"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

domingo, 5 de janeiro de 2014

DEBATE SEM CENSURA, POR HENRIQUE MEIRELLES

Entramos em 2014 com o noticiário carregado pelo debate eleitoral antecipado por governo e oposição. É oportunidade para travar um bom debate sobre como assegurar nos próximos anos as taxas de crescimento prevalentes na década passada. Mas traz também o risco de o debate econômico ser dominado totalmente pelo debate eleitoral.
 
Há hoje peculiar convergência entre partes divergentes na análise das razões do crescimento da década anterior e o papel da situação econômica internacional. Interessa a muitos, por razões opostas, atribuir à economia internacional a forte expansão da década passada ou o baixo crescimento atual. Outra distorção conveniente é apontar a implementação de um modelo de incentivo ao consumo e o boom das commodities como responsáveis pelo crescimento de 2003 a 2010. Os fatos, porém, divergem das versões.
 
Os termos de troca (valor médio das mercadorias exportadas pelo Brasil) começaram a subir o suficiente para influenciar a economia a partir de 2006/2007, e o boom ocorreu em 2009/2010, após as medidas anticrise adotadas por outros países.
 
Foi o forte ajuste monetário e fiscal a partir de 2003 que estabilizou a economia e estabeleceu condições para a expansão econômica. A estabilidade propiciou a alta do crédito e do investimento, deprimidos pelos anos de instabilidade (monetária, fiscal e cambial). O desemprego elevado proporcionou mão de obra à economia em expansão.
 
Nos primeiros anos, o câmbio desvalorizado beneficiou as exportações de manufaturados, até que o impressionante aumento dos saldos comerciais, do investimento e da credibilidade da política econômica ocasionou gradual valorização do real.
 
Este ciclo durou até a crise de 2008 e 2009, quando houve, aí sim, a primeira mudança importante de modelo no período, com uso de política fiscal para estimular o consumo e avanço dos bancos públicos. Importante notar neste contexto que todas as medidas monetárias e cambiais adotadas pelo Banco Central em 2008 e 2009 foram revertidas já em 2010, com normalização da liquidez e da política monetária.
 
A compreensão correta de eventos fundamentais e tão próximos temporalmente do debate atual é essencial para a recuperação do crescimento. Por isso é preciso neste momento travar o debate econômico baseado nos fatos, independentemente do debate eleitoral, que passa pelos temas econômicos com distorção natural e inevitável.
 
A manutenção da realidade histórica no conhecimento coletivo é fundamental para traçar o rumo de uma política econômica que restaure o nível de crescimento e leve o Brasil a patamar compatível com o potencial do país.
 
05 de janeiro de 2014
Folha S.Paulo

A VERGONHA DOS PRESÍDIOS

A situação do sistema penitenciário brasileiro, que se vem deteriorando há muito, sem que o poder público consiga resolver o problema, chegou a tal ponto que um dos encarregados da questão no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o desembargador Guilherme Calmon, não hesita em sugerir a intervenção federal nos presídios de três Estados. Tendo em vista que as seguidas denúncias sobre a superlotação e as condições subumanas em que vive a maior parte dos presos não surtem efeito, a intervenção talvez seja mesmo indispensável.
Em entrevista ao jornal O Globo, Calmon, que é supervisor de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário no CNJ, diz que a intenção do governo de adotar o Regime Diferenciado de Contratações (RDC) para a construção de presídios é um sinal de que ele está preocupado com o problema, o que é positivo. O RDC é mais flexível e deve tornar mais ágil e rápida a criação de novos presídios. Mas a seu ver essa é uma medida paliativa que só deve produzir efeito a longo prazo e, quando isso acontecer, ela já poderá estar defasada.
A situação é grave e por isso exige providências imediatas, mas, diz ele, "o que temos percebido no âmbito federal ou estadual é resistência a ações que solucionem mais rapidamente pontos como condições de insalubridade das unidades, separação de detentos e concessão de benefícios". Poderiam ser adotadas para melhorar os serviços prestados dentro dos presídios. "Mas os governos não têm controle do sistema prisional atual", é a sua conclusão pessimista e preocupante.
Descontrole que não é novidade, já que atestado pelo conhecido domínio que organizações criminosas exercem sobre o sistema penitenciário, a começar pelo Primeiro Comando da Capital (PCC), que surgiu em São Paulo e está se espalhando por outros Estados. Um caso particularmente grave, neste momento, é o do Complexo Penitenciário de Pedrinhas, em São Luís, no Maranhão, onde só não se pode dizer que impera o caos, porque nele vigora a lei e a ordem da selva, impostas pelos bandidos.
Prova disso são os atos de selvageria ali praticados recentemente - como a decapitação de presos por grupos rivais, durante uma rebelião - e outros que se tornaram rotina, como o abuso sexual de irmãs e esposas de detentos que não têm poder dentro do presídio, durante as visitas íntimas, que disso só têm o nome, pois acontecem no meio das celas, não em espaços especiais, como deveriam. Tais violências foram constatadas pelo juiz auxiliar da presidência do CNJ Douglas Martins.
Para o desembargador Guilherme Calmon, há três Estados "onde já deveria ter havido uma intervenção federal no sistema penitenciário há muito tempo". O Maranhão, é claro, mas também Rio Grande do Norte e o Rio Grande do Sul. A situação do Presídio Central de Porto Alegre demonstra que o descalabro do sistema penitenciário atinge Estados pobres e ricos, indistintamente. Depois de uma visita feita dias atrás àquele presídio por representantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), seu presidente, Marcus Vinicius Furtado Coelho, resumiu a situação degradante ali encontrada: "É um dos piores presídios que já vi. Presos provisórios são misturados a condenados, facções mandam na cadeia, decidindo inclusive quem tem direito a atendimento médico e jurídico, além de esgotos e fezes correndo pelas paredes dos pavilhões a céu aberto".
Essa situação, além de injusta e inaceitável, é também uma vergonha para o Brasil, que se pretende cada vez mais um país influente e respeitável no cenário internacional. Ela não diz respeito apenas a setores isolados, mas a toda a população. Como diz o desembargador Calmon, "o problema prisional não é só do detento e de sua família, é da sociedade".
O problema atingiu tal dimensão e tal gravidade que é de difícil solução e exige esforço conjunto dos governos federal e estaduais. Mas ela não pode mais ser adiada ou disfarçada com meias medidas. A decretação da intervenção sugerida por Calmon, que tem de ser decretada pelo Supremo Tribunal Federal, provocaria um choque salutar e seria, por isso, um bom começo.
05 de janeiro de 2014
Editorial O Estado de S. Paulo

PSB-SP RESISTE A VETO DE MARINA A ALIANÇA COM ALCKMIN

 


O diretório paulista do PSB é resistente à pressão feita pela ex-senadora Marina Silva para que o partido não se alie ao governador Geraldo Alckmin (PSDB), que tentará a reeleição em outubro.
 
O presidente estadual do PSB, deputado federal Márcio França, articula há meses uma aliança com Alckmin. Ele aventa a possibilidade de ser vice do governador.
 
Conforme publicado na coluna Painel da Folha na última quarta, o governador de Pernambuco Eduardo Campos e a neoaliada Marina Silva estão prestes a selar um acordo para que o PSB se afaste da candidatura do governador Geraldo Alckimin em São Paulo.
 
Segundo interlocutores, Campos e Marina tiveram uma conversa em dezembro e o pernambucano foi convencido por ela a buscar uma alternativa longe do PSDB paulista. Marina rechaça a possibilidade de subir no palanque tucano e quer lançar uma candidatura própria do PSB-Rede no Estado.
 
Em troca, a ex-senadora anteciparia para os primeiros meses do ano o anúncio de que será vice na chapa presidencial de Eduardo Campos.
 
"Quando ela [Marina Silva] optou ser vice do Eduardo, não foi apresentada nenhuma condicionante. Isso não é coisa da Marina, mas sim de gente do seu entorno que tem interesses a outros candidatos", afirmou Márcio França.
 
Para o deputado, é um "desperdício" queimar uma candidatura própria em São Paulo, onde há pelo menos quatro nomes já lançados ao governo do Estado. Ele lembrou que o atual governador tem ampla maioria nas pesquisas de intenção de votos apresentadas até agora e que ele é simpático à candidatura de Eduardo Campos à Presidência.
 
"Aqui em São Paulo faremos o que for melhor para Eduardo Campos. Mas as decisões serão estaduais. Onde não houver consenso, a Rede Sustentabilidade e o PSB caminharão por caminhos separados", completou Márcio França, que já foi secretário de Turismo do governo Alckmin e é o principal aliado do tucano no PSB.
 
Ainda segundo França, se o PSB decidir-se por um candidato próprio, ele é um provável nome. "Mas novidades podem surgir a qualquer momento", finalizou.
 
05 de janeiro de 2014
Folha de S. Paulo

LOBÃO: "COXINHA, O XINGAMENTO DO MILITANTE DE ESQUERDA BURGUÊS"

Eu, coxinha 

 

O militante de esquerda é o mauriçola gauche, é aquele tipo que se traveste de ativista de passeata e gasta o seu tempo útil em manifestações inúteis, no afã de exorcizar sua flacidez comportamental, sua virgindade existencial, sua pequena farsa pessoal

 
Músico Lobão
Músico Lobão (JF Diorio/AE)
Durante esses últimos anos, venho recebendo de parte da militância petista uma série de adjetivações pretensamente desqualificadoras, que poderiam ter algum efeito não fosse eu um cara desgrilado, um ser alegre a cantar.
Mas, depois do lançamento do Manifesto do Nada na Terra do Nunca, a petizada militante se enfureceu. Na verdade, antes mesmo de o livro chegar às livrarias, houve quem clamasse pela sua proibição ou queima imediata. A minha estreia como colunista de VEJA aumentou essa fúria, que culminou em um ataque apoplético coletivo por ocasião da minha participação no Roda Viva. Um ilustre deputado petista chegou a pedir a cabeça do Augusto Nunes por ter convidado para o programa um “doente mental” (eu).
E, com aquela falta de imaginação, de humor e de argúcia, característica de certas mentes esquerdistas, puseram-se a vociferar palavras de ordem e impropérios contra mim: “Reacionário!”, “filhinho de papai!”, “coxinha!”. Isso para não citar os mais cabeludos (bicha, maconheiro, cheirador, matricida, esquizofrênico...).
Mas vou concentrar a atenção no “coxinha”, que é o mais recente qualificativo do curto vocabulário dessa rapaziada.
Após esses mais de dez anos do PT no governo, a sociedade está percebendo como se forma o aparato de repressão política, censura e difamação montado pelo partido. Se você tem alguma objeção a ele, vira um pária político, moído e asfaltado pela máquina de propaganda estatal, cujos operadores — blogueiros e militantes de plantão na internet — se encarregam do trabalho sujo, na forma de ataques pessoais e truculentos disparados contra qualquer alma que se insurja contra a ideologia oficial. A tática desses operadores é achincalhar o oponente baseados em sua própria e nanica estatura moral.
O simulacro de impropério é construído em torno da miserabilidade do ofensor, que, ofendido com a própria natureza, desanda a chamar os não alinhados daquilo que mais enxerga em si mesmo, na vã tentativa de escapar de sua jocosa e aflitiva condição. Sendo o grande alvo dessa patocracia delirante a classe média — e sendo o militante de esquerda uma espécie de burguês pós-moderno —, o xingamento “coxinha” aparece como um desses casos de projeção psicológica flagrante.
O militante de esquerda é o mauriçola gauche, é aquele tipo que se traveste de ativista de passeata e gasta o seu tempo útil em manifestações inúteis, no afã de exorcizar sua flacidez comportamental, sua virgindade existencial, sua pequena farsa pessoal. É invariavelmente um “multiculturalista”, que acredita que um rap é superior a Bach. É o sujeito moldado na previsibilidade comportamental dos doutrinados, que expele seu déficit de percepção da realidade através da soberba convicção dos imbecis. Refém da uniformidade acachapante dos clichês entrincheirados em sua mente vacante, profere as frases mais gastas e cafonas que se pode imaginar.
Para esse tipo de pessoa, tenho aqui um par de versos de Adam Mickiewicz (1798-1855)que cairá como uma luva:
“Tua alma merece o lugar a que veio
Se, tendo entrado no inferno, não sentes as chamas”.
Assim, convido todos aqueles que, como eu, são agraciados pela esquerda com essas e outras adjetivações a acolhê-las com benevolência e humor, com a percepção de estarmos sob a égide de frouxocratas histéricos que teimam, em sua monomania vã e molenga, em nos assolar com seus fantasmas internos e suas abissais impossibilidades.
E, usando o rebote como mantra, proferirei, contrito: coxinhas de todo o Brasil, uni-vos! 
O cantor e compositor Lobão é colunista de VEJA
05 de janeiro de 2014
Lobão - Veja

AOS 66 ANOS, MORRE NELSON NED

http://www.youtube.com/watch?feature=player_detailpage&v=3gMtuG3n0Ps


Ele foi internado na tarde de sábado com quadro grave de pneumonia
  • Cantor mineiro ficou conhecido pelo sucesso ‘Tudo passará’
  • Com 1,12m, ele fez referência de sua condição de anão ao lançar a autobiografia 'O pequeno gigante da canção'


Nelson Ned em show na Virada Cultural de 2008 em São Paulo
Foto: Foto Edilson Dantas
Nelson Ned em show na Virada Cultural de 2008 em São PauloFOTO EDILSON DANTAS


 
Nelson Ned d'Ávila Pinto, conhecido como Nelson Ned foi cremado na noite deste domingo durante cerimônia no cemitério Horto da Paz, em Itapecerica da Serra, Grande São Paulo. O artista de 66 anos morreu às 7h25m deste domingo por conta de uma pneumonia. Ele foi internado na tarde de sábado, no Hospital Regional de Cotia, em São Paulo.
 
 
No rito, parentes e amigos cantaram as músicas “Segura na mão de Deus” e “Porque Ele vive”. Uma irmã do cantor puxou coro de “Tudo passará”, maior sucesso de Nelson, fazendo com que todos os presentes na capela do cemitério cantassem juntos.
 
 
Em 2003, ele sofreu um acidente vascular cerebral (AVC), o que o levou a perder a visão do olho direito. O cantor ainda sofria de diabetes, hipertensão e estaria desenvolvendo um Alzheimer.
 
 
Com 1,12m, ele fez graça de sua condição de anão ao lançar, em 1996, a autobiografia "O pequeno gigante da canção". No livro, ele ainda conta que enfrentou depressão no auge de sua carreira e passou a beber e se envolver com drogas.
 
 
Nascido em Ubá, no dia 2 de março de 1947, ele se mudou para o Rio de Janeiro e começou a fazer sucesso ainda nos anos 1960 investindo em ritmos românticos, como o bolero. Sua canção mais conhecida é “Tudo passará”, que alavancou uma carreira de shows lotados e constantes aparições em importantes programas televisivos. Nos anos 1990, ele passou a se dedicar à música religiosa, com discos como "Jesus está voltando" (1997).
 
 
Carreira internacional
Nelson Ned ganhou notoriedade também fora do Brasil ao lançar canções em língua espanhola, fazendo sucesso com o disco "El romantico de América" (1993). Ele fez shows e conquistou fãs fieis na Argentina, no México e na Colômbia. A notícia de sua internação ganhou destaque também em sites internacionais.
 
05 de janeiro de 2014
O Globo

BRASIL É O PAÍS MAIS ATRASADO, DIZ FIFA SOBRE OBRAS DA COPA 2014

É o país mais atrasado desde que estou na Fifa, diz Blatter sobre as obras da Copa-14
 
 
 
O presidente da Fifa, Joseph Blatter, voltou a criticar o atraso nas obras para a Copa do Mundo-2014. Em entrevista para o jornal suíço "24 Heures", o dirigente afirmou que o país apresenta as obras mais atrasadas desde que trabalha para a Fifa.
 
"O Brasil ficou ciente do que é a Copa do Mundo agora. É o país que teve mais tempo para executar as obras. Foram sete anos. É o país mais atrasado desde que estou na Fifa", disse Blatter, que trabalha para entidade desde 1975, quando exercia a função de Programas de Desenvolvimento Técnico da Fifa. Ele assumiu a presidência em 1998.
 
Blatter também comentou sobre as manifestações feitas pelo povo brasileiro durante a Copa das Confederações. Ele admite que espera por novos protestos na Copa do Mundo.
 
"Haverá novas manifestações, protestos. Os mais recentes nasceram das redes sociais. Mas o futebol estará protegido, eu acho que os brasileiros não atacarão diretamente o futebol. No país deles, é uma religião", completou.
 
 Yahya Arhab/Efe 
O presidente da Fifa, Joseph Blatter, durante entrevista no Marrocos
O presidente da Fifa, Joseph Blatter, durante entrevista no Marrocos
 
Dos 12 estádios que serão utilizados na Copa do Mundo-2014, seis ainda não foram inaugurados: a Arena Amazônia, em Manaus; a Arena das Dunas, em Natal; a Arena Pantanal, em Cuiabá; o Itaquerão, em São Paulo; a Arena da Baixada, em Curitiba; e o Beira-Rio, em Porto Alegre.
 
O prazo final exigido pela Fifa foi no último dia 31 de dezembro.
 
Natal, Manaus e Porto Alegre devem ser entregues este mês, enquanto Arena Pantanal está prevista para fevereiro. A Arena da Baixada deverá ser entregue em março.
 
05 de janeiro de 2014
FOLHA DE SÃO PAULO

TEMPO DE PREVISÕES

“Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu”, diz o Eclesiastes. É tempo das previsões. Não consigo deixar de trazer aos meus pacientes leitores as previsões que economistas, analistas, pais e mães de santo, videntes, cartomantes, quiromantes, leitores de borra de café e de entranhas de animais, jogadores de búzios e palpiteiros em geral de minha inteira confiança elaboraram para 2014.

Vamos começar pelos economistas. Aliás, escaldados, os mais prudentes já desistiram há muito tempo de fazer previsões econômicas para o Brasil com prazo superior a uma semana. Explico: o Banco Central publica semanalmente um boletim chamado Focus, nos quais cerca de 100 especialistas do mercado financeiro, grandes empresas e meio universitário reveem suas projeções da semana anterior. Assim, o risco de erros grosseiros diminui sensivelmente; mas a utilidade de fazer projeções para qualquer coisa que dependa do que irá acontecer nos próximos meses também diminui. Um exemplo: em janeiro de 2013, o Focus previa crescimento da produção industrial de 3,2%, balança comercial com US$ 15 bilhões de superávit e dólar a R$ 2,10. O produto industrial vai crescer a metade disso, o superávit comercial não passará de US$ 2,5 bilhões e o dólar encostou em R$ 2,40. Quem apostou nas previsões iniciais descobriu que, como regra geral, o governo Dilma continuará a se inspirar em Groucho Marx, que costumava perguntar aos seus incrédulos interlocutores: “Que você prefere: acreditar em mim ou nos seus próprios olhos?”

Se tivesse preferido acreditar nos próprios olhos, teria descoberto que o país não está crescendo; ao contrário, quando o PIB cresce menos do que a população, ela está empobrecendo. E que não é verdade que o mundo todo também não está crescendo: a economia americana terá um aumento superior a 4% em 2013, a economia europeia já saiu da recessão, a asiática vai bem, obrigado, e a latinoamericana só não vai bem porque a Argentina e a Venezuela vão de mal a pior, enquanto o Brasil anda de lado.

Teria descoberto também que a balança comercial e as contas externas, que o doutor Meirelles deixou pingando azeite, com superávits colossais e reservas internacionais crescentes, já estão voltando à velha rotina: em 2013, o Brasil gastou US$ 80 bilhões a mais do que gerou e logo, logo, estaremos colocando a culpa dos apertos cambiais brasileiros nos gringos, esses malditos...

De resto, as previsões repetem os anos passados: José Sarney prometerá abandonar a vida pública em 2025 para abrir caminho para a renovação da política nacional; as obras para a Copa do Mundo não ficarão prontas e custarão duas vezes e meia mais do que era previsto; a transposição do Rio São Francisco será adiada mais uma vez; dezenas de pessoas morrerão por falta de UTIs, centenas de outras morrerão nos corredores de hospitais à espera de uma vaga e milhares pernoitarão em filas para conseguir uma consulta especializada ou um exame para o segundo semestre de 2015. Milhares de dólares e reais serão encontrados em cuecas e meias em aeroportos e balas perdidas matarão vários inocentes.

Ah, e é claro: as universidades públicas entrarão em greve por tempo indeterminado; quando a greve acabar, os professores e funcionários fingirão repor os dias parados e compensar o atraso do calendário escolar. Se os alunos sairão mais ignorantes ou não das universidades, é outra conversa.

ABSTINÊNCIA PROGRAMADA

O aumento do IOF em 1,5 mil por cento e a suspensão das desonerações de impostos marcam o fim da política econômica expansionista, iniciada em 2008, base da sustentação eleitoral dos governos Lula e Dilma.

O governo começa a ter de sacrificar posições, como a de preservar integralmente a aprovação da classe média, para não arriscar perdas na faixa do eleitorado mais importante numericamente.

Por isso, um IOF maior, que tira o humor do eleitor mais bem informado, e pouca ou nenhuma alteração em desonerações concedidas a setores como o de eletrodomésticos.

Carros mais caros, sem qualquer contrapartida na chamada mobilidade urbana, também danificam o patrimônio eleitoral da presidente Dilma Rousseff nos grandes centros urbanos, em que pese a distância que ainda separa os atos de seus efeitos.

O país entra no ciclo da abstinência, que o governo administra homeopaticamente para graduar a retirada da anestesia consumista.

O endividamento das famílias e a inflação em viés de alta, fatores até aqui negligenciados pelo governo Dilma por conveniência eleitoral, impuseram a rendição antes do início formal da campanha.

Não são, certamente, o resultado e o timing esperados pelo governo, embora o primeiro fosse óbvio e o segundo uma arriscada aposta que empurra a conta de truques e maquiagens para 2015.

Jornais estrangeiros já registram esse momento, com o enfoque de uma vida mais cara para a classe média brasileira em 2014.

Lembram a insustentabilidade, este ano, da administração de preços feita pelo governo, em 2013, como no caso da energia elétrica e dos transportes públicos.

No exterior, a camisa de força imposta à Petrobrás é também contabilizada como uma bomba-relógio incontornável.

A empresa fez duas correções nos preços dos combustíveis em 2013, lembram especialistas, mas precisará ir além disso para viabilizar seu Plano de Investimentos.

O governo deveria se preocupar com um aspecto inerente aos processos de correção de rumos: a economia cobra maior velocidade na arrumação da casa do que se levou para desorganizá-la.

Como tudo é feito para que o mal ocorra em 2015, a conta lá será grande para quem vencer.

Como resume o ex-secretário da Receita, Everardo Maciel, a conjuntura não permite otimismos: inflação alta, manipulação de preços, crescimento baixo, desequilíbrio fiscal, endividamento das famílias "são males cuja superação vão requerer ciência, tempo e determinação, temperados pela boa política".

 
05 de janeiro de 2014
João Bosco Rabello, O Estado de S. Paulo

AS PLATAFORMAS 'FICTAS'

Em sua mensagem de fim de ano aos brasileiros a presidente Dilma Rousseff responsabilizou "alguns setores" por uma "guerra psicológica" que retrai, inibe e retarda investimentos no País. Dilma não identificou esses "setores", mas sua equipe econômica se encarrega de fazê-lo sempre que divulga algum resultado desfavorável às metas e aos desejos do governo: são analistas, empresários, economistas, investidores, a imprensa e quem mais se ocupe em avaliar a conjuntura da economia. Na última quinta-feira foi o caso do resultado da balança comercial, o pior em 13 anos. A ele vamos voltar no final deste texto.

São os empedernidos "pessimistas" os verdadeiros culpados pelo déficit nas contas públicas, pela retração dos investimentos, pelo baixo crescimento econômico, pela inflação alta, pela degradação da balança comercial, pelos maus resultados da Petrobrás e da Eletrobrás, pelo fracasso em licitações públicas, etc., etc. Nessa procissão dos contra certamente estão incluídos dois conselheiros de Dilma (já eram de Lula) que com ela costumam trocar ideias: os economistas Luiz Gonzaga Belluzzo e Delfim Netto, que têm criticado publicamente a inflação, o desempenho externo, os truques para fechar as contas públicas, ações do governo na Petrobrás, etc., etc.

Talvez por enfrentar uma chefe impiedosa, cobradora, centralizadora e dona da palavra final, talvez por limitações e inexperiência em gestão econômica, ou por tudo isso junto, a equipe de Dilma Rousseff tem incorrido em vários erros nestes últimos três anos. Mas alguns deles - abaixo listados - foram importantes para criar um clima de crescente desconfiança entre investidores e governo e que determinou o mau desempenho econômico nos últimos três anos, prejudicado pelo que ela chamou de "guerra psicológica".

O governo até criou alguns programas setoriais no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para estimular a produção, mas não cuidou de definir um programa maior para demarcar um rumo para o País, deixando investidores desorientados.

A estratégia de dar prioridade ao consumo acreditando que o investimento viria a reboque deu errado. O governo somente foi cuidar do investimento em infraestrutura em 2013 e, mesmo assim, tropeçando em erros que retardaram projetos.

O maior desses erros foi a excessiva intervenção do governo em decisões próprias do investidor e que são fundamentais para ele decidir entrar ou não no negócio. Exemplo: depois do fiasco em várias licitações para construção de rodovias, finalmente o governo desistiu de tabelar o lucro e deixou os concorrentes disputarem entre si a menor taxa de retorno. Com isso obteve resultados até melhores, mas conseguiu atrasar o investimento em rodovias em quase três anos.

Aliás, as miúdas interferências do governo em decisões privadas foram-se acumulando no tempo e concorreram para gerar um clima de desconfiança e insegurança nos empresários, que prejudicou a economia.

Por não ser horizontal, a política de recuperação econômica pós-crise de 2008 gerou distorções sérias e contribuiu para taxas medíocres de crescimento na gestão Dilma, ao premiar setores industriais com redução de impostos e punir outros que acabaram prejudicados nas vendas.

A política de concentrar bilhões de reais do BNDES em empresas campeãs nacionais resultou errada: não gerou as tais multinacionais brasileiras, nem empregos, faltou dinheiro do banco para outras empresas e ainda deixou um enorme passivo para o BNDES. O grupo de Eike Batista é apenas um deles.

Mas o maior dos erros de seu governo - que Dilma atribuiu aos pessimistas da "guerra psicológica" - tem sido a falta de transparência na divulgação de dados e indicadores que desmoralizam metas e desempenho do governo. É a chamada "contabilidade criativa", inventada pelo secretário do Tesouro, Arno Augustin - que de criativa não tem nada, são truques primários que nunca enganaram ninguém, mas causaram enormes prejuízos à credibilidade do governo e à imagem do País no exterior. O mais recente exemplo foi o resultado do comércio exterior, divulgado na quinta-feira.

Plataformas - A equipe de Dilma criou a expressão "exportação ficta" - no Aurélio "ficto" significa "fingido, suposto, falso, ilusório" - para designar operações de "venda" de sete plataformas de petróleo que, mesmo sem nunca terem saído do País, adicionaram US$ 7,735 bilhões à receita com exportações em 2013, evitando fechar o saldo comercial no vermelho e ajudando no superávit de US$ 2,561 bilhões - o menor em 13 anos. Calcula-se que sem a "ajuda" das plataformas a balança comercial teria fechado com um déficit de US$ 5,173 bilhões. Como nas contas públicas, em vez de atacar o problema pela raiz, o governo recorre à pajelança para tentar esconder o que é ruim. Como não consegue, culpa a "guerra psicológica".

O secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Daniel Godinho, explica que essas operações fazem parte de um regime aduaneiro chamado Repetro, pelo qual o proprietário da plataforma no Brasil a vende a outra empresa no exterior e, em seguida, a aluga a uma operadora no Brasil. Dessa forma, o equipamento nunca atravessa a fronteira, mas é contabilizado como exportação. Como se trata de um produto caro e valioso, ajuda muito a inflar a receita cambial. Em 2013, por exemplo, cada plataforma gerou, em média, US$ 1,105 bilhão de receita. Quem está envolvido na operação aplaude, porque é aquinhoado com vantagem fiscal.

A questão é que não há nenhuma transparência na divulgação dos dados sobre tais operações. Desconfia-se que, na condição de proprietária, a Petrobrás vende a plataforma à sua própria subsidiária no exterior, que a aluga à mesma Petrobrás que a vendeu. Assim, a plataforma não sai do lugar onde já explora petróleo e gás. Godinho reconhece que muitas operações são feitas dentro do grupo Petrobrás, diz que não são todas, mas não identifica nenhuma outra empresa, não informa quem vendeu, quem alugou, tampouco o preço de venda e os valores de aluguel. Garante que tais operações cumprem a regra internacional, mas diz não conhecer nenhum outro país que a adote. Ou seja, transparência zero.

"NÃO VAI TER COPA"

 
 
05 de janeiro de 2014
Vinicius Torres Freire, Folha de SP

AMARRADOS AO PÚLPITO

SÃO PAULO - O filósofo Daniel Dennett é frequentemente citado, ao lado de Richard Dawkins, Sam Harris e Christopher Hitchens, como um dos quatro cavaleiros do ateísmo, que ganharam a alcunha por terem lançado, entre 2004 e 2007, best-sellers com críticas à religião.

Os quatro livros são interessantes, mas nunca achei que Dennett se encaixasse bem na imagem. Enquanto Dawkins, Harris e Hitchens adotam um tom francamente militante, até panfletário, Dennett oferece uma obra muito mais nuançada.

Essa impressão foi reforçada agora com o lançamento de "Caught in The Pulpit: Leaving Belief Behind" (capturados no púlpito: deixando a crença para trás), em que Dennett e Linda LaScola lançam luzes sobre o problema dos pastores, padres, rabinos e outras lideranças religiosas que perdem a fé e se veem no dilema entre manter a integridade intelectual, o que implicaria renunciar a seus postos, ou ir torcendo as palavras e suas próprias crenças, para continuar exercendo suas funções e, assim, preservar casamentos, amizades, posição social e aposentadorias.

O livro surgiu a partir de um estudo modesto em que cinco clérigos que viviam esse processo foram entrevistados. A coisa logo evoluiu para um site onde ministros em vias de perder a fé podem trocar experiências sob anonimato e daí para a obra.

Além de boas histórias humanas, o texto de Dennett e LaScola mostra que a religiosidade vem nos mais diferentes formatos e sabores. Há desde os ultraliberais, para os quais a Bíblia é um conjunto de alegorias expostas em linguagem poética, que nunca devem ser tomadas pelo valor de face, até aqueles mais conservadores que afirmam que cada palavra das Escrituras deve ser interpretada literalmente. Como observou um dos entrevistados, nem todo religioso nega a evolução biológica. Esse abismo nas fileiras dos que creem é algo que a nova literatura sobre a religião muitas vezes deixa escapar.

ONDE DEIXEI OS MEUS CULHÕES?

Acordei brabo hoje! Que País de m... é isto? Falamos, falamos, inclusive este que escreve, mas não tomamos atitude nehuma. Viramos todos covardes! Não somos exemplo para ninguém. Muito menos para os nossos descendentes. Somos uma vergonha para os antepassados! Sou o primeiro da fila para me incluir.

Nós que não fazemos parte do contingente de analfabetos funcionais, mais de 55 milhões, em idade adulta, acovardamos. Falamos, falamos, falamos... em redes sociais, em roda de amigos, nos blogs como eu faço, mas não tomamos atitudes!

Sim, estou é puto comigo! Infelizmente, estou no meio desta turma, a nossa, que falamos o que seria bom para o País, mas não tomamos atitudes. Nós sabemos achar o vilão da história. Elegemos que serão os políticos o nosso alvo. Mas assim não vai dar! Eles, políticos, nem estão aí. Eles vendem até a alma para poderem se reeleger! Mas, os culpados de eles estarem no poder, somos nós, os eleitores, os pseudos elites. Não me excluo, deste contingente de pessoas. Não, não me excluo. Sou igualzinho a todos que estou a referir.

Que País de m... esta? Deixamos a quadrilha de arrombadores de cofres públicos tomarem a conta do País. Eles estão agindo, não mais na calada da madrugada, mas no pleno luz do dia! Do QG da Papuda! E ninguém toma atitude! Os poucos que tomam, são marcados! Conheço alguns destes baluartes! São homens dignos e corajosos que excluo-os da minha lista, da lista que faço parte! Tenho vergonha, perante estes, a minha condição de inércia. Não tenho contribuído nada para a mudança!

Creio, o País é uma m... porque sou uma m... ! Sou covarde, como tanto quanto outros, formadores de opinião, do pseudo elite, da pseuda burguesia. Pior, sou mais um, desses que criticam o "status quo", mas nada faço de concreto para promover a mudança. Fico, como se fosse intelectual, atrás do PC (leia-se computador), escrevendo. Escrevendo, acho que mais para desintoxicar o meu fígado, do que para mudar o País.

Poxa! Lutei, embora não clandestinamente, para redemocratização do País, nos tempos de chumbo, do regime militar. E eu estou cá, inerte, no conforto do ar condicionado, escrevendo... escrevendo. Letras vis, letras mortas, que nada servem. Letras pronunciados por um mudo, que sou eu, para uma platéia de silêncio, que são os alienados. Somos os guerrilheiros do ar condicionado! Só me resta rir, de mim próprio, da minha condição de covarde!

Este ano é decisivo para o futuro da minha pátria, que imagino seja pátria de vocês, também. Propugno a mudança. Coloco algumas idéias, mas fico nisso. Como se minha missão tivesse terminado. Como querer lavar a alma, lavando as mãos com algumas linhas de pensamentos. Sim, sou mais um covarde! Até quando vou ficar escondendo os meus culhões? Não, não pode ser por muito tempo. Preciso honrar o que está debaixo das minhas calças!

Vamos à luta, vamos! Vem comigo, vem?

PS: Culhões: sentido figurado de coragem.

 
05 de janeiro de 2014
Ossami Sakamori

TUDO CERTO COM SEU SANTO?

Acho que quase todo mundo faz alguma coisa para que o ano-novo seja propício. Há os que se vestem de branco e lançam oferendas ao mar, os que tomam banhos de descarrego e ainda os que adotam providências para mim sempre meio confusas - enfiar um nhoque na orelha, encher a cueca de sementes de romã, misturar uma nota de cem dólares na salada e comê-la, botar um prato de lentilhas embaixo do travesseiro, não compreendo bem, tento aprender, mas esqueço logo tudo.
Entretanto, que eu saiba, são relativamente poucos os que, no início do ano, procuram o alto patrocínio de um santo. E um bom santo padroeiro é mais que meio caminho andado para o contentamento e a prosperidade. Seu esquecimento não diz bem de nossa prudência e revela deplorável desleixo para com as tradições nacionais.

Conseguir o amparo e a assistência de um bom santo não costuma ser difícil, mesmo se tratando dos mais solicitados e ocupados. Santo é santo e aí, quando o pecador arrependido chega a ele suplicando uma colher de chá, ele pode até fazer umas exigências preliminares, mas não nega a ajuda, seria contra a caridade cristã e o Espírito Santo está de olho nele.

Em Itaparica, apenas os mais antigos lembram algumas poucas ocasiões em que um santo não aceitou determinado caso, mas, quando isto acontecia, ele passava a questão para um colega de santidade, com mais experiência na matéria.
Dizem que finado Edésio Testa Grande, uma certa feita, tantas e tais desgraceiras confessou a São Lourenço, que o santo ficou vermelho de vergonha, se levantou e disse: "Seu Testa Grande, o senhor me compreenda uma coisa, eu vou lhe dar um cartão para o senhor procurar Santo Agostinho, que na juventude foi ladrão, mentiroso, escandaloso e femeeiro e, assim mesmo, nunca chegou aos pés do senhor e, se ele não resolver seu caso, ninguém mais resolve".
E se sabe que Santo Agostinho, depois de muito trabalho e vários embargos infringentes, conseguiu livrar Testa Grande do inferno, mas não de 800 anos de purgatório em regime fechado, o que foi considerado leve por quem conheceu esse dito Edésio Testa Grande.

Certamente cometerei injustiças e pecarei por omissão, mas me arrisco a citar, assim de cabeça, alguns dos santos mais requisitados e prestigiados lá do Recôncavo, como João, José, Pedro, Luzia, as Teresas, Jorge, Roque, Bárbara, Rita, Judas Tadeu, Benedito, Efigênia e tantos outros. Propositadamente, deixei de fora Antônio, pois acho que ele merece destaque especial em nossa História, até porque era português e participou diretamente em diversos episódios dela. Claro, não se vai negar a grandíssima importância de um Pedro, um João, uma Teresinha, um José ou uma Rita, todos eles muito festejados e cheios de afilhados e devotos, mas Antônio foi oficial das forças armadas portuguesas, onde uma vez, por não se esforçar devidamente no combate, foi rebaixado, acho que lhe revogaram a patente de capitão. E ainda tomou vários esbregues de seu xará Antônio Vieira, que nem por ser xará aliviava a borduna.

Ele se redimiu esplendidamente dessa falha momentânea e prestou assinalados serviços na guerra contra os invasores holandeses. Mas, mesmo assim, as descomposturas do Padre Vieira ainda repercutem no coração dele, de forma que, quando se oferece a ocasião, ele aparece para mostrar serviço contra os holandeses, como fez no dia em que Vavá Paparrão passou a noite sozinho na Ilha do Medo e surgiu uma porção de fantasmas de holandeses para ali assombrar. Paparrão era capoeirista afamado, mas a luta era desigual e foi então que ele gritou "valei-me, meu Santo Antônio!" e o santo na mesma hora despencou lá de cima, já baixando o sarrafo nos holandeses.


Quem testemunhou diz que o chão da Ilha do Medo amanheceu coalhado de cadáveres de almas holandesas. Atualmente, Antônio acumula seu cargo permanente de protetor dos pobres com a prestação de serviços para encontrar coisas perdidas e, principalmente, para o fornecimento de maridos.
Ainda está para nascer aquela que fica para titia depois de fazer boas novenas para Antônio, sem nunca esquecer a missa dele no dia 13 de junho. Nos raríssimos casos em que o pedido não é atendido, as pretendentes pegam suas imagens do santo e as põem de cabeça para baixo no nicho até que apareça um marido, não falha nunca.

Mas, como já disse acima, muitos outros santos prestam diligente atendimento a seus devotos e os que cito estão longe de ser todos. Luzia, por exemplo, até hoje tem a fonte dela em Salvador, para quem quiser lavar os olhos e ficar logo enxergando melhor que um gavião. Jorge e Cristóvão, que andaram abalados com a notícia de que a Igreja duvidava de sua existência, receberam manifestações de solidariedade de todos os cantos e continuam firmes, o primeiro matando o dragão da maldade e ajudando os desempregados, e o segundo dando apoio aos viajantes.

E, consultando um santoral de confiança, o distinto leitor ou a encantadora leitora não terá dificuldade em encontrar um ou mais santos dispostos a ajudar, a partir deste ano-novo. Podem ter certeza de que, por trás de cada trajetória de sucesso, estão um ou mais santos de grande valia e muita gente esconde o jogo, não diz a ninguém qual é seu santo.
Descobriu-se recentemente que até Zecamunista também tem santo protetor. Confrontado com a surpreendente revelação, ele não a desmentiu, como se esperava. Tem santo padroeiro, sim, só estranha isso quem não conhece o materialista baiano.
É o padroeiro dos ateus, um irlandês chamado Oteram, de que pouca gente ouviu falar, porque seus devotos costumam ser muito discretos e só o mencionam quando a necessidade aperta.

- Vocês acham que os ateus iam ficar sem a cobertura de um santo? - disse Zeca. - Ateu também é filho de Deus.

EM ÚBEDA


 
05 de janeiro de 2014
Luis Fernando Verissimo, O Estado de S. Paulo

SOB O SIGNO DA INCERTEZA

Há um embate surdo na cultura contemporânea entre o delírio do controle absoluto e a irrupção do imprevisível

Os rituais que marcam a passagem do Ano Novo vão na contramão do imediato, suspendendo, por uma noite, o frenético aqui e agora e estimulando desejos para “esse ano que vem”.

Quem deseja feliz Ano Novo reabilita o futuro e a esperança, contraria o eterno presente em que vive uma sociedade que aboliu a História, logo o passado, e o projeto, logo o futuro.

“Esse ano que vem” é a nossa fronteira onírica, o tapete que estendemos para nós mesmos na direção do amanhã. Nele cabe tudo que não foi, o amor não encontrado, o dinheiro não ganho, a obra adiada, o país tão sonhado e que não aconteceu.

As rosas brancas lançadas ao mar, que ao sabor da maré desaparecem ou voltam à areia, são desejos que vão ou não ser acolhidos por Iemanjá. Reabilitam o acaso e o imprevisível em um mundo que tudo controla e, para melhor controlar, tudo espiona. O sagrado em que se banha esta noite abre um parêntese cheio de mistério no mundo que se quer hiperprogramado, que anuncia o fim da privacidade, logo do indivíduo, preso e afogado em sua própria rede. Na noite de 31 de dezembro, quebra-se a onipotência com que a tecnologia programa os espíritos. Nessa noite o incontrolável é senhor.

Nosso tempo é feito de paradoxos: busca segurança e certezas que são desmentidas e nos confrontam com nossa vulnerabilidade. O algoritmo do Google traça com exatidão o perfil de cada um. As empresas a quem interessa saber quem são seus potenciais consumidores compram esse produto a peso de ouro.

O instrumento que serve ao controle serve também ao descontrole. Os segredos das grandes potências vêm sendo desvendados pelos hackers do Wikileaks que põem a nu a fragilidade de suas alianças.

Ao Estado americano interessa saber tudo sobre todos e cada um por supostas razões de segurança. Em ambos os casos o poder da computação é imenso. E, no entanto, todo o sistema de informações gerado pelas agências de espionagem não entrou na alma inquieta de um de seus espiões, um certo Snowden. A quintessência de um sistema de comando e controle foi vulnerável à ação de um jovem destemido de 29 anos que trabalhava na Agência Nacional de Segurança no Havaí. O estrago foi irremediável.

Edward Snowden concorreu com o Papa Francisco ao título de Pessoa do Ano da revista “Time”. Ganhou o Papa que, iluminado, com palavras de ternura, substituiu a condenação do pecado pela escuta e o acolhimento, abalando o rígido sistema de controle dos desejos mais íntimos que a Igreja exerce em troca da salvação das almas.

Os desígnios de uns poucos homens enguiçam máquinas poderosíssimas. De todos os sistemas complexos em que vivemos enredados, o mais complexo ainda é o ser humano com seus mistérios. Não sabemos o que reservamos ao ano que vem. Um gesto individual pode ter o impacto do bater de asas daquela borboleta que redireciona os ventos e desencadeia tempestades.

Há um embate surdo na cultura contemporânea entre o delírio do controle absoluto e a irrupção do imprevisível que explode em toda parte como um grito de desespero. Esse embate estará presente em 2014 no Brasil quando a bola rolar, as ruas falarem e as urnas se abrirem. A incerteza é o paradigma do nosso tempo.

No turbilhão de informações em tempo real quem reserva o tempo gratuito das lembranças para revisitar o ano que passou? Registrando freneticamente tudo que é vivido em trilhões de mensagens e fotos que substituem a memória, os fatos e gestos são logo esquecidos. Na areia de Copacabana os flashes dos celulares substituíram a brasa dos cigarros que antes se acendiam. Um réveillon — o mais belo do mundo — sem fotos on-line é como se não estivesse existindo.

Quem ainda convive consigo mesmo? Desmemoriados, temos nossas biografias registradas em gigantescos agregadores de dados que sabem sobre nós muito mais do que nós mesmos. Biografias autorizadas, já que fornecemos gratuitamente a Google e Facebook essas informações que valem mais do que o petróleo. Tucídides disse que o sucesso de uma tirania se mede pela felicidade dos escravos com a sua escravidão. Como é alegre a servidão às tecnologias virtuais!

Na tarde que precedeu o réveillon um imprevisível arco-íris abriu sua curva perfeita no céu e mergulhou no mar que quebrava no Forte de Copacabana, traçado quem sabe por Oscar Niemeyer que, saudoso, revisitava sua praia tão querida, o improvável encontro de um raio de sol com os pingos da chuva ficou ali como augúrio de que em 2014 surpresas iluminarão o cenário. Se forem encantadoras como o arco-íris, tanto melhor.

Feliz Ano Novo.

FORMIGUINHAS

Aí você acorda às 3 da manhã morrendo de sede e com a boca seca, percebe que não deixou na mesinha de cabeceira aquele copo de água salvador da madrugada e tem que se levantar como um zumbi e ir até a cozinha torcendo para isso não tirar seu sono em definitivo. E, de repente, você está lá, tomando a água mais gostosa do mundo quando repara, iluminada pela luz da geladeira, que na parede há uma filinha de formigas vindas não se sabe de onde e tomando não se sabe qual rumo. São microformiguinhas, inofensivas, mas que fizeram da sua casa uma rota alternativa. Você procura entender para onde vão e vai seguindo com o olhar aquela trilha. Depois volta para saber de que pequeno buraco veem esse (qual o coletivo de formigas?) mundo de insetinhos. Não há o que fazer. Você volta a dormir.

Nos dias que se seguem, você tenta de tudo: coloca cravo da índia nos cantos da cozinha porque sua vó lhe disse que era bom. Pó de café. Passa álcool nas paredes. Joga inseticida no começo e no fim. Tapa o buraco com Durepoxi. Só falta atear fogo na casa. E o que acontece no dia seguinte? Elas voltam. Elas dão um jeito, fazem um malabarismo qualquer e continuam usando sua cozinha de passagem. E elas são infinitas.

Nem adianta perder o seu dia esmagando uma a uma com seu maldoso dedão, porque elas não acabam. E depois de tentar de tudo, inclusive de tentar conviver com elas pacificamente, você resolve tomar uma atitude. Aquela atitude que você deveria ter tomado desde aquela primeira noite. Se mudar de casa? Não. Chamar um dedetizador. Ele vem, você paga um X que você não queria pagar desde o início, porque achou que resolveria do seu jeito, ele dá o "jeito" dele e no dia seguinte o que acontece? As formiguinhas não estão mais lá. Simples assim.

No Brasil, todos nós sabemos de onde vêm as formiguinhas e para onde vão. É conhecido por qualquer brasileiro de onde entra a droga no País e qual o seu destino final. Sabemos quem são os políticos corruptos e como eles fazem para roubar. Sabemos quem são as autoridades sempre subornadas, como são subornadas, qual o esquema delas e como funciona seu mecanismo. Sabemos quem são as torcidas organizadas, quem são os assassinos que vão aos estádios para arranjar briga, inclusive sabemos a data, hora e o local das confusões. Sabemos que a educação vai mal. Sabemos que os hospitais não têm infraestrutura. Sabemos que a polícia é mal paga. Sabemos em que ruas ficam as cracolândias. Sabemos quais são os lugares perigosos da cidade. Sabemos onde moram os bandidos. Sabemos que a tributação no País é a maior do mundo. Sabemos que o dinheiro pago com os impostos é muito e, misteriosamente, não dá conta de resolver nenhum problema.

Sabemos que cartórios são inúteis e verdadeiros cartéis. Sabemos que tudo é superfaturado e sabemos o porquê. Aqui, o governo acompanha as formiguinhas com olhares muito atentos, mas ninguém se dá ao trabalho de levantar a bunda do sofá, pegar o telefone e ligar pra uma dedetizadora.

 
05 de janeiro de 2014
Fábio Porchat, O Estado de S. Paulo

À FLOR DA PELE

Quando tento buscar na memória a menina que fui, não consigo me ver chorando. No colégio? Nunca. Em casa? Só de forma muito reservada e profunda no silêncio do meu quarto, jamais por fricotes infantis. Mesmo adolescente, com os hormônios em curto-circuito, tampouco lembro de abrir as torneiras. Era durona, não chorava nem quando havia sério motivo para tal aliás, bastava que algum parente distante tivesse morrido para me dar uma vontade louca de rir. Tinha vergonha de me emocionar.

Depois veio a idade dos namoros, e aprendi a chorar por dor de cotovelo e também por autopiedade. Meu choro era tão sentido, vinha de zonas tão secretas em mim que, mesmo quando o motivo do choro já havia se dissipado, eu continuava chorando pela simples emoção de estar testemunhando a minha tristeza reprimida que finalmente desaguava — eu chorava pela comoção que eu mesma me causava.

Chorei por amor e ainda vou chorar, porque é da natureza do amor despertar nossas fragilidades. Chorei no momento em que minhas filhas nasceram, porque o esforço e a intensidade da emoção do parto faz tudo vazar sem barragem que represe. E chorei de raiva nas poucas vezes em que me senti injustiçada. E só. Tudo choro emocional, mas com razão conhecida.

Porém acabou o tempo de estio, quando eu chorava tão de vez em quando que podia lembrar a data. Nos tempos que correm, as lágrimas também correm — muito! E se antes chorava por alguma emoção irreprimível como o nascimento de um filho ou por um sofrimento doloroso como a partida de um grande amor, ando chorando agora durante a Dança dos Famosos. Quando o Gabiru fez o gol que deu ao Inter o Campeonato Mundial de Clubes, chorei. Quando uma criança canta na festinha da creche: “Quero ver você não chorar/Não olhar pra trás...”, me debulho. Choro em formatura.

Choro em discurso de família. Chorei quando os Stones entraram no palco no Hyde Park e quando Paul McCartney cantou My Love no Beira-Rio. Choro com os fogos de artifício do Réveillon. Choro no trânsito. Choro quando os caixões são fechados, mesmo que eu não conheça quem esteja dentro. Choro ao ver qualquer pessoa chorando. Choro em apresentação de dança da Dullius. Choro em aeroporto. Choro no banho. E quando ouço Chão de Giz, do Zé Ramalho, daí não são apenas olhos marejados: transbordo. Essa música toca em alguma coisa que me cala fundo e ainda não sei o que é.

Dizem que ficamos mais amolecidos com a idade, mas eu achava que estavam se referindo às dobrinhas nos joelhos. Pelo visto, os sentimentos, com o tempo, também afrouxam. Melhor assim: deixam de empedrar e de nos enrijecer por dentro. Deslizam pela face e nos purificam: ficamos banhados, limpos, batizados. 

 

A INVENÇÃO DA ALEGRIA




SOB O SIGNO DA INCERTEZA


 
05 de janeiro de 2014
ROSISKA DARCY DE OLIVEIRA, O Globo