Curiosamente, a política só passou a ser 'criminalizada' quando casos de corrupção começaram a ser desvendados
Houve um tempo no Brasil em que as pessoas podiam discordar, fazer campanha e votar contra determinado candidato, mas o país orgulhava-se de seus políticos, dos líderes de partidos, das figuras que se destacavam no cenário nacional, mesmo que fossem adversários. Naqueles dias, como hoje, alguns desses homens desrespeitavam a confiança depositada neles pelos cidadãos e roubavam dos cofres públicos. Nenhuma novidade nisso. A diferença é que no passado os criminosos ficavam impunes. Hoje, vão para a cadeia.
Naquela época , os políticos governavam com alianças de partidos, a maioria feita antes das eleições. Governar supunha dividir o poder, compartilhar responsabilidades, somar forças para aprovar a plataforma pela qual o candidato majoritário tinha sido eleito. Também aqui, nenhum mistério, nenhuma novidade. Os cargos de primeiro e segundo escalões eram distribuídos entre as forças políticas que venceram a eleição e passaram a governar o país.
Não era crime fazer política naquele tempo. Curiosamente, a política só passou a ser “criminalizada” quando os casos de corrupção começaram a ser desvendados, e os ladrões presos. O fato é que ninguém governa sozinho. Distribuir cargos entre aliados não é errado. Se alguém roubar, tem que ser punido. Ponto. Imaginem se o PT conseguiria governar sozinho. Ou o PSDB. Você acha que se será possível a Bolsonaro cumprir suas promessas de campanha se tiver ao seu lado apenas o PSL? Duvido.
Não existe velha ou nova política. Ela é uma só. É a ciência de governar, organizar, dirigir e administrar uma comunidade, um estado, uma nação. E esse tipo de atividade não se faz solitariamente em um gabinete. Se a velha política fosse diferente e não prestasse, o que diríamos de vultos históricos como Juscelino Kubitschek, Tancredo Neves, Ulysses Guimarães, Leonel Brizola, Franco Montoro, Itamar Franco?
Juscelino modernizou o país, criou Brasília e foi o pai da industrialização da nação. Num determinado dia de seu governo, recebeu no Palácio do Catete a diretoria da UNE que não lhe dava trégua na luta política. Pediu para o presidente da entidade sentar à cabeceira da mesa e declarou: “Diga-me o que eu tenho que fazer e eu lhe explico porque não dá”.
Tancredo foi o pai da tolerância. Costurou com uma habilidade impressionante a transição da ditadura para a democracia, sendo eleito presidente pelo colégio eleitoral de 1985. Sua articulação lhe custou a vida, já que para tocar a redemocratização escondeu de todos, até da família, uma dor que lhe dilacerava o abdome. Era um câncer de intestino que poderia ser curado se tratado a tempo, mas que acabou resultando na sua morte sem que assumisse a Presidência.
Ulysses , conhecido em seu tempo como Senhor Diretas, foi o principal líder da oposição à ditadura. Responsável pela memorável campanha das Diretas Já e pai da Constituição de 1988, presidindo a constituinte que a redigiu com uma firmeza histórica.
Brizola foi um caso raro de político que conseguiu ser eleito governador, em épocas distintas, de dois estados, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. Considerado em seu tempo um radical de esquerda, seria hoje chamado de nacionalista pela esquerda brasileira.
Montoro foi o primeiro governador eleito de São Paulo depois da ditadura. Construiu uma aliança com políticos robustos e montou um secretariado com nomes que fizeram história depois dele: Mário Covas, Fernando Henrique Cardoso e José Serra.
Itamar restaurou a dignidade ao cargo de presidente da República após o impeachment de Fernando Collor. Criou o carro popular e apoiou os criadores do Plano Real. Mudou o país.
Foram esses e outros homens como eles que fizeram da política uma arte nobre e respeitada. Há muitos jovens hoje no Congresso Nacional, e em todos os partidos, tão bons e honestos como esses vultos da história. Muitos são excelentes e poderiam participar de qualquer governo. Mas há também os que desrespeitam esta arte e não merecem dela participar. São os velhacos da política. Esses sempre existiram. Ontem e hoje.
07 de abril de 2019
Ascânio Seleme, O Globo
Houve um tempo no Brasil em que as pessoas podiam discordar, fazer campanha e votar contra determinado candidato, mas o país orgulhava-se de seus políticos, dos líderes de partidos, das figuras que se destacavam no cenário nacional, mesmo que fossem adversários. Naqueles dias, como hoje, alguns desses homens desrespeitavam a confiança depositada neles pelos cidadãos e roubavam dos cofres públicos. Nenhuma novidade nisso. A diferença é que no passado os criminosos ficavam impunes. Hoje, vão para a cadeia.
Naquela época , os políticos governavam com alianças de partidos, a maioria feita antes das eleições. Governar supunha dividir o poder, compartilhar responsabilidades, somar forças para aprovar a plataforma pela qual o candidato majoritário tinha sido eleito. Também aqui, nenhum mistério, nenhuma novidade. Os cargos de primeiro e segundo escalões eram distribuídos entre as forças políticas que venceram a eleição e passaram a governar o país.
Não era crime fazer política naquele tempo. Curiosamente, a política só passou a ser “criminalizada” quando os casos de corrupção começaram a ser desvendados, e os ladrões presos. O fato é que ninguém governa sozinho. Distribuir cargos entre aliados não é errado. Se alguém roubar, tem que ser punido. Ponto. Imaginem se o PT conseguiria governar sozinho. Ou o PSDB. Você acha que se será possível a Bolsonaro cumprir suas promessas de campanha se tiver ao seu lado apenas o PSL? Duvido.
Não existe velha ou nova política. Ela é uma só. É a ciência de governar, organizar, dirigir e administrar uma comunidade, um estado, uma nação. E esse tipo de atividade não se faz solitariamente em um gabinete. Se a velha política fosse diferente e não prestasse, o que diríamos de vultos históricos como Juscelino Kubitschek, Tancredo Neves, Ulysses Guimarães, Leonel Brizola, Franco Montoro, Itamar Franco?
Juscelino modernizou o país, criou Brasília e foi o pai da industrialização da nação. Num determinado dia de seu governo, recebeu no Palácio do Catete a diretoria da UNE que não lhe dava trégua na luta política. Pediu para o presidente da entidade sentar à cabeceira da mesa e declarou: “Diga-me o que eu tenho que fazer e eu lhe explico porque não dá”.
Tancredo foi o pai da tolerância. Costurou com uma habilidade impressionante a transição da ditadura para a democracia, sendo eleito presidente pelo colégio eleitoral de 1985. Sua articulação lhe custou a vida, já que para tocar a redemocratização escondeu de todos, até da família, uma dor que lhe dilacerava o abdome. Era um câncer de intestino que poderia ser curado se tratado a tempo, mas que acabou resultando na sua morte sem que assumisse a Presidência.
Ulysses , conhecido em seu tempo como Senhor Diretas, foi o principal líder da oposição à ditadura. Responsável pela memorável campanha das Diretas Já e pai da Constituição de 1988, presidindo a constituinte que a redigiu com uma firmeza histórica.
Brizola foi um caso raro de político que conseguiu ser eleito governador, em épocas distintas, de dois estados, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. Considerado em seu tempo um radical de esquerda, seria hoje chamado de nacionalista pela esquerda brasileira.
Montoro foi o primeiro governador eleito de São Paulo depois da ditadura. Construiu uma aliança com políticos robustos e montou um secretariado com nomes que fizeram história depois dele: Mário Covas, Fernando Henrique Cardoso e José Serra.
Itamar restaurou a dignidade ao cargo de presidente da República após o impeachment de Fernando Collor. Criou o carro popular e apoiou os criadores do Plano Real. Mudou o país.
Foram esses e outros homens como eles que fizeram da política uma arte nobre e respeitada. Há muitos jovens hoje no Congresso Nacional, e em todos os partidos, tão bons e honestos como esses vultos da história. Muitos são excelentes e poderiam participar de qualquer governo. Mas há também os que desrespeitam esta arte e não merecem dela participar. São os velhacos da política. Esses sempre existiram. Ontem e hoje.
07 de abril de 2019
Ascânio Seleme, O Globo
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