Charge do Bier (reprodução do Arquivo Google)
A decisão do Supremo Tribunal Federal que suspendeu o mandato de Eduardo Cunha e, consequentemente, dele tirou a presidência da Câmara dos Deputados, não ecoa bem no mundo jurídico. O próprio ministro Teori Zavascki, relator do processo, reconheceu no penúltimo parágrafo da sua decisão de 72 páginas, que aplicava a referida pena “mesmo que não haja previsão específica, com assentamento constitucional, a respeito do afastamento, pela jurisdição criminal, de parlamentares no exercício de seu mandato, ou a imposição de afastamento do Presidente da Câmara dos Deputados, quando o seu ocupante venha ser processado criminalmente”.
Não obstante o reconhecimento da falta de amparo constitucional, o ministro Zavascki concedeu liminar para suspender o mandato de Eduardo Cunha no que foi seguido por todos os seus 10 colegas da Corte.
Não há suporte, nem na Constituição, nem na lei penal para a punição imposta a Eduardo Cunha. O Código de Processo Penal (CPP) prevê a aplicação da pena de proibição do exercício de mandato eletivo somente a réu que venha receber sentença condenatória após toda a regular tramitação do processo ao qual foi submetido. É a denominada “Interdição Temporária de Direitos”. Trata-se de pena acessória, sempre vinculada ao pressuposto de que o réu tenha sido condenado (CPP, artigo 47).
INCONSTITUCIONAL
Sem condenação, a pena imposta a Eduardo Cunha, por ter sido prematura e desacompanhada de condenação, não se afeiçoa à lei e atenta contra a Constituição Federal que tem como primado o respeito às leis e ao devido processo legal.
O que a lei autoriza no curso da ação penal e como medida cautelar e assecuratória, mesmo que o réu ainda não tenha ainda recebido sentença (condenatória ou não), é a “suspensão do exercício da função pública”.
Em 2011, Dilma Rousseff assinou a Lei nº 12.403 que deu ao artigo 319 do CPP esta redação: “São medidas cautelares diversas da prisão…..V – suspensão do exercício da função pública”.
No caso em tela, Eduardo Cunha não exercia nem continua a exercer função pública, que é própria do funcionalismo público.
MANDATÁRIOS
Deputados federais, senadores, presidente da República, governadores, deputados estaduais, prefeitos e vereadores não são funcionários públicos para o Direito Administrativo. Por desempenharem um “múnus” que os eleitores lhes conferiram, são eles detentores de mandatos. São mandatários, por determinado tempo. Não estão eles sujeitos ao Regime dos Funcionários Públicos, da União, de Estados ou de Municípios.
Logo, a decisão do STF não foi acertada por ser indevida, mesmo se Eduardo Cunha, no futuro, venha ser condenado em ação penal (ou ações penais) no STF, e acrescer-lhe a pena acessória interditiva de direitos.
ATRIBUIÇÃO DA CÂMARA
O STF não poderia cassar seu mandato, nem suspendê-lo, no curso ou no final de ação penal a que venha, eventualmente, ser condenado. Essa é uma atribuição da competência exclusiva da própria casa legislativa à qual pertencer o parlamentar que o Judiciário condenou à pena que for. Menos à perda ou suspensão do mandato que o povo outorgou. Esta punição, da perda ou da suspensão temporária do mandato, somente poderá ser aplicada por seus pares da sua casa legislativa. Ou seja, somente os eleitos podem suspender ou cassar mandato de outros eleitos.
Tanto é verdade que o Código de Ética e Decoro Parlamentar, da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, ambos têm redação quase idêntica. Aqui, basta transcrever a da Câmara dos Deputados:
“Artigo 10 – São as seguintes as penalidades por conduta atentatória ou incompatível com o decoro parlamentar:I – censura, verbal ou escritaII – suspensão das prerrogativas regimentaisIII – suspensão temporária do exercício do mandatoIV – perda do mandato”.
Portanto, a suspensão temporária do exercício do mandato eletivo e a perda deste são da competência e atribuição exclusivas da Câmara dos Deputados, como também são do Senado Federal.
PODER INDEVIDO
O Judiciário não pode e nem deve substituir o Legislativo, em qualquer instância e âmbito nacionais, para aplicar a parlamentar pena acessória que somente a casa legislativa a que pertence pode aplicar. O Judiciário, quando condena, comunica à casa legislativa da qual faz parte o parlamentar apenado. E esta decide o seu destino político.
O primeiro, de três registros finais. No caso de Eduardo Cunha (e de qualquer outro deputado federal), a pena de suspensão temporária ou mesmo perda do mandato, apenas o plenário da Câmara tem competência e atribuição para aplicar. E suspensão temporária do mandato somente poderá durar, no máximo, 30 dias, conforme dispõe o artigo 14 do Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados.
SUSPENSÃO DO MANDATO
Agora, o segundo registro. Nesta quinta-feira, o STF suspendeu o mandato de Eduardo Cunha, que continua deputado federal, mas sem poder exercê-lo. O raciocínio a seguir é lógico e adequado à compreensão do que se pretende demonstrar. Há no Direito uma previsão absolutamente legal, que somente o juízo ou o tribunal que determinou a penhora de um bem é quem pode levantá-lo (desfazer a penhora e liberar o bem).
Pergunta-se: o STF não estabeleceu o tempo de duração da suspensão do mandato de Eduardo Cunha. Se o ex-presidente da Câmara não tiver seu mandato cassado pelo plenário, em decorrência do processo a que responde no Conselho de Ética, quem vai lhe dar autorização para voltar ao trabalho? Ou seja, voltar a desempenhar o mandato que os eleitores lhe conferiram?
Afinal, foi o STF que decretou a suspensão do seu mandato, sem estabelecer prazo e condições. E somente o STF é quem poderá levantar a suspensão decretada.
Por fim, o terceiro e último registro. As explicações aqui dadas e expostas são feitas em nome da legalidade. Partem de um advogado que não defende e nem conhece Eduardo Cunha. Nada mais do que isso: defesa da legalidade. Porque se constata que tudo neste nosso país anda muito confuso! Tudo muito atropelado! Tudo torto! Coitado do Brasil de hoje!
06 de maio de 2016
Jorge Béja