O senador Cristovam Buarque divulgou mensagem em que manifesta preocupação com o risco de os gestores públicos, diante da crise e da queda da arrecadação, descumprirem a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Os que se preocupam com os déficits públicos alarmam-se com a situação, porquanto os déficits já vinham crescendo e, desse modo, tendem a aumentar ainda mais, também porque as receitas estão em baixa significativa.
Há que colocar os pingos nos is. A LRF não passa de instrumento destinado a acelerar o empobrecimento do Brasil, assegurando a perpetuação de sua condição de economia primarizada e de zona de extração de recursos naturais, para entregá-los a preço vil aos carteis transnacionais.
Trata-se de lei complementar, de maior hierarquia que as leis ordinárias, ditada pelo império angloamericano, via FMI. Data de 2000, quando FHC reinava na satrápia chamada Brasil.
Essa lei dá total prioridade ao pagamento dos juros da dívida pública, tanto no âmbito federal, como no dos Estados e municípios, os quais, com a federalização da dívida (lei 9.496/1997), se tornaram vassalos de absurdas taxas de juros e índices de correção monetária, que devem pagar à União. Esta ficou responsável pelo total das dívidas públicas.
As taxas de juros e os índices de correção monetária devidos pelos governos locais são semelhantes àqueles com os quais o governo federal provê estupenda acumulação de dinheiro em favor dos concentradores financeiros (banqueiros estrangeiros e locais, e demais rentistas, como as empresas transnacionais).
Desse modo, o Brasil tem perdido recursos que possibilitariam alçar sua taxa de investimentos produtivos (contando os do setor privado), a taxas de 35% do PIB, mesmo com proporcional crescimento do consumo.
Ora, se se endireitassem também as estruturas e infraestruturas, notadamente corrigindo a patológica desnacionalização da economia, não seria difícil progredir no ritmo observado na China dos últimos 30 anos.
Demonstremos, com base nas estatísticas do Tesouro Nacional, a quanto têm montado os recursos saqueados do Brasil, a título do “serviço da dívida pública”.
Somente de janeiro de 1995 — 1º ano após o plano Real, que proclamou a mentirosa estabilização monetária – até agosto de 2015, a dívida pública interna multiplicou-se 24 vezes, de R$ 135,9 bilhões (contando então as dívidas de estados e municípios) para R$ 3,83 trilhões. Isso significa que a dívida interna foi multiplicada por 28, no período.
Isso significa crescimento médio anual de 18,65% aa., decorrente da capitalização dos juros e da inflada correção monetária, ambos decretados pelo BACEN, para gáudio dos sistemas financeiros privados, mundial e local.
Desde a Constituição de 1988, os gastos com a dívida pública, atualizados monetariamente, superam em muito R$ 20 trilhões.
Se os gastos com a dívida interna, cujo montante passa de R$ 3,8 trilhões, continuarem crescendo com a taxa efetiva anual presente — aí nos 18% aa. – essa dívida subirá, em 30 anos, para 1/2 quatrilhão de reais. Um quatrilhão são mil trilhões: 1.000.000.000.000 x 1.000.
Na finança mundial, os derivativos voltaram a superar US$ 600 trilhões, como nas proximidades do colapso financeiro de 2007/2008. Agora já passam de US$ 1 quatrilhão.
Iludem-se grandemente os que acreditam nos bancos e em economistas das universidades famosas e das que as copiam, quando caem na conversa de que os juros são elevados para conter a inflação!
Ao contrário, o crescimento exponencial das dívidas, expressas em títulos, significa inflação ainda maior do que causaria a emissão de moeda, tão anatematizada pelos economistas “ortodoxos” (e pela opinião geral, por eles influenciada). Os títulos financeiros são dinheiro, como a moeda, e ainda turbinado pelos juros.
Um dia, a explosão da massa de títulos insuscetíveis de serem liquidados, leva a reformas monetárias. Então se consolida o poder absoluto dos concentradores, mesmo em relação aos cidadãos aparentemente abastados.
Imaginemos, num caso limite, que o patrimônio financeiro dos grandes concentradores atinja vários quatrilhões de dólares e que individualmente tenham, em média, ativos de 100 trilhões de dólares.
Ao acontecer o “saneamento”, a reforma monetária faz que um novo dólar valha um milhão dos antigos. Então, um oligarca que acumulou US$ 100 trilhões, ficará com 100.000.000 (cem milhões) de dólares novos. Já um empresário, dono de patrimônio de US$ 100 milhões, ficará reduzido a 100 dólares novos. Que chance tem alguém com 100 unidades de moeda, diante de quem tem 100 milhões delas?
A reforma mostrará como o empresário empobrece, enquanto a composição dos juros e as demais jogadas do mercado financeiro fazem expandir os ativos dos banqueiros e demais concentradores.
Torna-se, assim, abissal a diferença de poder econômico entre estes e os demais mortais, mesmo os ricos, cuja maioria, como também a classe média, é convertida às ideologias de interesse dos concentradores e, assim, julga normais as manipulações de juros, câmbio e outras, praticadas pelo sistema financeiro.
No Brasil, esse sistema é criminosamente privilegiado pela fraude no artigo 166, § 3º, II, b), e pela sacralização suicida dos gastos com juros injustificados, assegurada pelo art. 164. Esse confere exclusividade ao Banco Central (BACEN), para emitir moeda – somente para servir os bancos – colocando o Tesouro Nacional à mercê destes.
Por lei, o BACEN está subordinado ao governo federal. Portanto, os governantes que se têm sucedido, deveriam explicar por que o BACEN age em favor da finança dos concentradores privados estrangeiros e locais e, em detrimento da economia e da sociedade.
Criaram um círculo vicioso: a dívida pública cresce devido a despesas financeiras, priorizadas pela LRF. A perspectiva de déficits orçamentários serve de desculpa para elevarem mais os juros. Daí minguam os investimentos produtivos e sociais da União e dos entes federativos.
É, pois, incrível que a LRF seja defendida como sagrada por tanta gente, até com o primarismo flagrante na mensagem de Cristovam: “a revogação da Lei de Responsabilidade Fiscal é o mesmo que revogar as quatro operações aritméticas, é dizer que dois mais dois é igual a cinco.”
Para o senador, o brasileiro está acostumado a querer receber aposentadoria jovem, e a crise estrutural exige reforma da Previdência. Traduzindo o jargão da “esquerda” reacionária: ”que assalariados e aposentados paguem a conta; não se toque nos trilhões de reais de juros para os bancos!” É de estarrecer.
Conquanto as despesas financeiras não sejam a causa única do subdesenvolvimento acelerado, o vulto delas comprova, de sobra, seu peso na ruína financeira do País. Acarretam também a miséria da estrutura produtiva e social, além de reforçarem a tirania dos oligarcas concentradores sobre o sistema político.
Há mais causas da degringolada. A principal delas, inclusive por ser a fonte da dívida, é a desnacionalização da economia, com os carteis transnacionais subsidiados pela política econômica, aplicando preços absurdos aos consumidores, privando o País de tecnologias próprias, e transferindo quantias estratosféricas ao exterior.
Os déficits nas transações correntes com o exterior — mesmo com o País a exportar quantidades brutais e crescentes, via agronegócio e mineração — cresceram para valor próximo a US$ 100 bilhões anuais, e não mostram sinais de cair muito, nem com a depressão e com o dólar a 4 reais.
16 de outubro de 2015
Adriano Benayon é doutor em economia pela Universidade de Hamburgo e autor do livro Globalização versus Desenvolvimento.