Perante à lei, filhos de presidente da República são iguais a todos. Ombreiam-se aos demais cidadãos. Não deveriam merecer distinção ou receber tratamento especial, salvo em alguns casos de excepcionalidade. Mas a filha de Dilma, que hoje se encontra afastada, ou seja, nem o mandato de presidente exerce mais, não se constrange em cultivar uma mordomia ilegal.
OITO CARROS OFICIAIS – Diariamente, Paula Rousseff Araújo desfruta de uma regalia. A máquina do Estado a serve, bem como ao seu marido e filhos. As atividades narradas acima, como uma frugal ida ao cabelereiro, ao pilates e ao pet shop, são realizadas a bordo de um carro oficial blindado com motorista e segurança. Em geral, um Ford Fusion. Acompanha-os invariavelmente como escolta um Ford Edge blindado com dois servidores em seu interior, um deles um agente de segurança armado. O mesmo se aplica ao genro de Dilma, Rafael Covolo, e aos dois netos. No total, oito carros e dezesseis pessoas integram o aparato responsável pela condução e proteção da família da presidente afastada. Trata-se de um serviço VIP.
Quem banca essa estrutura é o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência. Ou seja, o contribuinte.
ROTINA DE LUXO –Nas últimas semanas, reportagem de ISTOÉ flagrou os carros oficiais entrando e saindo do condomínio Vila de Leon, zona sul de Porto Alegre, onde moram os familiares de Dilma, para levá-los a compromissos do dia a dia. A rotina dos Rousseff segue um padrão. O 6 de julho dos descendentes da presidente afastada não foi muito diferente dos dias anteriores. Às 18h30, uma quarta-feira, o Fusion blindado escoltado pelo Ford Edge também à prova de balas trouxe a família de volta ao lar, depois de transportá-la para uma série de atividades pessoais.
No dia seguinte, às 9h da manhã, os mesmos carros já estavam de prontidão na porta da casa da filha de Dilma para mais uma jornada por Porto Alegre. No dia 12/07 às 13h40, Rafael Covolo, marido de Paula, foi buscar um dos filhos na escola. Como de praxe, com o carro oficial. Um automóvel pago com dinheiro público os escoltou até o retorno para casa.
PLACAS FRIAS – O Fusion levava a placa IVF – 3267 (normalmente é esta ou a IVG – 1376) e o Edge IUF – 3085. Se consultados nos registros do DETRAN, os prefixos figurarão como “inexistentes”. Sim, são placas frias ou vinculadas, inerentes aos chamados carros oficiais de representação.
Nos locais frequentados por Paula Rousseff, em geral, há um alvoroço quando ela desembarca com o carro oficial e os seguranças em volta. Embora a filha da presidente afastada tente manter a discrição, não há como não reconhecê-la. O aparato em torno dela desperta a atenção dos funcionários. O atendente da unidade do “Bicho Pet Store”, localizada no bairro Menino de Deus, zona sul de Porto Alegre, diz que Paula é uma cliente assídua.
Costuma levar para procedimentos de banho e tosa um cachorro de pequeno porte, semelhante a um shitzu. “A filha da presidente sempre vem ao petshop acompanhada de um monte de seguranças”. O mesmo serviço de transporte vip bancado pelo governo, composto por carro oficial e escolta, a conduz até o “Studio Martim Gomes Pilates”, na Vila Assunção. “Dona Paula vem aqui com freqüência. É nossa cliente”, atesta um funcionário da clínica.
A equipe do salão Oikos Hair, também no bairro da Vila Assunção, é mais comedida ao falar de Paula. Questionada por ISTOÉ, uma secretária disse: “A Dilma já veio aqui também. Parou de vir faz tempo (…) Sobre a dona Paula …por razão de segurança não posso desmentir nem confirmar nada”.
PRIIVILÉGIO ILEGAL – A mordomia de Paula Rousseff e Rafael Covolo, além de constituir inaceitável privilégio, é também uma benesse totalmente ilegal. A legislação é clara. Reza o artigo 3º do decreto 6.403 de março de 2008, baixado pelo ex-presidente Lula: os veículos oficiais de representação – como os que transportam a família de Dilma – são utilizados exclusivamente pelo presidente da República, pelo vice-presidente, pelos Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica e pelo Chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas e por ex-presidentes da República.
A única exceção que permitira que filhos de presidente desfrutassem desse privilégio é se fossem usados os chamados carros oficiais de transporte institucional. Com um condicionante: “se razões de segurança o exigirem”.
Não é o caso, definitivamente. Primeiro porque carro institucional não possui escolta armada nem placa vinculada ou fria, como os veículos que servem a família de Dilma. Ainda de acordo com instrução normativa do Contran, veículo institucional é identificado com a expressão “governo federal” na cor amarelo ouro e tarja azul marinho. Nenhum dos carros usados por Paula e Rafael Covolo exibe esta inscrição.
BARREIRA LEGAL – Mesmo que eles utilizassem esse tipo de veículo, haveria uma outra barreira de cunho legal. Os Rousseff só poderiam ser enquadrados nessa situação totalmente excepcional se: 1) Comprovassem a existência de riscos à sua integridade física e 2) Fossem familiares de presidentes em exercício. Quer dizer, hoje o deslocamento da filha, genro e netos de Dilma a bordo de veículos oficiais compõe um mosaico de irregularidades.
Se a mamata já seria desnecessária e ilegal com a presidente Dilma no pleno exercício do cargo, em se tratando da chefe do Executivo federal afastada a regalia ofertada à Paula Rousseff, Rafael Covolo e filhos afronta sobejamente a legislação em vigor.
DILMA ASSINOU… – Por ironia, o decreto que estabelece regras para a utilização dos carros de governo foi reeditado com pequenas alterações por Dilma em outubro do ano passado, com o objetivo, segundo ela, de “racionalizar o gasto público no uso de veículos oficiais”. A racionalização, claro, não alcançou sua família, como se nota.
Os serviços de transporte e segurança dos Rousseff em Porto Alegre estão a cargo de uma empresa terceirizada contratada pelo Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República: a Prime Consultoria e Assessoria Empresarial, conforme documentos aos quais IstoÉ teve acesso.
Todo mês, a Prime encaminha ao Palácio do Planalto um relatório de abastecimento dos veículos. A última nota foi emitida no dia 1º de julho. Na prestação de contas estão listados os veículos, suas especificações, bem como as respectivas placas vinculadas, sem registro no DETRAN, e os motoristas responsáveis por atender aos familiares da presidente afastada na capital gaúcha. Em junho, por exemplo, foram gastos só com combustível R$ 13,8 mil.
NÃO HÁ NECESSIDADE – Os familiares de Dilma não precisariam de carros oficiais para o cumprimento de suas tarefas diárias. Paula Rousseff é procuradora do trabalho no Rio Grande do Sul. Entrou no Ministério Público do Trabalho em 2003 por meio de concurso público. Atualmente, recebe salário de R$ 25.260,20. Para quê a mordomia com dinheiro público? Por que o genro de uma presidente afastada precisa usar carro oficial para a execução dos afazeres cotidianos?
Na política, se não forem estabelecidos limites, necessários à liturgia do cargo, a família tem grande potencial para gerar constrangimentos. Sobretudo porque eventuais privilégios desfrutados por filhos dizem mais sobre os pais do que os próprios herdeiros. No Brasil, um País de oportunidades desiguais, regalias a parentes de políticos chamam muita atenção e, em geral, são consideradas inaceitáveis e despertam indignação e sensação de injustiça na população. Quando a prática é ilegal, a situação se agrava. Por constituir vantagem ilícita a terceiros e atentar contra os princípios da administração pública, o episódio em questão pode até render um processo contra Dilma por improbidade.
Procurado por IstoÉ, o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência afirmou que “permanece realizando a segurança da Presidenta Dilma e de seus familiares, de acordo com o disposto no inciso VII do Art 6º da Lei 10.683, de 28 de maio de 2003”. O problema é que o referido “amparo legal” não prevê o uso de carros oficiais para fazer o transporte da família da presidente afastada. Em tese, apenas a escolta para segurança seria permitida.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Como a matéria é muito longa, publicamos apenas a primeira parte. Daqui a pouco a gente volta com a nota fiscal dos gastos de combustível. Só em junho, foram R$ 13,8 mil. (C.N.)
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Como a matéria é muito longa, publicamos apenas a primeira parte. Daqui a pouco a gente volta com a nota fiscal dos gastos de combustível. Só em junho, foram R$ 13,8 mil. (C.N.)
16 de julho de 2016
Sérgio Pardellas
IstoÉ