Em 7 de setembro já tinha notado que o povo brasileiro, sempre muito melhor que suas elites, tinha sido tão ululantemente veemente com sua presença nunca antes tão maciça nas manifestações contra a ditadura que há quanto com sua ausência nas avermelhadas bateções de bumbo a favor da ditadura que a esquerda gostaria que houvesse.
O estrondoso fiasco de domingo passado – de que o PT está tentando livrar-se desde que o pressentiu no estrondoso fiasco da sua prévia do Dia da Independência – veio para confirmar: o povo brasileiro não tem nada de bobo, apenas é tratado como tal impunemente em função da síndrome de imunodeficiência democrática crônica que lhe tem sido instilada à força nas veias e o mantem exposto a infecções oportunistas recorrentes por todo tipo de agente patológico da baixa política.
Este domingo provou que ultrapassamos o marco da imunização de rebanho. Pode a imprensa-turba repetir à exaustão os seus bordões importados ou domésticos e agredir os fatos ao vivo e a cores – “O STF é o defensor do estado de direito”, “É Bolsonaro quem agride o STF”, “A impossibilidade de auditar o sistema eleitoral é a prova de que nunca houve fraude”, “Foi o congresso quem decidiu soberanamente contra a pequena minoria que desconfia da máquina de votar”, “A economia está fracassando porque Paulo Guedes não faz reformas”, “Havia 125 mil pessoas na Paulista em 7 de setembro” e por aí afora – que ninguém mais lhe dá ouvidos.
O que explica a resiliência do bolsonarismo passado, presente e futuro é essa desonestidade assumida e explícita do antibolsonarismo. A ditadura preventiva do STF finalmente deu uma bandeira “elevada” ao movimento, mas foi a ladroagem, nada mais que a ladroagem, do lulismo que o gerou e o pôs no poder sem a necessidade de proferir qualquer tipo de discurso propositivo. Agora com Alexandre de Moraes prendendo e arrebentando e o Trio Assombro da CPI torturando a verdade ao vivo na TV, ganhou um de inesperada grandeza: o de “defensor das liberdades democráticas”. E estão aí os presos políticos atras das grades e a censura comendo furiosa na mídia eletrônica para não deixá-lo mentir.
Quanto Bolsonaro sonha com democracia ou sabe do que se trata não importa. Está pau-a-pau com o resto do Brasil.
O PT aposta no silêncio sem facada. Trabalha furiosamente para melhorar o pior na esperança de que novembro de 2022 chegue com o país exausto e a apenas um passo do desastre final, mas quieto. Quer um Brasil esquecido de quem é Luis Ignácio Lula da Silva. A ordem é mante-lo mudo em sua toca, mas não é fácil. “Se eleito, vou censurar a imprensa … vou proibir privatizações … vou aumentar impostos … vou prender opositores como o democrata Fidel”… Escreveu não leu vem com uma dessas o velhote. Mas sempre atrasado. Alexandre de Moraes e os governadores sacam muito mais rápido que ele.
A imprensa-turba continua exigindo censura, linchamentos e autos-de-fé. Mas com a repercussão que se viu domingo. Ninguém a leva mais à sério. E as OABs e as Fiesps já não sabem mais o saco de quem puxar.
Não ha 3a Via porque ninguém propôs uma 3a Via. 3os nomes, sim, tem um monte querendo o poder. Estavam todos – um mais bizarro que o outro – de frente para o fiasco de domingo “sendo contra a direita” ou “sendo contra a esquerda”, mas sem propor nada de diferente do que uma ou outra ja nos deram.
Nós já experimentamos as duas com todos os tipos de molho e deu sempre a mesma merda. Falta tentar o povo. Democracia é sobre limitar a quantidade de poder a que qualquer indivíduo pode legalmente ter acesso na política e na economia. Parte do pressuposto que o poder corrompe sempre e corrompe mais absolutamente quanto mais absoluto for. Por isso trata de aumentar a concorrência na economia e, poder político absoluto mesmo, só dá ao povo como um todo, com aquela característica que ele tem: metade está sempre contra a outra metade e o ponteiro do meio é sempre muuuito móvel.
Mas no Brasil isso nem começou. O povo está fora do poder e portanto a política trabalha para aumentar o poder dos monopólios e os monopólios para aumentar o poder da política. O povo nem existe, aliás. Para brasileiro, não importa a classe social, “povão” é sempre “o outro”. E ninguém, nem ele mesmo, quer colocar esse “outro” pra dentro.
03 de outubro de 2021
vespeiro