"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 21 de dezembro de 2013

MORDOMIA NO APAGAR DAS LUZES: MAIS R$ 16 MILHÕES PARA DEPUTADOS



Foi no último ato do ano legislativo, quando o recesso do Congresso já estava decretado, que a Câmara dos Deputados decidiu dar um presentão de Natal extra aos parlamentares. 
 
A partir de janeiro de 2014, o chamado cotão, que é a verba para o exercício da atividade parlamentar, terá um acréscimo de 7,76%. 
Com o aumento, o valor do cotão — que ia, de acordo com o estado, de R$ 25,9 mil (para deputados do DF) a R$ 38,6 mil (para Roraima) — passará a variar de R$ 27,9 mil a R$ 41,6 mil por mês. 
 
O impacto mensal da regalia será de R$ 1,3 milhões, totalizando R$ 16 milhões no fim do ano. O reajuste foi autorizado no último dia de funcionamento efetivo da Casa que, no início deste ano, já havia concedido um aumento do cotão e do auxílio moradia, cujo gasto somado chegou a R$ 23 milhões anuais.

A decisão foi tomada na reunião da Mesa Diretora de ontem. 
Inicialmente marcada para as 9h, passou para o início da tarde, mas só começou no início da noite, quando os corredores do Congresso já estavam vazios. Concedido o reajuste, os integrantes do comando da Câmara saíram rapidamente, sem comentar o assunto. 
 O presidente, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), não soube explicar os números. E tergiversou: 
“Eu não estava na reunião quando se decidiu isso”. 
Quem presidiu o encontro até a chegada tardia de Alves foi o vice-presidente, André Vargas (PT-PR). À noite, em um jantar, Henrique Alves tratou o reajuste como uma “questão técnica”. 
“Se é justificável, que seja feito.”

Sobrou para o diretor-geral da Câmara, Sérgio Sampaio, dar os detalhes à imprensa. “As empresas aéreas jogam com a política tarifária, dizendo que dão desconto em determinadas épocas, mas, na prática, houve ajustes.”

O deputado Chico Alencar (PSol-RJ), que usou neste ano metade da cota a que tinha direito, ficou surpreso. “O valor atual permite que exerçamos nosso mandato perfeitamente, não via nenhuma reclamação de parlamentar nesse sentido. Essa gastança de Natal representa uma total falta de preocupação com o dinheiro público, principalmente no dia seguinte à criação de mais cargos”. 
Na terça-feira, a Casa havia aprovado a criação de 94 cargos para abrigar a estrutura do Pros e do Solidariedade, com impacto de R$ 12,5 milhões até fevereiro de 2015.

Sem compensação
O cotão ganhou esse apelido em 2009, quando foram reunidos todos os gastos dos deputados com passagens aéreas, divulgação, alimentação, telefonia, combustível e outros. Em março, o benefício já havia sido reajustado com o auxílio-moradia, que saiu de R$ 3 mil para R$ 3,8 mil por mês.

Na época, o parlamento também passou a desembolsar R$ 7 milhões com os 48 cargos criados, mas, no discurso, havia a garantia de que todas as despesas seriam compensadas com o fim do pagamento de 14º e 15º salários aos parlamentares e com o ponto eletrônico para restringir as horas extras de servidores. O controle eletrônico de presença, até hoje, não saiu do papel. Em 2012, a verba de gabinete, usada para pagar funcionários dos deputados, também foi reajustada, gerando impacto de R$ 117 milhões.

“Essa gastança de Natal representa uma total falta de preocupação com o dinheiro público, principalmente no dia seguinte à criação de mais cargos”
Chico Alencar (PSol-RJ), deputado federal
 ADRIANA CAITANO » AMANDA ALMEIDA Correio Braziliense -
21 de dezembro de 2013

QUANDO O HUMOR DESENHA A REALIDADE

Charge O Tempo 21/12

21 de dezembro de 2013

RENAN CALHEIROS NÃO APRENDE, MESMO. SERÁ SEMPRE MAU CARÁTER.

 


 
O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), deverá devolver o valor gasto com o uso de avião da Força Aérea Brasileira (FAB) em seu deslocamento de Brasília para Recife na última quarta-feira, dia 18, segundo informou neste sábado, 21, sua assessoria de imprensa. Renan viajou para a capital de Pernambuco com o objetivo de fazer um implante de cabelo e não tinha compromissos oficiais naquela data.
 
De acordo com dados do site da FAB, o presidente do Senado saiu de Brasília às 22h15 e chegou a seu destino às 23h30. A aeronave levou outros quatro passageiros, provavelmente convidados de Renan, uma vez que não há registros de que o voo tenha sido compartilhado. O senador informou à FAB que a viagem era “a serviço”. O uso da avião da FAB para fins particulares foi revelado hoje pela coluna Painel, do jornal Folha de S. Paulo.

Um voo de Brasília para Recife, em avião comercial, nessa alta temporada, custa no mínimo R$ 1 mil. A FAB ainda não divulgou se Renan também usou a aeronave da Força para retornar de Recife a Maceió, onde tem casa.

É a segunda vez neste ano que o presidente do Senado utiliza um avião da FAB em compromissos particulares. Em junho, ele pegou carona para ir ao casamento da filha do líder do governo no Senado, Eduardo Braga (PMDB-AM), em Trancoso, Bahia. Após o fato ser revelado pela imprensa, Renan devolveu o dinheiro aos cofres públicos.

Ministros do governo Dilma e outras autoridades mantêm o hábito de usar os aviões da FAB para retornar a seus Estados, embora um decreto de 2009, assinado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, autorize o uso de voos comerciais em deslocamentos para casa. Para evitar mais gastos, a presidente Dilma Rousseff já orientou ministros que moram nos mesmos Estados a compartilharem os voos da FAB em suas viagens de ida e volta para Brasília.

Na última quinta-feira, 19, das 10 viagens registradas no site da FAB, seis levaram ministros e o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), para os Estados onde mantêm residências. O site da FAB diz que essas viagens foram “a serviço”.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOGSão dois países. Um de verdade, pobre e emergente; e o outro, de ficção, rico e de primeiro mundo. Calheiros, eleito pela pobre Alagoas, vive como se estivesse no país rico, mas à custa do povo. Enriquecido ilicitamente, evitou ser cassado e acabou voltando à presidência do Senado. Não aprende, vai ser sempre mau caráter. E jamais será punido pelo enriquecimento ilícito, denunciado pela própria amante. (C. N.)

"TAMBÉM JÁ FUI BRASILEIRO" - UM POEMA DE CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

 

Poema-de-Carlos-Drummond-de-Andrade


Eu também já fui brasileiro
moreno como vocês.
Ponteei viola, guiei forde
e aprendi na mesa dos bares
que o nacionalismo é uma virtude.
Mas há uma hora em que os bares se fecham
e todas as virtudes se negam.


Eu também já fui poeta.
Bastava olhar para mulher,
pensava logo nas estrelas
e outros substantivos celestes.


Mas eram tantas, o céu tamanho,
minha poesia perturbou-se.

Eu também já tive meu ritmo.
Fazia isso, dizia aquilo.
E meus amigos me queriam,
meus inimigos me odiavam.


 Eu irônico deslizava
satisfeito de ter meu ritmo.
Mas acabei confundindo tudo.
Hoje não deslizo mais não,
não sou irônico mais não,
não tenho ritmo mais não.



20 de dezembro de 2013

O HUMOR DO DUKE

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21 de dezembro de 2013


ESPIONAGEM E VIGILÂNCIA

Revelações de Snowden vêm abalando credibilidade do governo americano

A semana foi importante para os que se insurgiram contra os abusos nas atividades de espionagem e a coleta indiscriminada de dados. O tema esteve quase todos os dias nas primeiras páginas dos jornais aqui nos Estados Unidos.

Na segunda-feira, uma corte federal dos EUA decidiu que atividades de monitoramento da Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês) são quase certamente inconstitucionais.
O juiz Richard Leon — nomeado, diga-se de passagem, por George W. Bush — caracterizou como “quase orwelliana” a coleta sistemática de dados telefônicos por parte da NSA, fenômeno que segundo ele teria deixado “consternado” James Madison, um dos principais autores da Constituição americana.
O governo dos EUA argumenta que precisa das informações para combater o terrorismo, mas não apresentou, segundo o juiz, nenhum caso em que a coleta desses dados impediu um ataque iminente. A questão terminará provavelmente na Suprema Corte.

Dois dias depois, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou proposta do Brasil e da Alemanha que estende à internet o direito à privacidade previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos. O texto — “Direito à privacidade na era digital” – teve o apoio de todos os países, inclusive dos EUA.

No mesmo dia, uma comissão de especialistas externos apresentou relatório encomendado pelo presidente Obama em agosto. A comissão foi constituída em resposta à indignação causada pelas revelações de Edward Snowden, ex-funcionário de uma empresa que prestava serviços à NSA.
A comissão recomendou supervisão abrangente às atividades de espionagem e monitoramento e a imposição de algumas restrições a essas atividades. Se o governo dos EUA adotar essas recomendações, será a primeira limitação importante aos poderes adquiridos pela NSA desde os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001.

As revelações de Snowden vêm abalando a credibilidade do governo americano e transtornando as relações com países aliados, como Alemanha e Brasil. A visita de Estado da presidente brasileira aos Estados Unidos, que deveria ter ocorrido em outubro, foi adiada por prazo indeterminado.
O governo brasileiro parece ainda não ter recebido do governo dos EUA o retorno prometido sobre providências contra abusos na espionagem.

Não se sabe ao certo a extensão dos abusos e nem quantas informações, ainda não divulgadas, estão de posse de Snowden. Mas está ficando cada vez mais claro que as atividades da NSA fugiram a qualquer controle e feriram compromissos e direitos fundamentais.

Como disse o próprio Snowden, em carta dirigida ao povo brasileiro nesta semana, há uma enorme diferença entre atividades legítimas de monitoramento, baseadas em suspeitas individualizadas, e a coleta generalizada de informações em programas arbitrários de monitoramento em massa.
 
 
21 de dezembro de 2013
Paulo Nogueira Batista Jr., O Globo

 

O BRASIL É UM PAÍS EMERGENTE?

No nosso passado recente os países eram classificados como desenvolvidos, em desenvolvimento e subdesenvolvidos. Nações mais pobres, como o Brasil, por exemplo, levavam o título de subdesenvolvidas ou em desenvolvimento, dependendo da ideologia política de quem estava versando sobre a realidade em questão. Pois bem, desde o início dos anos 2000 aquelas classificações foram sendo deixadas de lado, substituídas por desenvolvidos, emergentes e não emergentes. O Brasil, na época, passou a integrar o Bric, sigla formada pelas letras iniciais de Brasil, Rússia, Índia e China, criada em 2001 por Jim O'Neill, economista do grupo Goldman Sachs. Em seu estudo, ele chegou à conclusão de que esses quatro países eram os emergentes, pois se destacariam em termos de crescimento econômico nos próximos 50 anos, podendo ocupar o topo no ranking das maiores economias do mundo.

Entretanto, Jim O'Neill deixou de lado essa classificação de emergentes para os quatro países em 2011. O economista passou a classificá-los como "mercados de crescimento", estando nesta categoria, também, México, Indonésia e Turquia, embora esses, segundo O'Neill, estejam longe do Bric em termos de importância econômica. Agora eles são denominados como Mint, com a inclusão da Nigéria.

O fato é que essa tese de que somos emergentes pegou, permanecendo nos discursos de nossos governantes e nas manifestações da nossa diplomacia. A ideia, a meu ver fantasiosa, de sermos um país emergente se popularizou e o Brasil vestiu e se acostumou com a fantasia. Consideramo-nos emergentes e pertencemos ao Brics, pois estamos sendo aculturados assim desde o início dos anos 2000.

Cito algumas da várias características que marcam um país emergente: mão de obra em grande quantidade e em processo de qualificação; níveis de produção e exportação em crescimento; investimentos em setores de infraestrutura (estradas, ferrovias, portos, aeroportos, usinas hidrelétricas, etc); Produto Interno Bruto (PIB) em crescimento; diminuição, embora lenta, das desigualdades sociais; rápido acesso da população aos sistemas de comunicação (inclusão digital); mercados de capitais (Bolsas de Valores) recebendo grandes investimentos estrangeiros; e investimentos de empresas estrangeiras nos diversos setores da economia. Ora, o leitor há de convir que nesses quesitos o Brasil está deixando muito a desejar.

Jim O'Neill, que parece acreditar, e muito, no Brasil, assinalou agora em 2013 que o País precisa melhorar em volume de investimentos privados e se tornar mais aberto ao resto do mundo. O economista está coberto de razão. Porém, precisamos evoluir em várias outras coisas: redução do gigantismo estatal, racionalização da nossa burocracia, investimento na infraestrutura, adequação do sistema tributário, flexibilização da legislação trabalhista, reforma no sistema educacional. Nenhuma nação se torna poderosa economicamente com uma educação precária, uma força de trabalho preponderantemente desqualificada, uma tecnologia medíocre e uma indústria claudicando. E essa não é a cara do Brasil?

Enxerga-se o País como emergente porque sua face está acobertada por um longo manto. Aliás, o Brasil como um todo não tem uma única cara. Nem sabemos qual é o seu real rosto. Somos ignorantes sobre quem somos, pois com o corporativismo que reina na Nação, como mostra o professor Oliveiros S. Ferreira, em instigante artigo neste jornal (16/11), há tempos perdemos nossa identidade nacional. Onde está o Brasil nesses vários "Brasis"?, sabiamente pergunta o mestre.

Temos condições, sim, para um dia sermos poderosos economicamente, mas esse potencial hoje está muito longe de ser bem utilizado. Ele exige muito trabalho, visão de longo prazo e até sacrifícios. E isso não dá voto. Assim, vamos vivendo sob a farsa do populismo econômico. Brasil, mostra a tua face de subemergente. Quiçá aí tomamos vergonha na cara para sair dessa, em vez de nos acomodarmos numa máscara de ilusão.
 
21 de dezembro de 2013
Sérgio Amad Costa, O Estado de S. Paulo

PRESSÕES POLÍTICAS

 
 

O Plano Nacional de Educação (PNE), projeto de lei enviado ao Congresso em dezembro de 2010, somente em 2014 deverá ser aprovado, já que retornou à Câmara após diversas mudanças no Senado. Considerado "uma das últimas oportunidades para tentar diminuir a distância que nos separa de tantos outros países do mundo" por Jorge Werthein, sociólogo e educador argentino, ex-representante da Unesco nos Estados Unidos e no Brasil, ele sofreu modificações para atender a pressões políticas da base governista que prejudicaram sua eficácia, na opinião de diversos educadores.

É, na prática, um exemplo típico do que Werthein chama a atenção: a educação é prioritária nos discursos políticos, mas não nas ações públicas. Na Comissão de Educação do Senado, com a relatoria do senador Álvaro Dias, do PSDB, foram aprovadas nada menos que 101 mudanças, das quais 47 foram rejeitadas pelo autor do substitutivo afinal vitorioso, senador Vital do Rêgo, do PMDB, que teve o apoio do relator de plenário, Eduardo Braga, também do PMDB.

O projeto que o Executivo enviou ao Congresso não quebrava qualquer paradigma, o que era claramente insuficiente para o salto educacional de que necessitamos, mas foi alterado em um ponto essencial: os 10% do PIB como parâmetro de gastos.

A Comissão de Educação do Senado resolveu refazer o projeto e apresentou modificações substantivas, que foram vetadas pelo senador Vital do Rêgo. A mais importante delas, para Ilona Becskeházy, pesquisadora de políticas públicas educacionais, ex-dirigente da Fundação Lemann e comentarista de educação da rádio CBN, foi a meta de alfabetização dos alunos apenas a partir dos 8 anos de idade nos primeiros anos de vigência do plano, quando a proposta correta seria alfabetizar aos 6 anos como regra o mais rapidamente possível, porque a não alfabetização é que tira os alunos da escola mais para a frente.

O projeto governista suprimiu também todas as referências específicas de qualidade, que tratam da matemática, das instalações prediais, e a que propõe identificar e ajudar os 250 municípios com pior desempenho.

Todas as referências específicas a padrões de qualidade deveriam ser mantidas, na opinião majoritária dos especialistas. Para Ilona Becskeházy, quanto mais especificar, melhor, ou, pelo menos, estabelecer que deverá ser especificado em breve, como currículo e notas do Pisa.

A maior polêmica são todas as estratégicas e metas/estratégias relacionadas a: a) volume (recurso público para o setor público e suplementação da União para quem não tiver recursos para atingir os padrões de qualidade específicos determinados pelo CAQ (Custo Aluno/Qualidade) e na renovação do Fundeb; b) alocação de recursos (estabelecer e implementar o CAQ urgentemente a fim de definir para onde vão os recursos novos e priorizar a formação docente em cursos presenciais diurnos, em período integral e gratuitos; c) mecanismo de responsabilização de quem não cumprir o PNE, tanto em relação a insumos como em relação a resultados.

Na opinião de Ilona Becskeházy, não se pode gastar mais sem antes estabelecer o CAQ. Primeiro, o padrão alto, depois formar capital humano no setor e, depois, começar a gastar. "Ninguém tem coragem de propor o CAQ e a formação de professores antes dos 10% do PIB."

Segundo Ilona Becskeházy, em educação, assim como nas políticas públicas em geral, os países passam por quatro ciclos, que se repetem como uma espiral: massificação/expansão das matrículas; fluxo de alunos até a conclusão da etapa obrigatória; estabelecimento de padrões novos; e, por fim, implementação efetiva dos padrões estabelecidos.

"Ainda não conseguimos nem manter a massificação até o ensino médio, lutamos com o fluxo porque os alunos são analfabetos ou ignorados por seus professores, morremos de medo de padrões claros e não temos a menor noção de como implementar nada direito". (Amanhã, a alfabetização)
 21 de dezembro de 2013
Merval Pereira, O Globo

MANDELA E O MENSALÃO

 
 
No embalo do espírito natalino, virou moda entre a elite culta defender José Genoino

A frase que resume os dez anos de reinado do oprimido no Brasil foi dita pelo deputado João Paulo Cunha (PT-SP), condenado no processo do mensalão: “Se o Mandela ficou 27 anos preso, eu suportarei também.”

Nelson Mandela tinha acabado de morrer, e já era contrabandeado pelo herói mensaleiro. Os oprimidos de gravata sugam o que podem, até a memória alheia. Não se pode esquecer que, em sua propaganda eleitoral, Dilma Rousseff confiscou a identidade de Norma Bengell, usando uma foto da atriz na passeata de 1968 em sua apresentação biográfica. No dia seguinte ao brado de João Paulo Cunha, Dilma estava no Congresso do PT que apoiou os mensaleiros condenados. A presidente repetiu, com a ajuda de Lula, o já famoso gesto do braço erguido com o punho cerrado — inaugurado por Dirceu e Genoíno na chegada à prisão. Não se sabe bem o que significa aquela mão fechada. Há quem diga que é um aviso de que não vão devolver o que roubaram.

Como pode a presidente da República participar de um comício em defesa de corruptos condenados e presos? Um comício onde um partido político censura a mais alta corte da Justiça, com pesados ataques ao seu presidente? Dilma pode. Assim como o mensaleiro João Paulo pode se comparar a Mandela e, em seguida, dizer “longe de mim me comparar a Mandela”. Pode também distribuir centenas de exemplares de uma revista inocentando a si mesmo, e se declarar ofendido quando a imprensa pergunta quem pagou aquilo. Num país saudável, João Paulo Cunha viraria piada e Dilma Rousseff teria de prestar esclarecimentos no Congresso Nacional sobre seu gesto favorável a criminosos. Mas no Brasil a moral virou geleia.

Tanto que, no embalo do espírito natalino, virou moda entre a elite culta defender José Genoíno. Vozes intelectualizadas se erguem para avisar que o ex-presidente do PT, condenado e preso, não ficou rico e vive até hoje modestamente. Os samaritanos não chegam a dizer que o mensalão não existiu, mas dizem que a biografia de Genoíno é ótima e ele é cardíaco. Bradam que é um absurdo estigmatizar como bandido um cara tão legal.

Não é preciso dizer mais nada para explicar o Brasil de hoje. Um indivíduo condenado como partícipe do maior assalto aos cofres públicos da história da República encontra, entre vozes supostamente respeitáveis, uma espécie de anistia informal. Estava no bando mensaleiro, mas leva uma vida franciscana. Se meteu nesse rolo, mas é gente boa. Note-se que essas pessoas de bem não chegam ao delírio petista de afirmar que qualquer um dos mensaleiros seja inocente. Apenas se mostram indignadas com o fato de um sujeito bacana como Genoíno (condenado por corrupção ativa e formação de quadrilha) ser tratado como criminoso. Está inaugurada a figura do infrator bonzinho.

Possivelmente Genoíno não tramaria o valerioduto, exatamente por sua boa índole. Mas então deveria, em vez de assinar a papelada suja de Valério, ter se demitido imediatamente da presidência do PT. Não o fez porque já havia transformado a política em emprego, assim como o exército de companheiros medíocres que tomaram o Brasil de assalto como meio de vida. E não largarão o osso em 2014, justamente porque os brasileiros honestos são indulgentes com o infrator bonzinho.

No mesmo congresso partidário em que Dilma participou do desagravo aos mensaleiros, Lula deu mais uma aula de princípios. O oráculo afirmou que a imprensa (sempre ela) exagerou no caso do emprego de José Dirceu. Um sujeito condenado por desviar uma montanha de dinheiro público consegue, na prisão, salário de 20 mil reais como gerente de um hotel que tem um “laranja” entre seus donos. Mais impressionante: esse condenado que não disfarça suas ótimas relações com o submundo é apoiado em público pelo ex-presidente e sua preposta que governam o país. E o país, ato contínuo, avisa que vai reeleger o bando em primeiro turno.

Pensando bem, com um salvo-conduto desses, piratear Nelson Mandela e Norma Bengell está barato. Jesus Cristo não escapa.

Enquanto isso, na realidade tediosa dos que não têm os punhos cerrados em direção ao céu, o Brasil bate mais um recorde: maior rombo nas contas externas em mais de 50 anos. Uma bobagem, puro preconceito contra o governo popular: os investidores estão fugindo do Brasil só porque o governo petista mente sobre suas contas, tenta esconder a inflação comprimindo tarifas e comprometendo empresas como a Petrobras, diz coisas desencontradas sobre política monetária, abandona a infraestrutura e fatura com a selva tributária, fazendo o risco Brasil disparar. Tudo inveja da ascensão terceiro-mundista, diria o saudoso Hugo Chávez.

Agora há uma corrente do PT defendendo apoio formal aos métodos boçais dos black blocs. Medida desnecessária. Os métodos do partido destroem com muito mais eficácia.
 
21 de dezembro de 2013
Guilherme Fiuza, O Globo

A DUPLA IDENTIDADE DE E.SNOWDEN

 
Graças às evidências oferecidas pelo primeiro Snowden, o sistema de contrapesos da democracia americana começa, finalmente, a operar. Dias atrás, um juiz federal julgou inconstitucional a coleta de metadata telefônica pela NSA, declarando que, "provavelmente", ela fere a Quarta Emenda.

O juiz Richard Leon fez picadinho da alegação de que a coleta de arrastão de centenas de milhões de metadados telefônicos sem supervisão judicial é uma ferramenta crucial para prevenir atentados terroristas. A decisão equivale a um pequeno abalo sísmico nos alicerces da fortaleza do Grande Irmão --mas ela não tem nenhum efeito sobre a invasão da privacidade de cidadãos de terceiros países. É aqui que entra o primeiro Snowden.

"Compartilhei com o mundo provas de que alguns governos estão montando um sistema de vigilância mundial para rastrear secretamente como vivemos, com quem conversamos e o que dizemos." Na sua "carta ao povo brasileiro", o delator não faz nenhuma referência à espionagem tradicional, entre Estados, concentrando-se no ponto relevante: o direito dos cidadãos, americanos ou não, à proteção da privacidade. É o primeiro Snowden, não o segundo, que se dirige a nós. Significativamente, ele não circunscreve a acusação ao governo americano, preferindo utilizar a expressão "alguns governos". Há algo nessa opção deliberada pelo plural.

Sabe-se que a NSA compartilha informações com agências de inteligência de países europeus aliados. Um constrangido Hollande silenciou de imediato quando Washington sugeriu, nas entrelinhas, que a verdade sobre a vigilância de cidadãos franceses poderia vazar misteriosamente.
Posto diante do falso escândalo da espionagem de Dilma Rousseff, o ex-embaixador americano no Brasil Thomas Shannon insinuou que o Gabinete de Segurança Institucional também figura entre os parceiros da NSA.
Apelando ao Brasil, Snowden tenta se livrar do desmoralizante abraço de urso de Putin. Desconfio que, por razões de "segurança nacional", o governo brasileiro conseguirá que ele desista de sua pretensão de asilo. Para eles todos, o Snowden bom é o segundo.
 
21 de dezembro de 2013
Demétrio Magnoli, Folha de SP

OS CULPADOS SOMOS NÓS

 
A reeleição de Dilma, mostram as pesquisas, parece certa. Mas é bom lembrar que imprevistos acontecem. Como em junho, quando milhares de brasileiros saíram às ruas para cobrar mais decência de políticos e um país melhor.

À época, blogueiros chapas-brancas de aluguel escracharam 1% dos eleitores que não comungava do Brasil maravilha. Estupefatos com a multidão nas ruas, logo tacharam de direitistas os manifestantes que bradavam contra a corrupção e pediam serviços públicos de boa qualidade. Pode um crime destes: querer decência na política?Pesquisas de opinião, à época, desorientaram o governo, a oposição, jornalistas, cientistas políticos.

Enfim, todos. Ninguém nunca imaginou uma reação dessas por parte do brasileiro - esse sujeito tratado como otário por políticos inescrupulosos e que sempre engoliu em seco, impassível, toda a roubalheira possível e até inimaginável do dinheiro que paga de impostos. Como, de repente, do nada, esse turbilhão de gente acordava, vaiava Dilma num estádio lotado e dizia que não estava assim tão satisfeito com o Brasil maravilha?

Num primeiro momento, o que enlouqueceu os chapas-brancas é que os brasileiros que saíram às ruas vetaram a participação, nos protestos, de claques organizadas. Manifestantes de aluguel com bandeiras de partidos, de direita ou de esquerda, não eram bem recebidos. Cresceu, então, a infiltração dos black blocs. E a violência estúpida dos mascarados e da polícia nas passeatas acabou, para alívio dos corruptos de plantão, afastando os cidadãos comuns. Aí, tão surpreendente como surgiu, o movimento cívico desapareceu de cena.

A indignação expressada nos protestos também parece que sumiu das pesquisas de intenção de voto. Rapidamente, Dilma recuperou a popularidade - menos em Brasília - e segue rumo a uma reeleição tranquila. Nem o retrocesso na economia, a principal marca da atual presidente, como bem apontou Marina, parece abalar a perspectiva de vitória certa.

No Congresso, o conforto com a volta do conformismo da população é tão grande que, no apagar das luzes do ano legislativo, os deputados federais ainda tiveram o topete de aprovar para eles mesmos um mimo de R$ 16 milhões. É mais dinheiro que sai do nosso bolso e, em vez de servir para melhorar serviços públicos, vai bancar mordomias das excelências. E nem dá pra reclamar. Os culpados desse escracho somos nós mesmos. Ou não?

21  de dezembro de 2013
Plácido Fernandes, Correio Braziliense

MERCADANTE 2018

Há quem vislumbre a possível transferência de Aloizio Mercadante da Educação para a Casa Civil como um nome a ser incluído nas possibilidades de aposta do PT de São Paulo no quesito candidato a presidente da República. A preços de hoje, nada indica que Lula será o candidato mais adiante, nem que Fernando Haddad emplacará no futuro.
Tampouco pode-se prever que Alexandre Padilha, hoje pré-candidato ao governo de São Paulo, estará pronto para concorrer à Presidência. Mercadante é hoje um sobrevivente do grupo paulista que ascendeu com Lula e sucumbiu na esteira do mensalão. Portanto, já está na hora de ele entrar nessa fila. Afinal, se tem algo que o PT paulista não deseja é dar lugar de candidato a presidente a representantes de outros estados, ainda que petista.

Quem defende Mercadante, entretanto, relata o perigo da maldição que pesa sobre aqueles que ocupam a Casa Civil pensando em ocupar o principal gabinete do Palácio do Planalto. No PT, os dois que planejavam esse jogo sucumbiram, José Dirceu, no governo Lula, e Antonio Palocci, no começo da gestão de Dilma. A única que deu certo foi Dilma Rousseff, que chegou ali sem querer nada que não fosse ajudar Lula e terminou dona do gabinete presidencial.
 


É o cara

Na sua movimentação pela Casa Civil, Mercadante conquistou o PMDB. O líder peemedebista na Câmara, Eduardo Cunha, tem dito em conversas reservadas que o ministro ajudou a debelar a crise aberta a partir da MP dos Portos. Ali, PMDB e governo ficaram em campos opostos e o partido rompeu com a ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti. Depois, quem reassumiu as negociações palacianas com o partido foi a ministra Gleisi Hoffmann.

É o outro cara
Apesar dos atributos de Mercadante, se depender da torcida da ministra Gleisi, o seu sucessor será o secretário executivo da Previdência, Carlos Gabas. O motivo é um só: Gabas é a certeza de continuidade de toda a equipe da Casa Civil. Com Mercadante, muda a maioria.

Entre altos & baixos…

Apesar das turbulências, o ano termina bem para a cúpula da Petrobras. Graça Foster e o presidente da Transpetro, Sérgio Machado, dividem o 10º lugar na lista dos 100 personalidades mais influentes do setor naval no mundo. A lista é elaborada pela influente revista britânica Lloyds List.

…Estão todos bem
Em 2012, Foster e Machado ocupavam a 17ª posição. Hoje, o Brasil é a quarta maior carteira de petroleiros e a terceira de embarcações do mundo. Só o Programa de Modernização da Frota (Promef) representa investimentos de R$ 11,2 bilhões, com encomendas de 49 navios e 20 comboios hidroviários a estaleiros nacionais, até 2020.


CURTIDAS 

Diz o ditado/ Ao comentar os planos de Luiz Inácio Lula da Silva, de obrigar Eduardo Campos a permanecer todo o tempo de campanha em Pernambuco, o senador Rodrigo Rollemberg é direto: “Pau que dá em Chico, dá em Francisco. Se ele ficar lá, não terá como alavancar Dilma em outros estados”.

Desta vez…/ Ives Gandra acompanhava o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, na visita ao Supremo Tribunal Federal, quando, de repente, cruza com o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (foto, à direita). “Ives, a gente sempre em lados diferentes. E eu sempre ganho!”, brincou Haddad. Menos de 24 horas depois, a sequência de vitórias teria fim, com a decisão do Supremo de manter a liminar que impede o aumento do IPTU em São Paulo.

Docinha/ A ex-ministra do Superior Tribunal de Justiça Eliana Calmon promete incrementar os jantares do PSBV. No primeiro encontro que manteve com representantes do partido em Brasília, ela chegou com a sobremesa e ganhou fãs. Encomendas virão.

Os tenores/ Nas festas de fim de ano dos congressistas, o senador Waldemir Moka (PMDB-MT) e os deputados Alceu Moreira (PMDB-RS) e Chico Alencar (Psol-RJ) foram as revelações musicais. Substituem assim o ministro do Tribunal de Contas da União José Múcio Monteiro, que raramente frequenta as festividades parlamentares.
 
21 de dezembro de 2013
DENISE ROTHENBURG

COMO CULTIVAR AS EX

Sentindo-se preteridas ou abandonadas, elas se vingam expondo publicamente os malfeitos dos maridos

A moral e os bons costumes políticos devem muito a ex-mulheres, graças às quais alguns escândalos foram conhecidos depois de terminado o casamento contra a vontade delas.

É que, sentindo-se preteridas ou abandonadas, elas se vingam expondo publicamente os malfeitos dos maridos. Um caso famoso ocorreu em 2000, quando Nicéa, mulher por 30 anos do então prefeito Celso Pitta, denunciou-o em represália a um processo de separação litigiosa movido por ele.
Ela foi à televisão e o acusou de ter distribuído fortunas aos vereadores para encerrarem uma CPI contra ele. As acusações se estendiam ao secretário de Saúde, que teria montado um esquema milionário de desvio de dinheiro na compra de remédios. O episódio, com repercussão nacional, acabou com a imagem de Pitta: ao deixar o poder, em 2001, ele tinha mais de 80% de rejeição.

Mais recentemente, também em SP, houve o caso dos quatro auditores fiscais envolvidos em uma fraude de R$ 500 milhões. Vanessa, a mulher de um deles, Luís Alexandre Magalhães, escancarou em entrevistas a vida de luxo e dissipação que levavam com o dinheiro das propinas. Jantavam em restaurantes de luxo e pediam o vinho mais caro. Segundo ela, ele sempre deixou claro para os amigos que era corrupto: “Ah, eu roubo mesmo”, confessava. Magalhães aceitou a delação premiada e se curvou às denúncias da ex.

Diante dessas e de outras histórias parecidas, constitui fenômeno raro o que acabo de ler na revista “Piauí”: o excelente perfil da ex-mulher de José Dirceu, de autoria da repórter Daniela Pinheiro. Ali, Evanise Santos relata cenas do casamento (ou “união estável”, como diz) de oito anos e da separação.
Ela esteve ao lado dele nos “piores momentos” e teria desempenhado um relevante papel no processo do mensalão, opinando inclusive sobre as estratégias da defesa. “Foi uma das pessoas procuradas por um solícito Luiz Fux, que pleiteava uma vaga no STF”, informa a repórter. “A ele, ela aconselhou: ‘Pare de ficar atrás do Lula. Se você quer o cargo, dá uma sumida’”.

O depoimento não contém revelações bombásticas ou baixarias, apenas aqui e ali um discreto ressentimento, natural em quem foi preterida, como, por exemplo, quando o companheiro confessa que estava apaixonado por outra com quem tinha uma filha de 4 meses. O nome dela: Simone Patrícia, aquela que ganhou um cargo de confiança no Senado, com horário flexível e R$ 12.800 de salário.
Para mim, o mais curioso na matéria é o relato da capacidade do ex-ministro de manter harmonioso convívio com as quatro ex-esposas. Evanise, a última (por enquanto), fala em “dinâmica particular” entre elas: “Todas orbitavam em volta de Dirceu — cada qual à sua maneira (...). É uma coisa que ele cultiva. Gosta de estar rodeado do que chama de ‘as mulheres de minha vida’, e isso inclui as filhas e a neta.”

Justiça seja feita. Não é para qualquer um conseguir transformar amores desfeitos em amigas confiáveis. Se algum político estiver pensando em se separar, deve aconselhar-se antes com José Dirceu.
 
21 de dezembro de 2013
Zuenir Ventura, O Globo

MAIS RISCOS DE INFLAÇÃO

A inflação não está tão controlada como vem declarando o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Os riscos de alta persistem.

É o que está no Relatório Trimestral de Inflação, um dos mais importantes documentos do Banco Central, que avalia todos os fatores que direta ou indiretamente têm a ver com a formação de preços. Desta vez, o Banco Central chama a atenção para a persistência de três principais riscos, não só de inflação, como, também, das expectativas dos formadores de preços em relação a ela.

O primeiro deve ser entendido como advertência ao governo. É o forte desalinhamento dos preços administrados, aqueles que dependem de autorização dos ministros para serem reajustados. Enquanto a inflação acumulada em 2013, até fim de novembro, atingiu 4,95%, os preços administrados foram corrigidos em apenas 0,9% e pedem atualização.

Fato notável é que esse discurso tromba com o do ministro Mantega. Para este, os preços dos combustíveis e da energia elétrica devem ser represados para segurar a inflação. Enquanto isso, o Banco Central afirma que esse atraso nos reajustes produz incertezas e, por tabela, inflação. Para as tarifas de energia elétrica, por exemplo, o Banco Central prevê um reajuste de 7,5% ao longo de 2014.

Outro risco tem a ver com a volatilidade nos mercados financeiros globais, provocados principalmente pelas condições precárias da economia da área do euro. Essa volatilidade tende a continuar a pressionar o câmbio interno (cotação do dólar) e, por esse canal, a aumentar em reais os preços dos produtos importados. Em contrapartida, a atividade econômica global, sobretudo nos Estados Unidos, deve melhorar e reduzir a atual tensão que toma os mercados e produz estragos na economia brasileira.

A terceira fonte de riscos para a inflação interna, aponta o Relatório, é o persistente aumento dos custos da mão de obra que, por sua vez, decorre da alta dos salários acima do aumento da produtividade da economia. Por trás desse quadro não estão apenas os aumentos mais generosos do salário mínimo, mas, também, "a margem estreita de ociosidade" do mercado de trabalho. Enfim, é o pleno-emprego concorrendo para aumento dos custos de produção e dos preços.

Denuncia, ainda, o impacto sobre a inflação produzido pelas negociações salariais, que atribuem "peso excessivo à inflação passada, em detrimento da inflação futura". Mas o Banco Central não deixa de pontuar que esses riscos tendem a se reduzir (não diz em quanto), graças a reajustes futuros mais baixos do salário mínimo e da remuneração dos funcionários públicos. Pelo que se vê, o Banco Central não levou em conta que, em ano eleitoral, governadores e governo federal tendem a ser mais pródigos com os servidores públicos.

No mais, o Banco Central avisa que o avanço econômico no período de 12 meses terminado em outubro de 2014 não deve ser superior a 2,3%. A novidade aí é que, diferentemente dos anos anteriores, em que embarcava em projeções otimistas para a atividade econômica, o Banco Central se contenta agora com número bem mais realista. Melhor assim.
 
 
21 de dezembro de 2013
CELSO MING, O Estado de S.Paulo

OS VIZINHOS


 
A América Latina não está condenada a ser marginal no processo econômico mundial. O ano de 2014 será muito difícil, já disse aqui mesmo. Mas sempre haverá espaço para bom senso e medidas sensatas. Não basta tentar adivinhar o futuro, é preciso construí-lo dia a dia, tijolo a tijolo. E sem nenhuma arrogância. Um passo atrás do outro.
 
21 de dezembro de 2013
ANDRÉ GUSTAVO STUMPF, CORREIO BRAZILIENSE

A PILOTO DE CAÇAS SUECOS

É pouco provável que 36 aviões possam trazer grandes ganhos eleitorais a Dilma Rousseff, mas a decisão da compra dos caças nesta semana reduz a pressão dos militares contra o Palácio do Planalto. Se não dá votos, pelo menos não os tira e, por tabela, ainda diminui a pecha pouco favorável da presidente de ser centralizadora e indecisa. Assim, o anúncio da aquisição das aeronaves foi também eleitoreira, pois.


Reportagem de Paulo de Tarso Lyra e de Leandro Kleber, do Correio, revela que Dilma decidiu anunciar a compra dos aviões suecos da Saab antes do fim do ano para evitar críticas dos partidos e dos negociadores internacionais. Como não precisa pagar um centavo até o fim do mandato, a presidente apenas anunciou a compra, que será paga a partir de 2015. Nada poderia ser mais simples.

Havia uma clara pressão da cúpula militar para o fim de uma novela que se arrastava desde 2001, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso. Depois, o então presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, fez demagogia e ensaiou o cancelamento do programa com o argumento de que o dinheiro da compra dos caças seria transferido para o Fome Zero. Como era de se esperar, Lula recuou, abrindo oficialmente o lobby de fabricantes internacionais: a norte-americana Boeing, a francesa Dassault, além da Saab.

Apostas
Ao longo de 12 anos, a Dassault e a Boeing apareceram como favoritas em algum momento. No caso da francesa, Lula chegou a anunciar que tinha escolhido o Rafale. A empresa norte-americana, por sua vez, ganhou força nas mesas de apostas nos últimos dois anos, antes de ser descartada com as denúncias de espionagem dos Estados Unidos contra o Brasil. Não ficaria bem para Dilma escolher a tecnologia da terra de Obama, of course.

Do ponto de vista diplomático, Dilma foi habilidosa. Avisou ao presidente francês François Hollande antes de anunciar a decisão pelo jato sueco. E deixou assessores divulgarem que não fez questão de comunicar o fato aos norte-americanos, em resposta à espionagem feita pela Agência Nacional de Segurança (NSA), dos EUA. Seria uma resposta brasileira à altura da covardia dos arapongas.

Outra reportagem do Correio, assinada pelo repórter Paulo Silva Pinto, mostra que o movimento de Dilma é quase uma encenação dentro de um amplo cenário diplomático e comercial. É que, no fim das contas, a vitória dos caças suecos na concorrência aberta pelo governo não deixa de ser a vitória também dos norte-americanos por causa de dois fatores simples de explicar a partir de um comentário de um funcionário de alto escalão brasileiro, dito na condição de anonimato.

Durante evento promovido para funcionários do Brasil e da França, em meados deste mês, por causa da visita de Hollande, um servidor brasileiro revelou o lobby norte-americano contra o Rafale: “Eles chegaram a dizer: se não quiserem levar o F/A-18 (o caça dos Estados Unidos), escolham o Gripen”. Do lado dos americanos, amargar a derrota para os franceses não seria fácil. É que a Boeing considera a Dassault uma concorrente direta, ao contrário da empresa sueca, vista como jogadora de menor porte.

Além disso, parte das peças do Gripen é produzida nos Estados Unidos, como, por exemplo, a turbina. Assim, na real, Dilma apenas fez um jogo de cena ao tentar mostrar que escanteou os Estados Unidos. O Planalto sempre soube que o resultado favorável aos suecos não seria algo muito dramático para o governo Obama. A presidente se comporta de forma rápida, tal qual uma pilota de caças. Resta rezar para que ela não torne a metáfora real e, depois da motocicleta, queira pegar carona no Gripen.

 


 
 
Lamento
Depois das mortes de Dominguinhos, Carlos Fernando e Lou Reed, 2013 ainda teve tempo de levar o rei Reginaldo Rossi. Não foi um ano dos mais fáceis, mesmo. Um ano que parece não gostar de música.
 
21 de dezembro de 2013
Leonardo Cavalcanti, Correio Braziliense

QUANDO AMAR É ARMAR

Oophaga pumilio é um sapinho, vermelho como morango maduro, que habita as florestas da América Central. Ao contrário de seus colegas, camuflados entre as folhas, nosso amigo mostra o corpo e não teme predadores. Não é para menos, está armado até os dentes.
Seu corpo contém mais de 50 tipos de alcaloides. O predador que abocanhar um desses simpáticos sapinhos não vai esquecer a experiência. Se não morrer, vai passar dias sob efeito das poderosas armas químicas carregadas pelo sapinho.
A cor vermelha avisa os predadores: cuidado comigo, estou armado e sou perigoso. Agora os cientistas descobriram a origem desse poderoso arsenal. Ele é fornecido pela mãe sapo, e duvido que você adivinhe como. Vamos adiante.

Nosso sapinho tem dois centímetros de comprimento e é completamente inofensivo. Não morde nem utiliza seu arsenal de alcaloides para o ataque. É tão bonito, e suas cores tão chamativas, que é criado como animal de estimação em diversos países. O único cuidado é não cair na tentação de morder o animal, pois os alcaloides estão acumulados na pele.

Papai e mamãe Oophaga dividem o cuidado com a prole. Mamãe coloca os ovos e papai despeja espermatozoides sobre os ovos. A pilha de ovos fecundados é cuidada por papai, que coleta água com sua cloaca (o orifício por onde saem a urina, as fezes e os espermatozoides) e a despeja sobre os ovos, garantindo que eles permaneçam úmidos durante os 12 dias de incubação. Quando os girinos saem do ovo, mamãe Oophaga volta ao ninho e transporta os filhotes para os phitotelmata (aqueles laguinhos de água acumulada entre as folhas de bromélias). É nesse ambiente que os girinos crescem e se transformam em sapos.

Como não existe alimento suficiente nos phitotelmata, a amorosa mamãe Oophaga volta frequentemente e alimenta os filhotes durante dois meses com seus próprios ovos não fecundados. Devorando os ovos gerados pela mãe, os amados filhotes crescem felizes. Faz tempo que os cientistas descobriram que os sapos adultos não produzem os alcaloides que acumulam no seu corpo, mas obtêm essas moléculas de sua dieta. Como todo sapo, os adultos comem os mais diversos tipos de insetos. Após ingerirem a presa, os Oophaga não destroem os alcaloides presentes no alimento. Essas moléculas são transportadas para a pele e se acumulam em grande quantidade. Em outras palavras, o arsenal defensivo de nossos sapinhos é capturado dia a dia, um pouquinho de cada inseto ingerido. Aos poucos, os sapos vão armando seu arsenal químico.

Mas uma pergunta atormentava os cientistas. Será que os girinos acumulam as toxinas antes de se transformar em sapos ou somente depois de começar a se alimentar de insetos? Para resolver esse problema, os cientistas coletaram e analisaram girinos recém-nascidos. Descobriram que ao nascer os girinos não tinham suas armas químicas. Mas, quando os cientistas analisaram os girinos um pouco antes de se transformar em sapos, descobriram que eles já haviam acumulado um pequeno arsenal de alcaloides.

Analisando os ovos não fecundados que mamãe sapo usa para alimentar os girinos, os cientistas descobriram que eles tinham em seu interior pequenas quantidades de alcaloides. Essa observação favorecia a hipótese de que as mães estavam armando seus amados filhotes com alcaloides. Para comprovar essa hipótese, os cientistas alimentaram girinos com ovos de espécies de sapos que não acumulam alcaloides. Como esperado, esses girinos, ao se transformar em sapos, estavam totalmente desarmados, sem qualquer alcaloide em seu corpo.

Esses resultados demonstram que as mamães sapo não somente fornecem o alimento, mas também o arsenal químico que os sapinhos precisam para enfrentar os predadores. É o amor que arma.

Alimentamos e educamos nossos filhos para que eles sejam felizes. Mas, se você acredita que a educação é também uma arma a ser utilizada pelos filhos para enfrentar os perigos da vida adulta, você não está sozinho. Os amorosos Oophaga fazem a mesma coisa e não sentem culpa.

 
21 de dezembro de 2013
FERNANDO REINACH, O Estado de S.Paulo

"ILEGAL? POIS É"

 

Não são os marcianos nem o tão falado ativismo judicial os responsáveis pela limitação das campanhas ao período de três meses antes das eleições. A regra está na lei eleitoral e é fruto da vontade do Congresso.

Resultado de uma decisão do Parlamento, tomada por partidos que são os primeiros a ignorá-la solene e cinicamente quando saem por aí propagandeando seus candidatos inclusive em horário de televisão reservado à divulgação das legendas e financiado por dinheiro público.

A lei está obsoleta? Não atende às exigências da realidade? É draconiana, restritiva, impraticável? Perfeitamente. O Parlamento construiu, pode desconstruir; reunir-se, reformar as regras ou mesmo simplesmente revogar a existente, suspendendo qualquer restrição a campanhas.

Como a proibição não é respeitada, na prática não faz sentido e as punições não são suficientes para inibir as transgressões, melhor que suas excelências deixem de atuar na ilegalidade. Têm poder para isso.

Ademais, não está aí o problema. O tempo de campanha pode ser livre, a conduta dos homens e mulheres públicos é que não pode ser permissiva.

Hoje não há praticamente mais separação entre um pleito e outro. O assunto, os atos, as decisões, os gestos, qualquer movimento têm como meta o resultado eleitoral que possa produzir. Os problemas do cotidiano da população ficam, assim, em segundo plano ante a conveniência de cada agremiação.
Essa distância fica muito nítida quando se examinam as pesquisas.
No caso federal há discrepância entre os índices de aprovação da figura presidencial e a avaliação bastante negativa sobre o funcionamento dos serviços prestados pelo Estado.

Há um ganho personalista nessa propaganda de cunho eleitoral à qual se dá o nome de “campanha antecipada” que, na verdade, é permanente. Em contrapartida, existe o desleixo em relação ao que seria de interesse da população no restante do tempo em que não está preocupada com quem vai ganhar ou perder o poder, mas em viver melhor.

Há seis meses as pessoas foram às ruas dizer: prestem atenção em nós! Pelo visto, não foram bem entendidas. Passado o susto, que provocou um intervalo de recolhimento dos partidos e dos políticos, voltou a vigorar o que o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Marco Aurélio Mello, chamou, em entrevista ao Valor Econômico, de “Babel” onde viceja “a lei do mais esperto”.

Uma espécie de lei de Gérson: tira vantagem da situação quem tem mais ousadia para transgredir. Como ninguém quer ficar em desvantagem além daquele desequilíbrio usual, decorrente do uso da máquina pública por parte dos governantes candidatos, locupletam-se todos.

Diz o ministro que a Justiça Eleitoral será mais rigorosa nessa eleição. Ele acredita que as multas hoje insignificantes podem ser aumentadas mediante uma interpretação menos limitada da lei e defende que o TSE avance na jurisprudência levando a julgamento o registro da candidatura de quem faça propaganda antes da hora.

Claro que aí surgiriam as vozes de sempre dizendo que o Judiciário se intromete onde não deve; que o embate político não pode ocorrer nos tribunais e que a Justiça, se porventura vier a cassar essa ou aquela candidatura, estará sendo parcial.

Estará, isso sim, cumprindo o seu papel até hoje exercido com evidente leniência na área eleitoral. Para evitar justamente comprar uma enorme briga e ainda ser acusada de atrapalhar o “processo”.
Pois é, mas existe uma lei. Conforme o início da nossa conversa, não foi aprovada em Marte nem inventada nos tribunais.

É produto da manifestação dos políticos. Se eles não medem as consequências de suas atividades legislativas, ao menos que as respeitem. Ou revoguem as disposições em contrário.

21 de dezembro de 2013
DORA KRAMER