Aprecio uma bela bunda – de mulher ou de homem. Mas é vergonhoso usar o traseiro como artigo turístico
Até pouco tempo atrás, não se podia escrever bunda na imprensa. Ela não era vista com bons olhos. A bunda sim, mas a palavra não. Virava “bumbum’”ou, pior a meu ver, “traseiro”. Eu me recusava a escrever “nádegas”, palavra que contraria qualquer estética... Soa mal, é despida de carinho.
Aprecio uma bela bunda. De mulher ou de homem. Acompanho com os olhos e admiração genuína a moça que dança a caminho do mar, o rapaz que joga futevôlei com graça e virilidade. Observo a harmonia do corpo proporcional, a postura elegante, o andar sensual e, claro, essa observação é 3D, 2.0, de frente e de costas. Mas o fio dental ainda é uma das invenções mais vulgares de nossa praia.
Dito isso, acho vergonhoso o uso do glúteo feminino brasileiro como artigo turístico para atrair estrangeiros infelizes que sonham com o sexo tropical – às vezes pago, às vezes não. O Carnaval e a Copa do Mundo são chamarizes para bandos de homens de fora. A propaganda da bunda é um recurso empobrecedor, misógino e perigoso. O turismo sexual é uma tragédia no Brasil. Interrompe a infância e a inocência de milhares de brasileirinhas e, especialmente no Norte e Nordeste do país, é uma praga social de dimensões ainda desconhecidas e acobertadas. Muitas famílias exploram suas meninas-moças para colocar comida na mesa.
Na semana passada, causaram furor duas camisetas da Adidas, marca alemã de material esportivo e uma das patrocinadoras da Copa. Numa camiseta, o coração verde-amarelo foi transformado numa bunda de biquíni, de cabeça para baixo. Noutra, mais sutil, a moça de biquíni, com o Pão de Açúcar ao fundo, lançava o convite “looking to score”, que associa “fazer gols” a “se dar bem” e “pegar mulher”.
A resposta do Planalto à Adidas foi uterina. A Secretaria de Direitos Humanos publicou uma nota de repúdio à “confecção de camisetas com ilustrações de cunho sexual, associado às cores e aos símbolos do Brasil”. A presidente Dilma Rousseff publicou em seu perfil no Twitter: “O governo aumentará os esforços na prevenção da exploração sexual de crianças e adolescentes no #Carnaval e na #CopaDasCopas”.
A Embratur se insurgiu contra os alemães da Adidas. “Não aceitaremos que a Copa seja usada para práticas ilegais”, afirmou Flávio Dino, presidente da Embratur. “Exigimos que a Adidas ponha fim à comercialização desses produtos. Lembramos que no Brasil há leis duras para reprimir abusos sexuais, e as polícias atuarão nesses casos no território nacional.”
A Adidas suspendeu a venda das camisetas. É louvável que se tente frear a publicidade sexual explícita brasileira. Mas não dá para transformar a Adidas em bode expiatório. Faz muito tempo que nossos nativos exploram a bunda como atrativo turístico.
Recentemente, a ONG Rio Eu Amo Eu Cuido usou a bunda como carro-chefe de uma campanha absurda e equivocada contra pontas de cigarro jogadas ao chão. Entre os fundadores e principais conselheiros da ONG está um jovem culto e viajado, Joaquim Monteiro de Carvalho, formado na PUC do Rio e ligado à prefeitura. Resolveram ser “ousados” e, em vez de usar palavras como guimba ou bituca, apelaram para a tradução literal da expressão americana “cigarette-butt” (bunda de cigarro).
Foi convocado um time de popozudas, lideradas pela Mulher Melancia. O jingle era um funk criado especialmente para a campanha: Bunda no chão é coisa do passado/Para de botar a bunda no lugar errado/Bunda caída não tem nada a ver/Olha que essa bunda tá queimando você/Se liga na mensagem/Ouça o que eu te digo/Bunda de cigarro é pra jogar fora no lixo/Lixo lixo lixo lixo lixo lixo.
“No Brasil, bunda é mais do que preferência. É um patrimônio nacional. Todo mundo ama bunda. E todo mundo usa bunda pra vender tudo. Usam bunda pra vender disco. Usam bunda pra vender revista. Usam bunda pra vender cerveja. E se a gente utilizar essa cultura da bunda a nosso favor?”, dizia a campanha. “Com uma pegada irreverente e criativa, o movimento vai chamar a guimba de ‘bunda de cigarro’(...), que ninguém gosta de ver caída no chão. E uma ideia assim não podia ter qualquer bunda. (...) As melhores promotoras são nossas queridas popozudas. Queremos que uma equipe de meninas com bumbum grande distribua porta-bundas para os banhistas nas areias do Rio de Janeiro.”
O cartaz exposto nas esquinas cariocas era uma enorme bunda de mulher. Os dizeres: “Bunda caída: eu acho caído”. O efeito negativo foi tão devastador que quem desabou no chão foi a campanha. “Foi ingenuidade nossa”, disse Ana Lycia Gayoso, de 26 anos, porta-voz da ONG, formada em relações internacionais. “Aprendemos com o erro.”
Diante da campanha do Rio Eu Amo Eu Cuido, as camisetas da Adidas não passam de uma alegoria calipígia.
Aprecio uma bela bunda. De mulher ou de homem. Acompanho com os olhos e admiração genuína a moça que dança a caminho do mar, o rapaz que joga futevôlei com graça e virilidade. Observo a harmonia do corpo proporcional, a postura elegante, o andar sensual e, claro, essa observação é 3D, 2.0, de frente e de costas. Mas o fio dental ainda é uma das invenções mais vulgares de nossa praia.
Dito isso, acho vergonhoso o uso do glúteo feminino brasileiro como artigo turístico para atrair estrangeiros infelizes que sonham com o sexo tropical – às vezes pago, às vezes não. O Carnaval e a Copa do Mundo são chamarizes para bandos de homens de fora. A propaganda da bunda é um recurso empobrecedor, misógino e perigoso. O turismo sexual é uma tragédia no Brasil. Interrompe a infância e a inocência de milhares de brasileirinhas e, especialmente no Norte e Nordeste do país, é uma praga social de dimensões ainda desconhecidas e acobertadas. Muitas famílias exploram suas meninas-moças para colocar comida na mesa.
Na semana passada, causaram furor duas camisetas da Adidas, marca alemã de material esportivo e uma das patrocinadoras da Copa. Numa camiseta, o coração verde-amarelo foi transformado numa bunda de biquíni, de cabeça para baixo. Noutra, mais sutil, a moça de biquíni, com o Pão de Açúcar ao fundo, lançava o convite “looking to score”, que associa “fazer gols” a “se dar bem” e “pegar mulher”.
A resposta do Planalto à Adidas foi uterina. A Secretaria de Direitos Humanos publicou uma nota de repúdio à “confecção de camisetas com ilustrações de cunho sexual, associado às cores e aos símbolos do Brasil”. A presidente Dilma Rousseff publicou em seu perfil no Twitter: “O governo aumentará os esforços na prevenção da exploração sexual de crianças e adolescentes no #Carnaval e na #CopaDasCopas”.
A Embratur se insurgiu contra os alemães da Adidas. “Não aceitaremos que a Copa seja usada para práticas ilegais”, afirmou Flávio Dino, presidente da Embratur. “Exigimos que a Adidas ponha fim à comercialização desses produtos. Lembramos que no Brasil há leis duras para reprimir abusos sexuais, e as polícias atuarão nesses casos no território nacional.”
A Adidas suspendeu a venda das camisetas. É louvável que se tente frear a publicidade sexual explícita brasileira. Mas não dá para transformar a Adidas em bode expiatório. Faz muito tempo que nossos nativos exploram a bunda como atrativo turístico.
Recentemente, a ONG Rio Eu Amo Eu Cuido usou a bunda como carro-chefe de uma campanha absurda e equivocada contra pontas de cigarro jogadas ao chão. Entre os fundadores e principais conselheiros da ONG está um jovem culto e viajado, Joaquim Monteiro de Carvalho, formado na PUC do Rio e ligado à prefeitura. Resolveram ser “ousados” e, em vez de usar palavras como guimba ou bituca, apelaram para a tradução literal da expressão americana “cigarette-butt” (bunda de cigarro).
Foi convocado um time de popozudas, lideradas pela Mulher Melancia. O jingle era um funk criado especialmente para a campanha: Bunda no chão é coisa do passado/Para de botar a bunda no lugar errado/Bunda caída não tem nada a ver/Olha que essa bunda tá queimando você/Se liga na mensagem/Ouça o que eu te digo/Bunda de cigarro é pra jogar fora no lixo/Lixo lixo lixo lixo lixo lixo.
“No Brasil, bunda é mais do que preferência. É um patrimônio nacional. Todo mundo ama bunda. E todo mundo usa bunda pra vender tudo. Usam bunda pra vender disco. Usam bunda pra vender revista. Usam bunda pra vender cerveja. E se a gente utilizar essa cultura da bunda a nosso favor?”, dizia a campanha. “Com uma pegada irreverente e criativa, o movimento vai chamar a guimba de ‘bunda de cigarro’(...), que ninguém gosta de ver caída no chão. E uma ideia assim não podia ter qualquer bunda. (...) As melhores promotoras são nossas queridas popozudas. Queremos que uma equipe de meninas com bumbum grande distribua porta-bundas para os banhistas nas areias do Rio de Janeiro.”
O cartaz exposto nas esquinas cariocas era uma enorme bunda de mulher. Os dizeres: “Bunda caída: eu acho caído”. O efeito negativo foi tão devastador que quem desabou no chão foi a campanha. “Foi ingenuidade nossa”, disse Ana Lycia Gayoso, de 26 anos, porta-voz da ONG, formada em relações internacionais. “Aprendemos com o erro.”
Diante da campanha do Rio Eu Amo Eu Cuido, as camisetas da Adidas não passam de uma alegoria calipígia.
04 de março de 2014
Ruth de Aquino, Revista Época