.

Chega uma hora, no entanto, em que, por maiores que sejam os recursos, eles simplesmente não dão mais para o gasto. A Petrobrás vive uma fase assim. Simplesmente não dá para empregar tanta gente, pagar salários milionários a uma mão de obra desqualificada e, ainda por cima, remunerar regiamente tantos desocupados e "amigos do rei", mais conhecidos como "consultores de sua majestade". Eles nada fazem de útil, não têm especialidade alguma, todavia, na hora de cavar uma encrenca - ou mesmo uma mera intriga -, revelam-se imbatíveis. E a empresa está na contingência de jogar a mobília no fogo para, assim, produzir algum calor.

No caso da Petrobrás, os escândalos vieram à tona pelo excesso de volúpia e de ganância desmesurada por parte dos ditos consultores que já estavam prestes a incinerar todos os móveis da empresa em troca de alguns trocados.

Em se tratando de Petrobrás, tudo é possível, até mesmo pagar US$ 1,3 bilhão por uma usina em via de sucateamento (a de Pasadena, no Texas), avaliada pelos próprios ex-proprietários em 1/40 disso. Foi a partir desse episódio que a pizza foi para o forno. Mas aí já era escândalo demais. O caso foi crescendo, em escala, do mero erotismo para a mais grosseira pornografia.

Eu mesmo, em minha santa ingenuidade, por um momento cheguei a acreditar na instalação da comissão parlamentar de inquérito (CPI) para apurar o caso Pasadena. Mas qual o quê! Não levei em conta a coesão férrea dos situacionistas. As forças do governo, além de trabalharem coordenadas, têm em cada membro um interesse bem definido pelo qual lutar e, assim sendo, se tornam invencíveis. Ser governista, no Brasil, mais do que uma arte, requer empenho e estômago. É uma arte porque demanda imensa criatividade. Qual biruta de aeroporto, há que saber que os ventos são volúveis e instáveis. A cada momento sopram numa direção e é preciso se fazer de coerente toda vez que eles teimam em mudar.

Eles são como carrapichos, uma praga que está sempre disposta a aderir e, uma vez que o faz, é praticamente impossível desvencilhar-se dela. Seja qual for a natureza do governo, para eles o importante é ter boas relações com o poder, que entendem como uma via de mão dupla. Ou seja, eles fazem todo o serviço sujo, para que os poderosos não tenham de "sujar as mãos", e recebem de volta prebendas e privilégios que a outros não seria de bom tom receber. Mas para eles, acostumados com tarefas grosseiras, tanto faz. Não adianta mudar de governo, porque eles não mudam o seu modo de ser. E, convenhamos, sem eles - os governistas -, é praticamente impossível governar a Nação.

Existem pessoas que colecionam borboletas, outras preferem guardar selos raros. Já essa gente sinistra se dedica a armazenar dossiês. Creiam no que eu digo: não é paranoia minha afirmar que a maioria dos membros do Congresso Nacional - ao menos a parcela que mais se destaca - tem uma ficha bem guardada, e detalhada nos mínimos pormenores, que vai do berço ao túmulo, para a eventualidade de vir a ter alguma utilidade.

Fica a pergunta: mas por que a Petrobrás? Porque ela é e sempre foi lucrativa. E, de mais a mais, é a maior empresa brasileira. Como afirmava Roberto Campos, empresa privada, no Brasil, é aquela que é controlada pelo governo; já empresa estatal é aquela que não é controlada por ninguém...

Assim sendo, quando aparece um negócio graúdo na ponta do anzol, não há santo que lhe resista, nem mesmo aqueles que tenham porventura feito "voto de pobreza".

Há que levar em conta que grande parte dos consultores acima mencionados não tem nada de útil que fazer, e eles nada fazem a não ser tentar cavar novos negócios, valendo-se do bom nome que a Petrobrás ainda tem no mercado.

Já caímos do 12.º para 120.º lugar no ranking mundial das empresas petrolíferas. Para nós, está claro que nem negócios altamente lucrativos, como o do petróleo, resistem a desaforos. Qual surpresa nos reservará o ranking da Forbes no ano que vem?

Do jeito que as coisas vão, teremos no Brasil, em breve, uma nova Pasadena...

19 de abril de 2014
João Mellão Neto, O Estado de S.Paulo

NEM EXPLICAM, NEM JUSTIFICAM


BRASÍLIA - Cada um trata de salvar a própria pele na operação no mínimo desastrada, ou temerária, da compra da refinaria de Pasadena.

Tudo começa com Dilma Rousseff empurrando a culpa para a direção da Petrobras à época em que ela era chefe da Casa Civil e presidia o Conselho de Administração da empresa. Sim, assinou, mas só o fez porque recebeu informações incompletas de um parecer falho. Se soubesse da coisa toda, não teria aprovado.

O então presidente da companhia, José Sérgio Gabrielli, defendeu-se insistindo que Pasadena foi um bom negócio (mesmo com remuneração incondicional de 6,9% do sócio?), deixou de ser e agora é de novo.

Sua sucessora, Graça Foster, tentou equilibrar-se entre as versões, mas é claro que fez a opção conveniente: respaldou a versão de Dilma e entregou Gabrielli à própria sorte. Segundo Foster, Dilma não teve mesmo acesso ao estudo completo e --contrariando o que defende o antecessor-- admitiu o óbvio: o negócio, de bom, não teve nada.

Chegado o depoimento de Nestor Cerveró, responsável pelo parecer acusado pela presidente da República de falho, incompleto e indutor do erro, o que se viu?

O homem bomba virou um traque, medindo palavras para ficar bem com todo mundo, especialmente, claro, com a presidente da República. Realmente, Dilma não teve as informações completas, mas nem precisava, porque contratos internacionais são assim mesmo, cheios de cláusulas perversas, ensinou a oposicionistas frustrados e a governistas aliviados. Ah, bom.

Só falta Paulo Roberto Costa, que foi diretor da Petrobras, tem altos negócios com o doleiro Alberto Youssef e está preso. O que esses dois farão? Farão como os demais: tudo para livrar a própria cara.

Ninguém explica o que interessa: a perda de meio bilhão de dólares com Pasadena nem o buraco de perdas e dívidas em que a Petrobras se meteu. Ou melhor, foi metida.

19 de abril de 2014
Eliane Cantanhêde, Folha de SP
 

MAIS PREFEITOS E VEREADORES


Avança no Congresso Nacional mais uma tentativa de criação de municípios. No fim do ano passado, a presidente Dilma Rousseff vetou integralmente projeto que criava condições mais frouxas para o desmembramento e a multiplicação de municípios. Se entrasse em vigor, a lei teria permitido a imediata criação de pelo menos 188 deles em várias regiões do país, com possibilidade de geração de gastos que acabariam rapidamente no Tesouro Nacional.
O novo projeto teve origem parlamentar, mas seus pontos mais críticos foram adequados a restrições orientadas pelo Palácio do Planalto. Depois de tramitar em regime de urgência, a proposta foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) na quinta feira e deve ser levada ao plenário da Casa na semana que vem, antes de ser encaminhada à Câmara dos Deputados.

É certo que as modificações em relação ao projeto vetado pela presidente são expressivas e tornam o texto menos inconveniente. Uma dessas mudanças é a fixação de um número mínimo de habitantes mais elevado para que a localidade se candidate à condição de município. Passou de 5 mil para 6 mil nas regiões Norte e Centro-Oeste (menos habitadas); de 8,5 mil, na Nordeste, para 12 mil; e de 15 mil para 20 mil nas regiões Sul e Sudeste.

Além disso, os novos municípios deverão ter área mínima de 200km² e arrecadação de pelo menos 10% da média dos municípios do estado (e não mais do município ao qual pertencia). O projeto também cria facilidades, eliminando a necessidade de parecer dos tribunais de conta sobre o Estudo de Viabilidade do Município (EVM), que é exigido no momento da emancipação. Além disso, reduz de 10% para 3% da população o número de assinaturas para iniciar o processo de desmembramento.

Os que defendem a criação de municípios argumentam que, especialmente nas regiões menos povoadas e nos estados em que são longas as extensões territoriais entre os distritos e as sedes municipais, é urgente a necessidade de desmembrar e dar autonomia à administração das cidades.

Menos convincente é a defesa de que a União e os estados não serão afetados com os desmembramentos, já que o bolo do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) é dividido entre o número de municípios. Ora, isso significa que todos, ou pelo menos os diretamente afetados pela separação, ganharão menos com a nova divisão. E, como as demandas de cada comunidade não vão diminuir, todas acabarão pressionando por mais verbas estaduais e federais.

Ademais, um novo município terá de ter um prefeito, um vice, secretários e funcionários, vereadores e quadro de pessoal para a Câmara, multiplicando as despesas. Nas pequenas comunidades, os cargos de prefeito e vereador costumam ser os melhores empregos da cidade.

E, não raro, é só isso que move o esforço de emancipação, ficando o desenvolvimento do município e o bem estar dos habitantes em plano inferior ou até mesmo esquecidos. Falta, portanto, dispositivo que obrigue a reversão do desmembramento, se, depois de alguns anos, ele não resultar em comprovado benefício à sociedade.

19 de abril de 2014
Editorial Correio Braziliense

SÁBADO DE ALELUIA, É BEM CHEGADO O BARÃO... (*)

Barão de Itararé

   FRASES IMPAGÁVEIS DO BARÃO DE ITARARÉ

Um grande humorista ganhou uma biografia alentada, “Entre Sem Bater — A Vida de Apparício Torelly, o Barão de Itararé” (Casa da Palavra, 480 páginas), de Cláudio Figueiredo. Criador do jornal “A Manha”, o Barão ridicularizava ricos, classe média e pobres. Não perdoava ninguém, sobretudo políticos, donos de jornal e intelectuais.

Ele não era barão, é claro. Mas deu-se o título de nobre e nobre se tornou. O primeiro nobre do humor no Brasil. Debochava de tudo e de todos e costumava dizer que, “quando pobre come frango, um dos dois está doente”. Ele é um dos inventores do contra-politicamente correto.
Há muito que o gaúcho Apparício Fernando de Brinkerhoff Torelly (1895-1971) merecia uma biografia mais detida. Em 2003, o filósofo Leandro Konder lançou “Barão de Itararé — O Humorista da Democracia” (Brasiliense, 72 páginas). O texto de Konder é muito bom, mas, como é uma biografia reduzida, não dá conta inteiramente do personagem, uma espécie de Karl Kraus menos filosófico mas igualmente cáustico.
 
Quatro depois, o jornalista Mouzar Benedito lançou o opúsculo “Barão de Itararé — Herói de Três Séculos (Expressão Popular, 104 páginas). É ótimo, como o livrinho de Konder, mas lacunar. No final, há uma coletânea das melhores máximas do humorista, que dizia: “O uísque é uma cachaça metida a besta”.
O que se leva desta vida é a vida que a gente leva.
A criança diz o que faz, o velho diz o que fez e o idiota o que vai fazer.
Os homens nascem iguais, mas no dia seguinte já são diferentes.
Dizes-me com quem andas e eu te direi se vou contigo.
A forca é o mais desagradável dos instrumentos de corda.
Sábio é o homem que chega a ter consciência da sua ignorância.
Não é triste mudar de ideias, triste é não ter ideias para mudar.
Mantenha a cabeça fria, se quiser ideias frescas.
O tambor faz muito barulho, mas é vazio por dentro.
Genro é um homem casado com uma mulher cuja mãe se mete em tudo.
Neurastenia é doença de gente rica. Pobre neurastênico é malcriado.
De onde menos se espera, daí é que não sai nada.
Quem empresta, adeus.
Pobre, quando mete a mão no bolso, só tira os cinco dedos.
O banco é uma instituição que empresta dinheiro à gente se a gente apresentar provas suficientes de que não precisa de dinheiro.
Tudo seria fácil se não fossem as dificuldades.
A televisão é a maior maravilha da ciência a serviço da imbecilidade humana.
Este mundo é redondo, mas está ficando muito chato.
Precisa-se de uma boa datilógrafa. Se for boa mesmo, não precisa ser datilógrafa.
O fígado faz muito mal à bebida.
O casamento é uma tragédia em dois atos: um civil e um religioso.
A alma humana, como os bolsos da batina de padre, tem mistérios insondáveis.
Eu Cavo, Tu Cavas, Ele Cava, Nós Cavamos, Vós Cavais, Eles Cavam. Não é bonito, nem rima, mas é profundo…
Tudo é relativo: o tempo que dura um minuto depende de que lado da porta do banheiro você está.
Nunca desista do seu sonho. Se acabou numa padaria, procure em outra!
Devo tanto que, se eu chamar alguém de “meu bem”, o banco toma!
Viva cada dia como se fosse o último. Um dia você acerta…
Tempo é dinheiro. Paguemos, portanto, as nossas dívidas com o tempo.
As duas cobras que estão no anel do médico significam que o médico cobra duas vezes, isto é, se cura, cobra, e se mata, cobra.
O voto deve ser rigorosamente secreto. Só assim, afinal, o eleitor não terá vergonha de votar no seu candidato.
Em todas as famílias há sempre um imbecil. É horrível, portanto, a situação do filho único.
Negociata é um bom negócio para o qual não fomos convidados.
Quem não muda de caminho é trem.
18 de abril de 2013
NOTA AO PÉ DO TEXTO
 (*)
O Sábado de Aleluia, para os cristãos, é o dia que antecede o Domingo de Páscoa, sendo o último dia da Semana Santa, onde é comemorada a Ressurreição de Jesus Cristo. Aleluia é uma palavra muito utilizada nos textos do Velho e no Novo Testamento da Bíblia Cristã, e no livro do Apocalipse de São João.

Aleluia é também considerada simplesmente uma palavra que vem de ulular, uma exaltação de alegria como ainda hoje acontece entre tribos semitas e africanas.

CINEMA TEVE MAIS DE 20 ADAPTAÇÕES DAS OBRAS DE GARCÍA MÁRQUEZ

 

Gabo, que se dizia 'cineasta frustrado', criou diversos roteiros e viu versões de seus livros feitas em vários continentes

Bem-humorado, o maior escritor latino-americano se descrevia, de forma jocosa, como "cineasta frustrado". Havia chiste na frase. Mas nem tanto. Gabriel García Márquez amava o cinema e esteve envolvido em atividades cinematográficas ao longo de quase toda a sua vida. O cinema o recompensou em seu amor, levando para as telas mais de 20 adaptações de suas obras literárias.
Para se ter ideia de como Gabo levava a sério o cinema, basta lembrar que, em companhia de amigos como Fernando Birri, Julio García Espinosa, Gutierrez Alea e outros, estudou, no início dos anos 1950, no então mitológico Centro Experimental de Roma, tido como berço do neorrealismo italiano e das ideias cinematográficas mais avançadas da época. O Norte do cinema contemporâneo passou pela Itália. E lá, Gabo aprendeu muito, mas colocou pouco em prática.

Ele mesmo dizia, em tom de autoironia, que sua participação efetiva no mundo do cinema se resumiu à função de terceiro assistente em uma filmagem do italiano Alessandro Blasetti. Acrescentava que sua função consistia em segurar uma corda de isolamento para que as filmagens não fossem perturbadas por curiosos.

O cargo, embora modesto, lhe trouxe grandes satisfações, a maior delas a possibilidade de conhecer de perto a protagonista da história, ninguém menos que Sophia Loren no auge da beleza e juventude. Que filme seria esse? Gabo não diz, mas pela época e presença de La Loren no elenco pode ser tanto Bela e Canalha (Peccato Che Sia Uma Canaglia) como A Sorte de Ser Mulher (La Fortuna di Essere Donna), ambos de 1955.

A sério, Gabo fundou e dirigiu uma das principais escolas de cinema do continente – A Escuela de Cine y TV de San Antonio de los Baños, em Cuba – e escreveu diversos roteiros para serem filmados por seus amigos cineastas. Por exemplo, Tempo de Morrer, rodado por Arturo Ripstein, que depois se tornaria o maior nome do cinema mexicano contemporâneo. O mesmo roteiro depois foi refilmado pelo compatriota de Gabo, o colombiano Jorge Ali Triana, já nos anos 1980. Triana filmaria ainda outro roteiro de Gabo, Oedipo Alcalde (1996), um aggiornamento do mito de Édipo para a Colômbia contemporânea, que concorreu no nosso Festival de Gramado. Em Cuba, que o escritor considerava sua segunda casa, escreveu vários roteiros como Maria de Mi Corazón, de Jaime Humberto Hermosillo e o argumento de Mi Querido Tom Mix, filmado por Carlos García Agraz.

Escritor de repercussão internacional após o boom da literatura hispano-americana, Gabo teve obras literárias adaptadas em outros continentes. Por exemplo, o grande cineasta italiano Francesco Rosi (autor do clássico Bandido Giuliano) verteu para a tela sua Crônica de Uma Morte Anunciada (1986), produção falada em inglês e destinada ao mercado internacional.
Aqui mesmo no Brasil a obra de García Márquez ganhou várias adaptações, todas elas assinadas por Ruy Guerra, amigo do escritor.

Guerra (autor de clássicos do cinema brasileiro como Os Cafajestes e Os Fuzis) verteu para a tela o livro A Verdadeira História de Cândida Erêndira e Sua Avó Desalmada. Ficou sendo apenas Erêndira (1980), personagem vivida pela atriz Cláudia Ohana. A avó é interpretada pela grande atriz grega Irene Papas. Guerra trabalhou a obra de Gabo também em A Bela Palomera (1988) e a minissérie, para TV, Me Alquilo para Soñar (Me Alugo para Sonhar). Mais recentemente, desencavou um romance um tanto esquecido do colombiano, La Mala Hora, para dele tirar o cerebral Veneno da Madrugada (2006).

Com o passar dos anos, o interesse do cinema pela obra mais recente de García Márquez não deu sinais de declínio. Outro título forte nas livrarias, Ninguém Escreve ao Coronel (1999) atraiu mais uma vez a atenção do mexicano Arturo Ripstein. Mike Newell filmou o best-seller O Amor nos Tempos do Cólera (2007), no qual Fernanda Montenegro faz parte do elenco. Memórias de Minhas Putas Tristes (2011) foi para as telas sob direção do dinamarquês Henning Carlsen, baseado em roteiro assinado pelo próprio Gabo e pelo francês Jean-Claude Carrière (que escreveu os scripts da maioria dos filmes de Luis Buñuel em sua fase francesa).

É estranho que a espetacular literatura de Gabriel García Márquez não tenha produzido nenhuma grande obra no cinema. Há filmes bons, dignos, interessantes, mas que não vão muito além disso. Ficam sempre a dever aos textos dos quais se originam. Hitchcock dizia ser muito mais fácil filmar livros medíocres do que obras-primas literárias. Estas criam uma expectativa excessiva e dão margem a comparações, em geral, desfavoráveis para os cineastas.

Não por acaso, talvez, justamente a obra-prima literária de Gabo, Cem Anos de Solidão, não foi adaptada para o cinema. Obra portentosa, teria amedrontado os cineastas a ponto de paralisá-los? Como botar na tela a complexa e barroca dinastia dos Buendías? Existem lendas a respeito. Uma delas, talvez próxima da realidade, diz que Gabo teria tanto ciúme do romance que lhe deu o Prêmio Nobel que jamais se decidiu a vender os direitos, por tentadoras que fossem as ofertas.
Ele mesmo, de vez em quando, dizia que aumentava o preço a cada vez que via alguém realmente disposto a comprar. Não queria vender.

Há outro dado digno de interesse. O "cineasta frustrado" Gabriel García Márquez teve um filho, Rodrigo García, que de fato se tornou diretor de cinema. Os filmes de Rodrigo, como o delicado drama familiar Destinos Ligados (2009), pouco têm a ver com o intrincado universo do realismo fantástico do pai. Será que encararia o desafio de levar para a tela uma catedral literária do porte de Cem Anos de Solidão?

19 de abril de 2014
Luiz Zanin Oricchio - O Estado de S. Paulo

RECORDAÇÃO, SOFRIMENTO E SAUDADE

 

David Brooks é o colunista cultural do New York Times. Neste último dia 8, ele escreveu uma profunda e corajosa crônica intitulada What Suffering Does? ("os desdobramentos do sofrimento" numa tradução livre e, por isso mesmo, precisa).

Eu sou fascinado pelo modo direto usado pelos americanos para falar de assuntos complexos como a felicidade, o amor e o sofrimento. Ao contrário da pose brasileira em que o sujeito pensa que escrever complicado é sinônimo de competência, David Brooks inicia sua meditação invocando a dimensão fundamentalmente otimista da vida americana: a maximização da felicidade individual como uma busca possível e alcançável. Felicidade, aliás, que faz parte do credo constitucional americano, distinguindo a modernidade estadunidense de todas as outras pelo seu otimismo e busca de conforto amparado pela tecnologia, como percebeu Tocqueville.

Ter a coragem de discutir o sofrimento levou-me ao que os antropólogos chamam de "American way of life". Uma representação coletiva na qual se acreditava que tudo poderia ser resolvido com bom senso e a honestidade seria - imaginem - o melhor negócio! Nela, o comum seria ser feliz. Sofrer, um acidente. Vale observar como o sofrimento se relaciona à perda de autonomia individual nas sociedades individualistas; e a solidão que individualiza representa o sofrer no caso das sociedades de compadrio ou relacionais, como a brasileira. Num caso, descobre-se a dependência do objeto amoroso perdido noutro, o isolamento revelador de solidão e abandono.

O problema do cronista americano não é o perene e comovente "por que sofremos?" - questão que leva aos templos e a uma transcendência comparativa quase sempre pueril de achar que existe mesmo alguém que jamais sofreu quando, basta chegar perto do sujeito mais feliz, para logo descobri-lo como um irmão em ansiedade e amargura.

Por outro lado, o texto de Brooks não é evolucionista, mas estruturalista. Ele não quer saber das origens nem cogita uma era utópica e salvadora, sem sofrimento. O que ele faz é discutir os desdobramentos do inevitável e constitutivo ato de sofrer.

Não há, diz Brooks, a menor possibilidade de esperar somente a felicidade, porque em toda recordação nenhum de nós fala somente da felicidade. As perdas e o sofrimento se misturam às memórias felizes. "As pessoas buscam a felicidade - diz -, mas sentem que são feitas por meio do sofrimento."

Para quem pensa que o jornal está apenas em busca do escândalo, eis um cronista maior mostrando como o rotineiro periódico ajuda a encontrar informação e sabedoria. O sofrimento tem, sem dúvida, um lado destrutivo a ser evitado, mas ele é um formidável instrumento de empatia e de marginalidade positiva.

Tirando-nos da inconsciência das boas rotinas, quando não tínhamos tempo ou motivo para "pensar na vida" como falamos no Brasil, o sofrimento nos põe cara a cara com a honestidade, a coragem, a pusilanimidade e a aceitação. A aceitação de que tudo cabe dentro de nós como um passo decisivo para reagir contra uma doença ou uma perda não apenas dolorosa, mas irreparável.

O sofrimento não permite evasões. Ele limita brutalmente as nossas ilusões de autonomia e de liberdade. Ele também é exclusivo e desequilibrado, pois não há quem não considere sofrer mais do que julgava cabível ou justo. Ademais, não há cura. Há um englobamento e um duro canibalismo - aceitação é o seu nome.

Numa conferida sobre a poesia de Camões, proferida no Colégio Vassar no dia 21 de abril de 1909, Joaquim Nabuco relaciona amor e saudade. Essa, diz, seria a palavra mais bela de nossa língua e, como um antecipador de David Brooks, remarca que para traduzir saudade em inglês, seria preciso falar em lembrança, luto, desejo e amor; essas moedas do sofrimento. Nos Estados Unidos dos individualismos e de uma inabalável crença na tecnologia e no progresso, insinua-se o cronista para advertir que a felicidade proposta pelo "American way of life" é possível, mas que uma existência sem sofrimento é impossível.

Entre nós brasileiros - relacionais e certos de que felicidade não é a regra dos nossos destinos - é a saudade "polida pelas lágrimas", como assinala Nabuco, que permite a reconciliação com o sofrimento. É ela que pacientemente realiza o trabalho de transformar a solidão da dor, do sofrimento, da mágoa, do ressentimento, e da desesperança em saudade!

Túmulo abençoado, leito amoroso e oficina da vida, a saudade é a palavra mágica que reconcilia o interior fantasioso e agitado de cada um de nós, com a realidade imprevista e dura do mundo.

19 de abril de 2014
Roberto Damatta - O Estado de S.Paulo