O senador Delcídio do Amaral (PT-MS) reuniu-se pelo menos 28 vezes entre 2011 e 2014 com o empreiteiro Ricardo Pessoa, da UTC Engenharia, que em delação premiada fechada com o STF (Supremo Tribunal Federal) admitiu ter pago propina a inúmeros políticos para fechar contratos com a Petrobras, BR Distribuidora e usina nuclear de Angra 3. Os registros dos encontros entre Delcídio e Pessoa foram entregues ao STF pelo próprio empreiteiro, como parte do acordo de delação, fechado em maio mas só tornado público na íntegra pelo Supremo nesta quinta-feira (3).
Segundo a agenda de Pessoa, seus encontros com Delcídio se intensificaram a partir de 2013. Após a deflagração da Lava Jato, em março de 2014, ambos se encontraram pelo menos oito vezes. Em maio, eles estiveram juntos em dois dias seguidos. Em um encontro de 2011, Pessoa e Delcídio estavam acompanhados de Sérgio Mendes, uma provável referência ao executivo da empreiteira Mendes Júnior, também investigada na Lava Jato.
Nos depoimentos que prestou à PGR (Procuradoria Geral da República) e à Polícia Federal, Pessoa não explicou os exatos motivos dos encontros com Delcídio, mas forneceu uma justificativa genérica sobre seu relacionamento com diversos parlamentares. O empreiteiro também não acusou diretamente Delcídio de participação no esquema de desvio de recursos e propina da Petrobras.
GRANDE DOADORA
A UTC foi uma constante doadora de recursos para campanhas de Delcídio desde 2006, quando doou R$ 800 mil. Em 2010, doou mais R$ 500 mil para a campanha de Delcídio ao Senado. Quatro anos depois, a UTC voltou a ajudar a derrotada campanha eleitoral de Delcídio ao governo de Mato Grosso do Sul, com R$ 150 mil.
Pessoa disse que seu relacionamento com políticos, incluindo doações de campanha para inúmeros partidos, era importante para sua atividade como empresário porque ajudava a “abrir portas”.
“Evidentemente, tanto dinheiro doado de forma pulverizada a diversos partidos e políticos tinha uma intenção: fazer com que a engrenagem andasse perfeitamente, tirando, portanto, todas as pedras que pudessem aparecer no caminho; abertura de portas no Congresso, na Câmara e em todos os órgãos públicos; possibilidade de discutir temas de interesse, como lei de licitações, desoneração de folha, terceirização etc. Evitar convocação para CPI; afastar entraves e dificuldades, discutir temas relevantes para a empresa”, diz o resumo do termo de depoimento prestado por Pessoa no acordo de delação premiada.
OUTROS SENADORES
Além de Delcídio, outros senadores que aparecem a lista de compromissos do empreiteiro são Renan Calheiros (PMDB-AL), com oito encontros, Edison Lobão (PMDB-MA), com quatro encontros; e Romero Jucá (PMDB-RR), com três reuniões.
Sobre uma das reuniões com Renan, Pessoa contou que o objetivo eram “doações oficiais de campanha para o senador”. Ele disse se recordar de um jantar com Renan no hotel Emiliano, em São Paulo, onde o senador estava hospedado. O parlamentar “solicitou dinheiro para a campanha de seu filho [Renan Calheiros Filho] ao governo de Alagoas”, segundo Pessoa. No mesmo jantar, disse Pessoa, “foi estabelecido o valor da contribuição de R$ 1,5 milhão”.
Pessoa contou que conhecia Renan “desde a década de 1980, encontrando-se com ele com certa regularidade”. “Sempre que o senador vinha a São Paulo, mandava recado por dois assessores para que pudessem se encontrar. Tais encontros geralmente se davam em jantares, por exemplo, no hotel Unique, Bas de Arts, Emiliano. Uma vez Pessoa visitou [Renan] no Senado Federal”, diz o termo de depoimento do empreiteiro.
“Normalmente”, disse Pessoa, era ele quem pagava esses jantares.
O empreiteiro disse aos investigadores da PF e da PGR que manifestou a Renan seu interesse de “crescer no Nordeste e precisava de apoio em Alagoas”. “Para Pessoa, era importante o acesso ao senador, homem de muito poder. Além disso, a proximidade com este demonstrava força perante os concorrentes”, disse o delator, conforme o resumo do depoimento.
DESCONTANDO DA PROPINA
Pessoa não disse aos investigadores ter ouvido diretamente do senador algum pedido claro de propina. Porém, sua impressão era que a obtenção das obras estava vinculada à ajuda financeira para as campanhas.
“Especificamente sobre [a usina] Angra 3, em meio a um jantar, enquanto falavam de contribuições políticas, Renan perguntou: ‘Vocês já ganharam em Angra 3?’. Entendo isto como um recado com intenção específica”, diz o resumo do termo de Pessoa.
Diante do comentário de Renan, Pessoa disse que “entendeu que poderia descontar as contribuições a Renan Filho da propina” relativa à usina de energia nuclear Angra 3. A campanha do filho do senador, segundo Pessoa, recebeu R$ 1 milhão na campanha eleitoral de 2014.
Procurada pela Folha nesta segunda-feira (7), a assessoria do senador Romero Jucá afirmou, em nota: “O senador informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que na delação premiada não há relação entre doação de campanha com contrato da usina de Angra 3”.
08 de dezembro de 2015
Rubens Valente e Márcio Falcão
Folha