Este é um blog conservador. Um canal de denúncias do falso 'progressismo' e da corrupção que afronta a cidadania. Também não é um blog partidário, visto que os partidos que temos, representam interesses de grupos, e servem para encobrir o oportunismo político de bandidos. Falamos contra corruptos, estelionatários e fraudadores. Replicamos os melhores comentários e análises críticas, bem como textos divergentes, para reflexão do leitor. Além de textos mais amenos... (ou mais ou menos...) .
"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville (1805-1859)
"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville (1805-1859)
"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.
sábado, 8 de junho de 2019
BOLSONARO ESTÁ CERTO
Governo quer o fim da exigência de teste toxicológico para motorista profissional
Ok, eu admito. Dei uma exagerada no título desta coluna, mas tenho minhas razões. O fato é que eu cansei de falar mal do governo Bolsonaro, de modo que decidi destacar o que ele faz de positivo.
Adicionando audácia à falta de tino, resolvi procurar algo de bom justamente no pacote de medidas para o trânsito proposto porBolsonaro, iniciativa que, de um modo geral, pode ser qualificada como um desastre. Se as sugestões de Bolsonaro forem acatadas, deixarão uma pilha mensurável de cadáveres. Mas é pouco provável que o Congresso as chancele na íntegra. Não consigo ver parlamentares votando para tirar a cadeirinha das crianças do rol de exigências legais, por exemplo.
Ainda assim, e lembrando que até um relógio parado se mostra certo duas vezes por dia, há um ponto em que Bolsonaro acerta. É a eliminação do teste toxicológico para motoristas profissionais.
Não, não estou defendendo que caminhoneiros dirijam sob efeito de cocaína, heroína e arrebites. É dever das autoridades de trânsito identificar esses motoristas, tirá-los das ruas e estradas e puni-los severamente. O problema desse teste é que ele não fornece a informação de quem está ou não drogado ao volante, limitando-se a apontar se houve uso nos três meses anteriores à coleta da amostra.
E, assim como não há nenhum problema em ser operado por um médico que tomou um porre 15 dias antes da cirurgia, é irrelevante para a segurança viária saber se o motorista aprontou ou não quando não conduzia um veículo.
No mais, não existem trabalhos científicos demonstrando que a utilização maciça do teste toxicológico de larga janela reduz o número de acidentes. E, se ele não faz isso, torna-se apenas uma invasão de privacidade. A maioria das associações médicas e muitos Detrans foram contra sua adoção, descrita como um bem articulado lobby de laboratórios. Se você lembrou do kit de primeiros socorros, acertou.
08 de junho de 2019
Hélio Schwartsman, Folha de SP
TARIFAS ABALAM ECONOMIA E BCs JÁ PREPARAM CORTE DE JURO
'É só questão de tempo' para escalada de Trump contra China e México afetar investimento, emprego e consumo
Na manchete digital do Wall Street Journal, sobre o banco central americano, “Fed começa debate sobre cortar a taxa de juros já em junho”.
A “escalada” de Trump contra China e México teria convencido o mercado financeiro que “é só questão de tempo para que afete os investimentos”, com efeito sobre emprego e consumo. O corte pode vir em uma semana e meia.
Na mesma direção, a manchete do Financial Times, sobre o presidente do BC europeu, foi “Draghi prepara novos estímulos com aumento do temor econômico”. Logo abaixo, ele “se junta ao Fed na consideração de cortes de juros”.
SEM DÓLAR, SEM SANÇÃO
Ao fundo, o WSJ publicou a extensa reportagem “O dólar sustenta o poder americano. Rivais estão construindo soluções alternativas”. Além dos negócios em moeda própria entre China e Rússia, agora “as sanções ao Irã estimulam Europa e Índia a criar sistemas para negociar com Teerã sem usar a moeda americana”.
XI & PUTIN, NA RÚSSIA
Em meio a relatos sobre o “soft power” chinês e russo, com o presente de dois pandas ao zoológico de Moscou e passeios pelo museu Hermitage, de São Petersburgo, a cobertura russa da cúpula de três dias de Xi Jinping e Vladimir Putin enfatiza o peso dos acordos comerciais que fecharam.
Kommersant e outros dão atenção sobretudo ao contrato firmado entre o grupo Alibaba e empresas russas como MegaFon para lançar o AliExpress Russia.
NA CHINA
O South China Morning Post noticiou os acordos de US$ 20 bilhões em áreas como energia e tecnologia. Destacou em especial o contrato da Huawei com a russa MTS para desenvolver a estrutura de 5G na Rússia.
O Global Times/Huanqiu, ligado ao PC, afirmou em editorial que as razões internas dos dois países, econômicas, já superam as motivações externas, geopolíticas, da aproximação.
E NOS EUA
O Washington Post publicou a análise “Putin e Xi cimentam aliança para o século 21”, enquanto New York Times e WSJ ouvem Alexander Gabuev, do Centro Carnegie de Moscou, que vê apoio mútuo diante das pressões americanas. Sobre os russos, diz ele, o encontro “permite que eles mostrem o dedo do meio aos EUA: ‘Nós temos a China’”.
‘BRAZILIAN PARADISE’
Na contramão do noticiário negativo sobre o país, a imprensa nova-iorquina já anuncia a abertura de A Arte Viva de Burle Marx, no sábado (8), que "transforma o Jardim Botânico de Nova York num paraíso brasileiro". A própria instituição, com a imagem acima, diz ser sua "maior exibição na história".
08 de junho de 2019
Nelson de Sá
Jornalista, foi editor da Ilustrada.
A ESTRATÉGIA E O PLANO ECONÔMICO DE GUEDES
Divulgação só vai ocorrer depois de aprovada a reforma
Na economia, o governo tem vários projetos e uma estratégia. Segundo fontes qualificadas, o plano do ministro Paulo Guedes comporta uma série de propostas que somente serão conhecidas depois de aprovada a reforma da Previdência.
A precaução tem lá os seus motivos. Trata-se de um plano com um amplo leque de projetos de mudanças que vão ferir interesses de grupos específicos com representação no Congresso Nacional. Ao conhecê-lo de antemão, parlamentares com interesses contrariados poderão se voltar contra a aprovação da reforma da Previdência, que é crucial para dar um horizonte de sustentabilidade para as contas públicas e garantia de solvência do Estado.
Só nas duas últimas semanas foram criadas três novas frentes no Congresso, em oposição a algumas das ideias consideradas pela equipe econômica. São elas: a Frente Parlamentar Contra a Privatização dos Correios; a Frente Parlamentar Contra a Privatização de Bancos Públicos Federais; e, ainda, a Frente Parlamentar Contra a Privatização da Petrobras.
A estratégia, portanto, é a de ser bastante comedido nas informações sobre o programa econômico do governo, porque haverá medidas "capazes de produzir terremotos na escala Richter de 7,5", ou seja, com grande capacidade de desagradar grupos específicos, explicou uma graduada fonte oficial; e outras com impactos menores, mas também não desprezíveis, sobretudo para uma complicada base de sustentação política, completou.
O que orienta a comunicação oficial, nesse caso, é a necessidade de escolher quais as batalhas a se enfrentar primeiro e não tumultuar o ambiente já bastante volátil.
Vez por outra o governo lança uma ideia para testar quais são as forças políticas contrárias. Foi assim, por exemplo, com a notícia recente, confirmada pelo ministro da Economia, sobre a intenção de liberar cerca de R$ 22 bilhões de contas inativas e ativas do FGTS e do PIS após o avanço da reforma da Previdência.
A reação contrária surgiu da bancada de apoio do programa Minha Casa, Minha Vida, que não quer perder o acesso a essa poupança forçada e mal remunerada do trabalhador para financiar a construção de moradias populares. O governo considerou a manifestação e o poder de fogo dessa bancada como algo administrável.
Outras medidas estão em discussão para serem anunciadas após aprovação da nova Previdência. Não está claro se a aprovação da reforma na comissão especial é suficiente para o governo começar a abrir o jogo ou se ele aguardará a votação no plenário da Câmara.
Dentre as medidas do plano de Paulo Guedes, constam o cronograma e a extensão das privatizações, que precisam ser submetidos ao Conselho do Programa de Parceria de Investimentos (PPI), e o destino das empresas estatais federais dependentes do Tesouro Nacional.
Essas são 18 companhias que geram um gasto de R$ 21,6 bilhões, conforme orçamento deste ano já adicionado de créditos suplementares. Elas empregam mais de 73 mil funcionários e não sobrevivem sem a dotação de verbas da União para bancar as suas despesas.
Na lista das estatais dependentes está a Embrapa, considerada estratégica para o desenvolvimento de pesquisas genéticas na agricultura e na pecuária, cujo gasto anual da União é de R$ 3,67 bilhões. Mas são os serviços de saúde os que mais demandam recursos dos contribuintes. A Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) dispõe de um orçamento para 2019 de R$ 5,11 bilhões Outro R$ 1,26 bilhão é destinado ao Hospital das Clínicas de Porto Alegre e mais R$ 1,51 bilhão para o Hospital Nossa Senhora da Conceição.
A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) tem um orçamento para este ano de R$ 2,69 bilhões. Outras três empresas com gastos superiores a R$ 1 bilhão são a CBTU, de transportes urbanos, a Codevasf, de desenvolvimento do Vale do São Francisco, e a INB, de indústrias nucleares.
Essas empresas estão sob um detalhado escrutínio da área econômica do governo, sobretudo da Secretaria de Desestatização e de Desinvestimentos. Algumas deixarão de ser empresas e devem se transformar em autarquias, em que os salários são menores, obedecem a uma política de reajuste e não há a existência de conselhos de administração ou fiscal.
Outras permanecerão como empresas, mas estão passando por um trabalho de ganho de eficiência e de emagrecimento. Para reduzir o prejuízo anual com a sustentação dessas companhias, o governo quer vender parte dos ativos que elas têm, como fazendas e imóveis urbanos.
Há toda uma concepção que levou a área econômica a definir a estratégia de comunicação do programa econômico. No Brasil, segundo a ótica do governo, há muitos grupos com forte poder de articulação e influência política. São empresários, sindicalistas e funcionários públicos, dentre outros, capazes de criar muito barulho e contaminar o ambiente para a aprovação da reforma da Previdência.
Acredita-se que, depois de aprovada a reforma, haverá um novo ambiente, "de céu azul após a tempestade". Fontes oficiais argumentam que a nova Previdência será um divisor de águas e um momento importante para o presidente Jair Bolsonaro. "E no day after teremos um pipeline de planos", salientam, ao elencar da reforma tributária às privatizações, da abertura da economia a um novo pacto federativo, da conversibilidade da moeda e permissão para a abertura de contas em dólar no país a uma série de outras medidas que vão amplificar o impacto da nova Previdência. "A reforma é, portanto, o início de um processo de mudanças que vamos fazer", assegurou uma categorizada fonte da área econômica.
É esse conjunto ainda desconhecido de medidas que poderá sustentar uma recuperação mais dinâmica da atividade econômica. Essa é, pelo menos, a aposta do núcleo da equipe que assessora Guedes.
08 de junho de 2019
Claudia Safatle, Valoer Econômico
TENTANDO ENTENDER A ARGENTINA
Está na moda dizer que o liberalismo não deu certo na Argentina e, portanto, o liberalismo não funciona. Dada a agonia econômica e a calamitosa situação dos principais indicadores macroeconômicos do país, o argumento pode parecer razoável. Ou seja, se a Argentina está mergulhada em profunda crise e se o presidente Maurício Macri se apresentou como um liberal, a conclusão é de que a culpa é do liberalismo. Mas o fato é que Macri fez tudo ao contrário do que reza o figurino liberal e, mesmo que um plano possa fracassar por não haver receita milagrosa em todas as circunstâncias, o presidente argentino precisa ser classificado em outra categoria: aquele que, pouco importa o rótulo que a ele se atribua, é apenas mais um governante que seguiu o roteiro que há mais de meio século vem quebrando a Argentina, um roteiro nada liberal.
Quando Macri assumiu o governo, em fins de 2015, substituindo Cristina Kirchner, a Argentina apresentava a doença crônica da América Latina: déficit orçamentário gigante, na casa de 5% do Produto Interno Bruto (PIB); impossibilidade de o país tomar empréstimos no mercado internacional em função da moratória decretada no início dos anos 2000 e repetida em 2014; carga tributária nas alturas (era a mais alta entre 138 países analisados pelo Fórum Econômico Mundial), portanto, com inviabilidade de aumentos de impostos; produção nacional em queda; inflação em alta; desemprego subindo; e padrão de vida médio decaindo.
Macri, o autodeclarado liberal, negou completamente seu rótulo político e não fez nada do que se esperaria de um governo que assim se denomina
O tamanho do gasto público havia chegado a cifras astronômicas: 47,9% do PIB, o que fez o governo Kirchner mandar o Banco Central emitir moeda e repassar ao Tesouro Nacional, cuja consequência foi óbvia: perda do controle sobre o volume de moeda circulante no país. O resultado foi o de sempre: a inflação explodiu, como meio de absorver a expansão monetária sem o correspondente no produto nacional, e chegou a 30% em 2015. Quando a inflação de um país sobe, o preço da moeda estrangeira – o dólar – também tem de subir, sob pena de desorganizar o comércio exterior e criar colapso no fluxo de capitais financeiros com o resto do mundo.
Pois foi o que aconteceu na Argentina. Como o governo havia criado o tal “cepo cambial”, pelo qual os cidadãos locais ficavam impedidos de comprar dólares e obrigados a manter suas reservas na moeda local – o peso argentino –, o caos nas importações e nas exportações, de um lado, e na compra e venda de moeda estrangeira, de outro, somado ao fato de que o governo não tinha crédito para tomar empréstimos estrangeiros, criou enorme embaraço para a economia interna, sobretudo para os setores vinculados ao comércio internacional. Os setores exportadores entraram em crise, reduziram a produção e o desemprego aumentou.
Macri, o autodeclarado liberal, negou completamente seu rótulo político e não fez nada do que se esperaria de um governo que assim se denomina. Não cortou gastos públicos, não combateu o déficit fiscal, não privatizou empresas estatais, concedeu aumento para funcionários públicos, aumentou as aposentadorias, manteve até as estatais deficitárias nas mãos do governo – como a empresa aérea Aerolíneas Argentinas, que houvera sido estatizada pelo casal Kirchner – e não mexeu nos 4 milhões de funcionários públicos com seu conhecido número de 280 mil funcionários fantasmas. O discurso do presidente era não fazer ajuste cirúrgico, rápido, mas ir fazendo ajustes graduais, coisa que não deu o menor resultado, como era previsto.
O presidente tomou algumas medidas boas no início, tentou se reaproximar do mercado internacional e começou a liberar parcialmente a compra de moeda estrangeira pelos habitantes locais. Porém, ele não tocou um dedo nos maiores problemas do país: o imenso déficit fiscal derivado da gastança do governo, o inchaço da máquina pública, a inação no programa de privatizações e no controle dos salários do funcionalismo – pelo contrário: enquanto o país definhava, Macri concedia aumentos para tentar agradar os sindicatos. A lista de políticas, medidas e práticas do atual governo argentino é longa, cheia de detalhes, mas tudo pode ser resumido em uma frase: o presidente Macri vestiu um chapéu de liberal durante a campanha e implantou um conjunto de medidas antiliberais e bem ao gosto da esquerda latino-americana.
Portanto, mais uma vez, o liberalismo não passou de um slogan sem nenhuma aplicação prática que pudesse testá-lo. Não que o liberalismo seja perfeito e infalível, mas o fato é que, na Argentina, ele não foi o remédio usado pelo atual governo.
08 de junho de 2019
Editorial Gazeta do Povo, PR
BOLSONARO SANCIONOU LEI QUE PERMITE INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA: MEDIDA POLÊMICA, MAS EU APOIO
O presidente Jair Bolsonaro sancionou, com muitos vetos, uma lei com mudanças na política contra drogas. O texto agora prevê e facilita a internação involuntária de usuários de droga, quando ocorre sem o consentimento.
A lei diz que ela se dará a pedido de familiar ou do responsável legal ou, na absoluta falta deste, de servidor público da área de saúde, da assistência social ou dos órgãos públicos integrantes do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad), com exceção de servidores da área de segurança pública.
A internação involuntária só deverá ocorrer após a formalização da decisão por médico responsável, será indicada depois da avaliação sobre o tipo de droga utilizada, o padrão de uso e na hipótese comprovada da impossibilidade de utilização de outras alternativas terapêuticas previstas na rede de atenção à saúde.
Esse tipo de internação perdurará apenas pelo tempo necessário à desintoxicação, no prazo máximo de 90 dias, tendo seu término determinado pelo médico responsável. No entanto, a nova lei permite à família ou ao representante legal, a qualquer tempo, requerer ao médico a interrupção do tratamento.
A decisão é polêmica, e libertários ficam arrepiados com a possibilidade de abuso de poder por parte das autoridades. Afinal, por essa ótica, só quem efetivamente comete um crime ou representa uma ameaça direta à sociedade deveria sofrer coerção estatal.
Para o especialista em Direito da Medicina e professor da Universidade Positivo (UP) Gabriel Schulman, do ponto de vista legal, no Brasil só é possível tirar a liberdade de alguém para punir ou para tratar.
“A minha preocupação é até que ponto essas mudanças vão dar conta, porque a lei fala em desintoxicação. O que faz a pessoa usar a droga, não é a droga. A questão não é tratar a droga, mas de atender a pessoa, as necessidades que fizeram fazer o uso nocivo”, explica.
Schulman entende que a internação sem o consentimento deve ocorrer em casos específicos, com o único objetivo de tratar a saúde do dependente.
“Internação forçada significa, estritamente, a restrição à liberdade da opção do tipo de tratamento. É medida que, a princípio, não se justifica. A finalidade tem que ser protetiva, não de segregação. Ao longo do tratamento eu tenho que assegurar a liberdade máxima possível”, comenta.
Para ele, a pessoa pode e deve ter acesso ao plano individual de atendimento – uma novidade na lei, que prevê avaliação multidisciplinar, objetivos e atividades de reintegração social com a participação de familiares ou responsáveis.
O especialista alerta sobre a possibilidade da família ter a decisão sobre o que fazer com o dependente. “A gente está tratando o usuário ou se livrando de um incômodo. Quanto mais você invade [a liberdade], mais tem que proteger. Em alguns casos cabe internação? Sim, mas nem sempre”, explica.
De acordo. É preciso tomar muito cuidado com abusos, como nos casos antigos de manicômios também. Mas o abuso não deve tolher o uso, princípio básico do direito. O ponto de vista libertário ignora, em minha opinião, a condição concreta de certos indivíduos, como se eles tivessem de fato a capacidade de escolha.
Entendo o argumento libertário, e o respeito. Mas meu lado conservador e pragmático fala mais alto aqui. Sou autor, afinal, de Confissões de um ex-libertário. Quando vemos o que acontece na Cracolândia em SP, ou no skid row em Los Angeles, espalhando sujeira, ratos e doenças pelas cidades, seringas usadas no meio da rua onde brincam crianças, o realismo precisa se impor.
Há, como fica claro, várias restrições ao uso da coerção pelo estado. Mas no limite entendo que há casos, sim, em que somente uma internação involuntária pode surtir efeito, proteger o próprio indivíduo e também a sociedade. Não é como no filme “Minority Report”, tampouco é arbítrio puro contra inocentes. A lei pune quem dirige de forma irresponsável, por exemplo, mesmo que o excesso de velocidade em si não tenha causado vítimas, ainda.
Para a presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (ABEAD), Sabrina Presman, a internação involuntária deve ser realizada em casos específicos e acompanhada, de perto, pelas autoridades. “É uma forma de preservar à vida, sem dúvida. Deixar uma pessoa se matando, sem condições psiquiátricas, sem autopreservação, sem tratamento, isso sim é afronta aos direitos humanos.”
Sabrina pondera sobre a aplicação em situações de extrema gravidade. “Não é pra qualquer paciente, uma modalidade pra internar uma pessoa que não queira. É uma forma de salvar a vida dela quando não tem condição, seja pela doença psiquiatra, seja pelas drogas”, opina.
Essa mudança na lei, portanto, é uma medida desesperada para uma situação de emergência. Um viciado em crack ou heroína que está perambulando por vias públicas sem qualquer capacidade de uso racional de suas faculdades perdeu o direito à liberdade, assim como a única forma de familiares ajudarem um dependente químico muitas vezes é a internação forçada. São valores conflitantes, dilemas morais, e por isso polêmicos. Devemos evitar as conclusões muito binárias e simplistas aqui.
Os fanáticos acham, porém, que só existe um único princípio válido, uma pedra filosofal que deve nortear tudo na vida em sociedade. Não é tão simples assim, e ninguém deixa de ser liberal só porque acredita que o estado tem alguns direitos sobre o cidadão que abandonou sua própria volição, sua capacidade de escolher. A medida sancionada pelo presidente é polêmica, sem dúvida. Mas eu apoio!
08 de junho de 2019
Rodrigo Constantino, Gazeta do Povo, PR
ANDRE MATOS, CONHECIDO POR BANDAS ANGRA E SHAMAN, MORRE AOS 47 ANOS
Morte do cantor foi confirmada em redes sociais oficiais
Andre atos: morte do cantor foi confirmada em redes sociais (Instagram/Shaman/Reprodução)
São Paulo — O vocalista Andre Matos, um dos fundadores das bandas Angra e Shaman, morreu neste sábado (8), aos 47 anos. A morte foi confirmada pelo grupo Shaman nas suas redes sociais. UOL e Estadão também confirmaram o falecimento do cantor.
A morte de Matos foi anunciada com o seguinte comunicado, assinado pelos membros da banda Shaman:
“O destino nos uniu, nos separou, nos reuniu e agora pregou mais essa com a gente.É com profunda dor em nossos corações que nos despedimos do Andre mais uma vez, desta vez de forma definitiva. Além da ferida que jamais cicatrizará, e mesmo sabendo que passamos momentos gloriosos junto ao nosso companheiro e amigo, restará pra sempre o melhor dele em nossos corações. R.I.P”
O baixista do Angra, Felipe Andreoli, lamentou a morte de Matos no seu perfil no Instagram. “Sem palavras pra descrever a tristeza de perder esse cara, co-fundador da banda que é meu lar há 18 anos. Um ícone respeitado e admirado mundialmente, que infelizmente se vai cedo demais. Estava muito animado com a perspectiva de, num futuro próximo, dividir o palco com ele e os demais na celebração de 30 anos do Angra. Essa possibilidade foi tirada de nós, dos fãs e de todos que tiveram suas vidas tocadas por ele e sua música. Vá em paz, Andre. Força aos amigos do Shaman, aos familiares, fãs e todos do seu círculo pessoal”, escreveu Andreoli.
08 de junho de 2019
Lucas Agrela
Revista Exame
O TERROR DOS INFLUENCIADORES DIGITAIS SE CONFIRMOU
Está confirmado: o Instagram realmente esconderá o número de curtidas nas postagens. A ação tem como principal objetivo valorizar a produção de conteúdo de qualidade e não mais quantidade, algo que já vinha se tornando tendência nos últimos tempos. Números nunca foram tão irrelevantes quanto agora.
Depois de um verdadeiro auê no mundo digital, quando um blog especializado em redes sociais ventilou a possibilidade de o Instagram esconder as curtidas nas postagens, a informação se confirmou, tendo sido anunciada na conferência anual do Facebook. Isso significa que, quando o usuário rolar o seu feed na plataforma, ele não conseguirá mais ver o número de curtidas que as postagens das outras pessoas têm. É um pouco parecido com o que já fazem com os vídeos hoje em dia: o que aparece são apenas algumas pessoas em comum que curtiram, não sendo mais possível saber o número total.
Mas, se as pessoas publicam nas redes sociais exatamente para conseguir likes e em busca de aprovação, por que o Instagram tomou tal atitude?
A ideia foi justamente acabar com essa competição social por curtidas que, muitas vezes, desencadeia sentimentos ruins, como ansiedade, frustração, inveja e até depressão. No entanto, a alteração acabou atingindo outros pontos, e deverá promover uma verdadeira revolução na forma de conviver com a plataforma.
Quem sobreviverá nessa nova fase será o produtor de conteúdo que realmente gera material de qualidade
Do ponto de vista do marketing digital, quem sobreviverá nessa nova fase será o produtor de conteúdo que realmente gera material de qualidade e relevância, muito diferente do que acontecia até agora. Não por acaso, o novo cenário tem assustado os megainfluenciadores digitais, que até então comprovavam sua relevância em cima da popularidade construída com base em números.
De modo geral, as pessoas se deixam levar pela multidão, algo natural do comportamento humano. Tanto é que, nas redes sociais, sempre foi comum ver gente curtindo coisas simplesmente porque os números eram expressivos. Se todo mundo estava curtindo, elas acabavam dando o seu like também, até como uma forma de pertencimento.
A partir de agora, a tendência é de que as curtidas sejam motivadas pelo conteúdo da postagem e até mesmo pela identificação de opiniões e ideias, uma forma de beneficiar os bons criadores, de agradar aos usuários e, acima de tudo, uma grande oportunidade para o marketing digital e suas soluções estratégicas.
Se antes os comparativos em relação à expressividade no Instagram eram de difícil análise – não é possível estabelecer qualquer semelhança entre um restaurante e uma blogueira, por exemplo, por estarem em contextos completamente diferentes –, agora isso será mais justo. Bons conteúdos inevitavelmente irão engajar mais, gerando melhores resultados. O confronto será no campo da conversão e da análise. Para concluir se uma ação realmente conquistou a alta performance, a avaliação será em cima de quem está curtindo, por que está curtindo e, principalmente, o quanto aquilo gerou de resultados.
Outro ponto interessante em relação ao assunto é o conteúdo cada vez mais direcionado para públicos específicos. O segredo da conversão também está em escolher corretamente para quem apresentar um produto ou serviço. Uma campanha voltada para conquistar mais alunos para um curso universitário, por exemplo, não conseguirá bons resultados se o criador escolhido for um influenciador voltado para um público infantil. No entanto, se o influenciador for um professor de cursos preparatórios para o vestibular, a tendência é conquistar um resultado muito mais eficaz.
Se a proposta for vender brinquedos, com certeza o influenciador que faz um trabalho voltado para o público infantil será a pessoa certa para promover a campanha. Cada caso é um caso, sendo que tudo deve ser avaliado, priorizando, acima de tudo, aqueles que produzem um conteúdo melhor, que possam gerar valor para a marca ou produto que estão promovendo.
Agora é a vez dos microinfluenciadores. Como estratégia comercial, muitas vezes eles são soluções mais assertivas do que grandes influenciadores digitais, até porque não é novidade que, quando o assunto são mídias sociais, apenas os números de curtidas não ditam mais muita coisa.
Vale dizer que esse posicionamento vai de encontro à gestão que o Google faz com o YouTube, em que os números são prioridade. Lá, os criadores que fazem mais sucesso são os que têm maior frequência e produzem vídeos longos. Enquanto agradam aos anunciantes, desagradam aos criadores.
Notando o vácuo, o Facebook e o próprio Instagram adotaram medidas para beneficiar os produtores, tendo em vista que uma rede social só pode ser considerada boa se o conteúdo for bom, e bons conteúdos são feitos por bons produtores. É um ciclo indiscutível de causa e consequência.
Não por acaso, essas medidas estremeceram o mercado e têm ditado mudanças significativas nas redes sociais. De nada adiantam 100 mil curtidas e nenhuma conversão. Com o fim da caça aos likes, será essencial a criação de conteúdo relevante. Quem quiser bombar nas redes sociais terá de acordar todo dia e se perguntar o que está agregando de valor com essa publicação, o que está gerando de relevante para as pessoas. E, a partir daí, começar a produzir com mais qualidade. Esse é mais um sinal – não só do mercado, mas da própria rede – de que, finalmente, apenas o que realmente tiver relevância conquistará bons resultados, o que inevitavelmente irá alterar tanto a forma de se produzir conteúdo quanto o comportamento do usuário em relação à maneira como ele se deixa impactar por aquilo que vê.
Em suma, é o momento da valorização de conteúdo relevante e de beneficiar os bons produtores. Portanto, quem faz um trabalho de qualidade e que gera conversão não precisa ficar com medo da mudança. Agora, para aqueles que não garantem a entrega eficaz, produziam conteúdos irrelevantes e viviam amparados em números, muitas vezes até superfaturados, a preocupação deve ser uma constância.
08 de junho de 2019
Fabrício Macias é CEO e fundador da Macfor."
Gazeta do Povo, PR
A PETROBRAS, O SUPREMO E O JOGO DAS CORPORAÇÕES
Decisão do STF favorável à Petrobrás elimina pinimba corporativista de que tudo tem de passar por processos políticos.
Nesta quinta-feira, o colegiado do Supremo Tribunal Federal corrigiu uma distorção pretendida por algumas das corporações que atuam no País. Definiu que uma empresa estatal pode vender subsidiárias sem ter de submeter sua decisão à autorização prévia do Poder Legislativo.
A questão específica da Petrobrás começou no final de maio, quando, depois de longo processo de licitação interna orientado pelo Tribunal de Contas da União, a direção decidiu vender uma de suas redes de gasodutos, a Transportadora Associada de Gás, a TAG, para a francesa Engie e para o fundo canadense Caisse de Dépôt et Placement du Québec, a CDPQ, por US$ 8,6 bilhões.
Os sindicatos dos petroleiros e de operadores de refinarias recorreram ao Supremo para suspender essa venda. Baseavam-se num despacho assinado em caráter liminar pelo ministro Ricardo Lewandowski, em junho de 2018, que deu provimento a um recurso de funcionários e sindicalistas da Caixa Econômica Federal. Essa liminar determinava que toda a venda de empresa estatal tinha de passar por autorização prévia do Legislativo.
Os petroleiros que pretendem sustar a venda da TAG foram atendidos dia 26 de maio por nova liminar, desta vez assinada pelo ministro do Supremo Edson Fachin. Essa decisão foi a que passou a ser examinada nesta semana pelo colegiado do Supremo.
A questão principal em jogo não é a de que a Petrobrás, que foi esmerilhada pela corrupção, pela má administração e pelo inchaço do seu quadro de funcionários, precisa ser saneada e reduzir sua dívida asfixiante e, portanto, precisa de certa autonomia para vender seus ativos.
Há duas questões a considerar mais importantes do que essa. A primeira é a de que a administração do patrimônio público não pode ser emperrada por questões puramente ideológicas ou por interesses de funcionários que não querem perder as benesses de que desfrutam apenas por pertencerem aos quadros de uma empresa estatal.
A outra questão é a de que a economia e os investidores precisam de chão firme onde pisar, precisam de previsibilidade. Não podem tomar decisões importantes e despejar recursos vultosos em projetos ou em empresas já constituídas diante de um quadro persistente de incerteza jurídica.
A argumentação de fundo também tem seu peso e foi sintetizada no voto do ministro Luís Roberto Barroso, o terceiro a se manifestar. Não se pode exigir autorização do Legislativo para a venda de uma subsidiária de uma empresa-mãe, se para sua criação não foi necessária essa licença. Por outra argumentação, a Constituição, cuja defesa é a principal razão de ser do Supremo, não pode respaldar o agigantamento do Estado nem tampouco o interesse de certas corporações que claramente contrariam o interesse público.
A decisão do Supremo favorável à Petrobrás foi tomada com algumas diferenças pontuais expostas por alguns ministros, que não prejudicam o principal. Do ponto de vista das estatais, elimina a pinimba corporativista de que tudo tem de passar por processos políticos bem mais complicados e, muitas vezes, enviesados, que, na prática emperram o processo.
08 de junho de 2019
Celso Ming
O Estado de S.Paulo
AS DIFICULDADES NO CONGRESSO
Jereissati salvou o marco regulatório do saneamento, que será um avanço para o setor, ao fazer o que o governo não tem feito: articulação
Cem milhões de brasileiros vivem sem saneamento básico e os investimentos no setor estão estagnados. Se forem reativados, têm ainda a vantagem de criar emprego em época de aguda escassez de vagas. Esses argumentos já seriam suficientes para se aprovar o marco regulatório do setor. Uma MP do governo Temer que tratava disso, e interessava ao governo Bolsonaro, caiu esta semana. O assunto foi salvo num esforço surpreendente comandado pelo senador tucano Tasso Jereissati, que fez o projeto de lei e o aprovou em 48 horas no Senado.
O tucano se reuniu com o senador Davi Alcolumbre e com o deputado Rodrigo Maia, e propôs apresentar um projeto de lei. Alcolumbre abraçou imediatamente a ideia. O governo apoiou o esforço. Jereissatti havia sido o relator da MP do saneamento na comissão mista. Conduziu várias audiências públicas e verificou onde estava a dificuldade.
— A pressão vinha principalmente das empresas estaduais de saneamento, por isso conversei bastante com os governadores, principalmente os do Nordeste que são de oposição. Como estou aqui há muito tempo, tenho diálogo com todo mundo. Negociei intensamente. Ao todo existem 4.000 cidades brasileiras sem coleta de esgoto e tratamento. Vivemos como a Europa vivia na idade média — diz o senador.
A proposta agora passará pela Câmara e o senador Tasso Jereissati prevê dificuldades, porque a pressão das empresas vai continuar. Hoje elas têm contratos com as cidades que são renovados automaticamente. Pelo projeto, a cada vencimento vai se abrir a concessão. Será necessário licitar. Há uma grande possibilidade de que o capital privado entre no setor.
— Para levar o saneamento a 80% da população brasileira são necessários investimentos de R$ 550 bilhões. O governo está quebrado, os estados e os municípios também. Por que não abrir ao setor privado? O objetivo é atrair o capital privado e aumentar a eficiência do setor.
Tudo parece simples. Há uma emergência, o projeto traz uma possibilidade de encaminhar uma solução, o senador teve o apoio do governo já que a MP que caiu era do seu interesse, articulou-se com o presidente do Senado, negociou intensamente, conversou com os governadores e fez ajustes no texto para atendê-los. O projeto foi aprovado ontem no Senado.
É isso que o governo, com todo o seu poder, não tem conseguido fazer: articular e levar a sua agenda a bom resultado. Mesmo quando são projetos de interesse coletivo evidente e que podem cruzar as fronteiras partidárias, ele tem colecionado derrotas.
Até o PSL votou na quarta-feira no projeto que engessa mais uma parte do orçamento, obrigando o pagamento das emendas de bancada. A desculpa oficial foi que o partido fez isso para acabar com o “toma lá dá cá”. Na verdade, ele aderiu porque sabia que perderia. E é derrota do governo, porque esse projeto é o oposto da ideia de flexibilizar as vinculações defendida pelo ministro Paulo Guedes.
A equipe econômica tem passado um sufoco na tramitação do pedido de crédito suplementar, que, se não for aprovado na semana que vem, levará o país à situação de ter que parar o financiamento à agricultura. Ontem foi confirmado o adiamento do Plano Safra. O pagamento de alguns benefícios sociais também pode ser prejudicado. Provavelmente o crédito será aprovado, mas quando o governo tem alguma vitória é em cima da hora, como aconteceu com a MP 871, do combate às fraudes do INSS. A MP 870, da reforma administrativa, também foi aprovada na reta final e o governo teve que amargar a derrota que foi o Coaf voltar ao Ministério da Economia.
A tramitação da reforma da Previdência tomou sustos demais na CCJ e agora a esperança de que haja um bom relatório vem da articulação feita pelos defensores da reforma que não são governo, como o relator tucano Samuel Moreira.
Enquanto perde de goleada no Congresso, o governo se mobiliza mesmo é por itens que nem de longe constariam de uma lista decente de prioridades nacionais. Nesta semana, quando o presidente Jair Bolsonaro decidiu ir ao Congresso pessoalmente foi para levar um projeto que premia infratores de trânsito e propõe a loucura de estimular o transporte de crianças sem a cadeirinha de proteção. Quando alguma coisa é aprovada no Congresso é porque outras forças políticas se articulam contra ou a favor da administração Bolsonaro, porque ela mesma tem sido incapaz de entender o que é governar o Brasil.
08 de junho de 2019
Miriam Leitão, O Globo
A SEGUIR: MAIS PROTESTOS
As novas armas podem ser farinha, tortas, sapatos, milk-shake e até um cartaz em branco
No Reino Unido, mês passado, um cidadão protestou contra a saída de seu país da União Europeia atirando um milk-shake —de banana com caramelo, apurou-se depois— em Nigel Farage, líder do partido do brexit. Outros políticos britânicos têm sido atingidos com milk-shakes, sem distinção de sabor. O resultado é sempre constrangedor —a vítima tem o paletó, a camisa e o rosto lambuzados de sorvete, leite e xarope, o que a obriga a ir lavar-se. A não ser, claro, que se lamba.
Cada um protesta como pode. Como a maioria dos políticos não se ofende ao ter a mãe xingada, os ativistas lhes atiram coisas. O francês Nicolas Sarkozy levou uma torta no rosto em 1997, na Bélgica, e ainda nem era presidente. Seu sucessor, François Hollande, em 2012, sofreu um ataque com farinha jogada por uma mulher. Em 2009, em Bagdá, o presidente americano, George Bush, foi alvejado com dois sapatos atirados por um iraquiano. E, em 2010, José Serra, candidato à Presidência pelo PSDB, no Rio, levou uma bolinha de papel na calva. Pela violência do ato, conduziram-no a um hospital.
Não se deve confundir um protesto com um atentado. O atentado é um protesto radical, principalmente quando resulta em morte, como aconteceu com os americanos Abraham Lincoln, John Kennedy e Martin Luther King. Quando falha, vira comédia, como as tentativas da CIA de matar Fidel Castro, com um charuto envenenado, uma bomba dentro da bota e uma bola de beisebol explosiva.
O presidente Bolsonaro, que já foi alvo de um atentado, gosta de protestos. Outro dia promoveu um, a seu próprio favor. Mas, como não para de chamar o país para a briga, tudo indica que atrairá cada vez mais protestos —contra ele.
No Cazaquistão, há pouco, um jovem foi preso ao protestar com um cartaz em branco. Se fizerem isto contra Bolsonaro, ninguém sentirá falta dos dizeres. Todos saberão o que o cartaz quer dizer.
08 de junho de 2019
Ruy Castro
Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues
No Reino Unido, mês passado, um cidadão protestou contra a saída de seu país da União Europeia atirando um milk-shake —de banana com caramelo, apurou-se depois— em Nigel Farage, líder do partido do brexit. Outros políticos britânicos têm sido atingidos com milk-shakes, sem distinção de sabor. O resultado é sempre constrangedor —a vítima tem o paletó, a camisa e o rosto lambuzados de sorvete, leite e xarope, o que a obriga a ir lavar-se. A não ser, claro, que se lamba.
Cada um protesta como pode. Como a maioria dos políticos não se ofende ao ter a mãe xingada, os ativistas lhes atiram coisas. O francês Nicolas Sarkozy levou uma torta no rosto em 1997, na Bélgica, e ainda nem era presidente. Seu sucessor, François Hollande, em 2012, sofreu um ataque com farinha jogada por uma mulher. Em 2009, em Bagdá, o presidente americano, George Bush, foi alvejado com dois sapatos atirados por um iraquiano. E, em 2010, José Serra, candidato à Presidência pelo PSDB, no Rio, levou uma bolinha de papel na calva. Pela violência do ato, conduziram-no a um hospital.
Não se deve confundir um protesto com um atentado. O atentado é um protesto radical, principalmente quando resulta em morte, como aconteceu com os americanos Abraham Lincoln, John Kennedy e Martin Luther King. Quando falha, vira comédia, como as tentativas da CIA de matar Fidel Castro, com um charuto envenenado, uma bomba dentro da bota e uma bola de beisebol explosiva.
O presidente Bolsonaro, que já foi alvo de um atentado, gosta de protestos. Outro dia promoveu um, a seu próprio favor. Mas, como não para de chamar o país para a briga, tudo indica que atrairá cada vez mais protestos —contra ele.
No Cazaquistão, há pouco, um jovem foi preso ao protestar com um cartaz em branco. Se fizerem isto contra Bolsonaro, ninguém sentirá falta dos dizeres. Todos saberão o que o cartaz quer dizer.
08 de junho de 2019
Ruy Castro
Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues
Folha de SP
OPOSIÇÃO RESPONSÁVEL
Mesmo que tenha sido apenas lampejo, a negociação entre governo e oposição para a aprovação da MP 871 mostrou qual é o único caminho viável para o País.
Se o governo parece, finalmente, dar sinais de ter alguma disposição para o diálogo político, tendo negociado a aprovação da Medida Provisória 871, que manda auditar os benefícios pagos pelo INSS, também é digna de nota a abertura da oposição para aceitar um acordo com os governistas. Em se tratando de um governo errático e muitas vezes hostil aos políticos, e de um Congresso repleto de neófitos despreparados para o duro trabalho parlamentar, não se deve comemorar antes da hora; no entanto, sobretudo diante do histórico de trombadas entre o Executivo e o Legislativo, é essencial registrar que houve, nos últimos dias, um inegável avanço.
A oposição deu inestimável colaboração para a melhora do quadro político ao apoiar a medida governista em troca da inclusão de uma mudança no projeto de reforma da Previdência com vista a dar maior prazo para que os trabalhadores rurais se adaptem às novas regras. Ambas as partes consideraram os respectivos pleitos aceitáveis e estabeleceu-se ali um consenso mínimo – sem o toma lá da cá e sem a truculência que tanto marcaram a história recente das relações entre o governo e o Congresso.
O acordo, feito no Senado, foi articulado pelo líder da Minoria, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), com o líder do governo, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE). Não se pode atribuir ao senador Randolfe nenhum pendor governista – ao contrário, é ferrenho crítico do atual governo. Mas ele e o bloco que lidera parecem ter percebido que o caminho do diálogo pode dar melhores frutos que o confronto puro e simples.
Há outros parlamentares da oposição igualmente dispostos a negociar com o governo. É o caso dos deputados que subscreveram emenda para destinar à primeira infância parte da economia que resultar da reforma da Previdência. Entre os autores destacam-se os jovens deputados Felipe Rigoni (PSB-ES) e Tabata Amaral (PDT-SP). Mesmo sendo da oposição, ambos dizem reconhecer como necessária a reforma da Previdência e, malgrado serem parlamentares de primeira viagem, mostram maturidade para reconhecer que o caminho da negociação tende a ser o mais produtivo para seus projetos políticos.
Tudo isso contrasta, e muito, com o comportamento do PT e de seus satélites. Fiel à sua natureza autoritária, o partido do presidiário Lula da Silva desconsidera a legitimidade de qualquer governo que não seja o seu. Nem se dá ao trabalho de formular propostas alternativas às encaminhadas pelo presidente Jair Bolsonaro, já que não pretende, a sério, negociar nada com o governo. Sua única intenção é prejudicar a tramitação de tudo o que emanar do Palácio do Planalto. E seu único projeto para o País se resume ao slogan “Lula livre”, com o qual inclusive tentou capturar as manifestações estudantis contra os cortes orçamentários nas universidades federais. Assim, segue sendo o velho PT de sempre, que não apoiou o Plano Real, que pediu o impeachment de todos os presidentes sempre que esteve na oposição e que jamais se dispôs a negociar senão na base do grito ou do talão de cheques.
Felizmente, parece que os partidos que se dedicarem a esse tipo de oposição destrutiva tendem ao isolamento, pois várias lideranças oposicionistas se recusam a aderir ao método petista de sabotar governos e demonstram genuína disposição para conversar.
É fato que o governo, nas suas relações com o Congresso, demonstra frequentemente a tendência de considerar que a vontade do presidente Bolsonaro deve ser automaticamente convertida em lei, e isso cria ruídos mesmo com os parlamentares de inclinação governista. Por outro lado, há também uma tendência de parte da oposição de considerar necessariamente ruim tudo o que é encaminhado pelo Palácio do Planalto, sem nem ao menos conhecer os projetos. Um clima desses não é propício para o diálogo. Por isso, mesmo que tenha sido apenas um lampejo, a recente negociação entre governo e oposição é alvissareira, pois mostrou qual é o único caminho viável para o País. Espera-se que as lideranças políticas responsáveis tenham entendido que não há outra maneira de alcançar o entendimento necessário para começar a tirar o Brasil de sua profunda crise, com a qual só os delinquentes morais lucram.
08 de junho de 2019
Editorial Estadão
Se o governo parece, finalmente, dar sinais de ter alguma disposição para o diálogo político, tendo negociado a aprovação da Medida Provisória 871, que manda auditar os benefícios pagos pelo INSS, também é digna de nota a abertura da oposição para aceitar um acordo com os governistas. Em se tratando de um governo errático e muitas vezes hostil aos políticos, e de um Congresso repleto de neófitos despreparados para o duro trabalho parlamentar, não se deve comemorar antes da hora; no entanto, sobretudo diante do histórico de trombadas entre o Executivo e o Legislativo, é essencial registrar que houve, nos últimos dias, um inegável avanço.
A oposição deu inestimável colaboração para a melhora do quadro político ao apoiar a medida governista em troca da inclusão de uma mudança no projeto de reforma da Previdência com vista a dar maior prazo para que os trabalhadores rurais se adaptem às novas regras. Ambas as partes consideraram os respectivos pleitos aceitáveis e estabeleceu-se ali um consenso mínimo – sem o toma lá da cá e sem a truculência que tanto marcaram a história recente das relações entre o governo e o Congresso.
O acordo, feito no Senado, foi articulado pelo líder da Minoria, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), com o líder do governo, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE). Não se pode atribuir ao senador Randolfe nenhum pendor governista – ao contrário, é ferrenho crítico do atual governo. Mas ele e o bloco que lidera parecem ter percebido que o caminho do diálogo pode dar melhores frutos que o confronto puro e simples.
Há outros parlamentares da oposição igualmente dispostos a negociar com o governo. É o caso dos deputados que subscreveram emenda para destinar à primeira infância parte da economia que resultar da reforma da Previdência. Entre os autores destacam-se os jovens deputados Felipe Rigoni (PSB-ES) e Tabata Amaral (PDT-SP). Mesmo sendo da oposição, ambos dizem reconhecer como necessária a reforma da Previdência e, malgrado serem parlamentares de primeira viagem, mostram maturidade para reconhecer que o caminho da negociação tende a ser o mais produtivo para seus projetos políticos.
Tudo isso contrasta, e muito, com o comportamento do PT e de seus satélites. Fiel à sua natureza autoritária, o partido do presidiário Lula da Silva desconsidera a legitimidade de qualquer governo que não seja o seu. Nem se dá ao trabalho de formular propostas alternativas às encaminhadas pelo presidente Jair Bolsonaro, já que não pretende, a sério, negociar nada com o governo. Sua única intenção é prejudicar a tramitação de tudo o que emanar do Palácio do Planalto. E seu único projeto para o País se resume ao slogan “Lula livre”, com o qual inclusive tentou capturar as manifestações estudantis contra os cortes orçamentários nas universidades federais. Assim, segue sendo o velho PT de sempre, que não apoiou o Plano Real, que pediu o impeachment de todos os presidentes sempre que esteve na oposição e que jamais se dispôs a negociar senão na base do grito ou do talão de cheques.
Felizmente, parece que os partidos que se dedicarem a esse tipo de oposição destrutiva tendem ao isolamento, pois várias lideranças oposicionistas se recusam a aderir ao método petista de sabotar governos e demonstram genuína disposição para conversar.
É fato que o governo, nas suas relações com o Congresso, demonstra frequentemente a tendência de considerar que a vontade do presidente Bolsonaro deve ser automaticamente convertida em lei, e isso cria ruídos mesmo com os parlamentares de inclinação governista. Por outro lado, há também uma tendência de parte da oposição de considerar necessariamente ruim tudo o que é encaminhado pelo Palácio do Planalto, sem nem ao menos conhecer os projetos. Um clima desses não é propício para o diálogo. Por isso, mesmo que tenha sido apenas um lampejo, a recente negociação entre governo e oposição é alvissareira, pois mostrou qual é o único caminho viável para o País. Espera-se que as lideranças políticas responsáveis tenham entendido que não há outra maneira de alcançar o entendimento necessário para começar a tirar o Brasil de sua profunda crise, com a qual só os delinquentes morais lucram.
08 de junho de 2019
Editorial Estadão
ESTÍMULO DE CURTO PRAZO, É COMO DAR CACHAÇA PARA ALCOÓLATRA PARAR DE TERMER
Com essa opção, em 5 anos estaremos preocupados com 20 milhões de desempregados
Com a frustração do crescimento previsto para 2019, ouve-se cada vez mais que “o governo precisa fazer alguma coisa”. Infelizmente, estamos presos no baixo crescimento justamente porque “o governo fez algumas coisas”.
Aliás, muitas coisas. Erradas. As consequências da década da insensatez (2005-15) estão sendo sentidas agora e vão travar o crescimento por muitos anos à frente.
Na lógica política, passados quatro anos do fim dos desatinos, não cabe mais culpar os antecessores. Mas a realidade econômica não é essa: os erros do passado criam problemas que perduram por muito tempo.
A dívida pública foi aumentada em R$ 416 bilhões para transferir dinheiro ao BNDES e financiar empréstimos subsidiados que promoveram má alocação de capital: investimento que não gera produto, como Sete Brasil (R$ 10 bilhões), refinarias premium inviáveis(R$ 10 bilhões) ou empréstimos de Cuba e Venezuela em default (R$ 4 bilhões).
Foram sete anos dando crédito com juros negativos para a compra de caminhões. A frota cresceu 35% entre 2009 e 2016, enquanto o PIB só cresceu 10%. Temos excesso de oferta de frete, que derruba o preço e torna o país refém, por vários anos à frente, da ameaça de greve dos caminhoneiros e da tabela do frete.
A Petrobras foi presa de populismo tarifário e investimentos inviáveis. A relação entre endividamento líquido e geração operacional de caixa saltou de 1, em 2010, para 5, em 2015. Desde então, uma dura política de ajuste levou o indicador para 2,3 em 2018. Se estivesse com saúde, poderia estar investindo. Mas está lutando para digerir os abusos do passado.
Os subsídios do Tesouro pularam de 3% do PIB em 2003 para 6,7% em 2015. Com muito esforço para aprovar projetos no Congresso, foi possível reduzi-los para 5,4% do PIB. Quantos anos mais para zerar essa conta?
Os fundos de pensão das estatais financiaram projetos inviáveis de amigos do governo, que deixaram prejuízo de R$ 113 bilhões entre 2013 e 2018.
No caso do fundo da Caixa, por exemplo, para cobrir a perda, os 57 mil participantes terão que pagar contribuições extras, que chegam a 20% do rendimento bruto, ao longo de quase 18 anos! Serão muitos anos de renda e consumo perdidos.
Um contrato malfeito de “cessão onerosa” gerou contencioso entre Tesouro e Petrobras que bloqueia a licitação de 6 bilhões de barris de petróleo. Investimento e renda que poderiam estar jorrando nos últimos cinco anos. O mesmo vale para a interrupção, de 2008 a 2013, de todas as rodadas de licitação de petróleo.
Os estados se endividaram em excesso com a aquiescência da União. De uma média anual de empréstimos contratados de R$ 6 bilhões por ano, em 2007-8, pulou-se para R$ 36 bilhões no período 2009-12. Boa parte mediante autorizações especiais de endividamento, dadas pelo ministro da Fazenda, para estados que não tinham nota de crédito suficiente para tomar novos empréstimos. A incerteza sobre a solvência do setor público paralisa investimentos privados.
Uma única MP desestruturou todo o setor elétrico. Concessões de aeroportos e estradas mal desenhadas acabaram em concessionárias quebradas e investimentos travados.
Capital desperdiçado em investimentos ruins, dívida pública em rota explosiva. É preciso cumprir a difícil agenda da reabilitação. Resolver os problemas deixados e avançar nas reformas.
Buscar estímulos de curto prazo, hoje, é como dar cachaça para o alcoólatra parar de tremer. Se escolhermos essa opção, daqui a cinco anos estaremos preocupados com 20 milhões de desempregados.
08 de junho de 2019
Marcos Mendes
Doutor em economia, é consultor do Senado. Foi assessor especial do ministro da Fazenda (2016-2018)Folha de SP
Com a frustração do crescimento previsto para 2019, ouve-se cada vez mais que “o governo precisa fazer alguma coisa”. Infelizmente, estamos presos no baixo crescimento justamente porque “o governo fez algumas coisas”.
Aliás, muitas coisas. Erradas. As consequências da década da insensatez (2005-15) estão sendo sentidas agora e vão travar o crescimento por muitos anos à frente.
Na lógica política, passados quatro anos do fim dos desatinos, não cabe mais culpar os antecessores. Mas a realidade econômica não é essa: os erros do passado criam problemas que perduram por muito tempo.
A dívida pública foi aumentada em R$ 416 bilhões para transferir dinheiro ao BNDES e financiar empréstimos subsidiados que promoveram má alocação de capital: investimento que não gera produto, como Sete Brasil (R$ 10 bilhões), refinarias premium inviáveis(R$ 10 bilhões) ou empréstimos de Cuba e Venezuela em default (R$ 4 bilhões).
Foram sete anos dando crédito com juros negativos para a compra de caminhões. A frota cresceu 35% entre 2009 e 2016, enquanto o PIB só cresceu 10%. Temos excesso de oferta de frete, que derruba o preço e torna o país refém, por vários anos à frente, da ameaça de greve dos caminhoneiros e da tabela do frete.
A Petrobras foi presa de populismo tarifário e investimentos inviáveis. A relação entre endividamento líquido e geração operacional de caixa saltou de 1, em 2010, para 5, em 2015. Desde então, uma dura política de ajuste levou o indicador para 2,3 em 2018. Se estivesse com saúde, poderia estar investindo. Mas está lutando para digerir os abusos do passado.
Os subsídios do Tesouro pularam de 3% do PIB em 2003 para 6,7% em 2015. Com muito esforço para aprovar projetos no Congresso, foi possível reduzi-los para 5,4% do PIB. Quantos anos mais para zerar essa conta?
Os fundos de pensão das estatais financiaram projetos inviáveis de amigos do governo, que deixaram prejuízo de R$ 113 bilhões entre 2013 e 2018.
No caso do fundo da Caixa, por exemplo, para cobrir a perda, os 57 mil participantes terão que pagar contribuições extras, que chegam a 20% do rendimento bruto, ao longo de quase 18 anos! Serão muitos anos de renda e consumo perdidos.
Um contrato malfeito de “cessão onerosa” gerou contencioso entre Tesouro e Petrobras que bloqueia a licitação de 6 bilhões de barris de petróleo. Investimento e renda que poderiam estar jorrando nos últimos cinco anos. O mesmo vale para a interrupção, de 2008 a 2013, de todas as rodadas de licitação de petróleo.
Os estados se endividaram em excesso com a aquiescência da União. De uma média anual de empréstimos contratados de R$ 6 bilhões por ano, em 2007-8, pulou-se para R$ 36 bilhões no período 2009-12. Boa parte mediante autorizações especiais de endividamento, dadas pelo ministro da Fazenda, para estados que não tinham nota de crédito suficiente para tomar novos empréstimos. A incerteza sobre a solvência do setor público paralisa investimentos privados.
Uma única MP desestruturou todo o setor elétrico. Concessões de aeroportos e estradas mal desenhadas acabaram em concessionárias quebradas e investimentos travados.
Capital desperdiçado em investimentos ruins, dívida pública em rota explosiva. É preciso cumprir a difícil agenda da reabilitação. Resolver os problemas deixados e avançar nas reformas.
Buscar estímulos de curto prazo, hoje, é como dar cachaça para o alcoólatra parar de tremer. Se escolhermos essa opção, daqui a cinco anos estaremos preocupados com 20 milhões de desempregados.
08 de junho de 2019
Marcos Mendes
Doutor em economia, é consultor do Senado. Foi assessor especial do ministro da Fazenda (2016-2018)Folha de SP
STF ABRE FISSURA NO ESTATISMO BRASILEIROS
Julgamento sobre regras para privatizações pode permitir ao país se afastar do capitalismo de Estado
A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de, por maioria de votos, oito a três, permitir a privatização de subsidiárias de estatais sem precisar de aval do Congresso, tem importante aplicação imediata, porque a Petrobras segue um plano estratégico de venda de empresas e ativos avaliados em US$ 32 bilhões. Além de existir um programa de venda de estatais, no governo Bolsonaro, como forma de também ajudar a economia a sair da crise fiscal.
No caso da Petrobras, os recursos estão sendo aplicados no abatimento da elevada dívida da estatal, contraída no período de desvarios lulopetistas em investimentos bilionários mal feitos, usados para o desvio de dinheiro público, com a ajuda de empreiteiras. Destinado para campanhas políticas, projetos de poder e bolsos privados. Os autos da Lava-Jato contam a história.
A empresa foi usada, ainda, como instrumento de política anti-inflacionária, por meio do congelamento de preços de combustíveis, bancado pela companhia, causa de um enorme rombo no seu caixa. Ninguém reclamou à Justiça. Mas quando foi lançado o programa de venda de refinarias, de parte da BR — operações também para afinal injetar concorrência no mercado de distribuição — e de subsidiárias na área de gás, interesses corporativistas terminaram sendo contrariados, e sindicatos correram ao STF.
Escolhido relator do caso, o ministro Ricardo Lewandowski concedeu liminar para exigir que qualquer privatização precise de permissão do Legislativo. Ora, seria o mesmo que proibir as desestatizações, não só porque corporações sindicais têm razoável influência no Congresso, como também há políticos que usam empresas públicas para exercitar o clientelismo e até mesmo fazer negócios. Depois, reclamação semelhante foi entregue para o ministro Edson Fachin relatar, especificamente contra a venda já acertada de uma subsidiária da área de gás (TAG).
O julgamento pelo plenário da Corte, encerrado quinta-feira, corrigiu o rumo das liminares: subsidiárias não precisam de lei específica para ser negociadas, nem de licitações, apenas as “empresas-matrizes”. Nesses dois casos, seria a Petrobras.
Numa perspectiva mais ampla, o STF ajuda a fechar um longo ciclo histórico em que o Brasil sempre esteve mais próximo do capitalismo de Estado do que de um regime econômico liberal. Como se tenta agora. E foi esta visão estatista — um “fetiche”, segundo o ministro Luís Roberto Barroso —que plasmou a própria Constituição de 1988, embora ela conceda a primazia no sistema produtivo ao setor privado.
Esta ideologia da predominância do Estado sobre a sociedade tem raízes tão profundas que une a esquerda e a direita. A política econômica do general Geisel sempre contou com simpatias no PT, tanto que Lula e Dilma aplicaram a receita geiselista de substituição de importações na Petrobras. Outra causa da desestabilização da empresa. O STF agora estabelece um marco para o país se afastar deste passado.
08 de junho de 2019
Editorial O Globo
A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de, por maioria de votos, oito a três, permitir a privatização de subsidiárias de estatais sem precisar de aval do Congresso, tem importante aplicação imediata, porque a Petrobras segue um plano estratégico de venda de empresas e ativos avaliados em US$ 32 bilhões. Além de existir um programa de venda de estatais, no governo Bolsonaro, como forma de também ajudar a economia a sair da crise fiscal.
No caso da Petrobras, os recursos estão sendo aplicados no abatimento da elevada dívida da estatal, contraída no período de desvarios lulopetistas em investimentos bilionários mal feitos, usados para o desvio de dinheiro público, com a ajuda de empreiteiras. Destinado para campanhas políticas, projetos de poder e bolsos privados. Os autos da Lava-Jato contam a história.
A empresa foi usada, ainda, como instrumento de política anti-inflacionária, por meio do congelamento de preços de combustíveis, bancado pela companhia, causa de um enorme rombo no seu caixa. Ninguém reclamou à Justiça. Mas quando foi lançado o programa de venda de refinarias, de parte da BR — operações também para afinal injetar concorrência no mercado de distribuição — e de subsidiárias na área de gás, interesses corporativistas terminaram sendo contrariados, e sindicatos correram ao STF.
Escolhido relator do caso, o ministro Ricardo Lewandowski concedeu liminar para exigir que qualquer privatização precise de permissão do Legislativo. Ora, seria o mesmo que proibir as desestatizações, não só porque corporações sindicais têm razoável influência no Congresso, como também há políticos que usam empresas públicas para exercitar o clientelismo e até mesmo fazer negócios. Depois, reclamação semelhante foi entregue para o ministro Edson Fachin relatar, especificamente contra a venda já acertada de uma subsidiária da área de gás (TAG).
O julgamento pelo plenário da Corte, encerrado quinta-feira, corrigiu o rumo das liminares: subsidiárias não precisam de lei específica para ser negociadas, nem de licitações, apenas as “empresas-matrizes”. Nesses dois casos, seria a Petrobras.
Numa perspectiva mais ampla, o STF ajuda a fechar um longo ciclo histórico em que o Brasil sempre esteve mais próximo do capitalismo de Estado do que de um regime econômico liberal. Como se tenta agora. E foi esta visão estatista — um “fetiche”, segundo o ministro Luís Roberto Barroso —que plasmou a própria Constituição de 1988, embora ela conceda a primazia no sistema produtivo ao setor privado.
Esta ideologia da predominância do Estado sobre a sociedade tem raízes tão profundas que une a esquerda e a direita. A política econômica do general Geisel sempre contou com simpatias no PT, tanto que Lula e Dilma aplicaram a receita geiselista de substituição de importações na Petrobras. Outra causa da desestabilização da empresa. O STF agora estabelece um marco para o país se afastar deste passado.
08 de junho de 2019
Editorial O Globo
CONGRESSO RESSURGE
Atualmente, agenda positiva está nas mãos de deputados e senadores
Observa-se hoje na relação entre os poderes Executivo e Legislativo uma inversão do que ocorreu no Brasil desde o governo de Fernando Henrique Cardoso, quando o Palácio do Planalto impôs sua supremacia sobre o Congresso, tornando-o quase que só um carimbador das iniciativas do governo. Iniciativas estas tomadas a partir da edição de medidas provisórias, projetos de lei e até de emendas constitucionais, como as que levaram a reformas que mudaram a ordem econômica, permitindo a privatização do sistema Telebrás e o fim do monopólio de pesquisa, lavra e refino de petróleo pela Petrobrás. Sem falar na que permitiu a reeleição de presidente da República, governadores e prefeitos.
No governo de Lula não foi diferente. Ele fez o que quis no Congresso. Nem a CPI dos Correios, que em 2005 desvendou o esquema de compra de partidos (escândalo do mensalão) pelo governo petista, o perturbou. Ante a pressão política, Lula ampliou sua base de apoio com partidos de centro-direita, distribuindo ministérios, e se manteve soberano. Já o governo de Dilma Rousseff começou com uma base de sustentação com mais partidos do que a de Lula, pois incorporou o PRB ao Ministério, mas os erros da então presidente foram tantos que ela perdeu tudo, até o mandato, tirado dela por um processo de impeachment aprovado por velhos aliados. Com Michel Temer, o vice que substituiu Dilma, não foi diferente. Aprovou reformas como a trabalhista, e só não avançou na da Previdência porque teve de usar seu capital político para se livrar de suas ações penais pedidas pela Procuradoria-Geral da República.
O presidente Jair Bolsonaro optou por não montar uma base de sustentação no Congresso, sob o argumento de que não negociaria seu governo com os partidos políticos. Cumpriu a palavra. Bolsonaro costuma dizer que as negociações políticas levam à corrupção. Não se pode dizer que essa é uma regra geral. É possível fazer boa política e bons acordos, tudo no chamado espírito republicano. Mas esse é um argumento que não convence o presidente. Quem tem a caneta é ele. Então, que seja assim.
O fato é que, se Bolsonaro não tem articuladores políticos, deputados e senadores estão fazendo política como há tempos não faziam. Nesse espírito, são eles que impõem a agenda de trabalho, uma agenda que busca ser positiva para o País, como as reformas da Previdência e tributária, a primeira já em fase adiantada, mas do jeito que o Congresso quer, e não do jeito que o governo queria, a segunda sem esperar por Bolsonaro.
Hoje os congressistas fazem política de tal modo e com tal rapidez que nós antigos e difíceis de desatar têm sido desatados em tempo muito rápido. Como ocorreu na quarta-feira, quando a Câmara aprovou por votação unânime ou esmagadoramente a favor, duas emendas constitucionais que aumentam muito a força do Legislativo e tiram poder do Executivo.
Uma das emendas, conhecida por emenda do Orçamento impositivo, torna obrigatória a liberação do dinheiro de emendas ao Orçamento apresentadas por bancadas dos Estados e do Distrito Federal. Na prática, tira do Executivo um forte instrumento de barganha, no velho estilo “libero o dinheiro e você vota a meu favor”. A outra muda a forma de tramitação das medidas provisórias, o que também retira poder do presidente da República. O tempo para uma MP caducar agora será mais breve.
Há de se destacar que as duas emendas constitucionais foram aprovadas em poucas horas, com acordo para se pular o interstício que se dá entre a votação do primeiro para o segundo turno. Aprovar duas emendas constitucionais num mesmo dia, e em dois turnos, é algo nunca visto no Congresso.
08 de junho de 2019
João Domingos, Estado de S.Paulo
Observa-se hoje na relação entre os poderes Executivo e Legislativo uma inversão do que ocorreu no Brasil desde o governo de Fernando Henrique Cardoso, quando o Palácio do Planalto impôs sua supremacia sobre o Congresso, tornando-o quase que só um carimbador das iniciativas do governo. Iniciativas estas tomadas a partir da edição de medidas provisórias, projetos de lei e até de emendas constitucionais, como as que levaram a reformas que mudaram a ordem econômica, permitindo a privatização do sistema Telebrás e o fim do monopólio de pesquisa, lavra e refino de petróleo pela Petrobrás. Sem falar na que permitiu a reeleição de presidente da República, governadores e prefeitos.
No governo de Lula não foi diferente. Ele fez o que quis no Congresso. Nem a CPI dos Correios, que em 2005 desvendou o esquema de compra de partidos (escândalo do mensalão) pelo governo petista, o perturbou. Ante a pressão política, Lula ampliou sua base de apoio com partidos de centro-direita, distribuindo ministérios, e se manteve soberano. Já o governo de Dilma Rousseff começou com uma base de sustentação com mais partidos do que a de Lula, pois incorporou o PRB ao Ministério, mas os erros da então presidente foram tantos que ela perdeu tudo, até o mandato, tirado dela por um processo de impeachment aprovado por velhos aliados. Com Michel Temer, o vice que substituiu Dilma, não foi diferente. Aprovou reformas como a trabalhista, e só não avançou na da Previdência porque teve de usar seu capital político para se livrar de suas ações penais pedidas pela Procuradoria-Geral da República.
O presidente Jair Bolsonaro optou por não montar uma base de sustentação no Congresso, sob o argumento de que não negociaria seu governo com os partidos políticos. Cumpriu a palavra. Bolsonaro costuma dizer que as negociações políticas levam à corrupção. Não se pode dizer que essa é uma regra geral. É possível fazer boa política e bons acordos, tudo no chamado espírito republicano. Mas esse é um argumento que não convence o presidente. Quem tem a caneta é ele. Então, que seja assim.
O fato é que, se Bolsonaro não tem articuladores políticos, deputados e senadores estão fazendo política como há tempos não faziam. Nesse espírito, são eles que impõem a agenda de trabalho, uma agenda que busca ser positiva para o País, como as reformas da Previdência e tributária, a primeira já em fase adiantada, mas do jeito que o Congresso quer, e não do jeito que o governo queria, a segunda sem esperar por Bolsonaro.
Hoje os congressistas fazem política de tal modo e com tal rapidez que nós antigos e difíceis de desatar têm sido desatados em tempo muito rápido. Como ocorreu na quarta-feira, quando a Câmara aprovou por votação unânime ou esmagadoramente a favor, duas emendas constitucionais que aumentam muito a força do Legislativo e tiram poder do Executivo.
Uma das emendas, conhecida por emenda do Orçamento impositivo, torna obrigatória a liberação do dinheiro de emendas ao Orçamento apresentadas por bancadas dos Estados e do Distrito Federal. Na prática, tira do Executivo um forte instrumento de barganha, no velho estilo “libero o dinheiro e você vota a meu favor”. A outra muda a forma de tramitação das medidas provisórias, o que também retira poder do presidente da República. O tempo para uma MP caducar agora será mais breve.
Há de se destacar que as duas emendas constitucionais foram aprovadas em poucas horas, com acordo para se pular o interstício que se dá entre a votação do primeiro para o segundo turno. Aprovar duas emendas constitucionais num mesmo dia, e em dois turnos, é algo nunca visto no Congresso.
08 de junho de 2019
João Domingos, Estado de S.Paulo
A BATALHA PELO IMPOSTO SINDICAL CONTINUA
Com a reforma trabalhista de 2017, o sindicalismo se viu desafiado pelo fim da cobrança obrigatória que até então era imposta a todos os trabalhadores de uma determinada categoria com a finalidade de sustentar o respectivo sindicato – independentemente de o funcionário ser ou não filiado à entidade. O chamado “imposto sindical” chegou a movimentar R$ 3,5 bilhões anuais, destinados a sindicatos e centrais sindicais que às vezes estavam mais preocupados em fazer política partidária que em lutar pelos direitos dos trabalhadores que diziam representar. Com a reforma, o desconto passou a depender de autorização expressa e individual do funcionário.
Essas entidades poderiam ter seguido o exemplo de sindicatos com grande filiação e tradição de combatividade em favor de sua categoria, reinventando-se para conquistar novos membros que estivessem voluntariamente dispostos a sustentá-las. Mas, em vez disso, preferiram recorrer a truques legais para burlar a intenção da lei e garantir a continuação da cobrança indiscriminada. Sindicatos passaram a realizar “assembleias extraordinárias”, com presença nem sempre numerosa, em que aprovavam o desconto na folha de todos os trabalhadores da categoria.
É inexplicável a atitude de sindicatos, procuradores e juízes que insistem em passar por cima da lei e das decisões do STF para prejudicar o trabalhador
Para conseguir manter a cobrança, as entidades alegavam a “prevalência do negociado sobre o legislado”, princípio saudável das relações trabalhistas – mas distorcido neste caso, pois seria preciso deturpar o texto de partes da CLT que tratam do desconto, como os artigos 579 e 545, que condiciona o desconto do imposto sindical à “autorização prévia e expressa” dos trabalhadores. Para os sindicatos, a redação dos textos, que usa o plural ao se referir a “empregados”, daria margem a uma autorização coletiva, e não individual. Claro que, para tal, seria preciso atropelar o artigo 611-B da CLT, segundo o qual ninguém pode sofrer desconto de valor algum “sem sua expressa e prévia anuência”, um direito que não pode ser anulado por convenções coletivas.
Infelizmente, a rebelião ideológica contra a reforma trabalhista dentro do Ministério Público do Trabalho e da Justiça do Trabalho permitiu que a tese da cobrança coletiva, ainda que completamente desprovida de amparo legal e já descartada pelo Supremo Tribunal Federal em 2018, pudesse prevalecer nos casos em que os sindicatos buscaram o Judiciário. Até mesmo a segunda instância, os Tribunais Regionais do Trabalho, tem tomado decisões neste sentido. Mas as empresas obrigadas a fazer o desconto em folha começaram a reagir, e um dos casos chegou ao STF.
No fim de maio, a ministra Cármen Lúcia concedeu liminar a pedido de uma metalúrgica do Rio Grande do Sul, derrubando uma decisão do TRT da 4.ª Região que tinha beneficiado um sindicato do setor. Ela lembrou o julgamento realizado no próprio Supremo a respeito da constitucionalidade de trechos da reforma trabalhista, ocasião em que o entendimento da corte foi pela necessidade de autorização individual para a cobrança do imposto sindical. Assim, o Supremo consolida a jurisprudência a respeito do tema, tornando ainda mais inexplicável a atitude de sindicatos, procuradores e juízes que insistem em passar por cima da lei e das decisões do STF para prejudicar o trabalhador.
A disputa jurídica em torno da cobrança do imposto sindical levou o governo Jair Bolsonaro a publicar, no início de março deste ano, a Medida Provisória 873/19, que buscou eliminar qualquer possível ambiguidade na CLT e deixar ainda mais claro que é o trabalhador, de forma individual e voluntária, que tem de autorizar o desconto. No entanto, a MP ainda introduziu exigências totalmente desnecessárias e desproporcionais, como a necessidade de cobrança por boleto, em vez do desconto direto em folha – uma formalidade totalmente dispensável, se levarmos em conta que o empregador já manifestou sua intenção de realizar o pagamento.
A MP ainda aguarda a escolha de um relator na comissão mista de deputados e senadores, e corre o risco de caducar no fim de junho. Por mais que o artigo 611-B da CLT e o Supremo já sejam claros, o texto publicado por Bolsonaro serviria para acabar de vez com as dúvidas sobre a autorização individual para a cobrança; por isso, o ideal seria que os congressistas aprovassem a MP, eliminando dele os trechos excessivos, como o referente ao boleto bancário. Quanto aos sindicatos, que saibam cumprir a lei, esforçando-se para conquistar mais filiados, e não para buscar vitórias duvidosas nos tribunais.
08 de junho de 2019
Editorial Gazeta do Povo, PR
Essas entidades poderiam ter seguido o exemplo de sindicatos com grande filiação e tradição de combatividade em favor de sua categoria, reinventando-se para conquistar novos membros que estivessem voluntariamente dispostos a sustentá-las. Mas, em vez disso, preferiram recorrer a truques legais para burlar a intenção da lei e garantir a continuação da cobrança indiscriminada. Sindicatos passaram a realizar “assembleias extraordinárias”, com presença nem sempre numerosa, em que aprovavam o desconto na folha de todos os trabalhadores da categoria.
É inexplicável a atitude de sindicatos, procuradores e juízes que insistem em passar por cima da lei e das decisões do STF para prejudicar o trabalhador
Para conseguir manter a cobrança, as entidades alegavam a “prevalência do negociado sobre o legislado”, princípio saudável das relações trabalhistas – mas distorcido neste caso, pois seria preciso deturpar o texto de partes da CLT que tratam do desconto, como os artigos 579 e 545, que condiciona o desconto do imposto sindical à “autorização prévia e expressa” dos trabalhadores. Para os sindicatos, a redação dos textos, que usa o plural ao se referir a “empregados”, daria margem a uma autorização coletiva, e não individual. Claro que, para tal, seria preciso atropelar o artigo 611-B da CLT, segundo o qual ninguém pode sofrer desconto de valor algum “sem sua expressa e prévia anuência”, um direito que não pode ser anulado por convenções coletivas.
Infelizmente, a rebelião ideológica contra a reforma trabalhista dentro do Ministério Público do Trabalho e da Justiça do Trabalho permitiu que a tese da cobrança coletiva, ainda que completamente desprovida de amparo legal e já descartada pelo Supremo Tribunal Federal em 2018, pudesse prevalecer nos casos em que os sindicatos buscaram o Judiciário. Até mesmo a segunda instância, os Tribunais Regionais do Trabalho, tem tomado decisões neste sentido. Mas as empresas obrigadas a fazer o desconto em folha começaram a reagir, e um dos casos chegou ao STF.
No fim de maio, a ministra Cármen Lúcia concedeu liminar a pedido de uma metalúrgica do Rio Grande do Sul, derrubando uma decisão do TRT da 4.ª Região que tinha beneficiado um sindicato do setor. Ela lembrou o julgamento realizado no próprio Supremo a respeito da constitucionalidade de trechos da reforma trabalhista, ocasião em que o entendimento da corte foi pela necessidade de autorização individual para a cobrança do imposto sindical. Assim, o Supremo consolida a jurisprudência a respeito do tema, tornando ainda mais inexplicável a atitude de sindicatos, procuradores e juízes que insistem em passar por cima da lei e das decisões do STF para prejudicar o trabalhador.
A disputa jurídica em torno da cobrança do imposto sindical levou o governo Jair Bolsonaro a publicar, no início de março deste ano, a Medida Provisória 873/19, que buscou eliminar qualquer possível ambiguidade na CLT e deixar ainda mais claro que é o trabalhador, de forma individual e voluntária, que tem de autorizar o desconto. No entanto, a MP ainda introduziu exigências totalmente desnecessárias e desproporcionais, como a necessidade de cobrança por boleto, em vez do desconto direto em folha – uma formalidade totalmente dispensável, se levarmos em conta que o empregador já manifestou sua intenção de realizar o pagamento.
A MP ainda aguarda a escolha de um relator na comissão mista de deputados e senadores, e corre o risco de caducar no fim de junho. Por mais que o artigo 611-B da CLT e o Supremo já sejam claros, o texto publicado por Bolsonaro serviria para acabar de vez com as dúvidas sobre a autorização individual para a cobrança; por isso, o ideal seria que os congressistas aprovassem a MP, eliminando dele os trechos excessivos, como o referente ao boleto bancário. Quanto aos sindicatos, que saibam cumprir a lei, esforçando-se para conquistar mais filiados, e não para buscar vitórias duvidosas nos tribunais.
08 de junho de 2019
Editorial Gazeta do Povo, PR
CHERNOBYL: QUANTO CUSTA A MENTIRA?
Terminei nesta quinta a minissérie “Chernobyl”, da HBO, que conta a história da tragédia causada pela explosão da usina nuclear na União Soviética em 1986. Em apenas cinco episódios, cada um com cerca de uma hora de duração, a série retrata com realismo os acontecimentos terríveis que espalharam radiação, matando milhares de pessoas, e mostra como a burocracia engessada pelo comunismo esteve no epicentro dos problemas.
O que rege os funcionários sob o comunismo é o medo, sempre o medo. E como a ambição humana não desaparece por conta do regime político, ela é apenas canalizada de uma forma diferente. No comunismo, todos precisam puxar o saco dos superiores para subir na hierarquia, que independente do mérito individual.
No capitalismo, um empreendedor preconceituoso pode se ver na “obrigação” de premiar um funcionário de quem não gosta se ele for produtivo. Se ele não o fizer, o concorrente pode contrata-lo e tomar seu negócio, sendo mais eficiente. No comunismo não funciona assim. A eficiência não faz parte da equação. É um processo de bajulação entre “camaradas” para ver quem detém o poder, sem qualquer preocupação com o mercado, os clientes, os outros.
Tudo é pelas aparências, especialmente em tempos de Guerra Fria. Regimes comunistas precisam aparentar força externa, capacidade militar e tecnológica. Por isso o simbolismo tão grande do Sputnik, e por isso o próprio Gorbachev considerou o acidente em Chernobyl uma das principais causas do fim do império soviético: expôs com humilhação a fragilidade do sistema, calcado em segredos de estado que, na prática, serviam para esconder a incompetência e a falta de recursos.
Era muito caro construir mecanismos de maior proteção na usina, como tinham no Ocidente capitalista. Era vergonhoso admitir que houve falhas detectadas nos reatores, e por isso era melhor ocultar esses “detalhes”, mesmo que culminassem na explosão de 1986. Os funcionários mais preparados, que sabiam dos riscos do teste, não tinham como bater de frente com os superiores, num sistema hierárquico e sem respaldo na meritocracia.
Todo fracasso complexo como esse tem camadas de erros, normalmente. Falhas humanas que vão se somando, problemas técnicos, até que o impensável ocorre. Claro que acidente nuclear – ou qualquer outro tipo – não é exclusividade do modelo comunista. Mas o que a minissérie mostra com perfeição é como tudo parece conspirar contra nesse regime, dando uma magnitude sombria ao que poderia ser contido. O regime comunista é todo montado em cima de mentiras, e eis a mensagem essencial da minissérie.
Foi Malcolm Gladwell, se não me engano, que mostrou num de seus livros como acidentes de avião ocorrem com mais frequência em países com cultura hierárquica demais. O motivo é simples: um copiloto com coragem de desafiar o mau julgamento do piloto oferece mais chances de evitar o pior, enquanto numa cultura calcada no medo excessivo, disfarçado de respeito pelos superiores, o silêncio será muitas vezes preferível, ainda que com o custo de um acidente fatal.
Indivíduos, porém, fazem a diferença, agindo com coragem heróica para desafiar um sistema de terror imposto pelo estado. É o que mostra também a minissérie. Cientistas, que costumam ser movidos pela curiosidade, pela busca imparcial da verdade, não aceitam facilmente se curvar diante da ideologia – ou não deveriam. Alguns vão para o sacrifício pessoal em prol da verdade, e isso é heroísmo.
Não obstante, e evitando contaminações ainda piores, a explosão em Chernobyl matou ao menos quatro mil pessoas, podendo chegar a quase cem mil considerando efeitos indiretos, como o elevado aumento na taxa de câncer na população. O regime soviético considerava apenas 31 mortes oficiais. Democracias possuem mecanismos de pesos e contrapesos, partidos de oposição, imprensa livre, e raramente conseguem esconder a verdade de tanta gente por tanto tempo.
Há uma cena logo no primeiro episódio que relata com perfeição a típica mentalidade comunista. As autoridades estão reunidas para debater o que fazer, cada um transferindo responsabilidades, todos preocupados apenas em se safar, quando o velhinho quieto no canto bate com sua bengala no chão, exigindo a palavra. Todos se calam para escuta-lo, pois é o superior do partido ali. Ele, então, faz um discurso ditatorial e desumano, sobre proteger os “interesses do estado”, ainda que impondo ao povo a escravidão. E é, claro, aplaudido por todos, de pé. Isso é o comunismo na prática.
A minissérie é entretenimento da melhor qualidade, e ainda dá uma aula de ciência aos leigos. Não é leve, até porque seria impossível retratar tanto drama de forma suave. Achei que se perdeu apenas no quarto episódio, mais arrastado e também muito “trash”, em que um jovem é escalado para eliminar os bichos de estimação da cidade, incluindo filhotes. Fora isso, e o fato de que a língua original escolhida foi o inglês em vez do russo, nota dez! Não percam.
08 de junho de 2019
Rodrigo Constantino, Gazeta do Povo, PR
O que rege os funcionários sob o comunismo é o medo, sempre o medo. E como a ambição humana não desaparece por conta do regime político, ela é apenas canalizada de uma forma diferente. No comunismo, todos precisam puxar o saco dos superiores para subir na hierarquia, que independente do mérito individual.
No capitalismo, um empreendedor preconceituoso pode se ver na “obrigação” de premiar um funcionário de quem não gosta se ele for produtivo. Se ele não o fizer, o concorrente pode contrata-lo e tomar seu negócio, sendo mais eficiente. No comunismo não funciona assim. A eficiência não faz parte da equação. É um processo de bajulação entre “camaradas” para ver quem detém o poder, sem qualquer preocupação com o mercado, os clientes, os outros.
Tudo é pelas aparências, especialmente em tempos de Guerra Fria. Regimes comunistas precisam aparentar força externa, capacidade militar e tecnológica. Por isso o simbolismo tão grande do Sputnik, e por isso o próprio Gorbachev considerou o acidente em Chernobyl uma das principais causas do fim do império soviético: expôs com humilhação a fragilidade do sistema, calcado em segredos de estado que, na prática, serviam para esconder a incompetência e a falta de recursos.
Era muito caro construir mecanismos de maior proteção na usina, como tinham no Ocidente capitalista. Era vergonhoso admitir que houve falhas detectadas nos reatores, e por isso era melhor ocultar esses “detalhes”, mesmo que culminassem na explosão de 1986. Os funcionários mais preparados, que sabiam dos riscos do teste, não tinham como bater de frente com os superiores, num sistema hierárquico e sem respaldo na meritocracia.
Todo fracasso complexo como esse tem camadas de erros, normalmente. Falhas humanas que vão se somando, problemas técnicos, até que o impensável ocorre. Claro que acidente nuclear – ou qualquer outro tipo – não é exclusividade do modelo comunista. Mas o que a minissérie mostra com perfeição é como tudo parece conspirar contra nesse regime, dando uma magnitude sombria ao que poderia ser contido. O regime comunista é todo montado em cima de mentiras, e eis a mensagem essencial da minissérie.
Foi Malcolm Gladwell, se não me engano, que mostrou num de seus livros como acidentes de avião ocorrem com mais frequência em países com cultura hierárquica demais. O motivo é simples: um copiloto com coragem de desafiar o mau julgamento do piloto oferece mais chances de evitar o pior, enquanto numa cultura calcada no medo excessivo, disfarçado de respeito pelos superiores, o silêncio será muitas vezes preferível, ainda que com o custo de um acidente fatal.
Indivíduos, porém, fazem a diferença, agindo com coragem heróica para desafiar um sistema de terror imposto pelo estado. É o que mostra também a minissérie. Cientistas, que costumam ser movidos pela curiosidade, pela busca imparcial da verdade, não aceitam facilmente se curvar diante da ideologia – ou não deveriam. Alguns vão para o sacrifício pessoal em prol da verdade, e isso é heroísmo.
Não obstante, e evitando contaminações ainda piores, a explosão em Chernobyl matou ao menos quatro mil pessoas, podendo chegar a quase cem mil considerando efeitos indiretos, como o elevado aumento na taxa de câncer na população. O regime soviético considerava apenas 31 mortes oficiais. Democracias possuem mecanismos de pesos e contrapesos, partidos de oposição, imprensa livre, e raramente conseguem esconder a verdade de tanta gente por tanto tempo.
Há uma cena logo no primeiro episódio que relata com perfeição a típica mentalidade comunista. As autoridades estão reunidas para debater o que fazer, cada um transferindo responsabilidades, todos preocupados apenas em se safar, quando o velhinho quieto no canto bate com sua bengala no chão, exigindo a palavra. Todos se calam para escuta-lo, pois é o superior do partido ali. Ele, então, faz um discurso ditatorial e desumano, sobre proteger os “interesses do estado”, ainda que impondo ao povo a escravidão. E é, claro, aplaudido por todos, de pé. Isso é o comunismo na prática.
A minissérie é entretenimento da melhor qualidade, e ainda dá uma aula de ciência aos leigos. Não é leve, até porque seria impossível retratar tanto drama de forma suave. Achei que se perdeu apenas no quarto episódio, mais arrastado e também muito “trash”, em que um jovem é escalado para eliminar os bichos de estimação da cidade, incluindo filhotes. Fora isso, e o fato de que a língua original escolhida foi o inglês em vez do russo, nota dez! Não percam.
08 de junho de 2019
Rodrigo Constantino, Gazeta do Povo, PR
A MOEDA "PELADONA"
Integração monetária de Argentina e Brasil exigiria uma série de decisões, como unificar políticas fiscal e cambial
A idéia de criar uma moeda única de Brasil e Argentina parece mais esdrúxula ainda quando o presidente Bolsonaro a classifica como “uma trava a aventuras socialistas na região”.
O ministro da Economia Paulo Guedes, que hoje parece gostar da idéia, antes mesmo de assumir o cargo provocara um mal-estar com a Argentina quando afirmou que o Mercosul não era prioridade para o novo governo brasileiro porque é "muito restritivo, o Brasil ficou prisioneiro de alianças ideológicas, e isso é ruim para a economia".
Ele se referia a um bloco que só negociava com quem tinha "inclinações bolivarianas". Como a proposta de uma moeda única fora feita em 2011 no governo de Dilma Rousseff, quando Cristina Kirchner era presidente da Argentina, mais uma vez o governo Bolsonaro faz o que critica em seus antecessores.
Se o PT queria criar uma moeda única na região para fortalecer as “repúblicas bolivarianas”, agora Bolsonaro a quer para evitar a volta ao poder dos “bolivarianos” que foram varridos dos governos da região pelo voto popular.
A moeda única dos dois países poderia evoluir para uma moeda do Mercosul, comentou o presidente Bolsonaro. O Mercosul, aliás, também já esteve na mira do governo Temer, quando o tucano José Serra assumiu o Ministério das Relações Exteriores.
Na posse, disse que “a diplomacia voltará a refletir os valores da sociedade brasileira, e estará a serviço do Brasil e não das conveniências e preferências ideológicas de um partido político e seus aliados no exterior”.
Serra já havia anunciado, quando candidato à presidência da República, querer transformar a união aduaneira numa área de livre comércio, permitindo a seus membros fazer acordos comerciais de forma isolada, sem a concordância e adesão dos demais sócios.
Essa também é uma idéia que agrada Bolsonaro e Macri, para aproximação com a Aliança do Pacífico. O acordo com a União Européia ainda não saiu pela necessidade de adesão de todos os membros do Mercosul, o que atrasa a inserção comercial do Brasil no mundo.
Criado em 1991 pelo Tratado de Assunção, o Mercosul é hoje o terceiro maior bloco do mundo, depois do Nafta (México, Canadá e Estados Unidos) e da União Européia, com um PIB de US$ 2,8 trilhões (R$ 10,4 trilhões) em 2018. Se fosse um país, o Mercosul seria a quinta maior economia do mundo, atrás apenas de Estados Unidos, China, Japão e Alemanha.
Na ocasião de sua criação, o Mercosul provocou várias gozações, hoje conhecidos como memes no mundo digital. A brincadeira sobre o possível nome da nova moeda, que seria Peso Real, mas deveria ser, segundo os internautas, “peladona”, uma junção de Pelé e Maradona, faz lembrar o que dizia à época.
Eu mesmo escrevi um artigo intitulado Mercosul F.C. onde ironizava as vantagens que tal união poderia nos trazer: fazer uma seleção de futebol com Zico e Maradona. Hoje, assim como o Mercosul poderia ser a quinta economia do mundo, mas não é, também poderia organizar uma seleção de futebol capaz de enfrentar os europeus, que venceram as últimas quatro Copas do Mundo. Repetir na seleção do Mercosul o antigo trio atacante MSN do Barcelona, o argentino Messi, o uruguaio Suarez e o brasileiro Neymar seria uma grande vantagem competitiva.
O fato é que o Mercosul, como uma área de livre-comércio, eliminou barreiras alfandegárias e aumentou o fluxo comercial entre seus membros, mas essa proteção, que acabou sendo o principal objetivo do grupo, fez com que a indústria desses países perdesse a competitividade.
A integração monetária entre Brasil e Argentina, e depois com os demais países do Mercosul, exigiria uma série de decisões, como unificação de políticas fiscal e cambial. O euro, moeda da União Européia, nasceu em 2002, 14 anos depois de o Conselho Europeu ter confirmado a união monetária em 1988, e décadas depois do início das negociações.
A nova moeda exigiria instituições para cuidar do setor financeiro e da política fiscal dos países, inicialmente Brasil e Argentina, depois os demais do Mercosul, o que vai de encontro às idéias do governo Bolsonaro, contrárias aos organismos internacionais, que impediriam às nações desenvolverem suas próprias institucionalidades. Por essa razão, o governo brasileiro acabou com o passaporte e a placa de automóveis do Mercosul.
08 de junho de 2019
Merval ereira
O Globo
A idéia de criar uma moeda única de Brasil e Argentina parece mais esdrúxula ainda quando o presidente Bolsonaro a classifica como “uma trava a aventuras socialistas na região”.
O ministro da Economia Paulo Guedes, que hoje parece gostar da idéia, antes mesmo de assumir o cargo provocara um mal-estar com a Argentina quando afirmou que o Mercosul não era prioridade para o novo governo brasileiro porque é "muito restritivo, o Brasil ficou prisioneiro de alianças ideológicas, e isso é ruim para a economia".
Ele se referia a um bloco que só negociava com quem tinha "inclinações bolivarianas". Como a proposta de uma moeda única fora feita em 2011 no governo de Dilma Rousseff, quando Cristina Kirchner era presidente da Argentina, mais uma vez o governo Bolsonaro faz o que critica em seus antecessores.
Se o PT queria criar uma moeda única na região para fortalecer as “repúblicas bolivarianas”, agora Bolsonaro a quer para evitar a volta ao poder dos “bolivarianos” que foram varridos dos governos da região pelo voto popular.
A moeda única dos dois países poderia evoluir para uma moeda do Mercosul, comentou o presidente Bolsonaro. O Mercosul, aliás, também já esteve na mira do governo Temer, quando o tucano José Serra assumiu o Ministério das Relações Exteriores.
Na posse, disse que “a diplomacia voltará a refletir os valores da sociedade brasileira, e estará a serviço do Brasil e não das conveniências e preferências ideológicas de um partido político e seus aliados no exterior”.
Serra já havia anunciado, quando candidato à presidência da República, querer transformar a união aduaneira numa área de livre comércio, permitindo a seus membros fazer acordos comerciais de forma isolada, sem a concordância e adesão dos demais sócios.
Essa também é uma idéia que agrada Bolsonaro e Macri, para aproximação com a Aliança do Pacífico. O acordo com a União Européia ainda não saiu pela necessidade de adesão de todos os membros do Mercosul, o que atrasa a inserção comercial do Brasil no mundo.
Criado em 1991 pelo Tratado de Assunção, o Mercosul é hoje o terceiro maior bloco do mundo, depois do Nafta (México, Canadá e Estados Unidos) e da União Européia, com um PIB de US$ 2,8 trilhões (R$ 10,4 trilhões) em 2018. Se fosse um país, o Mercosul seria a quinta maior economia do mundo, atrás apenas de Estados Unidos, China, Japão e Alemanha.
Na ocasião de sua criação, o Mercosul provocou várias gozações, hoje conhecidos como memes no mundo digital. A brincadeira sobre o possível nome da nova moeda, que seria Peso Real, mas deveria ser, segundo os internautas, “peladona”, uma junção de Pelé e Maradona, faz lembrar o que dizia à época.
Eu mesmo escrevi um artigo intitulado Mercosul F.C. onde ironizava as vantagens que tal união poderia nos trazer: fazer uma seleção de futebol com Zico e Maradona. Hoje, assim como o Mercosul poderia ser a quinta economia do mundo, mas não é, também poderia organizar uma seleção de futebol capaz de enfrentar os europeus, que venceram as últimas quatro Copas do Mundo. Repetir na seleção do Mercosul o antigo trio atacante MSN do Barcelona, o argentino Messi, o uruguaio Suarez e o brasileiro Neymar seria uma grande vantagem competitiva.
O fato é que o Mercosul, como uma área de livre-comércio, eliminou barreiras alfandegárias e aumentou o fluxo comercial entre seus membros, mas essa proteção, que acabou sendo o principal objetivo do grupo, fez com que a indústria desses países perdesse a competitividade.
A integração monetária entre Brasil e Argentina, e depois com os demais países do Mercosul, exigiria uma série de decisões, como unificação de políticas fiscal e cambial. O euro, moeda da União Européia, nasceu em 2002, 14 anos depois de o Conselho Europeu ter confirmado a união monetária em 1988, e décadas depois do início das negociações.
A nova moeda exigiria instituições para cuidar do setor financeiro e da política fiscal dos países, inicialmente Brasil e Argentina, depois os demais do Mercosul, o que vai de encontro às idéias do governo Bolsonaro, contrárias aos organismos internacionais, que impediriam às nações desenvolverem suas próprias institucionalidades. Por essa razão, o governo brasileiro acabou com o passaporte e a placa de automóveis do Mercosul.
08 de junho de 2019
Merval ereira
O Globo
Assinar:
Postagens (Atom)