Internacional - América Latina
Segundo o representante da ONU, os guerrilheiros encarcerados são vítimas do Estado e devem fazer parte da peregrinação a Cuba em igualdade de condições com as viúvas, os órfãos e os mutilados que as ações das FARC deixam.
Quem está por se desmobilizar são as FARC, não o Estado colombiano. Quem promete pôr fim a uma estratégia de mais de 60 anos de crimes contra a Colômbia são as FARC. Ninguém mais. Nos chamados “diálogos de paz”, esse é o ponto central, o único, o que justifica esse esforço, inútil até agora, de dois anos de conversações: o fim das ações do bando armado mais mortífero e depredador que a Colômbia conheceu em toda a sua história.
Lá, nessa “mesa de negociação” na ilha-prisão, o que está em jogo é, em princípio, embora as FARC pensem outra coisa, como pôr um ponto final nas ações do comunismo armado na Colômbia. O ponto não é especular acerca dos defeitos do capitalismo, nem sobre a legitimidade ou as carências do Estado colombiano. Este, pelo contrário, teve que se defender contra a opressora agressão ordenada pelo mastodonte soviético. Teve que se mobilizar de maneira defensiva contra o fruto local de uma realidade bélica exterior à Colômbia: a Guerra Fria.
Dos dois “atores” em Havana só um foi quem decidiu acabar mediante assaltos, infiltrações, massacres, seqüestros, tráfico de drogas e destruições massivas, com o sistema liberal-conservador colombiano. Por isso, só um dos dois leva semelhante fardo histórico. Só um porta a responsabilidade moral e política pelas centenas de milhares de vítimas que essa agressão contra a democracia colombiana gerou. Esta não enviou suas tropas para atacar o Kremlin. Este sim, criou um exército irregular para atacar a Colômbia.
Como alguns foram esfumando essa verdade da consciência cidadã, as FARC tratam de fazer o país acreditar que em Cuba estão discutindo o desarmamento e a desmobilização das duas entidades que dialogam. Em seu comunicado de 3 de agosto de 2014, as FARC se mostram surpresas. Dizem: “não pode ser que o governo agora (...) pretenda que seja a insurgência quem deve estar no banco dos acusados”.
Pois sim, o terrorismo comunista é o único que está no banco dos acusados.
Negar isso está afundando o tema das vítimas em uma enorme confusão. Essa confusão repousa sobre três falsos postulados. Começa com este: “O tema das vítimas é muito complexo”. Depois prossegue: “não há vítimas senão ‘grupos de vítimas’”. Finalmente, conclui: “os guerrilheiros encarcerados por seus crimes ‘também são vítimas’”. Com esse triplo absurdo, que alguns engoliram de boa fé, o grupelho comunista está escolhendo abusivamente as vítimas que pensam ir a Cuba pedir contas a seus agressores, as FARC. Querem reduzir as vítimas a nada ou a quase nada, dar-lhes falsos porta-vozes.
As FARC estão tratando de redefinir a noção de vítimas. Como está crescendo o dinamismo delas, como as vítimas das FARC estão se organizando e radicalizando, e como cada vez mais estão rechaçando a tutela comunista desse tema (a tentativa de Iván Cepeda de se converter em líder das vítimas é mais e mais rechaçado), os propagandistas das FARC encontram uma saída: perverter o conceito de vítima.
Se aceitamos que um guerrilheiro ativo, ou condenado ou encarcerado, é também uma “vítima”, o conceito de vítima é, de fato, abolido: o agressor é uma vítima e a vítima é um agressor. Essa operação de escamoteio não pode passar. Porém, esta operação está em pleno desenvolvimento, sem que isso suscite a menor réplica do governo, que continua fiel a seu enfoque: negociar e ceder ante o terrorismo sem argumentar nada contra ele.
Este jogo diabólico é sustentado não só por Santos senão que, o que é pior, conta com o apoio de alguém que deveria ser neutro e equânime nestas coisas tão graves, mas que não é. O representante da ONU na Colômbia, Fabrizio Hochschild, diz que o critério para fazer a lista dos que irão à Havana é o decidido “pela mesa” de Havana, quer dizer, pelas FARC, que são as que levam a voz solo nesse palanque.
Quando um jornalista lhe perguntou se, segundo ele, os guerrilheiros que estão nos cárceres são também “vítimas”, Hochschild foi incapaz de responder com um não franco, como deveria ter feito, pois um terrorista encarcerado é, forçosamente, um agressor que paga sua pena, não uma vítima. Porém, Hochschild escapuliu com uma pirueta: disse que quem pode decidir quem sai ou não do cárcere (para ir a Cuba) é o governo de Santos. O que quer dizer que, segundo o representante da ONU, os guerrilheiros encarcerados são vítimas do Estado e devem fazer parte da peregrinação a Cuba em igualdade de condições com as viúvas, os órfãos e os mutilados que as ações das FARC deixam.
Fabrizio Hochschild chegou ao cúmulo de equiparar “as pessoas uniformizadas da força pública”, com as “pessoas das fileiras da guerrilha”, que também, segundo ele, “sofreram violações de seus direitos”. Como assim? Ele não explicou. Ele disse: “Não se pode excluir nem as pessoas uniformizadas da força pública (...) nem pessoas entre as fileiras da guerrilha que também (...) sofreram violações de seus direitos. Os critérios têm que ser aplicados de maneira igual para todos os uniformizados”.
Para esse funcionário da ONU há duas classes de uniformizados na Colômbia: os da força pública e os das guerrilhas. Deduza: o Exército e as FARC são iguais, não há vítimas e verdugos. Todos são vítimas.
As Forças Armadas da Colômbia - militares e policiais - são, e sempre foram, o instrumento de um regime democrático, escolhido pelo povo em eleições livres. Elas nunca correram atrás de uma utopia sangrenta. Sua guerra é justa e respeita um sistema jurídico. Seus eventuais erros e excessos são objeto de duras sanções penais. Por isso é falso dizer que na Colômbia há um “terrorismo de Estado”. O senhor Hochschild sabe disso tudo mas finge ignorá-lo.
Outro que empurra atrás do mesmo carro é o anistiado León Valencia. Ele assegura: “As vítimas são definidas por sua falta de defesa, não por sua inocência”. E acrescenta: “(...) as vítimas são essencialmente civis, mas podem ser combatentes agredidos ou mortos em estado de indefesa”.
Tradução: os policiais e militares mortos, feridos, mutilados e/ou seqüestrados não são vítimas, pois não são civis. O General Mendieta, por exemplo, seqüestrado pelas FARC durante doze anos, não é vítima. Ao contrário, os “combatentes” (narco-terroristas) feridos ou dados baixa em combate são sim, pois foram “agredidos ou mortos em estado de indefesa”.
Assim, León Valencia resume o que as FARC dizem desde há 60 anos e o que repetem em seu comunicado de 3 de agosto passado: que não admitirão como vítimas os que fazem ou fizeram parte da força pública. Esse texto diz que se insiste-se nisso, o governo deve aceitar que “se ouça também [em Havana] os combatentes guerrilheiros”, encarcerados ou não. E acrescenta que se ouça “inclusive os representantes daqueles que como o comandante Alfonso Cano foram assassinados, convertendo-se também em vítimas do conflito”. Quer dizer, que se inclua Timochenko na lista de vítimas que irão a Cuba.
Fabrizio Hochschild avaliza esse enfoque. Ele deverá explicar como faz para pensar que Ingrid Betancur, por exemplo, que foi seqüestrada durante seis anos pelas FARC, é uma vítima equiparável a “Gafas” e “César”, os carcereiros e torturadores dela e dos demais reféns libertados graças à Operação Xeque, durante o governo do presidente Uribe. “Gafas” e “César” estão encarcerados. Esse bandidos devem agora ir à Havana tirando duas quotas das vítimas autênticas?
Tal é o pântano moral em que se meteu o representante da ONU na Colômbia. É necessário fazer algo para que as altas instâncias desse organismo internacional se inteirem disso e tomem medidas contra tal despotismo.
17 de agosto de 2014
Editoria MSM
Tradução: Graça Salgueiro