O grevismo desenfreado, a radicalização ideológica e a banalização da violência, sob a forma de piquetes, ocupações, depredações e agressões físicas e morais estimuladas por microfacções de esquerda, estão dividindo de tal forma as universidades públicas paulistas, a ponto de comprometer seus principais pilares - o respeito ao princípio do mérito acadêmico, ao diálogo intelectual e à tolerância política.
Na USP, recentemente, um dos mais conhecidos professores da área de ciências sociais enfrentou dificuldades para dar uma palestra, por não ter aceito a determinação imposta por militantes para que defendesse a adoção de cotas raciais na instituição. Um dos mais respeitados professores de física, com 50 anos de carreira, foi tratado de forma truculenta pelo Diretório Central dos Estudantes (DCE) por não apoiar as reivindicações da entidade. E sempre que diretores de unidades tentam punir quem afronta a ordem, grupelhos de alunos, servidores e “personalidades” assinam notas de protesto.
Na Unicamp, que no primeiro semestre gastou com salários mais do que recebe do Estado e acaba de sair de uma greve deflagrada por alunos e servidores que pediam mais moradias gratuitas, alimentação subvencionada e aumento salarial, apesar de a arrecadação do ICMS estar caindo, a situação é mais grave. Docentes dos cursos de computação, engenharia e física que tentaram dar aula tiveram as salas invadidas por grevistas, apesar de a Justiça ter proibido essa prática. A Unicamp abriu uma sindicância para apurar o envolvimento de um estudante que foi filmado apagando as anotações de um professor de matemática na lousa tão logo ele as escrevia - e que por isso pode ser expulso -, mas não consegue colher os depoimentos por causa dos protestos do DCE, que conta com um ensurdecedor trio elétrico.
Apesar de o vídeo mostrar o constrangimento a que o professor foi submetido, os líderes do DCE alegam que ele teria agredido o estudante. E este, por seu lado, argumentou que na democracia direta as decisões das assembleias-gerais são soberanas, motivo pelo qual quem insiste em contrariá-las - como é o caso desse professor - estaria tentando impor o interesse individual sobre deliberações coletivas.
Além de classificar essas declarações como disparatadas, professores da área de ciências exatas acusam a reitoria da Unicamp de não agir com o devido rigor para impedir que servidores e estudantes promovam “intervenções artísticas e simbólicas”, simulando a Via-Crúcis, com o objetivo de tumultuar o funcionamento da instituição. Em nota, o Sindicato dos Trabalhadores da Unicamp informou que a “simbologia do sacrifício” é uma forma de “questionar o ataque imposto à universidade” por meio de cortes orçamentários. “A Unicamp está rachada”, diz a professora Hildete Pinheiro, do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica. “Só há perdedores. O processo, na conjuntura atual do País, não permite vencedores”, argumenta Paulo Xavier de Oliveira, da Associação de Docentes da Unicamp.
Esse cenário de acirramento ideológico e de baderna generalizada nas universidades públicas estaduais é preocupante. Quando a ordem jurídica é afrontada e os baderneiros são tratados de modo leniente, a noção de responsabilidade fica comprometida e as instituições se enfraquecem. Quando elas permitem o sistemático desrespeito ao primado da lei, a democracia também se debilita. Em recente artigo publicado no Estado, José de Souza Martins, professor emérito da USP, colocou o dedo na ferida: “Antes da ditadura, as novas gerações tinham uma causa e uma esperança, a da definição de um projeto de nação para todos. Com o fim da ditadura, o sonho acabou, perdeu conteúdo e cedeu lugar às conveniências de poder e à busca de privilégios corporativos”. Com isso, as novas gerações já não teriam uma causa, explica Martins, passando a servir como marionetes dos mais variados grupelhos radicais, limitando-se “a gritar sem falar e a espernear sem caminhar” e, mais grave, confundindo democracia com impunidade.
16 de agosto de 2016
Editorial Estadão
Na USP, recentemente, um dos mais conhecidos professores da área de ciências sociais enfrentou dificuldades para dar uma palestra, por não ter aceito a determinação imposta por militantes para que defendesse a adoção de cotas raciais na instituição. Um dos mais respeitados professores de física, com 50 anos de carreira, foi tratado de forma truculenta pelo Diretório Central dos Estudantes (DCE) por não apoiar as reivindicações da entidade. E sempre que diretores de unidades tentam punir quem afronta a ordem, grupelhos de alunos, servidores e “personalidades” assinam notas de protesto.
Na Unicamp, que no primeiro semestre gastou com salários mais do que recebe do Estado e acaba de sair de uma greve deflagrada por alunos e servidores que pediam mais moradias gratuitas, alimentação subvencionada e aumento salarial, apesar de a arrecadação do ICMS estar caindo, a situação é mais grave. Docentes dos cursos de computação, engenharia e física que tentaram dar aula tiveram as salas invadidas por grevistas, apesar de a Justiça ter proibido essa prática. A Unicamp abriu uma sindicância para apurar o envolvimento de um estudante que foi filmado apagando as anotações de um professor de matemática na lousa tão logo ele as escrevia - e que por isso pode ser expulso -, mas não consegue colher os depoimentos por causa dos protestos do DCE, que conta com um ensurdecedor trio elétrico.
Apesar de o vídeo mostrar o constrangimento a que o professor foi submetido, os líderes do DCE alegam que ele teria agredido o estudante. E este, por seu lado, argumentou que na democracia direta as decisões das assembleias-gerais são soberanas, motivo pelo qual quem insiste em contrariá-las - como é o caso desse professor - estaria tentando impor o interesse individual sobre deliberações coletivas.
Além de classificar essas declarações como disparatadas, professores da área de ciências exatas acusam a reitoria da Unicamp de não agir com o devido rigor para impedir que servidores e estudantes promovam “intervenções artísticas e simbólicas”, simulando a Via-Crúcis, com o objetivo de tumultuar o funcionamento da instituição. Em nota, o Sindicato dos Trabalhadores da Unicamp informou que a “simbologia do sacrifício” é uma forma de “questionar o ataque imposto à universidade” por meio de cortes orçamentários. “A Unicamp está rachada”, diz a professora Hildete Pinheiro, do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica. “Só há perdedores. O processo, na conjuntura atual do País, não permite vencedores”, argumenta Paulo Xavier de Oliveira, da Associação de Docentes da Unicamp.
Esse cenário de acirramento ideológico e de baderna generalizada nas universidades públicas estaduais é preocupante. Quando a ordem jurídica é afrontada e os baderneiros são tratados de modo leniente, a noção de responsabilidade fica comprometida e as instituições se enfraquecem. Quando elas permitem o sistemático desrespeito ao primado da lei, a democracia também se debilita. Em recente artigo publicado no Estado, José de Souza Martins, professor emérito da USP, colocou o dedo na ferida: “Antes da ditadura, as novas gerações tinham uma causa e uma esperança, a da definição de um projeto de nação para todos. Com o fim da ditadura, o sonho acabou, perdeu conteúdo e cedeu lugar às conveniências de poder e à busca de privilégios corporativos”. Com isso, as novas gerações já não teriam uma causa, explica Martins, passando a servir como marionetes dos mais variados grupelhos radicais, limitando-se “a gritar sem falar e a espernear sem caminhar” e, mais grave, confundindo democracia com impunidade.
16 de agosto de 2016
Editorial Estadão
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