"Nunca ficou provado textualmente que uma pessoa chamada Antônio Francisco Lisboa, conhecida como Aleijadinho, tivesse feito todas as obras que lhe foram atribuídas", afirma Sala, especialista em história da arte que está pesquisando em Portugal. "Os documentos da igreja de Congonhas provam que outro escultor também recebeu pelos profetas".
Professor de história da arte, Sala, 44, está em Lisboa há dois anos e meio fazendo pesquisas para sua tese de doutorado na Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP), justamente sobre a suposta invenção de Aleijadinho.
Segundo Sala, as obras foram atribuídas a Aleijadinho com base num texto de origem duvidosa. "Em 1858, Rodrigo José Ferreira Bretas publicou no 'Correio Oficial' de Minas que tinha achado um livro de um vereador de Mariana, escrito em 1790, com a história de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho. Acontece que esse livro, chamado 'Livro de Registros de Fatos Notáveis' da cidade de Mariana, nunca foi visto por ninguém", diz Sala.
Sem ter sua existência comprovada, o livro é citado como fonte por quase todos os pesquisadores. Sala atribui a uma necessidade política e ideológica da ditadura a criação do mito: "Criado duas semanas depois do golpe de 1937, o Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional tinha como meta colaborar na construção de uma identidade nacional."
Para Sala, a construção dessa identidade baseou-se em dois grandes mitos: Aleijadinho e Tiradentes. "A figura do Aleijadinho faz coincidir um processo de autonomia cultural com um processo de autonomia política, personificado em Tiradentes."
Ele afirma que Aleijadinho já era uma figura mítica que foi aproveitado pelo Estado Novo como um protótipo do brasileiro típico: "mestiço, torturado, doente, angustiado, mas mesmo assim capaz de superar as deficiências por meio da criatividade."
Segundo Sala, para sustentar o mito, usaram até os pesquisadores estrangeiros. "A última vez que o historiador de arte Germain Basin esteve no Brasil, em 1989, me disse que tinha sido pressionado pelo Rodrigo Melo Franco de Andrade (ex-presidente do SPHAN) e pelo arquiteto Lúcio Costa para dar um parecer afirmando que algumas obras tinham sido feitas pelo Antônio Francisco Lisboa."
Não é a primeira vez que se duvida da história do Aleijadinho. "O professor americano John Russel-Wood fez um levantamento extenso nos arquivos mineiros e não encontrou nenhum documento que provasse que o Antônio Francisco Lisboa era filho de Manuel Francisco Lisboa e o pesquisador Augusto de Lima Júnior chegou a dizer que não existe provas de que o Aleijadinho se chamasse Antônio Francisco Lisboa."
O livro de Registro da Ordem Terceira de Sabará, que segundo Augusto de Lima teria o nome do Aleijadinho, desapareceu.
As esculturas atribuídas a Aleijadinho, diz, devem ter sido feitas por oficinas: "O Cristo no Horto das Oliveiras é uma obra de grande qualidade, mas se você olha as figuras de trás, vê que não são tão bem esculpidas.
Essas obras deveriam ser atribuídas a uma oficina, com um monte de gente trabalhando sob as ordens de um mestre."
11 de abril de 2018
Jair Rattner, de Lisboa