Papai Noel ou o Japonês da Federal? Sapatos de cromo ou tornozeleira eletrônica? É um dilema para os estão no topo da política brasileira.
Na planície, foi um ano terrível, aqui e lá fora. Milhares de refugiados de guerra, atentados, mar de lama, epidemias, corrupção.
Ainda assim, há o que celebrar. A solidariedade, por exemplo. Esteve presente na onda de refugiados que invadiu a Europa. Nos distritos arrasados de Mariana, felizmente, também não faltou.
Há que celebrar a competência dos médicos e cientistas brasileiros que estabeleceram rápido a conexão entre o vírus zika e a microcefalia.
Mesmo não sendo um defensor da pobreza dos meios, valorizo esta qualidade, a tentativa de superar criativamente a limitação dos instrumentos. Já é uma qualidade de muitos brasileiros. Com o dólar nas alturas, talvez seja, por um tempo, uma espécie de segunda natureza.
O imperador Adriano, da escritora Marguerite Yourcenar, disse algo interessante sobre pessoas, mas que bem poderia ser adaptado ao Brasil: “Ele havia chegado a um certo momento da vida, variável para cada homem, em que o ser humano se abandona ao seu demônio ou ao seu gênio e segue uma lei misteriosa que lhe ordena destruir-se a si mesmo ou a superar-se”.
Creio que vivemos sob essa lei misteriosa e, ao contrário de Adriano, não a vejo comandar apenas uma coisa ou outra: os dois movimentos, autodestruição e superação, se entrelaçam, como se a própria lei hesitasse.
De 2013 para cá, surgiu um movimento de protesto, tentando despertar mudanças e reverter a decadência. O movimento ainda está vivo hoje, sabendo agora que não se trata apenas de cobrar os serviços, mas condenar a corrupção, pedir o impeachment.
Enquanto a solidariedade marcava o ano aqui embaixo, lá em cima o ano terminava com duas notícias assombrosas: corrupção na Hemobrás e nas obras de transposição do São Francisco. Roubam a água e o sangue de populações vulneráveis.
Por essas razões, o Natal no Brasil é uma festa no front. Um ano de governo e o único resultado político é o processo de impeachment. Ele nos espera no ano que vem. Assim como a crise econômica, pois recuamos quase 4% do PIB.
Vamos ouvir o som das sirenes como se fosse o trenó de Papai Noel. Vamos tirar mais algumas tornozeleiras do saco de brinquedos, e ao dobrar dos sinos das igrejas de Mariana, lembrar que acaba um ano difícil.
Na noite seguinte, fui ao aniversário de um amigo: 90 anos. Nadamos na mesma piscina. Estranhei sua ausência pela manhã. Ele disse: preciso me poupar para a festa. Ao vê-lo pulando de mesa em mesa, movendo os mesmos braços longos que desloca na água, pensei: quantas vezes falamos do Brasil, quantas vezes lamentamos o curso das coisas no país. Mas Armando Salgado, esse é seu nome, erguendo uma taça de vinho alegremente, despertou-me um sentimento essencial: sobrevivemos e é bom estar aqui.
Não creio que o Brasil se coloca um problema que não possa resolver. Há clamor nas ruas, mesmo sob o sol de dezembro, às vésperas do Natal. As forças autodestrutivas chegaram ao seu destino. Estão dentro de um amplo cerco policial contra a corrupção: o que deveria ser uma experiência histórica tornou-se um processo penal.
No ano que acaba, o difícil foi não ver a luz no fim do túnel. Se aparecer em 2016, será uma grande conquista. Esperar que as dificuldades desapareçam é ilusão. Uma luz, uma simples luz, atenua as asperezas do caminho.
21 de dezembro de 2015
Fernando Gabeira
Há que celebrar a competência dos médicos e cientistas brasileiros que estabeleceram rápido a conexão entre o vírus zika e a microcefalia.
E comunicaram ao mundo. As perspectivas são aterradoras, mas seriam mais ainda se não tivéssemos dados para, pelo menos, buscar uma vacina.
Os cientistas americanos que passaram pelo Recife ficaram admirados como se fez tanto com equipamentos tão modestos.
Mesmo não sendo um defensor da pobreza dos meios, valorizo esta qualidade, a tentativa de superar criativamente a limitação dos instrumentos. Já é uma qualidade de muitos brasileiros. Com o dólar nas alturas, talvez seja, por um tempo, uma espécie de segunda natureza.
O imperador Adriano, da escritora Marguerite Yourcenar, disse algo interessante sobre pessoas, mas que bem poderia ser adaptado ao Brasil: “Ele havia chegado a um certo momento da vida, variável para cada homem, em que o ser humano se abandona ao seu demônio ou ao seu gênio e segue uma lei misteriosa que lhe ordena destruir-se a si mesmo ou a superar-se”.
Creio que vivemos sob essa lei misteriosa e, ao contrário de Adriano, não a vejo comandar apenas uma coisa ou outra: os dois movimentos, autodestruição e superação, se entrelaçam, como se a própria lei hesitasse.
O processo político brasileiro é autodestrutivo. Se apenas implodisse mansamente... Mas é um espetáculo longo de sirenes, buscas, batidas policiais.
De 2013 para cá, surgiu um movimento de protesto, tentando despertar mudanças e reverter a decadência. O movimento ainda está vivo hoje, sabendo agora que não se trata apenas de cobrar os serviços, mas condenar a corrupção, pedir o impeachment.
Enquanto a solidariedade marcava o ano aqui embaixo, lá em cima o ano terminava com duas notícias assombrosas: corrupção na Hemobrás e nas obras de transposição do São Francisco. Roubam a água e o sangue de populações vulneráveis.
Naturalmente numa escala muito menor que os assaltos à Petrobras. Não avalio os números nem artigos do Código Penal. Não é preciso trabalhar com palavras para saber que sangue, água e óleo são substâncias diferentes.
Por essas razões, o Natal no Brasil é uma festa no front. Um ano de governo e o único resultado político é o processo de impeachment. Ele nos espera no ano que vem. Assim como a crise econômica, pois recuamos quase 4% do PIB.
O Brasil talvez esteja precisando de um presente.
A disposição de cada um em seguir o próprio gênio e afastar o perigo da autodestruição. Seguir o gênio, no texto, significa apenas usar as próprias qualidades, superar-se como se superaram os médicos e cientistas nordestinos.
Vamos ouvir o som das sirenes como se fosse o trenó de Papai Noel. Vamos tirar mais algumas tornozeleiras do saco de brinquedos, e ao dobrar dos sinos das igrejas de Mariana, lembrar que acaba um ano difícil.
Os mais velhos, como eu, sempre dão um balanço dos seus mortos. Senti a perda de Carlos Lemos e fiquei sabendo, através da família, que ele guardou um cheque que entreguei a ele no fim dos anos 1960.
Está intacto. Independentemente da cifra, é o cheque mais valioso que assinei na vida. Querido Lelé.
Na noite seguinte, fui ao aniversário de um amigo: 90 anos. Nadamos na mesma piscina. Estranhei sua ausência pela manhã. Ele disse: preciso me poupar para a festa. Ao vê-lo pulando de mesa em mesa, movendo os mesmos braços longos que desloca na água, pensei: quantas vezes falamos do Brasil, quantas vezes lamentamos o curso das coisas no país. Mas Armando Salgado, esse é seu nome, erguendo uma taça de vinho alegremente, despertou-me um sentimento essencial: sobrevivemos e é bom estar aqui.
Não creio que o Brasil se coloca um problema que não possa resolver. Há clamor nas ruas, mesmo sob o sol de dezembro, às vésperas do Natal. As forças autodestrutivas chegaram ao seu destino. Estão dentro de um amplo cerco policial contra a corrupção: o que deveria ser uma experiência histórica tornou-se um processo penal.
No ano que acaba, o difícil foi não ver a luz no fim do túnel. Se aparecer em 2016, será uma grande conquista. Esperar que as dificuldades desapareçam é ilusão. Uma luz, uma simples luz, atenua as asperezas do caminho.
O planeta achou sua luz na conferência de Paris e decidiu conter o processo de autodestruição. Celebro pelas novas gerações, embora também aí a luz não não baste: o caminho é áspero.
Mas se 189 países conseguem achar um horizonte comum na luta contra as mudanças climáticas, porque um só país não encontrará o seu na luta por melhores governantes?
21 de dezembro de 2015
Fernando Gabeira