No segundo palavrório em Campinas, Dilma retoma a mulher que invadiu por engano o discurso da casa própria, avisa que existe ‘uma coisa chamada sommelier’ e conclui: ‘gripe é aquilo que ataca cada um de nós’
Na volta triunfal de Maria Salete, agora no discurso certo, Dilma fala das novas profissões técnicas, entre elas camareira de hospedagens e “uma coisa chamada sommelier”, e explica o Mais Médicos: o Brasil precisa de mais médicos. E o curioso caso do sujeito com a cabeça na geladeira, os pés no fogareiro e o umbigo morno
Na formatura de alunos do Pronatec, segunda cerimônia do dia em Campinas, Dilma já estava senhora de si, para alívio do assessor responsável por fazer chegar às mãos da presidente o roteiro em português de cada discurso – para posterior desenvolvimento em dilmês.
Por ter trocado os papéis no primeiro evento o dia, de entrega de casa própria, o funcionário da Secretaria de Comunicação provavelmente ficou sem almoço, enquanto – tudo indica — tinha suas gengivas delicadamente massageadas com um tijolo trazido do canteiro de obras do Residencial Campinas Sirius.
Maria Salete – que fora subitamente retirada do primeiro discurso quando a presidente se deu conta de que ela não tinha nada o que fazer ali – agora terá o destaque devido, no discurso certo, e de corpo presente. Superada a tensão, Dilma está de volta à zona de conforto, craque em desenhar perfis de mulheres especiais como ela. É com visível gosto que Dilma retoma o prólogo interrompido no discurso anterior:
“Eu quero cumeçar hoje aqui contando a história de uma mulher. E essa mulher é uma mulher guerreira, como todas as mulheres deste país são mulheres guerreiras”.
E “essa mulher” que sumiu repentinamente do primeiro discurso agora ganha nome completo, Maria Salete de Moraes, e novos dados biográficos. Na história errada, quando criança, tinha nove irmãos. Agora, já casou, tem filhos e, no Pronatec, segundo Dilma, fez o curso de “camareira em hotéis e hospedagens”. E gostou tanto da experiência que vai continuar os estudos de um jeito que só Dilma sabe descrever:
“Porque pra gente continuar, eu falei a palavra conseguir porque para a gente conseguir continuar os estudos tem uma coisa que é necessária antes: a gente tem de querer, e a Maria Salete quis (…) Ela percebeu uma coisa que é muito importante quando a gente percebe, quando a gente percebe que é capaz, quando a gente sabe que a gente, lutando, a gente consegue, quando a gente sabe que ser capaz nasce, não de fora, nasce aqui dentro. A gente é capaz e, por isso, faz”.
A variedade de cursos oferecidos pelo Pronatec empolga a presidente, enófila de Petrus:
“Outro dia eu tive numa formatura, eu achei interessantíssimo, foi a primeira vez que eu vi, tinha um grupo se formando numa coisa chamada sommelier, e sommelier é o provador de vinho, então ele ia ser provador de vinho, porque tinha demanda para o provador de vinho”.
Dilma parece estar muito à vontade porque o tema do discurso, a educação, a começar do exemplo pessoal de quem não parou de estudar sem nunca ter começado, é sua menina dos olhos.
“Para nós, para o meu governo, a questão da educação é algo fundamental. E, pra ter educação, aí eu quero parar e cumprimentar os nossos professores que estão aqui, porque para ter educação precisa de ter professor de qualidade, o professor tem que ser valorizado. E o professor, o professor, a pessoa professor e professora, nós, sociedade brasileira, governo, estudantes, nós temos de valorizar”.
Na plateia, pessoas professores e pessoas professoras não escondiam a emoção. E chegaram às lágrimas quando a mestra, com carinho, explicou o Pronatec, didaticamente, para os ainda pouco familiarizados com o programa:
“O Pronatec tem três áreas. Tem uma área que é o ensino médio profissionalizante. Tem outra área que é o trabalhador que está trabalhando, que quer uma formação. E tem essa área que é esse caminho, que é o Pronatec do pessoal do Cadastro Único, que vai passar a ser Pronatec depois da formação profissional mais avançada, que depois pode até querer voltar a estudar e fazer um curso técnico profissionalizante de nível médio. Enfim, esse é o início do caminho”.
Sim, é o caminho. Os exemplos de Dilma são sempre de cima para baixo, de trás para frente, do particularíssimo para o geral:
“Nós todos na vida, de presidente da República à criança pequena, temos de sempre estudar. Ninguém pode parar de estudar”.
Ao que se vê, há exceções bem-sucedidas. Mas, como palestrante motivacional, Dilma é sempre exuberante:
“E eu vejo um brilho nos olhos dos formandos, e esse brilho nos olhos é aquilo que nós carregamos. Independentemente de quem quer que seja, nós carregamos a educação que nós conquistamos para nós”.
Bem, educação não é o único ponto de honra de seu governo. Saúde é o assunto mais caliente do momento, com essa polêmica toda envolvendo médicos cubanos. Depois de 10 anos de lulopetismo, Dilma descobriu que o Brasil, onde segundo Lula dava gosto ficar doente, precisa de mais médicos. E para os que ainda não entenderam o programa, eis as explicações definitivas da presidente:
“Nós escutamos que a saúde tem um problema e as pessoas falam que o problema é o atendimento: eu não consigo ser atendida porque não tenho médico, etc. E também porque eu quero um atendimento mais humano, eu quero um atendimento humano na hora em que eu chegar lá para ser atendido”.
Dilma colocou o dedo na ferida: as pessoas querem atendimento justamente na hora de serem atendidas. E os doutores estrangeiros, nesse contexto, são inevitáveis:
“Nós fizemos uma consulta aos municípios e os municípios pediram 15 mil médicos – é 15 mil e algum quebrado –, 15 mil médicos. Nós não conseguimos esses 15 mil médicos serem atendidos por brasileiro, pelo contrário, veio menos do que a gente esperava. E agora nós estamos preenchendo, sim, com médicos vindos de outro lugar”.
O risco é ser atendido por “algum quebrado”. Mas vamos em frente que atrás vêm mais médicos. Dilma justifica o programa até com um exemplo de família:
“Aqui no Brasil tem municípios onde não tem nenhum médico que lá more. São 700 municípios nessa situação. Eventualmente um médico chega lá, mas vai embora. Então, portanto, a minha filha, por exemplo, teve asma. Mãe com filho asmático sabe perfeitamente que parece até combinado, mas a asma só acontece de madrugada. Ao meio-dia eu nunca vi criança ter crise de asma, mas é batata: duas horas da manhã tem crise de asma. Então o que é que a mãe faz? Para onde ela corre? Quem é que vai ajudá-la? Óbvio que o Brasil precisa então de mais médicos”.
É hora de a doutora em economia e estatísticas traduzir essa carência em números:
“Nós temos 1,8 médico por mil habitantes, na média geral. Você sabe que, na média, o cara pode estar com a cabeça na geladeira e o pé no fogareiro e no meio, aqui, no umbigo, ele estar com a temperatura normal. Na distribuição é a mesma coisa, tem gente que tem muito médico, no Brasil, e tem gente que não tem nenhum, mas é 1,8″.
Dilma não explica se a fração 0,8 chegou a terminar o curso de medicina, mas aponta onde estamos mais carentes:
“Não sei se ocês sabem, mas quase 90% dos requerimentos de saúde deste país, entre 80 e 90, eu não vou falar 90, vou falar entre 80 e 90, é hipertensão, diabetes e outras doenças, mas essas duas concentram o tratamento que tem de ser dado cotidianamente”.
E o corpo humano é caprichoso, segundo a presidente:
“Além disso, você vê criança com asma, com diarreia. Você tem aquelas chamadas doenças… a pessoa pegou uma bronquite, a pessoa tá num tratamento de gripe, que é aquilo que ataca cada um de nós, fora quando a gente tem uma doença mais grave que tem de ir, sim, pro hospital. Nós temos de melhorar também a qualidade do atendimento nos hospitais, mas nós vamos primeiro atacar o grosso. Levar médico aonde não tem, garantir que o médico atenda e trabalhe oito horas por dia”.
Esse dia, em Campinas, será inesquecível para Dilma e para Maria Salete. Mas esse planeta de fantasia descrito em dilmês colidiria com a realidade três dias mais tarde. Dos cinco profissionais do programa Mais Médicos que se apresentariam na segunda-feira seguinte para começar a trabalhar na prefeitura de Campinas, dois desistiram em cima da hora, por causa dessa carga horária. “Nunca tive grande expectativa em relação a esse programa quanto ao número de médicos”, afirmou o secretário municipal de Saúde, Carmino de Souza, em português.
Confira o discurso da presidente em dilmês primitivo a partir de 39:49:
Na volta triunfal de Maria Salete, agora no discurso certo, Dilma fala das novas profissões técnicas, entre elas camareira de hospedagens e “uma coisa chamada sommelier”, e explica o Mais Médicos: o Brasil precisa de mais médicos. E o curioso caso do sujeito com a cabeça na geladeira, os pés no fogareiro e o umbigo morno
Na formatura de alunos do Pronatec, segunda cerimônia do dia em Campinas, Dilma já estava senhora de si, para alívio do assessor responsável por fazer chegar às mãos da presidente o roteiro em português de cada discurso – para posterior desenvolvimento em dilmês.
Por ter trocado os papéis no primeiro evento o dia, de entrega de casa própria, o funcionário da Secretaria de Comunicação provavelmente ficou sem almoço, enquanto – tudo indica — tinha suas gengivas delicadamente massageadas com um tijolo trazido do canteiro de obras do Residencial Campinas Sirius.
Maria Salete – que fora subitamente retirada do primeiro discurso quando a presidente se deu conta de que ela não tinha nada o que fazer ali – agora terá o destaque devido, no discurso certo, e de corpo presente. Superada a tensão, Dilma está de volta à zona de conforto, craque em desenhar perfis de mulheres especiais como ela. É com visível gosto que Dilma retoma o prólogo interrompido no discurso anterior:
“Eu quero cumeçar hoje aqui contando a história de uma mulher. E essa mulher é uma mulher guerreira, como todas as mulheres deste país são mulheres guerreiras”.
E “essa mulher” que sumiu repentinamente do primeiro discurso agora ganha nome completo, Maria Salete de Moraes, e novos dados biográficos. Na história errada, quando criança, tinha nove irmãos. Agora, já casou, tem filhos e, no Pronatec, segundo Dilma, fez o curso de “camareira em hotéis e hospedagens”. E gostou tanto da experiência que vai continuar os estudos de um jeito que só Dilma sabe descrever:
“Porque pra gente continuar, eu falei a palavra conseguir porque para a gente conseguir continuar os estudos tem uma coisa que é necessária antes: a gente tem de querer, e a Maria Salete quis (…) Ela percebeu uma coisa que é muito importante quando a gente percebe, quando a gente percebe que é capaz, quando a gente sabe que a gente, lutando, a gente consegue, quando a gente sabe que ser capaz nasce, não de fora, nasce aqui dentro. A gente é capaz e, por isso, faz”.
A variedade de cursos oferecidos pelo Pronatec empolga a presidente, enófila de Petrus:
“Outro dia eu tive numa formatura, eu achei interessantíssimo, foi a primeira vez que eu vi, tinha um grupo se formando numa coisa chamada sommelier, e sommelier é o provador de vinho, então ele ia ser provador de vinho, porque tinha demanda para o provador de vinho”.
Dilma parece estar muito à vontade porque o tema do discurso, a educação, a começar do exemplo pessoal de quem não parou de estudar sem nunca ter começado, é sua menina dos olhos.
“Para nós, para o meu governo, a questão da educação é algo fundamental. E, pra ter educação, aí eu quero parar e cumprimentar os nossos professores que estão aqui, porque para ter educação precisa de ter professor de qualidade, o professor tem que ser valorizado. E o professor, o professor, a pessoa professor e professora, nós, sociedade brasileira, governo, estudantes, nós temos de valorizar”.
Na plateia, pessoas professores e pessoas professoras não escondiam a emoção. E chegaram às lágrimas quando a mestra, com carinho, explicou o Pronatec, didaticamente, para os ainda pouco familiarizados com o programa:
“O Pronatec tem três áreas. Tem uma área que é o ensino médio profissionalizante. Tem outra área que é o trabalhador que está trabalhando, que quer uma formação. E tem essa área que é esse caminho, que é o Pronatec do pessoal do Cadastro Único, que vai passar a ser Pronatec depois da formação profissional mais avançada, que depois pode até querer voltar a estudar e fazer um curso técnico profissionalizante de nível médio. Enfim, esse é o início do caminho”.
Sim, é o caminho. Os exemplos de Dilma são sempre de cima para baixo, de trás para frente, do particularíssimo para o geral:
“Nós todos na vida, de presidente da República à criança pequena, temos de sempre estudar. Ninguém pode parar de estudar”.
Ao que se vê, há exceções bem-sucedidas. Mas, como palestrante motivacional, Dilma é sempre exuberante:
“E eu vejo um brilho nos olhos dos formandos, e esse brilho nos olhos é aquilo que nós carregamos. Independentemente de quem quer que seja, nós carregamos a educação que nós conquistamos para nós”.
Bem, educação não é o único ponto de honra de seu governo. Saúde é o assunto mais caliente do momento, com essa polêmica toda envolvendo médicos cubanos. Depois de 10 anos de lulopetismo, Dilma descobriu que o Brasil, onde segundo Lula dava gosto ficar doente, precisa de mais médicos. E para os que ainda não entenderam o programa, eis as explicações definitivas da presidente:
“Nós escutamos que a saúde tem um problema e as pessoas falam que o problema é o atendimento: eu não consigo ser atendida porque não tenho médico, etc. E também porque eu quero um atendimento mais humano, eu quero um atendimento humano na hora em que eu chegar lá para ser atendido”.
Dilma colocou o dedo na ferida: as pessoas querem atendimento justamente na hora de serem atendidas. E os doutores estrangeiros, nesse contexto, são inevitáveis:
“Nós fizemos uma consulta aos municípios e os municípios pediram 15 mil médicos – é 15 mil e algum quebrado –, 15 mil médicos. Nós não conseguimos esses 15 mil médicos serem atendidos por brasileiro, pelo contrário, veio menos do que a gente esperava. E agora nós estamos preenchendo, sim, com médicos vindos de outro lugar”.
O risco é ser atendido por “algum quebrado”. Mas vamos em frente que atrás vêm mais médicos. Dilma justifica o programa até com um exemplo de família:
“Aqui no Brasil tem municípios onde não tem nenhum médico que lá more. São 700 municípios nessa situação. Eventualmente um médico chega lá, mas vai embora. Então, portanto, a minha filha, por exemplo, teve asma. Mãe com filho asmático sabe perfeitamente que parece até combinado, mas a asma só acontece de madrugada. Ao meio-dia eu nunca vi criança ter crise de asma, mas é batata: duas horas da manhã tem crise de asma. Então o que é que a mãe faz? Para onde ela corre? Quem é que vai ajudá-la? Óbvio que o Brasil precisa então de mais médicos”.
É hora de a doutora em economia e estatísticas traduzir essa carência em números:
“Nós temos 1,8 médico por mil habitantes, na média geral. Você sabe que, na média, o cara pode estar com a cabeça na geladeira e o pé no fogareiro e no meio, aqui, no umbigo, ele estar com a temperatura normal. Na distribuição é a mesma coisa, tem gente que tem muito médico, no Brasil, e tem gente que não tem nenhum, mas é 1,8″.
Dilma não explica se a fração 0,8 chegou a terminar o curso de medicina, mas aponta onde estamos mais carentes:
“Não sei se ocês sabem, mas quase 90% dos requerimentos de saúde deste país, entre 80 e 90, eu não vou falar 90, vou falar entre 80 e 90, é hipertensão, diabetes e outras doenças, mas essas duas concentram o tratamento que tem de ser dado cotidianamente”.
E o corpo humano é caprichoso, segundo a presidente:
“Além disso, você vê criança com asma, com diarreia. Você tem aquelas chamadas doenças… a pessoa pegou uma bronquite, a pessoa tá num tratamento de gripe, que é aquilo que ataca cada um de nós, fora quando a gente tem uma doença mais grave que tem de ir, sim, pro hospital. Nós temos de melhorar também a qualidade do atendimento nos hospitais, mas nós vamos primeiro atacar o grosso. Levar médico aonde não tem, garantir que o médico atenda e trabalhe oito horas por dia”.
Esse dia, em Campinas, será inesquecível para Dilma e para Maria Salete. Mas esse planeta de fantasia descrito em dilmês colidiria com a realidade três dias mais tarde. Dos cinco profissionais do programa Mais Médicos que se apresentariam na segunda-feira seguinte para começar a trabalhar na prefeitura de Campinas, dois desistiram em cima da hora, por causa dessa carga horária. “Nunca tive grande expectativa em relação a esse programa quanto ao número de médicos”, afirmou o secretário municipal de Saúde, Carmino de Souza, em português.
Confira o discurso da presidente em dilmês primitivo a partir de 39:49:
03 de setembro de 2013
CELSO ARNALDO ARAÚJO