Sapiens somos nós, Homo sapiens. Há cerca de 70 mil anos surgimos como somos hoje. Você seria igualzinho há 70 mil anos, correndo pela savana africana. Sem iPhone na mão, fugindo de predadores.
Há algum tempo venho estudando pré-história e estou convencido de que as escolas deveriam dar mais aulas de pré-história e menos de Revolução Francesa. No mínimo, serviria como antídoto aos delírios dos "professores de humanas" por aí.
Deveríamos reverenciar esses nossos patriarcas, começando por conhecê-los mais e ensinar mais sobre eles para nossas crianças. Menos fru-fru e mais contos de caçadoras coletoras criando bebês.
Quando pensamos "na" pré-história, aprendemos a não considerar "nosso tempo" como o centro da história. Hoje quero indicar um livro para você. "Sapiens", do historiador israelense Yuval Noah Harari, professor de macro história da Universidade Hebraica de Jerusalém.
Macro história é uma disciplina que foi um pouco estragada por gente como Hegel e Marx (ambos metafísicos), pois eles pensavam que haviam decifrado a história. Hoje, fazer macro história é se perguntar coisas como "a história é justa?".
Ou "o aumento de técnica aumentou a sensação de felicidade?". Ou "a democracia melhorou o cotidiano das pessoas?".
Essas questões são respondidas a partir da observação de muitas disciplinas juntas, como biologia, arqueologia, antropologia, economia, psicologia, moral, entre outras. Para saber como, leia o livro.
Não há respostas definitivas, mas tentativas de elucidar grandes questões da nossa história. Questões essas que são essenciais para entendermos a "alma" do sapiens que somos nós.
O livro de Harari é uma pérola, apesar de a edição brasileira, da L&PM, deixar um pouco a desejar em termos de cuidado (alguns poucos erros de digitação e de tradução). Cumpre, porém, a missão de trazer ao público brasileiro este best-seller escrito por um "scholar" de primeiro time. Israel é um dos países com maior capacidade intelectual e científica instalada.
O livro percorre os 70 mil anos de existência do sapiens (política, moral, religião, economia, técnica, ciência) e investiga possíveis desenvolvimentos futuros a partir do que andamos fazendo em termos de tecnologia genética e cibernética.
Duas hipóteses do autor, além de muitas outras coisas, valem a pena serem citadas aqui. Ambas fruto da chamada revolução cognitiva pela qual nossos ancestrais passaram, que resultaram nisso que somos hoje: esse bicho com cérebro grande que pensa, fala, imagina e cria conceitos e técnica.
A primeira hipótese é o fato de vivermos num mundo imaginário que levamos muito a sério. Esse mundo imaginário cria deuses, valores morais, religiões, Estados, governos, mercados, Facebook.
Atenção! Dizer que é um mundo imaginário não quer dizer "falso". Quer dizer que só nós o "vemos" e agimos a partir dele. Deuses, espíritos, o socialismo, o liberalismo (e sua crença na autonomia como motor de riqueza), tudo isso faz parte desse mundo imaginário que se concretiza na medida em que nós, sapiens, o materializamos no mundo real. E nós todos somos obrigados a engoli-lo garganta abaixo, via leis, normas, arte, crenças
religiosas, conceitos filosóficos e afins. O mundo imaginário é tão "real" que mata.
Mas, qual a importância de sabermos que vivemos num mundo imaginário? Este saber nos ajuda a lidar com a segunda grande hipótese do autor.
A revolução cognitiva há 70 mil anos nos "separou" da natureza e nos transformou num animal que tem muito poder nas mãos, mas não sabe nada de si mesmo (nem saberá, porque somos, na escala cósmica, a mesma coisa que uma formiga, sem nenhum sentido maior para nada). Não "há nada" para saber sobre nós.
Somos como um cometa, cruzando o universo, em alta velocidade, indo para lugar nenhum, mas criando um mundo imaginário que dá sentido a esse processo.
Caminhamos entre seres mudos que nos contemplam e que repousam no silêncio da matéria. E um dia, restará apenas essa matéria, da qual somos um acidente. Um acidente que imagina mundos a sua volta.
29 de junho de 2015
Luiz Felipe Pondé
Há algum tempo venho estudando pré-história e estou convencido de que as escolas deveriam dar mais aulas de pré-história e menos de Revolução Francesa. No mínimo, serviria como antídoto aos delírios dos "professores de humanas" por aí.
Deveríamos reverenciar esses nossos patriarcas, começando por conhecê-los mais e ensinar mais sobre eles para nossas crianças. Menos fru-fru e mais contos de caçadoras coletoras criando bebês.
Quando pensamos "na" pré-história, aprendemos a não considerar "nosso tempo" como o centro da história. Hoje quero indicar um livro para você. "Sapiens", do historiador israelense Yuval Noah Harari, professor de macro história da Universidade Hebraica de Jerusalém.
Macro história é uma disciplina que foi um pouco estragada por gente como Hegel e Marx (ambos metafísicos), pois eles pensavam que haviam decifrado a história. Hoje, fazer macro história é se perguntar coisas como "a história é justa?".
Ou "o aumento de técnica aumentou a sensação de felicidade?". Ou "a democracia melhorou o cotidiano das pessoas?".
Essas questões são respondidas a partir da observação de muitas disciplinas juntas, como biologia, arqueologia, antropologia, economia, psicologia, moral, entre outras. Para saber como, leia o livro.
Não há respostas definitivas, mas tentativas de elucidar grandes questões da nossa história. Questões essas que são essenciais para entendermos a "alma" do sapiens que somos nós.
O livro de Harari é uma pérola, apesar de a edição brasileira, da L&PM, deixar um pouco a desejar em termos de cuidado (alguns poucos erros de digitação e de tradução). Cumpre, porém, a missão de trazer ao público brasileiro este best-seller escrito por um "scholar" de primeiro time. Israel é um dos países com maior capacidade intelectual e científica instalada.
O livro percorre os 70 mil anos de existência do sapiens (política, moral, religião, economia, técnica, ciência) e investiga possíveis desenvolvimentos futuros a partir do que andamos fazendo em termos de tecnologia genética e cibernética.
Duas hipóteses do autor, além de muitas outras coisas, valem a pena serem citadas aqui. Ambas fruto da chamada revolução cognitiva pela qual nossos ancestrais passaram, que resultaram nisso que somos hoje: esse bicho com cérebro grande que pensa, fala, imagina e cria conceitos e técnica.
A primeira hipótese é o fato de vivermos num mundo imaginário que levamos muito a sério. Esse mundo imaginário cria deuses, valores morais, religiões, Estados, governos, mercados, Facebook.
Atenção! Dizer que é um mundo imaginário não quer dizer "falso". Quer dizer que só nós o "vemos" e agimos a partir dele. Deuses, espíritos, o socialismo, o liberalismo (e sua crença na autonomia como motor de riqueza), tudo isso faz parte desse mundo imaginário que se concretiza na medida em que nós, sapiens, o materializamos no mundo real. E nós todos somos obrigados a engoli-lo garganta abaixo, via leis, normas, arte, crenças
religiosas, conceitos filosóficos e afins. O mundo imaginário é tão "real" que mata.
Mas, qual a importância de sabermos que vivemos num mundo imaginário? Este saber nos ajuda a lidar com a segunda grande hipótese do autor.
A revolução cognitiva há 70 mil anos nos "separou" da natureza e nos transformou num animal que tem muito poder nas mãos, mas não sabe nada de si mesmo (nem saberá, porque somos, na escala cósmica, a mesma coisa que uma formiga, sem nenhum sentido maior para nada). Não "há nada" para saber sobre nós.
Somos como um cometa, cruzando o universo, em alta velocidade, indo para lugar nenhum, mas criando um mundo imaginário que dá sentido a esse processo.
Caminhamos entre seres mudos que nos contemplam e que repousam no silêncio da matéria. E um dia, restará apenas essa matéria, da qual somos um acidente. Um acidente que imagina mundos a sua volta.
29 de junho de 2015
Luiz Felipe Pondé