Não sou economista nem alarmista, mas alguns números são assustadores e qualquer pessoa que tenha um mínimo de raciocínio lógico entra em pânico ao relacioná-los entre si. O Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil em 2014 deve fechar sem crescimento, em R$ 4,80 trilhões. Se crescer 0,7% em 2015, chegará R$ 4,83 bilhões. A meta do governo Dilma 2 é fazer 1,2% de superavit fiscal neste ano. Sendo assim, terá que economizar cerca de R$ 60 bilhões ou dar outro golpe na Constituição Federal como o fez com a aprovação do PLN 36.
Para 2016 e 2017, a equipe econômica prevê um superavit de 2%, o que elevaria a poupança para R$ 100 bilhões. Há, então, um corte de mais outros R$ 40 bilhões a ser feito neste ano e mantido para os próximos dois anos. Não é tarefa fácil, tendo em vista que o governo continua gastando mais do que o país produz. E que 2014 já deixou um rombo de outros R$ 40 bilhões.
O primeiro corte foi feito na carne do trabalhador mais pobre, nos benefícios trabalhistas, atacando seguro-desemprego, pensões e abonos. Isso deve gerar uma economia de R$ 18 bilhões. Ainda falta cortar R$ 22 bilhões. Onde? Ninguém sabe. Então a saída é aumentar impostos, num país cuja a carga tributária alcançou 37,65% do PIB. Aumentar impostos sobre uma economia combalida, sem competitividade e com vendas em queda é tiro no pé. Sem esquecer que o parco crescimento dos últimos anos foi inflado por bilhões e bilhões de subsídios, agora cortados.
O desemprego irá aumentar pela simples migração do seguro desemprego para as filas em busca de vagas. A redução do seguro-desemprego vai afetar cerca de dois milhões de vagas durante 2015. É um conjunto de notícias terríveis para o país, fruto da conta que pagamos desde 2008 para eleger Dilma 1 e que continuamos a pagar por ter eleito Dilma 2. O Brasil miserável, idiota e desinformado, garantiu estas duas eleições. São os primeiros a pagar o preço. O que não deixa de ser justo.
Hoje o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, deu entrevista para a Folha de São Paulo. Ontem ele teve que publicar nota negando que vá mexer no salário mínimo, por ordem de Dilma Rousseff. O PT não quer fazer o tema de casa, qual seja cortar despesas e arcar com as consequências políticas. O país pode estar caindo num poço sem fundo e num beco sem saída. Abaixo, a entrevista.
FOLHA- Ministro, a presidente Dilma prometeu não cortar direitos trabalhistas na campanha. Agora, reeleita, assumiu o discurso da necessidade de ajustes na política econômica e cortou benefícios trabalhistas e previdenciários. Não foi uma quebra de compromisso?
NELSON BARBOSA - Em primeiro lugar, é bom lembrar, as primeiras medidas anunciadas foram relacionadas ao crédito, com elevação da TJLP [taxa de juros de longo prazo] e a revisão das condições de financiamento por parte do BNDES. Na sequência disso, houve a recomposição do IPI para automóveis e aprovação de um novo modelo de tributação de bebidas frias.
Em terceiro lugar, foram anunciados alguns ajustes em alguns programas sociais, que não representam revogação de direitos trabalhistas, mas a adequação deles à nova realidade social e fiscal do Brasil.
Todos estes programas continuam, abono salarial, seguro-desemprego, pensão pós-morte, o que houve foi uma correção de alguns excessos e distorções identificados há bastante tempo e cuja correção contribui para a viabilidade destes direitos trabalhistas no futuro.
Por que não foram feitos antes?
Não sou a pessoa mais qualificada para dizer por que não foram adotadas antes, mas posso dizer que são necessárias, vão contribuir para a recuperação do equilíbrio fiscal no próximos anos.
Qual foi a principal distorção encontrada?
Em primeiro lugar, do foco das pensões pós-morte. O Brasil tinha uma legislação de pensão pós-morte das mais generosas do mundo, era um dos poucos países do mundo em que a pessoa poderia ter uma pensão vitalícia contribuindo por apenas um mês. Corrigimos isto. Tem de ser feita pelo menos 24 contribuições. O que é altamente justo e garante a viabilidade do programa da pensão pós-morte para todos.
Até a adoção das medidas, o tempo de casamento não tinha um critério estabelecido. Agora, estamos definindo 24 meses de casamento ou união estável, seguindo uma prática internacional.
E a terceira medida de correção é a proporcionalidade do benefício. Em 132 países que avaliamos, na maioria a recomposição não é integral, é entre 60% e 80% do valor do benefício.
Sindicalistas criticaram as mudanças no seguro-desemprego num momento de aperto na economia, em que o desemprego pode subir. O que acha desta crítica?
Nós não estamos cortando nenhum benefício, tem de ficar claro. Estamos ajustando as regras de benefícios existentes à nova realidade fiscal e social do país. Nosso levantamento da concessão de seguro-desemprego demonstrou que cerca de 72% a 74% dos benefícios solicitados era o primeiro benefício de pessoas mais jovens, de até 24 anos, devido à formalização.
Dada a situação fiscal, nós achamos que a pessoa tem de contribuir por 18 meses, num período de 24 meses. Hoje é de seis meses. Hoje havia uma distorção, para requerer o benefício pela primeira vez precisava ter trabalhado apenas seis meses.
E depois do segundo tinha de esperar 16 meses e neles trabalhar seis meses. O primeiro pedido tinha regras mais flexíveis do que o segundo e o terceiro.
O pagamento integral do abono salarial não era um estímulo de rotatividade?
É um programa dos anos 70 e que, na regra anterior, concedia um salário mínimo adicional a todos trabalhadores que ganham até dois salários mínimos, independentemente do tempo trabalhado.
Para o abono não valia a regra do 13º, que é proporcional. O abono era integral. Isto é injusto, qualquer pessoa com bom senso sabe que é injusto.
Estamos apenas adotando a mesma lógica do 13° para o abono salarial e colocando uma carência de seis meses, o que, diante da restrição fiscal, é uma medida necessária e ajuda a preservar todos os programas sociais do governo.
Faltava então controle dentro do governo nestes benefícios?
No caso do abono, ele foi criado num período em que o salário mínimo era muito baixo, não tinha Bolsa Família, inflação era hiperinflação, não havia muitos programas sociais no Brasil. Ele foi permanecendo. Não estou aqui para dizer de quem é a culpa.
Hoje, a formatação anterior está superada, temos outros programas, como Bolsa Família. Política social é sempre mantida e aprimorada e sendo adequada à evolução da própria sociedade.
O próprio programa Bolsa Família é sempre ajustado. A política social passa por evolução, sem perda de direitos, você vai adequando os benefícios à realidade da economia e da sociedade.
Há espaço de negociação destas regras no Congresso ou têm de ser aprovadas como apresentadas?
Nós consideramos estas medidas necessárias dentro do contexto macroeconômico deste ano. Segundo nossos cálculos, estas medidas proporcionam uma economia de R$ 18 bilhões, uma redução permanente do gasto obrigatório do governo de cerca de 0,3% do PIB (Produto Interno Bruto) estimado para 2015.
Uma redução de gasto obrigatório e permanente, o que abre espaço para aumentar o resultado primário e para continuar outras políticas sociais, educacionais e de salário mínimo. Vamos defendê-las no Congresso Nacional e ouvir a opinião dos parlamentares, que darão a palavra final.
Esta previsão de economia não é muito otimista. Como chegaram a este cálculo?
É uma previsão realista, metade dela é no seguro-desemprego, cerca de R$ 9 bilhões, tomando como base as concessões deste benefício nos últimos anos. Cerca de R$ 2 bilhões nas mudanças de auxílio-doença e pensão pós-morte. No abono salarial, é o restante, R$ 7 bilhões.
A realidade fiscal forçou esta revisão dos benefícios?
A realidade fiscal forçou, mas independentemente dela as pessoas sabem quando alguma coisa está em excesso. Uma pessoa de vinte anos receber uma pensão vitalícia devido ao falecimento de seu cônjuge não é um benefício adequado.
Óbvio que a pessoa precisa de uma assistência, terá o benefício por três anos e terá tempo para se inserir no mercado de trabalho pelas novas regras.
Como vocês vão conseguir atingir a meta de economia de gastos de 1,2% do PIB neste ano?
Temos os R$ 18 bilhões de redução de gastos com os benefícios, vamos ver quanto será preciso contingenciar [bloquear] verbas do Orçamento. Posso dizer que esse reequilíbrio fiscal será feito de uma forma justa, com uma divisão entre receitas e despesas, a maior parte concentrada em despesas, mas também envolve algum aumento de receita.
A palavra que mais se ouve nos últimos dias é ajuste, a presidente tocou nela, o sr. também. É um ano de muito sacrifício de 2015?
É um ano de normalização e reequilíbrio. De corrigir alguns excessos e adaptar a política econômica à nova realidade brasileira e internacional. Esta adaptação exige algumas medidas restritivas no curto prazo, mas expansionistas no médio prazo.
Porque estas medidas, ao permitir a recuperação do resultado primário do governo e a redução da inflação, criam as condições para aceleração do crescimento, com maior estabilidade, com maior confiança.
Não houve um exagero de gastos nos últimos anos?
Eu quero falar para a frente, não cabe a mim fazer julgamentos do passado. Eu estou aqui para resolver os problemas para o futuro, a medida cumpriu o seu papel e atingiu o seu limite, é hora de adaptar a política fiscal às novas circunstâncias do Brasil, o que vai viabilizar crescimento no médio prazo.
O governo pode adotar uma regra de limitar o crescimento dos gastos públicos em relação à evolução do PIB?
As metas fiscais deste e dos próximos anos já foram anunciadas, 1,2% do PIB neste ano ano e 2% nos dois próximos anos. Há uma discussão na sociedade se além da meta de superávit primário faz sentido se colocar uma meta de crescimento do gasto global em linha com o PIB.
Posso dizer que vamos trabalhar para que o gasto do governo cresça em linha com o PIB ou ligeiramente abaixo do PIB nos próximos anos. Transformar numa regra formal envolve várias discussões, que vamos querer ter, mas não há uma definição formal, porque cada gasto tem sua dinâmica.
Mas há um compromisso de se buscar limitar o gasto ao crescimento da economia?
Sim, em linha ou abaixo do crescimento da economia.
Nos últimos anos vinha crescendo acima?
Sim, cresceu mais porque o crescimento da economia desacelerou e a despesa pública cumpriu seu papel anticíclico. Nos últimos anos a despesa pública cresceu bem acima do crescimento real do PIB, momentaneamente isto é necessário, mas a longo prazo isto é insustentável.
A longo prazo, o princípio básico é que despesa pública cresça em linha ou abaixo com o crescimento da economia. Agora, se isto vai ser traduzido numa regra formal, na LDO, é algo ainda a ser discutido, vamos checar se teremos de formalizar, mas estamos fazendo isto na prática. É nossa meta.
Primeiro, vamos estabilizar o crescimento, depois reduzir em proporção do PIB. A filosofia da nova equipe é criar condições para que o gasto do governo cresça em linha com o PIB. No curto prazo pode ainda crescer, devido a compromissos assumidos.
E o limite para folha de pagamento?
Esta é uma ideia que já foi aprovada no Senado, mas na Câmara ainda não. Esta é uma proposta interessante e correta, de fixar um limite para o crescimento real da folha de pagamento, mas estamos começando um novo governo e ainda vamos analisar.
Mas nosso princípio é continuar reduzindo a folha de pagamento em relação ao PIB, num período de quatro anos. Isto ocorreu no primeiro mandato da presidente Dilma e pretendemos continuar.
O sr. fez a proposta de simplificação do PIS/Cofins, há espaço fiscal para isto?
Nós estamos vivendo uma situação de restrição fiscal, que trabalhamos para que seja momentânea, mas neste momento não é adequado falar de grandes desonerações ou grande medidas tributárias que envolvam perda de receita.
O represamento de preços prejudicou a economia por ter criado uma inflação artificialmente menor e prejudicou a receita do governo, porque reduziu o faturamento de estatais. A realidade tarifária vai ajudar o governo?
O ajuste dos preços administrados à nova realidade da economia, como gasolina, água, energia, transporte público, é parte necessária do funcionamento de qualquer economia.
Qualquer economia de mercado funciona à base do preço. Ele é o principal mecanismo de incentivo e de sinalização em qualquer economia de mercado.
Por maior que seja o efeito restritivo de algum ajuste de preços no curto prazo, ele é que viabiliza a reorganização da economia para produzir mais aquilo que está caro e menos o que está barato. Este realinhamento vai tornar rentáveis várias atividades, viabilizando vários investimentos e promovendo ampla recuperação da economia rapidamente. Deixa o sistema de preços funcionar que a economia responde.
Isto já está acontecendo, vários preços começaram a ser realinhados, já no último ano do primeiro mandato da presidente Dilma, quando você teve um realinhamento da taxa de câmbio promovido pelo mercado, reajuste do preço de energia, reajustes mais recentes de preços combustíveis, isto é o funcionamento natural de qualquer economia.
A realidade tarifária vai ser positiva para economia?
A realidade tarifária vai ser positiva, com certeza, à medida que o tempo passa. O primeiro impacto é restritivo, os subsequentes são positivos.
Foi um erro fazer este represamento?
Estou aqui para trabalhar daqui para a frente, não cabe a mim fazer julgamento do passado.
Estamos num período de transição e ajuste?
Às vezes uma medida, que tem impacto restritivo no curto prazo, é expansionista se considerar todo seu período de efeito, porque viabiliza investimentos novos, mais crescimento, reduz incerteza sobre futuro e gera incentivo para que empresas e trabalhadores voltem a investir e consumir. Estamos com um plano de quatro anos, não é um ano.
Neste início ele exige medidas que podem ter eventualmente impacto restritivo, mas que têm impacto expansionista ao longo do tempo.
Até quando será o período de ajuste?
Temos como política trabalhar com a previsão média do mercado, que prevê um crescimento ainda lento em 2015, recuperando-se no final de 2015 e entrando em 2016 com um crescimento mais alto.
A deterioração fiscal dos últimos anos leva a um risco de perda do grau de investimento do país?
Ainda não conversei com as agências de classificação de risco, pretendo fazê-lo, juntamente com a equipe econômica. É um risco que alguns analistas colocam, mas tenho certeza que vamos conseguir eliminá-lo.
O importante para manutenção do grau de investimento é a confiança numa trajetória fiscal consistente no longo prazo. Não é o resultado de um mês, de um ano, que garante uma boa avaliação, é a confiança que você tem numa política fiscal equilibrada ao longo de vários anos.
Isto é perfeitamente entendido pelas agências classificadoras de risco. Não há estabilidade econômica sem crescimento econômico, como não há crescimento econômico sem estabilidade.