Charge do Bira, reprodução do Arquivo Google
Decididamente, aqui no Brasil não se pode confiar nos políticos para aprovar projetos de lei contra a corrupção. A mecânica não funciona nem mesmo quando eles já recebem a proposta praticamente pronta e acabada, como é o caso das 10 Medidas Contra a Corrupção, sugeridas pelo Ministério Público Federal e que chegaram ao Congresso referendadas por 2 milhões de assinaturas de eleitores e respaldadas pelo juiz federal Sérgio Moro. Quando se esperava que o pacote da Lava Jato fosse aceito consensualmente no Congresso, ocorre justamente o contrário, com o imediato surgimento de manobras radiciais para esvaziar as penas sugeridas e abrir brechas para que corruptos e corruptores possam escapar das punições.
MUDANÇAS NO PACOTE – Criada para analisar as medidas anticorrupção, a comissão especial da Câmara mal começou a trabalhar e os deputados já articulam mudanças em vários pontos do pacote, que propõe, entre outras providências, a criminalização do caixa 2, o aumento da pena para corrupção, a possibilidade de que provas ilícitas sejam consideradas válidas, se forem colhidas de boa-fé, e a prisão preventiva para facilitar a recuperação de recursos desviados.
Segundo a Agência Estado, deputados da comissão têm discutido o tema em encontros reservados com advogados, vejam a que ponto chega a desfaçatez desses supostos representantes do povo, que atuam às escondidas e evitam expor publicamente seu desconforto com as medidas sugeridas para reduzir a corrupção.
CAIXA 2 – A criminalização do caixa 2, que hoje é apenas um ilícito eleitoral e não dá cadeia, é um dos pontos mais polêmicos e tem causado reação dos deputados, que tentam encontrar uma forma de evitar o endurecimento da legislação.
Ou seja, como o Congresso recentemente teve de aprovar o fim do patrocínio eleitoral pelas empresas, devido á forte pressão exercida pela opinião pública, agora os políticos tentam evitar que seja punido mais severamente esse abuso do poder econômico, via caixa 2.
O presidente da comissão, deputado Joaquim Passarinho (PSD-PA), herdeiro do espólio político de seu tio Jarbas Passarinho, tem o descaramento de alegar que, com o fim do financiamento eleitoral, “praticamente acabou o problema do caixa 2 e é preciso analisar uma nova forma de abordar a questão”. Na prática, ocorre exatamente o contrário. O caixa 2 tende a aumentar, podem ter certeza.
Como os empreiteiros e empresários não podem mais fazer “doações legais”, é claro que continuarão a patrocinar campanhas através do caixa 2, com dinheiro vivo, em operações de doleiros, conforme já estão até acostumados a fazer.
OUTRAS REAÇÕES – Os deputados resistem à proposta de aumentar as penas, que é uma das peças principais do pacote das 10 Medidas Contra a Corrupção, e também não pretendem aprovar a possibilidade de que provas ilícitas sejam consideradas válidas, se forem colhidas de boa-fé.
Trata-se de uma sugestão do Ministério Público Federal, claramente motivada pelo episódio da gravação do diálogo entre Lula e a então presidente Dilma Rousseff. Era uma importantíssima e reveladora prova de obstrução da justiça, mas foi descartada pelo ministro-relator Teori Zavascki, por ter sido obtida pouco depois de esgotado o prazo legal para manter o grampo do telefone usado por Lula.
A decisão de Zavascki está de acordo com a lei, porém não pode ser considerada legítima, pois representa apenas uma demonstração de que a burocratice jurídica pode se sobrepor ao exercício da Justiça e se mostrar capaz de até impedir a punição de uma presidente da República que toma providências ao arrepio da lei.
PRISÃO PREVENTIVA – Alguns integrantes da comissão especial da Câmara –certamente em causa própria, já pensando nas punições que podem sofrer no futuro – também querem evitar que seja aprovada a possibilidade de decretação de prisão preventiva para facilitar a recuperação de recursos públicos desviados pelos esquemas de corrupção.
Tradução simultânea: parece que de nada adiantaram os dois milhões de assinaturas dos eleitores que apoiaram as 10 Medidas Contra a Corrupção. Se o Ministério Público Federal, a força-tarefa da Operação Lava Jato e a sociedade não mantiverem a mobilização, com toda certeza o Congresso Nacional vai dar um jeito de manter brechas na legislação, de modo a evitar que haja uma renovação ética da política brasileira.
Por enquanto, Câmara e Senado, que acabaram de voltar das “férias”, estão novamente em regime de “recesso branco”, sem funcionar. Desta vez, o pretexto é a próxima campanha eleitoral para prefeitos e vereadores. Depois, teremos Finados, Proclamação da República, Natal, Ano Novo, Carnaval, Semana Santa e só então – quem sabe? – os parlamentares podem voltar ao trabalho, para que enfim se saiba o que pretendem fazer com as 10 Medidas Contra a Corrupção. E la nave va, cada vez mais fellinianamente.
16 de agosto de 2016
Carlos Newton