Quase todo envolvimento dos pais na vida escolar dos filhos não tem efeito --ou tem efeito negativo
Alguém, na burocracia da Educação Nacional francesa, já atribuiu notas boas a meus desenhos, tanto de tema livre (mais "artísticos") como figurativos (uma banana, uma laranja, uma maçã ou, mais difícil, uma alcachofra).
De qualquer jeito, não tenho do que me gabar. As notas foram decididas pensando que o autor dos desenhos fosse meu filho, que na época tinha dez anos.
Não havia outro jeito. A mãe de meu filho, de quem eu tinha me separado, aceitara que ele morasse um ano no Brasil comigo, mas à condição que ele não interrompesse sua escolaridade francesa. Em Porto Alegre, onde eu morava, isso só era possível se ele fosse escolarizado por correspondência.
A cada sexta-feira, chegava da França um temível envelope da Educação Nacional, com todo o necessário para cumprir o programa escolar da semana. A dose de lições de casa era assustadora e inesgotável.
Durante um ano, fiz lição de casa com meu filho. No domingo acontecia a arrancada final, pois o envelope das lições feitas devia imperativamente sair pelo correio na segunda: a gente trabalhava até as primeiras horas da madrugada, quando eu me encarregava dos desenhos de artes, enquanto ele completava o resto.
1) A quantidade de lições era insensata; 2) Estudar por correspondência era insensato, porque a escola deveria servir para estudar, mas também para socializar as crianças; 3) Eu fazer parte das lições dele (não só de artes) era insensato.
Apesar disso, num tributo ao espírito da pedagogia contemporânea, pela qual é bom que os pais se envolvam quanto mais possível na escolaridade dos filhos, eu imaginava que nossa "colaboração" criaria uma grande motivação futura.
Hoje, enfim, dá para afirmar que eu estava errado. Foi publicado em 2013 "The Broken Compass: Parental Involvement with Children Education" (a bússola quebrada: envolvimento dos pais na educação das crianças - Harvard University Press), em que os autores, K. Robinson e A. L. Harris, sociólogos, verificaram a eficácia (ou não) do envolvimento dos pais nos estudos dos filhos.
Eles estabeleceram 63 critérios para medir o envolvimento dos pais na vida escolar dos filhos e procuraram os efeitos desse envolvimento ao longo de três décadas. Pois bem, eles chegaram à conclusão que quase todo envolvimento dos pais na vida escolar dos filhos é sem efeito, quando não tem efeito negativo.
Se você ajuda as crianças a fazer a lição de casa, isso vai melhorar temporariamente as notas, mas, a médio e longo prazo, isso não melhorará a performance escolar dos seus rebentos. Apenas satisfaremos nossa vontade imediata de ver notas melhores nos cadernos de nossos filhos.
Se você sacrifica seu fim de semana para estar na escola, vendendo cupcakes na festa junina porque ouviu dizer que o envolvimento dos pais na vida da escola é um grande motivador para as crianças, saiba que, realmente, não é preciso.
Claro, sou parcial (não gosto de cupcakes e não gosto de festa junina), mas está provado que esse tipo de envolvimento dos pais não tem efeito constatável.
Diga-se o mesmo para as reuniões trimestrais com cada professor de nossas crianças, matéria por matéria: você pode ir, mas quando der, ok?
Robinson e Harris, em suma, sugerem que voltemos à antiga separação de casa e escola, as quais não precisam compartilhar problemas num excesso de fala sobre a criança.
Desde os anos 1970, acreditamos que uma aliança escola-família seja boa para a performance escolar dos nossos filhos. Descobre-se que, às vezes, é bom que a criança possa descansar dos pais quando está na escola --e descansar da escola quando está em casa.
O que se salva da ideologia da aliança casa-escola? Robinson e Harris acham que três coisas, principalmente, têm efeito positivo: 1) o valor que os pais atribuem à educação, 2) sua capacidade de conversar com os filhos sobre o futuro deles, 3) a leitura em voz alta com os pequenos.
O engraçado é que são coisas que os pais fazem em casa, com filhos e filhas --coisas, em suma, que não pedem nenhuma aliança especial entre a casa e a escola.
Alguém, na burocracia da Educação Nacional francesa, já atribuiu notas boas a meus desenhos, tanto de tema livre (mais "artísticos") como figurativos (uma banana, uma laranja, uma maçã ou, mais difícil, uma alcachofra).
De qualquer jeito, não tenho do que me gabar. As notas foram decididas pensando que o autor dos desenhos fosse meu filho, que na época tinha dez anos.
Não havia outro jeito. A mãe de meu filho, de quem eu tinha me separado, aceitara que ele morasse um ano no Brasil comigo, mas à condição que ele não interrompesse sua escolaridade francesa. Em Porto Alegre, onde eu morava, isso só era possível se ele fosse escolarizado por correspondência.
A cada sexta-feira, chegava da França um temível envelope da Educação Nacional, com todo o necessário para cumprir o programa escolar da semana. A dose de lições de casa era assustadora e inesgotável.
Durante um ano, fiz lição de casa com meu filho. No domingo acontecia a arrancada final, pois o envelope das lições feitas devia imperativamente sair pelo correio na segunda: a gente trabalhava até as primeiras horas da madrugada, quando eu me encarregava dos desenhos de artes, enquanto ele completava o resto.
1) A quantidade de lições era insensata; 2) Estudar por correspondência era insensato, porque a escola deveria servir para estudar, mas também para socializar as crianças; 3) Eu fazer parte das lições dele (não só de artes) era insensato.
Apesar disso, num tributo ao espírito da pedagogia contemporânea, pela qual é bom que os pais se envolvam quanto mais possível na escolaridade dos filhos, eu imaginava que nossa "colaboração" criaria uma grande motivação futura.
Hoje, enfim, dá para afirmar que eu estava errado. Foi publicado em 2013 "The Broken Compass: Parental Involvement with Children Education" (a bússola quebrada: envolvimento dos pais na educação das crianças - Harvard University Press), em que os autores, K. Robinson e A. L. Harris, sociólogos, verificaram a eficácia (ou não) do envolvimento dos pais nos estudos dos filhos.
Eles estabeleceram 63 critérios para medir o envolvimento dos pais na vida escolar dos filhos e procuraram os efeitos desse envolvimento ao longo de três décadas. Pois bem, eles chegaram à conclusão que quase todo envolvimento dos pais na vida escolar dos filhos é sem efeito, quando não tem efeito negativo.
Se você ajuda as crianças a fazer a lição de casa, isso vai melhorar temporariamente as notas, mas, a médio e longo prazo, isso não melhorará a performance escolar dos seus rebentos. Apenas satisfaremos nossa vontade imediata de ver notas melhores nos cadernos de nossos filhos.
Se você sacrifica seu fim de semana para estar na escola, vendendo cupcakes na festa junina porque ouviu dizer que o envolvimento dos pais na vida da escola é um grande motivador para as crianças, saiba que, realmente, não é preciso.
Claro, sou parcial (não gosto de cupcakes e não gosto de festa junina), mas está provado que esse tipo de envolvimento dos pais não tem efeito constatável.
Diga-se o mesmo para as reuniões trimestrais com cada professor de nossas crianças, matéria por matéria: você pode ir, mas quando der, ok?
Robinson e Harris, em suma, sugerem que voltemos à antiga separação de casa e escola, as quais não precisam compartilhar problemas num excesso de fala sobre a criança.
Desde os anos 1970, acreditamos que uma aliança escola-família seja boa para a performance escolar dos nossos filhos. Descobre-se que, às vezes, é bom que a criança possa descansar dos pais quando está na escola --e descansar da escola quando está em casa.
O que se salva da ideologia da aliança casa-escola? Robinson e Harris acham que três coisas, principalmente, têm efeito positivo: 1) o valor que os pais atribuem à educação, 2) sua capacidade de conversar com os filhos sobre o futuro deles, 3) a leitura em voz alta com os pequenos.
O engraçado é que são coisas que os pais fazem em casa, com filhos e filhas --coisas, em suma, que não pedem nenhuma aliança especial entre a casa e a escola.