"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

domingo, 7 de abril de 2019

A REVOLTA DOS INJUSTIÇADOS

Não são só primatas que demonstram contrariedade diante de injustiças

De onde tiramos a ideia de justiça? Para os religiosos, ela vem de Deus. Para os platônicos, é uma emanação da forma perfeita que existe no mundo das ideias. Para kantianos, é uma consequência necessária de nossa mente racional.

Sem a pretensão de resolver o impasse filosófico, acho que dá para dizer que a ideia de justiça nem sequer é um original humano. Nós só burilamos uma intuição herdada de nossos ancestrais não humanos.

Quem tem algo relevante a dizer sobre isso é o primatologista Frans de Waal, que galgou o estrelato no YouTube ao apresentar um vídeo em que um macaco capuchino fica indignado por receber uma recompensa pior (um pedaço de pepino) que a oferecida a um colega (que ganhara uma uva) por desempenhar a mesma tarefa.

Em seu mais recente livro, “Mama’s Last Hug” (o último abraço de Mama), De Waal nos atualiza sobre as pesquisas envolvendo animais e as emoções que estão na base da ideia de justiça. Não são só primatas que demonstram contrariedade diante de injustiças. Tal comportamento foi observado também entre canídeos, corvídeos e papagaios.

De Waal mostra que a diferença de tratamento não afeta apenas a parte injustiçada mas também a que foi beneficiada. Para prová-lo, o pesquisador modificou o jogo de ultimato, um clássico em experimentos psicológicos, para que pudesse ser jogado por chimpanzés. Constatou-se que, a exemplo de humanos, nossos primos também costumam optar por receber uma recompensa menor para não deixar o colega a ver navios. Está em operação aqui uma noção de justiça de segunda ordem.

Nosso chanceler Araújo diria que os chimpanzés são comunistas, mas é possível explicar o fenômeno de forma mais individualista. Cada ave, macaco ou pessoa que vive em bando precisa cooperar com seus semelhantes. E não pode haver cooperação se não estivermos dispostos a ceder. A política é uma coisa bem velha, antecedendo os humanos.

07 de abril de 2019
Hélio Schwartsman, Folha de SP

O DESAFIO URGENTE DA POBREZA

Puxada pelos preços da comida, a inflação dos mais pobres está mais alta que a dos brasileiros de outras classes de renda. Não se trata só de números, mas de drama vivido no dia a dia. Quem ganha pouco usa uma parcela maior de seus ganhos para comer e para alimentar a família. Pouco sobra, quando sobra, para outras despesas, como saúde, habitação, vestuário e transporte.

Quando se levam em conta esses dados, fica mais claro o desastre provocado pela crise econômica dos últimos anos. Segundo o Banco Mundial, entre 2014 e 2017 mais 7,3 milhões de brasileiros caíram na pobreza e passaram a viver com renda mensal de até US$ 5,50 por dia, algo equivalente, pelo câmbio atual, a cerca de R$ 635 por mês. Com a economia fraca e ainda travada por muitas incertezas, há pouca esperança de retorno em um ano ou dois ao nível de atividade, já baixo, de 2014.

Pelas contas do Banco Mundial, o grupo dos pobres cresceu de 17,9% para 21% da população brasileira nos anos de crise. Se a porcentagem se tiver mantido, corresponde hoje a uns 43,9 milhões de indivíduos. A experiência dessas pessoas teria sido mais penosa, nos últimos anos, se os preços da comida tivessem crescido mais rapidamente. Mas nem o conforto dos preços estáveis e do consumo acessível se mantém neste início de ano.

Más condições de tempo comprometeram a produção de vários itens, e o custo da alimentação deu um salto razoável.

Os efeitos são bem visíveis nos cálculos da inflação enfrentada pelas famílias de baixa renda. Os últimos dados são os do Índice de Preços ao Consumidor – Classe 1 (IPC-C1), elaborado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Esse indicador, baseado no orçamento das famílias com renda mensal de 1 a 2,5 salários mínimos, subiu 0,49% em fevereiro, 0,67% em março, 1,77% no ano e 5,42% em 12 meses.

O indicador dos pobres deixou para trás, com essa disparada, o tradicional e mais amplo Índice de Preços ao Consumidor (IPC), referente aos gastos médios de famílias com ganhos mensais entre 1 e 33 salários mínimos. O IPC aumentou 0,35% em fevereiro, 0,65% em março e 4,88% em 12 meses. Durante um longo período, as posições tinham sido diferentes, com as famílias de baixa renda enfrentando uma inflação mais suave e um pouco menos penosa para consumidores com orçamento mensal muito estreito.

Segundo a FGV, o custo da alimentação para as famílias de baixa renda subiu 7,93% nos 12 meses terminados em março. Foi, de longe, o combustível mais importante da inflação de 5,42% suportada pelas famílias com renda mensal de até 2,5 salários mínimos. Itens como habitação (5,40%), transportes (4,76%) e saúde e cuidados pessoais (4,07%) também pressionaram o orçamento dessas famílias, mas com peso menor que o dos alimentos.

Em março, o custo da comida, com alta de 1,23%, foi de novo o principal fator inflacionário para os consumidores pobres. Os transportes ficaram 1,27% mais caros e também afetaram severamente a qualidade de vida, mas com impacto menor que da alimentação.

Com crescimento de apenas 1,1% em cada um dos últimos dois anos, a economia brasileira criou poucas oportunidades para redução do desemprego. O Brasil começou 2019 com cerca de 13 milhões de desempregados e alguma esperança de melhora já no primeiro ano do novo governo. O Banco Mundial ainda estima para o Brasil um crescimento econômico de 2,2% neste ano e de 2,5% em 2020. Economistas brasileiros têm mostrado menor otimismo. O Banco Central e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) atualmente estimam expansão de 2% para o Produto Interno Bruto (PIB) em 2019. No mercado, a mediana das projeções caiu para 1,98% na semana passada.

Reduzir a incerteza de empresários e consumidores deve ser o passo inicial para reanimar os negócios e gerar empregos – inicial, apenas, mas indispensável. Não se trata de melhorar números abstratos. Reverter o aumento da pobreza ocorrido nos últimos anos deve ser só o começo de um trabalho muito mais amplo. Nem todos os tuítes do mundo bastarão para realizá-lo.

07 de abril de 2019
Editorial Estadão

A CULTURA DO ORIFÍCIO ANAL NO BRASIL

A VERDADEIRA ORIGEM DO BIG BROTHER! (VÍDEO CENSURADO)

AS EMPRESAS ESTÃO INDO EMBORA

Terra dos Papagaios se tornou desinteressante para quem está aqui

À primeira vista, o braço brasileiro da empresa americana RR Donnelley decidiu falir, prejudicando o cronograma da impressão das provas do Enem. Se esse fosse o problema, seria pontual. É mais que isso.

Essa multinacional fatura US$ 6,8 bilhões e opera em 28 países. O silêncio de seus executivos, a intimidade que ela tinha com os educatecas do MEC y otras cositas más deixam no ar perguntas para que se saiba como funcionava essa operação, mas o fato é que ela quer ir embora.

A primeira vítima da falência será o chão da fábrica, onde estão os direitos trabalhistas de seus mil empregados. A falência teve o beneplácito da matriz americana, que certamente terá algo a dizer sobre o assunto. Nos Estados Unidos, ela não se comportaria como se comportou no Brasil.

Antes da Donnelley, a Ford fechou sua fábrica de São Bernardo, a CVS (maior rede de farmácias dos Estados Unidos) fez as malas, a rede francesa de livrarias Fnac pagou para sair do Brasil, o Citibank vendeu-se ao Itaú e o HSBC vendeu-se ao Bradesco. Isso tudo não aconteceu de uma hora para outra, mas o movimento começou em 2015.

Em muitos casos as empresas foram embora porque vieram com falsas expectativas e em outros porque suas operações foram mal administradas. Em dois deles, o da RR Donnelley e da CVS, porque também se enroscaram em litígios judiciais. Em quase todos, não conseguiram operar pelas regras e costumes do capitalismo mambembe brasileiro.

Numa época em que as economias no mundo se integram, a Terra dos Papagaios não só perdeu atrativos para quem investe na produção como tornou-se desinteressante para quem está aqui. Para a turma do papelório eletrônico, continua a ser um paraíso.

Desde que os franceses vieram pegar pau brasil e papagaios na costa da Terra de Santa Cruz o ufanismo nacional cultiva a ideia segundo a qual os estrangeiros querem vir para cá. Às vezes querem, mas há épocas em que preferem sair.

Faz tempo, quando se falava em abrir o mercado nacional, importadoras de carros abriram filiais brasileiras. A Aston Martin (o carro de James Bond) veio e houve um ano em que vendeu apenas duas peças. Azar o delas, mas algumas tentaram construir fábricas e desistiram.

Enquanto a discussão ficava em torno do vem-não-vem, ela era uma. Quando quem veio
se vai, ela deve ser outra.

OS SURDOS BATEM BOCA COM OS MUDOS
A ida do ministro Paulo Guedes foi catastrófica sob qualquer aspecto, mas não é justo que se passe batido pelo fato de ele ter extraído um dos espinhos que envenenavam seu projeto.

Numa frase curta, o ministro disse que a mudança no pagamento do Benefício de Prestação Continuada aos miseráveis “pode ser opcional”.

Traduzindo: hoje as pessoas que têm mais de 65 anos e vivem na miséria ganham um salário mínimo (R$ 998). Pelo projeto inicial essa mesma pessoa receberia R$ 400 a partir dos 60 anos, mas só ganharia o salário mínimo quando completasse 70 anos.

Ao falar em “opcional” Guedes pode ter resolvido o problema. Quando o sujeito completar 60 anos pode pegar logo seus R$ 400 mensais e nesse caso só receberá os R$ 998 quando completar 70 anos. Se preferir, esperará cinco anos e pegará o salário mínimo cheio.

A palavra “opcional” está envenenando também a discussão de um eventual regime de capitalização. Pelo projeto do governo, quem entrar no mercado de trabalho poderá escolher entre esse novo regime ou o atual. Como Asmodeu mora nos detalhes, falta o governo explicar direito como será essa mudança, pois ele diz que o assunto ficará para uma lei complementar.

Admitindo-se que o “opcional” é para valer, os adversários da reforma devem pensar duas vezes para não repetir a mobilização política do século passado contra o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, que também era opcional (os patrões pressionavam para que seus empregados optassem
pelo novo sistema.)

Antes dele, para mandar embora um trabalhador do mercado formal, o patrão deveria indenizá-lo com um mês de salário para cada ano trabalhado. Depois de dez anos de serviço, o empregado não podia ser demitido. Quem chegasse lá ficava estável, mas quando deixasse o emprego saía sem levar um tostão.

O FGTS foi visto como uma tunga. O tempo passou e hoje dificilmente um trabalhador trocaria seu fundo, que é sacado na aposentadoria e permite o uso do pecúlio para a compra de casa própria,
pelo regime anterior.

Quem se mete em briga com o opcional é Jair Bolsonaro, encrencando com a turma LGBT.

POMBA-GIRA
Falta a Paulo Guedes um companheiro de mesa como José Sarney.

Em 2003, quando Henrique Meirelles era sabatinado pelos senadores, bateu-lhe a pomba-gira dos economistas e ele começou a dar uma aula.

Sarney tocou-o e disse-lhe baixinho: "Você não veio aqui para lecionar, veio para buscar votos". Meirelles entendeu.

PALPITE
Bolsonaro marcou sua viagem à China para o segundo semestre.

Tem tudo para ser uma visita bem-sucedida. Nada a ver com as virtudes da sua diplomacia medieval. Tudo a ver com a capacidade do Império do Meio de negociar o que lhe interessa.

Nas palavras de um ex-presidente: “Os chineses sempre sabem o que querem. Nós, às vezes”.

SUCESSÃO
O governador de São Paulo, João Doria, está abrindo sua picada de candidato a presidente. Na semana em que Jair Bolsonaro foi a Israel e anunciou a abertura de um escritório comercial em Jerusalém, Doria anunciou a criação de um escritório em Xangai.

Em Xangai fazem-se negócios com a segunda economia do mundo. Ganha uma viagem à Coreia do Norte quem souber que tipo de negócios um país que tem embaixada em Tel Aviv pode fazer em Jerusalém.

MADAME NATASHA
Natasha combate todas as tentativas de golpe contra o idioma e concedeu um diploma de mérito ao ministro da Educação, doutor Ricardo Vélez.

Depois de bagunçar a matrícula dos estudantes financiados pelo Fies, seu ministério informou que “foi identificado um problema sistêmico que tem impedido a troca de informações com o agente financeiro”.

Os çábios recorreram ao velho truque de atribuir ao “sistema” qualquer problema que aconteça numa burocracia. Quiseram os deuses que o MEC dissesse a verdade ao torcer o idioma para
empulhar o público.

O problema do ministério de Vélez era realmente “sistêmico”.

LAVA JATO RJ
Pelo cheiro da brilhantina, a turma da Lava Jato do Rio está atrás do rastro do ex-prefeito
Eduardo Paes.

Que faça o serviço sem dar passos que permitam associar simples e espetaculares delações ao jogo político da cidade, pois Paes poderá ser candidato a prefeito em 2020.

A escalafobética liberação pelo juiz Sergio Moro, em plena campanha eleitoral, de um anexo inconclusivo e irrelevante da colaboração de Antonio Palocci não precisa se repetir.

07 de abril de 2019
Elio Gaspari, Folha de SP/Globo

VELHA E BOA POLÍTICA

Curiosamente, a política só passou a ser 'criminalizada' quando casos de corrupção começaram a ser desvendados

Houve um tempo no Brasil em que as pessoas podiam discordar, fazer campanha e votar contra determinado candidato, mas o país orgulhava-se de seus políticos, dos líderes de partidos, das figuras que se destacavam no cenário nacional, mesmo que fossem adversários. Naqueles dias, como hoje, alguns desses homens desrespeitavam a confiança depositada neles pelos cidadãos e roubavam dos cofres públicos. Nenhuma novidade nisso. A diferença é que no passado os criminosos ficavam impunes. Hoje, vão para a cadeia.

Naquela época , os políticos governavam com alianças de partidos, a maioria feita antes das eleições. Governar supunha dividir o poder, compartilhar responsabilidades, somar forças para aprovar a plataforma pela qual o candidato majoritário tinha sido eleito. Também aqui, nenhum mistério, nenhuma novidade. Os cargos de primeiro e segundo escalões eram distribuídos entre as forças políticas que venceram a eleição e passaram a governar o país.

Não era crime fazer política naquele tempo. Curiosamente, a política só passou a ser “criminalizada” quando os casos de corrupção começaram a ser desvendados, e os ladrões presos. O fato é que ninguém governa sozinho. Distribuir cargos entre aliados não é errado. Se alguém roubar, tem que ser punido. Ponto. Imaginem se o PT conseguiria governar sozinho. Ou o PSDB. Você acha que se será possível a Bolsonaro cumprir suas promessas de campanha se tiver ao seu lado apenas o PSL? Duvido.

Não existe velha ou nova política. Ela é uma só. É a ciência de governar, organizar, dirigir e administrar uma comunidade, um estado, uma nação. E esse tipo de atividade não se faz solitariamente em um gabinete. Se a velha política fosse diferente e não prestasse, o que diríamos de vultos históricos como Juscelino Kubitschek, Tancredo Neves, Ulysses Guimarães, Leonel Brizola, Franco Montoro, Itamar Franco?

Juscelino modernizou o país, criou Brasília e foi o pai da industrialização da nação. Num determinado dia de seu governo, recebeu no Palácio do Catete a diretoria da UNE que não lhe dava trégua na luta política. Pediu para o presidente da entidade sentar à cabeceira da mesa e declarou: “Diga-me o que eu tenho que fazer e eu lhe explico porque não dá”.

Tancredo foi o pai da tolerância. Costurou com uma habilidade impressionante a transição da ditadura para a democracia, sendo eleito presidente pelo colégio eleitoral de 1985. Sua articulação lhe custou a vida, já que para tocar a redemocratização escondeu de todos, até da família, uma dor que lhe dilacerava o abdome. Era um câncer de intestino que poderia ser curado se tratado a tempo, mas que acabou resultando na sua morte sem que assumisse a Presidência.

Ulysses , conhecido em seu tempo como Senhor Diretas, foi o principal líder da oposição à ditadura. Responsável pela memorável campanha das Diretas Já e pai da Constituição de 1988, presidindo a constituinte que a redigiu com uma firmeza histórica.

Brizola foi um caso raro de político que conseguiu ser eleito governador, em épocas distintas, de dois estados, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. Considerado em seu tempo um radical de esquerda, seria hoje chamado de nacionalista pela esquerda brasileira.

Montoro foi o primeiro governador eleito de São Paulo depois da ditadura. Construiu uma aliança com políticos robustos e montou um secretariado com nomes que fizeram história depois dele: Mário Covas, Fernando Henrique Cardoso e José Serra.

Itamar restaurou a dignidade ao cargo de presidente da República após o impeachment de Fernando Collor. Criou o carro popular e apoiou os criadores do Plano Real. Mudou o país.

Foram esses e outros homens como eles que fizeram da política uma arte nobre e respeitada. Há muitos jovens hoje no Congresso Nacional, e em todos os partidos, tão bons e honestos como esses vultos da história. Muitos são excelentes e poderiam participar de qualquer governo. Mas há também os que desrespeitam esta arte e não merecem dela participar. São os velhacos da política. Esses sempre existiram. Ontem e hoje.

07 de abril de 2019
Ascânio Seleme, O Globo

O HUMOR DO SPONHOLZ...



07 de abril de 2019

FRUSTRAÇÕES DE 2019 PODEM LEVAR O PAÍS À FADIGA DE UM AJUSTE ECONÔMICO QUE NEM HOUVE

Alguma irritação popular permanecerá, pois nem haverá crescimento suficiente tão cedo nem derrubada de programa liberal

“Fadiga de ajuste” é o nome elegante que se dá ao fim da paciência com o corte de gastos públicos de governos com dívidas excessivas. O Brasil está no quinto ano de um ajuste que não houve e no sexto ano do que se pode chamar de depressão, na falta de termo melhor.

Caso houvesse algum crescimento econômico, igual ou maior que 2,5% ao ano, o custo do ajuste talvez fosse em parte compensado por renda e emprego.

No entanto, o estoque de estrago socioeconômico é muito grande, o ajuste no Brasil ainda está para começar, o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) deste ano tende a 1,5% e começa a se discutir se 2,5% é uma estimativa realista para 2020.

Talvez tenha havido paciência e esperança no fim de 2018 por causa da eleição, como de costume, e porque muita gente acha que, “acabando a corrupção”, haveria dinheiro. Não haverá.

Há é nova frustração: baixa da confiança econômica, desprestígio crescente de Jair Bolsonaro e uma piora das condições financeiras que vai começar a incomodar, em breve, “se persistirem os sintomas”.

Na “fadiga de ajuste”, a irritação social, econômica e, enfim, política provoca a suspensão ou o retrocesso do programa de ajuste fiscal (o plano de levar o governo a gastar menos do que arrecada, o bastante para fazer com que, em algum momento, a dívida pública comece a cair). Mas não houve ajuste ainda.

O gasto federal apenas parou de aumentar. Está no mesmo nível de 2014, final de Dilma 1. Como proporção do PIB, é maior. O que encolheu foi aquela despesa que sobra quando se pagam Previdência e salário dos servidores.

O déficit primário ainda é enorme e não deve ser zerado antes de 2021. Depois disso, seria preciso ainda fazer poupança a fim de abater a dívida.

Se vier de fato ajuste, as aposentadorias ficarão para mais tarde e muitos benefícios previdenciários terão seu valor contido ou reduzido. O salário mínimo deve ficar estagnado, em termos reais, por um par de anos, pelo menos. Dificilmente o gasto em educação e saúde, per capita, vai aumentar, sendo otimista. Não vai haver ampliação de outros programas como o Bolsa Família.

Caso as concessões de infraestrutura para empresas privadas tenham muito sucesso, as obras em estradas, ferrovias etc. começarão de modo mais notável apenas em fins de 2020.

Portanto, há motivos plausíveis para uma “fadiga de ajuste” ou, pelo menos, para o fim da paciência de muita gente. Difícil é saber como o desespero viria a se manifestar e o que se vai fazer politicamente do assunto. Vão surgir ideias, com apoio político, de mudar o programa econômico vitorioso desde o processo de deposição de Dilma Rousseff?

Em caso de retrocesso na arrumação das contas públicas, haveria crise recessiva. Suponha-se que o ajuste prossiga. Alguma irritação popular de fundo tende a permanecer, pois nem haverá crescimento suficiente tão cedo nem derrubada do programa “liberal”, “austericida”, de “consolidação fiscal”, “reformas”, o nome que se dê.

Ou o povo vai se escorar na fé, na revolução moral? Maluquices sempre podem acontecer. A Venezuela faminta está sendo reduzida a pó e não explodiu.

Uma revolta popular é sempre imprevisível. Sem esse tumulto furioso, é possível que o Congresso tenda à inércia, ainda mais porque será cada vez mais pressionado pela elite econômica a fazer o ajuste.

O desgosto vai aparecer nas urnas de 2020? Com um voto ainda mais à direita ou de desconfiança em quem foi eleito em 2018? Algo pior?

07 de abril de 2019
Vinicius Torres Freire, Folha de SP

EXISTE VERDADE ABSOLUTA, OU TUDO É RELATIVO?

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