A história mineira é rico repositório de significados, contemplados a partir de fatos aqui ocorridos, ou que envolveram personalidades de nossa região. Três momentos, entre a Colônia e a República, são especialmente caros aos mineiros, na busca dos significados popular, jurídico e político do vocábulo “delação”. A cada momento, de acordo com a experiência jurídica e política, identificamos o conteúdo e alcance da palavra, em variações próprias de uma hermenêutica histórica. Afinal, não se devem misturar momentos históricos distintos e nem confundir suas realidades sócio-históricas.
O primeiro momento, o da definição do sentimento de Nação e busca de soberania, teve traumática interrupção em 1789. Foram presos aqueles que ficaram conhecidos eternamente como “Inconfidentes”. O desbaratamento do movimento deu-se por delação de Joaquim Silvério dos Reis, em carta dirigida ao Visconde de Barbacena, à troca de benesses pessoais. Tratou-se de típico caso de traição à pátria nascente.
O segundo momento evoca diversas personalidades, na resistência ao regime instaurado em 1964. Independentemente de considerações sobre a índole democrática ou igualmente autoritária de algumas tendências ideológicas da resistência à ditadura militar, é induvidoso que muitas pessoas foram presas, torturadas e mortas à busca de informações. Nesse caso, delatar companheiros de ideologia e resistência equivaleria ao fenecimento de ideais políticos e possíveis mortes. Delatar, sob tortura, não seria vergonhoso, mas funesto para a causa política defendida.
O terceiro momento é o que vivemos, de busca de esclarecimentos sobre acusações de corrupção em órgãos da administração pública indireta e outros efeitos. Nesse caso, a legislação prevê um favor a quem, acusado, esclarece o crime cometido e entrega à Justiça seus parceiros criminosos. Muito diferente das hipóteses antecedentes, a denominada “delação premiada”, aplicável à esfera criminal, não tem em si qualquer conotação política, embora possa gerar reflexos de tal natureza. Trata-se de instrumento válido de investigação, acolhido em diversos países democráticos, que tem por escopo o esclarecimento da verdade real, não meramente processual; não gera infâmia, mas beneficia o interesse público, mantendo sanção criminal contra o delator.
Não há, pois, como confundir ou iludir. Em momentos diferentes, sob condições sócio-históricas muito diversas, a delação funcionou como traição à pátria nascente, meio para manutenção de regime ditatorial, após quebra da resistência física e psicológica da pessoa, mediante tortura, e, nos dias que correm, na investigação conhecida como “operação lava-jato”, é instrumento de apuração da verdade, combate à corrupção e reforço das instituições democráticas.
01 de julho de 2015
Bruno Terra é juiz de Direito e ex-presidente da Associação dos Magistrados Mineiros - Amagis
O primeiro momento, o da definição do sentimento de Nação e busca de soberania, teve traumática interrupção em 1789. Foram presos aqueles que ficaram conhecidos eternamente como “Inconfidentes”. O desbaratamento do movimento deu-se por delação de Joaquim Silvério dos Reis, em carta dirigida ao Visconde de Barbacena, à troca de benesses pessoais. Tratou-se de típico caso de traição à pátria nascente.
O segundo momento evoca diversas personalidades, na resistência ao regime instaurado em 1964. Independentemente de considerações sobre a índole democrática ou igualmente autoritária de algumas tendências ideológicas da resistência à ditadura militar, é induvidoso que muitas pessoas foram presas, torturadas e mortas à busca de informações. Nesse caso, delatar companheiros de ideologia e resistência equivaleria ao fenecimento de ideais políticos e possíveis mortes. Delatar, sob tortura, não seria vergonhoso, mas funesto para a causa política defendida.
O terceiro momento é o que vivemos, de busca de esclarecimentos sobre acusações de corrupção em órgãos da administração pública indireta e outros efeitos. Nesse caso, a legislação prevê um favor a quem, acusado, esclarece o crime cometido e entrega à Justiça seus parceiros criminosos. Muito diferente das hipóteses antecedentes, a denominada “delação premiada”, aplicável à esfera criminal, não tem em si qualquer conotação política, embora possa gerar reflexos de tal natureza. Trata-se de instrumento válido de investigação, acolhido em diversos países democráticos, que tem por escopo o esclarecimento da verdade real, não meramente processual; não gera infâmia, mas beneficia o interesse público, mantendo sanção criminal contra o delator.
Não há, pois, como confundir ou iludir. Em momentos diferentes, sob condições sócio-históricas muito diversas, a delação funcionou como traição à pátria nascente, meio para manutenção de regime ditatorial, após quebra da resistência física e psicológica da pessoa, mediante tortura, e, nos dias que correm, na investigação conhecida como “operação lava-jato”, é instrumento de apuração da verdade, combate à corrupção e reforço das instituições democráticas.
01 de julho de 2015
Bruno Terra é juiz de Direito e ex-presidente da Associação dos Magistrados Mineiros - Amagis