Como vocês devem se lembrar, desgostoso da vida e da política brasiliana, refugiei-me em Mumbai, Índia, a fim de dar continuidade aos meus estudos de Sânscrito. Já me encontro nesta terra há trinta dias, sentindo falta do feijão preto, da batata frita e do bife (carne de vaca impura) acebolado.
Meditava sobre essas saudades, degustando um legítimo “Café do Brazil”, no Leopold Café, bar / restaurante grande e popular, situado em Colaba Causeway, bem em frente à Delegacia local, quando reparei num indivíduo barbudo, vestindo um hábito marrom, que conversava com o garçom que me atendia. Eu estava com a nítida impressão de ter visto uma estrela vermelha na gola da roupa daquele homem, que mais parecia um terrorista religioso, do que um Frei Franciscano. Apavorei-me, pois lembrei-me que, em 26 de novembro de 2008, naquele local, teve início o terrível ataque perpetrado por extremistas, que além de pulverizar o Leopold Café, causou uma quantidade enorme de vítimas (195 mortos) e destruiu grande parte do Taj Hotel, local onde estou hospedado.
De imediato, chamei o garçom e pedi a conta. Para minha surpresa ele me informou que o “frei” havia pagado meu lanchinho da tarde. Procurei o cidadão no recinto para saber o “que coisa é essa?” e ele havia sumido.
Chegando ao Taj, minha primeira preocupação foi saber se havia algum recado para mim.
Surpresa!!!!!!!!!!
Havia um convite formal da Comissão Nacional da verdade me convidando para realizar um depoimento sobre minhas atividades na época da ditamole. Pensei, são uns brincantes! Será que acham que vou interromper meus estudos para enxugar gelo, fazendo parte do circo que a eles garante o brioche de cada dia?
Decidido a nem responder ao “convite”, subi aos meus aposentos, tomei um bom banho, vesti-me com um traje formal e, como se aproximava das vinte horas, dirigi-me ao The Zodiac Grill, localizado no Lobby do Taj. Sentei-me, ia chamar o garçom e, qual não é minha outra surpresa, o tal “frei”, de pé à minha frente, descaradamente pedia para sentar-se à minha mesa. Não houve tempo nem para responder negativamente. O espaçoso puxou a fina e confortável cadeira e refestelou-se, indo direto ao assunto, que passo a resumir:
- Sr Jacornélio, estamos cooptando alguns bons e arrependidos brasileiros que militaram na repressão e oferecendo a eles uma irrisória compensação pecuniária. Já conversamos com vários, dentre eles, o Dr Cláudio Antônio Guerra e o TC Paulo Malhães (Dr Pablo). Dependendo do caso de necessidade do contrito, por exemplo: se ele for viúvo, solteiro, militar, com fama de maluco, em adiantado estado de putrefação mental, etc, a ajuda pode superar os cem mil reais.
- No seu caso, um bom brasileiro que militou tanto nos porões aquáticos, quanto nos terrestres, com várias incursões aéreas, estamos dispostos a assumir suas despesas no Taj Hotel, dando-lhe como cortesia uma passagem de primeira classe até o Aeroporto do Galeão e uma ajuda de custos de cem mil reais, a mesma recebida por alguns de seus antigos chefes.
Todo homem tem seu preço e aquele “frei” estava me tentando. Era a minha oportunidade de acertar as finanças, desequilibradas desde a minha saída da direção-geral do FUNPAPOL (Fundo Nacional de Pensão dos Anistiados Políticos). Sem delongas, aceitei e, dias depois, aportei no Galeão, sentindo-me um verdadeiro exilado anistiado, que voltava à terrinha. O mais comovente foi ser saudado pelo Samba do Avião, de autoria de Dilma Rousseff, ícone do retorno à pátria-mãe.
No dia e hora marcados, lá estava eu, vestindo a minha camisa do Flamengo, para ser interrogado por aquele isento “tribunal”. Reparei que Pedro Bohomoletz de Abreu Dallari, Gilson Langaro Dipp, José Paulo Cavalcanti Filho e José Carlos Dias estavam com camisas do Vasco e que Rosa Maria Cardoso da Cunha, Maria Rita Kehl e Paulo Sérgio Pinheiro estavam com as do Fluminense (com muito pó-de-arroz). Simples coincidência, pensei! Nada a temer, afinal, eles estão à cata da verdade.
Deu-se início ao ritual de qualificação: Nome: Jacornélio Manso Gonzaga, Nascido na cidade de Fortaleza/CE, em tanto do tanto de mil novecentos e tanto. Residente à Rua Arthur Barbosa, 668 - Bairro Caxambu – Petrópolis/RJ. Profissão: fitoterapeuta, especializado em cannabis sativa, formado pela Faculdade Alternativa da Universidade Federal de Santa Catarina; maquiador de pesquisas diversas, formado pelo IBOPE; doutor e professor titular de Ciência Politicamente Correta da Universidade de São Paulo. Codinome utilizado nos porões: Dr Cornélio.
P: Em quais órgãos da repressão o senhor “trabalhou”, Dr Cornélio?
R: No Rio de Janeiro: Destacamento de Operações de Informações do I Exército (DOI/I Ex); 1ª Companhia de Polícia do Exército da Vila Militar; Base Naval da Ilha das Flores;e, Base Aérea do Galeão. Em São Paulo: OBAN e Destacamento de Operações de Informações do II Exército (DOI/II Ex). No Recife: Destacamento de Operações de Informações do IV Exército (DOI/IV Ex); e, em Belo Horizonte: no Quartel do 12º Regimento de Infantaria do Exército.
P: O probo, íntegro e reto Governador de Sergipe, Jackson Barreto (PDT, PMDB, PSDB, PMN, PTB, PMDB – de novo), que responde a cinco ações penais, incluindo peculato e crime contra a administração em geral; que foi impugnado pelo ministério público, com base na Lei da Ficha Limpa; que, em 2009, apresentou uma PEC que previa a possibilidade de duas reeleições para membros do Executivo, a fim de permitir que Ignácio pudesse concorrer a um terceiro mandato; e, que foi eleito como o quarto maior ficha suja do Brasil pelo programa CQC da rede Bandeirantes, solicitou a esta Comissão que investigasse também o quartel do 28º BC, pois há relatos de estupro e um preso que ficou cego em razão do uso de uma venda de borracha. O que o Sr tem a relatar sobre o fato?
R: Nunca usei essas coisas de borracha. Aliás, sempre pensei que esses emborrachados, embora vedassem, não fossem colocados nos olhos da cara.
P: Além da Casa do terror, em Petrópolis, o Sr tem conhecimento de outros endereços clandestinos de prática de tortura?
R: Sim, três: um em São Paulo (capital), situado na Rua Abolição, 297, Bela Vista (#); outro, na cidade do Rio de Janeiro, à Rua do Carmo, 38 - 3º andar – Centro (#); e, um dos mais atuantes, sito à Rua Antonio Cardoso Franco , 501 , Bairro Casa Branca, Santo André/SP (#), por onde passou um certo Prefeito da cidade. Inclusive, lá prestei assessoria aos agentes residentes, no período de 1º de dezembro de 2001 a 18 de janeiro de 2002.
(#)Diretórios do PT
Por favor, Dr Cornélio, limite-se ao período de investigação compreendido por esta Comissão. Caso Celso Daniel (16/04/1951 – 18/01/2002) não é alvo de apuração.
P: O Sr é acusado de usar a “roda de despedaçamento”, o “tubo de crocodilo” e a “manivela intestinal” quando do interrogatório, na OBAN, do combatente da liberdade: Diógenes José Carvalho de Oliveira. Procede?
R: Não é verdade. O que eu fiz, na realidade, foi uma entrevista com o Diógenes, também conhecido à época pelos codinomes de “Leandro", "Leonardo", "Luiz" e "Pedro". Posteriormente, foi alcunhado de Diógenes do PT, quando, dizendo falar em nome do governador do Rio Grande do Sul, Olívio Dutra, solicitou que o então chefe da Polícia Civil, delegado Luiz Fernando Tubino, "aliviasse" a repressão aos bicheiros.
Grande sujeito, arrependido, confessou-me que, em 1964, por insistência de Brizola, foi fazer um curso de guerrilha em Cuba, onde ficou um ano, tendo se “formado” como especialista em explosivos.
Contra sua vontade, mas em nome da causa, foi obrigado, na madrugada de 20 de março de 1968, a deixar uma bomba-relógio na biblioteca da USIS, no consulado dos EUA, localizado no térreo do Conjunto Nacional da Avenida Paulista. Segundo ele, três estudantes que deviam estar gazeteando aula, foram feridos: Edmundo Ribeiro de Mendonça Neto, Vitor Fernando Sicurella Varella e Orlando Lovecchio Filho, que perdeu o terço inferior da perna esquerda.
Sem sono e nada adepto da leitura de jornais, na madrugada de 20 de abril de 1968, Diógenes deixou mais uma bomba, desta vez nas instalações do "O Estado de São Paulo". Mais três inocentes feridos.
Sofrendo de uma inexplicável dor de barriga e precisando de atendimento médico, o interrogado fardou-se de tenente e foi ao Hospital do Exército em São Paulo, em 22 de junho de 1968. Irritado com a demora do atendimento espinafrou o pessoal (sujou as calças por três vezes), mandou chamar o médico-de-dia e, preocupado com a reação dos enfermeiros, determinou a seus acompanhantes - 10 militantes da VPR – que tomassem os nove FAL, três sabres e 15 cartuchos 7,62 mm da aguerrida, letal e preparadíssima guarda daquele nosocômio.
Quatro dias depois, 26 de junho de 1968, o perseguido, ainda agastado com o mau atendimento do Hospital Militar, resolveu queixar-se diretamente ao Comandante do II Exército. Para não chegar atrasado, foi de madrugada ao Quartel-General do Ibirapuera. Chegando próximo ao aquartelamento, o carro-bomba que dirigia, perdeu o controle, parece que foi o “burrinho de freio” que deu problema. Mais uma explosão, que, desta feita, matou uma das sentinelas, o soldado Mario Kosel Filho, e feriu mais seis militares.
Viver na clandestinidade é um trabalho pouco remunerado e, em 1º de agosto de 1968, nosso amigo “completamente duro”, assaltou a módica quantia de NCr$ 46 mil do Banco Mercantil de São Paulo, Agência Itaim, na capital paulista.
Em 20 de setembro de 1968, participou do assalto ao quartel da Força Pública, no Barro Branco. Na ocasião, uma “bala perdida” matou o soldado Antonio Carlos Jeffery, que estava de serviço.
Diógenes, no dia da criança do ano de 1968, resolveu comemorar a data com a esposa e os filhos do Capitão Chandler, do Exército dos EUA, que fazia um Curso de Sociologia e Política na Fundação Álvares Penteado, em São Paulo/SP. Esperou o militar tirar o carro da garagem e descarregou para o alto os seis tiros de seu revólver Taurus calibre.38. Infelizmente o cano estava torto e o capitão foi atingido pelos seis disparos, “justiçado” na frente de sua família.
“Didi” continuou, em São Paulo, seu profícuo trabalho pela democracia, realizando, em 27 de outubro de 1968, um atentado a bomba contra a loja Sears da Água Branca; em 06 de dezembro de 1968, um assalto à agência do Banco do Estado de São Paulo (BANESPA) da Rua Iguatemi, levando NCr$ 80 mil e ferindo, a coronhadas, o civil José Bonifácio Guercio; em 11 de dezembro de 1968, outro assalto - Casa de Armas Diana, na Rua do Seminário, de onde foram roubadas cerca de meia centena de armas, além de munição - para variar, um civil, Bonifácio Signori, que não tinha nada a ver com a situação, foi ferido a tiros; e, em 24 de janeiro de 1969, coordenou o roubo de armas e munição no 4º RI, Quitaúna.
Diógenes foi preso, em 02 de março de 1969, na Praça da Árvore, em Vila Mariana, São Paulo capital e, um ano depois, em 14 de março de 1970, foi um dos cinco militantes comunistas banidos para o México, em troca da vida do cônsul do Japão em São Paulo, Nobuo Okuchi. Pelo democrático trabalho realizado, Didi foi anistiado e indenizado.
Quinze terroristas da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT) e da Resistência Democrática (REDE). participaram do seqüestro. Plínio Petersen Pereira, do MRT, e Denise Peres Crispim, da REDE, nunca foram presos. A CNV tem como ouvi-los, hoje?
Não confundam as redes, a da Marina é REDE de sustentabilidade. É só COINCIDÊNCIA!
P: A CNV tomou conhecimento que, em instalações da Rua Tutóia, o Sr preparou, para ouvir Carlos Eugênio Sarmento Coelho da Paz (“Clemente”), o último dos “comandantes” da Ação Libertadora Nacional, os seguintes instrumentos de entrevista: “Forquilha do Herege”, ”Aranha Espanhola”, “Banco de Tortura”, “Cadeira Inquisitória” e “Cadeira do Dragão”. O que tem de verdade nessa acusação?
R: Nada, pois o “da Paz”, embora se gabe de ter assassinado dez pessoas, inclusive um “capitão que nunca existiu”, nunca foi preso. Hoje ele se vangloria da execução de seus atos e, friamente, justifica as mortes, alegando que “guerra é guerra”. “Clemente” foi autor de vários assaltos a bancos, estabelecimentos comerciais, assassinatos e “justiçamentos” - ou planejamento deles - como o do seu próprio companheiro Márcio Leite Toledo, em 23 de março de 1971 e do presidente da Ultragaz em São Paulo, Henning Albert Boilesen, em 15 de abril de 1971.
Eis aí, senhores membros da CNV, um excelente material para investigação por parte desta egrégia comissão, pois o “da Paz”, que dizia estar combatendo uma ditadura:
- realizou treinamento militar na “demoniacracia” cubana;
- recebeu de um general cubano (fuzilado, posteriormente) uma proposta de envio de médicos, ou melhor, de terroristas para ajudá-lo na derrubada de um Governo constituído e reconhecido por toda a comunidade internacional;
- foi o último comandante da ALN, organização terrorista criada por Carlos Marighella;
- não demonstrou nenhum momento, arrependimento ou lamentou por suas vítimas, demonstrando uma frieza impressionante diante dos crimes que cometeu;
- mentiu, descaradamente, inventando uma fantasiosa e hollydiana ação contra do Gen Humberto de Souza Melo, comandante do então II Exército;
- tem a “cara-de-pau”, como a dos senhores, de cobrar o julgamento daqueles que o combateram; e,
- nunca cumpriu pena por seus crimes assumidos.
Hoje, gozando de generosas indenizações concedidas a título de anistia, “da Paz” vive em paz no Rio de Janeiro. Veja seus depoimentos:
Sr, Jacornélio, o senhor em vez de esclarecer fatos envolvendo a tortura, fica relembrando somente as ações praticadas pelos combatentes da liberdade, portanto, está encerrado este depoimento.
“Data Vênia”, Sr coordenador! Antes de encerrar, quero que me tirem uma dúvida. Acabei de ler o livro “mulheres que foram a luta”, por que a esmagadora maioria delas é composta por dragões? Tinha a finalidade de espantar a repressão?
Esclarecimentos:
- Este escrito, assinado no dia de São Jorge, o matador de dragões, é uma homenagem a todas as barangas que foram à luta. Salve Jorge!
- A inserção do tal frei barbudo, que coopta Jacornélio, é um preito e um ato de galanteria dirigido ao agente “Barba”, que continua realizando seu trabalho “republicano” de aliciamento, com descaramento total e sem-vergonhice a toda prova. Salve Ignácio!
17 de setembro de 2014
Jacornélio é mau, despótico e cruel. Sádico, se deleita em ver e fazer os outros sofrerem. Empresário do ramo da inquisição, ascendeu nas últimas décadas à condição de principal fornecedor de instrumentos de tortura para as delegacias de polícia e afins.
Revisão: Paul Essence e Paul Word Spin (in memoriam).
Brasília, 23 de abril de 2014.