"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

domingo, 5 de janeiro de 2014

CONTANDO COM A SORTE


Aí vamos nós, de novo sozinhos, para atravessar mais um ano. 
Em 2014, como em 2013 e nos anos anteriores, contaremos apenas com nossa própria capacidade de resolver os problemas que nos aparecerem; mais uma vez, será perfeitamente inútil esperar qualquer colaboração da máquina pública, que todos pagam justamente para isto ─ colaborar, por pouco que seja, para dar à população um grau a mais de conforto nesta vida já tão complicada pela própria natureza.  
Muita gente, como sempre, veio prometer ao longo do ano soluções para nossos problemas do presente e anunciar planos para resolver nossos problemas do futuro. Falaram muito; disseram pouco.  
Depois, também como sempre, foram sumindo, cada um em seu canto, atrás do que realmente lhes interessa: segurar a fatia do Brasil que já têm. 
 
Não vão mudar de vida só porque 2014 será ano de eleição presidencial e de Copa do Mundo no Brasil; talvez tenham de se esforçar um tanto a mais para manter em cartaz a sua comédia, mas para tudo há um jeito. Vão encontrar o seu, como sempre, e acabarão deixando os brasileiros tão abandonados em dezembro de 2014 como estão agora.
Sobram, para qualquer lado que se olhe, avisos claríssimos de que o ano novo promete ser igual ao ano velho ─ já nem se tenta disfarçar o pouco-caso com que os donos do país tratam o brasileiro comum e que aumenta a cada pesquisa de opinião garantindo que a presidente da República está a caminho dos 101% de popularidade. 
 
Há o caso do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, que encerrou 2013 com um espetáculo realmente esquisito: foi brigar na Justiça com os cidadãos da própria cidade que dirige (e que lhe pagam o salário), para socar um aumento de até 35% em 85% dos contribuintes de um dos impostos municipais. 
 
Houve, nas alturas extremas onde vivem a presidente Dilma Rousseff, seu ministro da Fazenda e outras imensas autoridades federais, um surto de decisões desconexas sobre a possibilidade de retirar os airbags e freios ABS dos novos modelos de carro a ser fabricados, numa tentativa desesperada de impedir que subam de preço. 
 
Tira, põe, deixa ficar ─ a impressão que sobrou é que os decisores não sabiam realmente do que estavam falando, e acabaram perdidos de novo no nevoeiro mental em que vivem. 
 
Há ainda outros tumultos saídos da mesma pipa, mas parece que o mais instrutivo deles é a compra de 36 aviões-caça da Suécia, os Saab Gripen NG, que estaremos pagando ao longo dos próximos anos para defender o nosso espaço aéreo de seus possíveis inimigos. 
Tudo indica que em nenhum momento uma autoridade do governo pensou que a população deste país tivesse alguma coisa a ver com isso. Para começar, nenhum brasileiro jamais sentiu a falta de 36 caças suecos para resolver algum problema real em sua vida, ou na defesa do seu país.
 
O cidadão poderia achar estranho, também, que o modelo escolhido tenha o inconveniente de ainda não existir; é o mais barato, mas só a partir de agora começará a ser desenvolvido, para entrega final até 2023. Até lá, esperemos continuar com a sorte, que nos acompanha desde Santos Dumont, de não sofrer nenhum ataque aéreo contra o nosso território. 
 
Além disso, o governo levou doze anos inteiros para decidir qual modelo compraria ─ basicamente, o americano F-18, o francês Rafale e esse sueco. Doze anos? Como o Brasil jamais foi acusado de ser um país que pensa demais, ou tem a reputação de só decidir alguma coisa depois de ter 100% de certeza na correção do que está fazendo (não consegue se entender nem sobre os tais equipamentos de segurança), o motivo da demora só pode ser do mal. 
 
Pois ou a compra é necessária, e aí o cidadão brasileiro não pode ficar esperando doze anos por uma decisão, ou não é ─ e aí o mesmo cidadão não tem nada de pôr a mão no bolso para pagar a conta. Mas ninguém no governo sequer se lembrou de que ele existe. 
 
Toda essa história teve a ver apenas com uma questão pessoal do ex-presidente Lula, primeiro, e da presidente Dilma Rousseff, depois. Lula queria o modelo francês de todo jeito; jurava que era o melhor, embora fosse o mais caro.
Mas a França não deu apoio a um disparate qualquer que ele propôs na diplomacia mundial; o homem emburrou e nunca mais quis ouvir falar dos Rafale, que até então achava o máximo. 
Dilma se inclinou para o F-18 dos Estados Unidos, mas ele subitamente deixou de ser o melhor quando a presidente se ofendeu com o delírio americano de espionar tudo o que existe sobre a face da Terra. 
 
Qual é o critério da escolha?
 
Qualidade ou birra?
Sorte dos suecos.
05 de janeiro de 2014
J. R. Guzzo , na VEJA
 

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