Quinze homens fumavam na centenária Davidoff of Geneva, na avenida Madison, a
quatro quarteirões da Trump Tower, em Nova York. Um sujeito roliço e careca
entrou esbravejando: “Liguei para meu advogado e perguntei se já podia comprar
charutos em Cuba. Ele disse que de jeito nenhum. É tudo uma grande piada!”
Os
demais clientes, como prega o código de ética dos fumadores de charuto,
ignoraram o desabafo e continuaram a encarar jornais, celulares ou quaisquer
distrações que os protegessem do entediante contato humano.
O anúncio histórico de que os Estados Unidos iriam normalizar as relações
diplomáticas com Cuba fora feito horas antes, ao meio-dia daquela quarta-feira,
17 de dezembro, pelo presidente Barack Obama.
Representava o início do fim de
mais de cinquenta anos de hostilidade americana em relação à ilha socialista e
encerrava um dos últimos capítulos da Guerra Fria. Para os homens da tabacaria,
no entanto, o que estava em jogo era a possibilidade de comprar (legalmente)
charutos cubanos.
“Comemorar é uma palavra forte para descrever minha reação”, disse o
executivo do
Wall Street Journal Chris Colla, acomodado em uma das
poltronas de couro da diminuta sala para fumantes da loja. “Essa história tomou
só alguns minutos do meu tempo. Logo soube que o limite para gastar em charutos
é muito pequeno”, completou.
Ele apontou para a televisão sintonizada na Fox News, canal fetiche do
público republicano. Naquela hora, uma apresentadora loura tratava justamente da
nova regra para os apreciadores dos
habanos: um americano vindo de Cuba
poderá trazer minguados 100 dólares em tabaco – sendo que uma caixa com 25
unidades de Montecristo custa três vezes mais, enquanto a dos cobiçados Cohibas
pode chegar a 500 dólares.
“Isso é a mesma coisa que nada”, lamentou Colla,
sorvendo um My Father, modelo da Nicarágua, de menos de 20 dólares. Mais tarde,
o site da emissora resumiria seu ponto de vista sobre o momento que estava sendo
festejado em todo o mundo: “Vitória de Fidel.”
Para piorar, até que o fim do embargo econômico seja aprovado no Congresso –
o que pode demorar, dada a reação furibunda dos líderes da maioria republicana
no Legislativo –, a compra e venda de charutos cubanos segue ilegal nos Estados
Unidos.
Obama fez o máximo que lhe permitia a autoridade presidencial e ampliou
consideravelmente os casos em que seus concidadãos estarão autorizados a viajar
a Cuba, mas a liberdade ampla e irrestrita de ir à ilha ou de fazer comércio com
Havana depende, ainda, de uma decisão parlamentar. Voos
charter lotados
de turistas com a intenção declarada de charutear estão, por enquanto, fora de
cogitação.
Enquanto isso, os apreciadores dos legítimos
cubanos terão de continuar burlando a lei e obtendo como podem seus objetos de
desejo – em geral chegam aninhados em meias e cuecas escondidas em fundos de
malas. “Quem quer consegue”, desdenhou Colla. “Compra-se sobretudo no Canadá”,
explicou seu companheiro de fumódromo, Arnab Karmakar, jovem banqueiro que
degustava um Camacho – fabricado em Honduras – de 18 dólares.
Elegante numa camisa de listras azuis, suspensórios de bolinhas e gravata com
estampa de planetas, um homem de cabelos brancos comentou em voz baixa, como se
não quisesse ser ouvido pelos demais: “Esse é um dia maravilhoso, embora esteja
cinquenta anos atrasado.
Os charutos? Ah, eu os fumo há 35 anos. Que diferença
faz?” Kevin Talley, um dos diretores da International Premium Cigar & Pipe
Retailers, principal associação de vendedores de charutos dos Estados Unidos,
resumiu: “Infelizmente, o embargo criou um mercado negro.”
O próprio John F. Kennedy, que em 1962 decretou o embargo total a Cuba –
ampliando restrições iniciadas pelo presidente anterior, Dwight D. Eisenhower –,
tinha suas artimanhas. Segundo o
New York Times, teria pedido a seu
secretário de Imprensa que garantisse quantos charutos cubanos fossem possíveis
horas antes de assinar a medida; amealhou, assim, 1 200 exemplares de H.
Upmann,
uma das mais antigas marcas da ilha de Fidel. O democrata Bill Clinton, como se
sabe, também é afeito a charutear. Prefere os da marca Gurkha – que podem chegar
a custar mil dólares a unidade –, originários da República Dominicana.
O país caribenho vizinho de Cuba tem de fato se destacado na produção. No
último ranking anual dos melhores charutos do mundo, divulgado pela revista
Cigar Aficionado no dia seguinte ao anúncio de Barack Obama, marcas
dominicanas ocupam cinco das dez primeiras posições (contra um único
cubano).
Em meio ao ar enfumaçado da tabacaria, apenas uma pessoa seguia atenta à
televisão que, ao entardecer, ainda comentava o inesperado gesto diplomático de
Obama. Filho de cubanos que deixaram a ilha antes do
bloqueo americano,
o gerente Luis Miguel Torres celebrava a notícia, ainda que discretamente. “É um
dia histórico, mas o embargo ainda está valendo e vai demorar algum tempo para
que isso mude”, disse.
Naquela quarta-feira, Torres recebera mais clientes do que o usual – quase
todos em busca do fruto proibido. Como bom vendedor, tentou convencê-los a levar
os da casa, dentre eles os exemplares de Cohiba, Montecristo e Romeo y Julieta
made in República Dominicana. São homônimos dos cubanos, feitos por uma
empresa dos Estados Unidos que em 1978 registrou os direitos de usar os
nomes.
“Cuba produz charutos maravilhosos. São como os relógios suíços ou os vinhos
franceses. Só que existem ótimos relógios também no Japão, ou bons vinhos na
Itália”, disse Torres. Minutos depois, distante dos clientes, completaria: “Há
muito mito em torno do charuto cubano. Mas isso não quer dizer que eu não vá
vendê-lo tão logo seja liberado.” O gerente da tabacaria sorriu.
29 de janeiro de 2015
Piauí