Eu estava vendo o ditador norte-coreano Kim Jong-un na TV e pensei no Jango Goulart. Não que houvesse qualquer semelhança física ou política entre os dois, mas tanto Kim como Jango nos fazem especular sobre essa coisa misteriosa chamada carisma — que Jango não tinha e o pequeno e rechonchudo Kim tem muito menos.
Claro, Kim herdou a ditadura do seu pai, que herdou do seu avô. Não precisava de carisma para chegar onde chegou, bastava o nome. Mas Jango fez uma carreira política importante que culminou na Presidência da República, apesar da evidência de não ter muito gosto pela política ou pelo poder, e nenhum carisma. Também teve um pai político — Getúlio Vargas — mas conquistou sua liderança no embate e no voto, mesmo com zero de carisma.
Até hoje se especula se a História do Brasil teria sido diferente se a personalidade do Jango fosse diferente, e ele tivesse vontade suficiente para chefiar uma resistência ao golpe de 64. Muito se falou, no rescaldo do golpe, num inexistente “esquema do Jango” que deteria os golpistas.
Hoje se sabe que o “esquema” pode até ter existido, o que faltou foi a decisão do Jango de inspirar uma reação, com o risco de deflagrar uma guerra civil. Foi o momento em que um pouco de carisma teria mudado tudo.
Richard Nixon, ex-presidente dos Estados Unidos.
Outro caso notório de um político que foi longe sem carisma é o de Richard Nixon, que chegou à presidência dos Estados Unidos, e à reeleição, apesar do seu ar soturno e da sua absoluta falta de atrativos pessoais.
Nixon fez a sua carreira como caçador de comunistas durante a Guerra Fria, e ganhou o apelido de “Tricky Dick” e uma reputação que justificava o apelido de pouco confiável.
Mesmo assim só não completou dois mandatos na presidência porque foi derrubado pelo escândalo de Watergate. Faltava a Nixon o que sobrava, por exemplo, em John Kennedy. Houve um famoso debate eleitoral entre os dois em que, na opinião de todos, Kennedy arrasou com Nixon.
Revendo-se a gravação do debate, depois, chegou-se à conclusão de que Nixon, na verdade, vencera. O que convencera as pessoas da vitória de Kennedy fora sua aura de juventude e capacidade de liderança, além da cara limpa em contraste com a cara sombria do adversário. Ganhou o debate o carisma do Kennedy, não o Kennedy.
O que é, afinal, carisma? O “Aurélio” diz que é a atribuição a alguém de qualidades específicas de liderança, derivada de sanção divina, mágica ou diabólica. Em suma, um mistério. Você nem sempre sabe quem tem, mas sabe imediatamente quem não tem.
05 de janeiro de 2014
Luis Fernando Veríssimo é escritor.
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