A tese ou coluna vertebral em torno da qual gira esta apresentação é que não é moral criminalizar o que não constitui crime. Neste sentido, não se deve confundir um vício pelo qual uma pessoa prejudica a si mesma ou a sua propriedade com uma lesão ao direito de terceiros, através do qual se prejudicam outras pessoas ou suas propriedades.
O vício em drogas é uma tragédia. Frequentemente produz lesões cerebrais irreversíveis, abatimento psíquico, distorção dos sentidos e da capacidade perceptiva. A abstinência muitas vezes vem acompanhada de dores musculares intensas, cãibras estendidas por todo o corpo, expulsão de abundantes fluidos, calafrios, notória diminuição da atividade cerebral, debilitamento extremo, aumento da frequência respiratória, dilatação das pupilas, tudo no contexto de uma tremenda ansiedade.
A tragédia se revela ao observarmos seres que dizemos humanos apenas por algumas características externas, deitados nas ruas, no final da sarna, com pernas e braços que se assemelham a vassouras, cheios de veias saltadas e buracos por toda parte, rostos contorcidos, olhos injetados de sangue sem expressão, bocas babando e lábios púrpura ressecados e rachados, peles de um amarelo mórbido, septos nasais perfurados e geralmente vestidos em cores fúnebres, estampados com caveiras de vários tamanhos. Essa é a imagem da tragédia, ainda que se deva colocar claramente que uma coisa é o uso e outra o abuso, do mesmo modo que nem todos que bebem álcool estão em estado de delirium tremens. O poeta que se crê mais inspirado ou o operador de Wall Street que se acha mais eficiente consumindo drogas não necessariamente estão incluídos no quadro que acabamos de pintar.
Pelas razões que em seguida exporemos, a proibição das drogas alucinógenas para usos medicinais intensifica em grau exponencial o vício em drogas, e estende de modo horripilante a tragédia dos que decidem se intoxicar, do mesmo modo que ocorreu com a Lei Seca nos Estados Unidos, que precisou revogá-la devido à organização criminal que se criou, ao aumento colossal do alcoolismo, à extensa corrupção de autoridades que gerou e aos prejuízos e mortes de inocentes que produzir, junto com os custos astronômicos que precisaram ser confrontados.
A compensação pelo risco de operar nesse mercado faz com que o preço da droga se eleve substancialmente, gerando grandes margens de lucros.
Esse preço elevado permite que irrompam no mercado as drogas sintéticas, de efeitos muito mais devastadores do que as naturais.
Também os altos preços permitem que apareça a figura do "pusher", que obtém milhares de dólares por semana e que se localiza geralmente na entrada de colégios e outros lugares para atrair a clientela, especialmente os jovens.
O custo da escalada, só nos EUA, se elevou em cerca de 50.000% desde que começou a chamada "Guerra Contra as Drogas", na década de 1970. Todos, consumidores e não consumidores de drogas, precisam arcar com isso.
O comércio no mercado negro não permite a contenção por parte de médicos ou a intervenção de tribunais em caso de fraude na venda, com o efeito de evitar castigos.
O comércio no mercado negro obriga os consumidores a entrar no circuito do crime, com todos os riscos que disso se derivam, o que em algumas ocasiões também dificulta o uso de drogas para fins terapêuticos.
O comércio no mercado negro macula as atividades legítimas através da "lavagem" de dinheiro, que obscurece as contabilidades e os registros de negócios de uma e outra característica.
As documentações relevantes atestam a monumental corrupção de autoridade policiais, de juízes, governantes, militares e agências encarregadas de controlar o mercado de drogas.
Quanto maior a perseguição, mais mão-de-obra intensiva se usa no mercado de drogas, já que, por razões de segurança, os contatos se fazem em forma de rede, onde cada um tem relação com um grupo, e assim sucessivamente, incluindo menores por serem considerados inimputáveis.
Quanto maior é a perseguição em uma zona, maiores são os estímulos e incentivos para extensão do mercado para outras áreas.
Quando maiores são as dificuldades para entrar com a droga em uma área, mais capital intensiva se torna a atividade montando laboratórios locais.
Quanto maior é a perseguição, maior é o número de pessoas violentas que se contrata na atividade das drogas.
Quanto maior é a perseguição, maior é o número de vítimas inocentes feridas e mortas.
Cada vez mais se observa a impunidade com que atuam e o interesse por parte dos administradores de controlar o mercado de drogas para partilhar dos bens dos barões das drogas e de muitos outros que nada têm a ver com o vício.
Devido a se tratar de uma relação contratual voluntária, no mercado de drogas não há vítima e nem algoz; portanto deve-se recorrer à figura do delator, o que necessariamente significa abuso de direitos e lesão de liberdades, através do intrometimento no sigilo bancário, escutas telefônicas, invasão de domicílio e prisão sem julgamento.
Existe uma conexão entre as avultadas margens operacionais do negócio da droga com o terrorismo, quanto ao financiamento de suas atividades criminais.
Em muitas ocasiões se apresenta uma anomalia estatística, via um erro de inclusão, na relação entre drogas e crime. Não é relevante tomar o universo de crimes e constatar que existe uma alta proporção de viciados em drogas. O relevante é tomar o universo de viciados em drogas e constatar que uma proporção mínima dos mesmos cometem crimes. Mas ainda assim, em inúmeros casos o nexo causal se inverte: o criminoso se droga devido ao fato de que, habitualmente, cometer um crime sob o efeito de drogas constitui um atenuante em vez de um agravante.
Paradoxalmente, geralmente se considera o viciado doente, e, no entanto, se manda o mesmo para o cárcere. Diz-se que é preciso protegê-lo contra suas próprias necessidades, e no entanto, ele é castigado. Existe o erro de atribuir a uma doença qualquer conduta incivilizada, como se tratasse de difteria ou câncer. Também se costuma atribuir ao viciado a condição de "doente mental", sem ter em conta que a patologia define a doença como uma lesão orgânica, e, portanto, é uma metáfora perigosa extrapolar a noção de doença da psique, da alma ou da mente, onde não existem problemas químicos. Não somos apenas quilos de protoplasma, os estados mentais é que nos permitem rechaçar o determinismo físico e aderir aos propósitos deliberados que, por sua vez, tornam possível a distinção entre proposições verdadeiras e falsas, e consequentemente, a argumentação e as ideias autogeradas que, por sua vez, abrem a possibilidade de revisar nossos próprios juízos. Diz-se, no entanto, que o viciado em drogas não é livre, como se não tivesse decidido livre e voluntariamente afetar sua estrutura intelecto-volitiva. Esse último ponto nos lembra a pessoa que assassinou aos próprios pais e logo, em juízo, pedia misericórdia porque era órfã.
São muito bem-vindas todas as campanhas e ações pela reabilitação de viciados optantes por deixar o vício que se financiem com recursos próprios, mas não se deveria usar coercitivamente o fruto do trbalho alheio através dessa contradição em termos chamada o "estado benfeitor" (já que a caridade, a beneficência e a solidariedade não se realizam pela força) para atender a quem deliberadamente se colocou nessa situação.
Em nossa proposta, a lida com menores seria da mesma forma como hoje se trata o tema da pornografia, a licença para dirigir e o álcool. Pelas mesmas razões não se daria lugar à propaganda de drogas e em lugares públicos se castigaria a quem se revela incapaz de controlar a si mesmo, seja por ter ingerido tranquilizantes, álcool, drogas, ou o quer que seja, do mesmo modo que ocorre quando um veículo transita sem freios, ou, à noite sem luzes.
Qualquer um poderia atuar como substituto para defender o direito de uma criatura por nascer se a mãe ingere drogas que provocam malformações, geralmente conhecidas como "bebês do crack". Desconto que nessa qualificada audiência se sabe que a microbiologia moderna ensina que há um ser desde o momento da fecundação do óvulo com toda a carga genética completa, e que, como há diversos comportamentos possíveis da mãe no período de gestação, pode caber um julgamento que não autorize mutilar, malformar ou aniquilar a pessoa que vai nascer.
Nossa análise está dirigida às relações entre adultos. Há infinidades de atividades arriscadas, como o boxe e o atletismo, e uma infinidade de causas que produzem muito mais mortes do que o vício em drogas, como o alcoolismo, o tabaco e as dietas perversas. Em nosso caso, se trata de sublinhar que a contrapartida da liberdade é a responsabilidade individual. Não resulta daí "julgar a Deus", ou melhor dizendo, ter a arrogância e a soberba de "ser mais que Deus", já que inclusive nas grandes religiões se acredita que Deus, através do livre arbítrio, permite que o homem se condene ou se salva segundo sua conduta. Por outro lado, como já se disse, se damos mais importância à alma do que ao corpo, teriam que se proibir coisas como a leitura de livros daninhos ou obras teatrais prejudiciais à mente.
As causas do vício em drogas sempre têm raízes em um problema de caráter. Frequentemente este começa com a ideia de vencer a timidez de cantar em público, ou combater o temor para falar diante de uma audiência, com a ideia de facilitar a socialização, como rebeldia, como curiosidade para seguir o que outros fazem. Em qualquer caso, é sempre consequência de decisões pessoais e de uma má administração do próprio caráter. O que não é admissível é atribuir a responsabilidade a fatores como a pobreza, posto que, dado que todos provemos das cavernas, seria uma falta de respeito a nossos ancestrais sustentar tais tese, sem prejuízo de constatar que em não poucos círculos da "alta sociedade" o vício em drogas é generalizado, com a diferença de que muitas vezes se salva ao castigo pelos contatos que mantém com o poder da vez, com o que frequentemente não contam os de menores recursos.
Se terminada esta chamada "Guerra Contra as Drogas", a eliminação do elemento crucial de "fruto proibido", o desaparecimento dos "pushers" e a inexistência de propaganda constituem três fatores que mudariam o que na economia convencional se chama de "função da demanda", ocorrendo um deslocamento da curva correspondente para a esquerda. Mas devemos repetir que não estamos propondo essas medidas de liberação de mercado de drogas por razões primordialmente utilitárias, e sim por motivos morais, ou seja, não criminalizar o que não constitui crime. Podemos inclusive supor que simultaneamente à liberação mudam as estruturas axiológicas das pessoas, e mais gente decide se drogar até a inconsciência, ou, por efeito da droga, decidem constipar-se até morrer ou não ingerir alimentos nutritivos. Cada um deve assumir responsabilidade pelo que faz, e, em uma sociedade aberta, o aparato da força que denominamos governo deve utilizar a violência somente a título defensivo, nunca ofensivo. Ainda que não seja o que ocorre, devemos admitir também que a proibição pode mudar os valores das pessoas, reduzindo o consumo de drogas, do mesmo modo que havia mais cristãos convertidos durante a Inquisição, ou que se lia menos sobre liberdade depois da queima de livros por Hitler, mas insistimos que se trata de um assunto eminentemente ético.
As drogas naturais a que aludimos vêm sendo consumidas desde 2000 AC. Os problemas começaram com a proibição, que, diga-se de passagem, foram resultado de estudos de mercado que realizou a máfia depois que os deixaram sem o negócio do álcool. Os casos de liberação da maconha em oito estados nos EUA e o caso de liberação parcial na Holanda não são conclusivos, posto que estão cercados de medidas contraditórias como o estabelecimento de cotas, e, neste último país, políticas contraproducentes como a reserva de espaços públicos para viciados, a oferta de seringas sem cobrança etc.. Por outro lado, em geral, se criticou a possível liberação com o argumento de que a diminuição notável nos incentivos que teriam lugar onde se liberam as drogas fará com que os traficantes passem a outros crimes, o que é absolutamente correto, mas fará com que se reconsiderem políticas nesses outros lados, do mesmo modo que ocorre quando em alguns lugares se combate com maior eficiência a delinquência e os delinquentes tendem a buscar espaços mais propícios a seus crimes.
Sem dúvida os interesses criados para que se mantenha o controle são muitos e muito fortes. Imaginemos as remunerações dos químicos, as tarefas agrícolas, as fábricas de pesticidas, os transportes, a atividade financeira e bancária, os especialistas em contabilidade e administração de carteiras, os governantes, policiais, juízes, militares, agentes de organismos de controle, os traficantes, as "mulas", e tantas empresas e empreendimentos vinculados às drogas, horizontal ou verticalmente.
Os interesses criados se impõem frente aos resultados nefastos que produz a perseguição no mercado das drogas: o aumento do vício, a lesão aos direitos das pessoas, o custo da "guerra" e a corrupção escandalosa. Thomas Sowell afirma que "As políticas se julgam por seus resultados, mas as cruzadas são julgadas pelo bem que faz sentirem os cruzados."
Deve-se entender que quando sugerimos não criminalizar o que não é crime, e, consequentemente, liberar o mercado de drogas, não nos limitamos ao consumo, como se fez em alguns lugares, legislação que parece fabricada pelos comerciantes de narcóticos, já que os coloca no melhor dos mundos: restringem a produção, com o que asseguram margens de lucro suculentas, e se deixa livre o consumo. Milton Friedman, Prêmio Nobel de Economia e precursor contemporâneo da liberação das drogas, escreve que "As drogas são uma tragédia para os viciados. Mas criminalizar seu uso converte a tragédia em um desastre para a sociedade, tanto para os que a usam como para os que não a usam." Quero concluir esse breve resumo com uma citação de Thomas Jefferson que diz: "Não podemos renunciar, e nunca renunciaremos, ao direito à nossa consciência. Só respondemos por ela ante Deus. Os poderes legítimos do governo se aplicam somente se há lesão a outros."