TENDÊNCIAS/DEBATES
Com a adoção das eleições diretas, quando da redemocratização, o país avançou, se comparado ao regime de exceção então vigente. Não adotou, todavia, o melhor sistema, o parlamentar, em que as eleições para chefe de governo são sempre indiretas, podendo ou não ser diretas, para chefe de Estado.
O notável jusfilósofo Lijphart, no livro "Democracies", examinou, em 1984, quais os países que, após a Segunda Guerra Mundial, tinham permanecido sem ruptura institucional e encontrou apenas 20: 19 deles com regime parlamentar e um (Estados Unidos) com regime presidencial.
É o presidencialismo regime da "irresponsabilidade a prazo certo", enquanto o parlamentarismo, de "responsabilidade a prazo incerto".
Margaret Thatcher ficou 11 anos num governo parlamentar, tendo sido afastada, sem qualquer trauma, quando pretendeu aumentar a tributação. Nenhum presidente americano pode ficar por mais de oito anos no poder desde a era Roosevelt. Collor, num processo traumático, sofreu impeachment. Os golpes de 30, 45 e 64 no Brasil provam a instabilidade do sistema presidencial, fenômeno permanente em diversas nações latino-americanas.
No sistema parlamentar, as preferências do eleitor concentram-se num número limitado de agremiações. Os partidos são de ideias e não de pessoas. Já no presidencialismo, são de pessoas, multiplicando-se, em um sem número. Prova disso é que, no país, temos "donos" de 32 partidos, como se fosse possível existirem 32 ideologias diferentes!!!
Quando se diz que o Brasil não pode adotar o parlamentarismo por não ter partidos políticos, respondo, à luz da experiência mundial, que o Brasil não tem partidos políticos porque não tem o parlamentarismo.
O presidencialismo é um sistema monárquico a prazo certo. Como o eleitor é chamado apenas para votar, sua influência sobre o escolhido é nenhuma.
O eleito não tem preocupação maior em respeitar o eleitorado, senão poucos meses antes das novas eleições, para atraí-lo. Ele e seus amigos dirigem o país, à sua imagem e semelhança.
No parlamentarismo, não. Dependendo sempre do controle de um Parlamento, os partidos --que não são meras legendas, mas representantes de ideias-- têm voz ativa, o cidadão controla o Parlamento e este o chefe do Executivo, com um supercontrole, nos períodos de crise, pelo chefe de Estado.
Os "estelionatos eleitorais", materializados em mudanças de legendas sem especial motivação, não ocorrem no parlamentarismo, a não ser em casos excepcionais, pois os partidos representam linhas ideológicas bem definidas e as carreiras são construídas dentro deles.
O parlamentarismo gera a burocracia profissionalizada, no qual o chefe de governo procura cercar-se de pessoas competentes, escolhendo para as funções mais relevantes aqueles servidores concursados que mais se aproximem de suas ideias.
Assim, no caso de queda de um gabinete, o país passa a ser dirigido, temporariamente, por burocratas de carreira. Finalmente, embora os ministros exerçam cargos de confiança acordados entre os partidos, a competência é essencial para que o governo se mantenha.
Por essas razões, as eleições indiretas em um regime parlamentar trariam mais avanço à democracia, por fortalecerem os partidos. A descrença do povo brasileiro no homem público e na política decorre do sistema presidencial, que não facilita uma participação maior do cidadão na condução dos negócios públicos.
Desde os bancos acadêmicos, sou parlamentarista, tendo presidido, de 1962 a 1964, o diretório metropolitano do Partido Libertador, em São Paulo, único a defender, à época, a forma parlamentar de governo.
25 de janeiro de 2014
Folha São Paulo