Uma medida da pobreza do debate político no Brasil – e do sucesso simbólico de um determinado projeto hegemônico – é a desqualificação sistemática dos valores e ideias conservadoras, a ponto de hoje ser praticamente uma transgressão alguém se apresentar como tal – um crime no qual a acusação é a prova de culpa, e a pena é ser socialmente excluído, ou coisa pior.
Se um dia alguém escrever uma história das palavras no Brasil, terá que dedicar ao menos um capítulo ao processo em curso de desvalorização deliberada de determinados termos, aos quais se colou um sentido pejorativo ausente na origem: “meritocracia”, por exemplo, é outra palavra que foi estranhamente vilipendiada e se tornou quase um palavrão. Mas sempre que um projeto hegemônico entra em crise acentuada, surgem brechas e rachaduras por onde ideias dissidentes voltam a respirar e prosperar.
Um sinal de que isso está acontecendo no nosso país é a multiplicação de lançamentos de livros que apresentam de forma serena o sentido real do conservadorismo – aquele sentido que seus adversários não conseguem nem querem enxergar, no esforço permanente de ridicularizá-lo.
A publicação do provocador “Como ser um conservador”, do filósofo e cientista político inglês Roger Scruton (Record, 294 pgs, R$ 39,90), faz parte desse processo.
Escreve Scruton: “O conservadorismo advém de um sentimento que toda pessoa madura compartilha com facilidade: a consciência de que as coisas admiráveis são facilmente destruídas, mas não são facilmente criadas. Isso é verdade, sobretudo, em relação às boas coisas que nos chegam como bens coletivos: paz, liberdade, leis, civilidade, espírito público, a segurança da propriedade e da vida familiar.”
Escreve Scruton: “O conservadorismo advém de um sentimento que toda pessoa madura compartilha com facilidade: a consciência de que as coisas admiráveis são facilmente destruídas, mas não são facilmente criadas. Isso é verdade, sobretudo, em relação às boas coisas que nos chegam como bens coletivos: paz, liberdade, leis, civilidade, espírito público, a segurança da propriedade e da vida familiar.”
Scruton se deu conta da fragilidade desses bens coletivos pela primeira vez quando, em 1975, visitou Praga para fazer uma conferência: terminou ali qualquer ilusão que tivesse em relação ao socialismo, que ele passou a enxergar não mais como um sonho de idealistas, mas como um sistema real de governo imposto de alto a baixo e mantido pela força, que esmaga e desumaniza o indivíduo.
Scruton percebeu que os bens coletivos associados à liberdade, que nos acostumamos a imaginar como garantidos, estão sob permanente ameaça.
Scruton percebeu que os bens coletivos associados à liberdade, que nos acostumamos a imaginar como garantidos, estão sob permanente ameaça.
“Em relação a tais coisas”, escreve, “o trabalho de destruição é rápido, fácil e recreativo; o labor da criação é lento, árduo e maçante. Esta é uma das lições do século 20. Também é uma razão pela qual os conservadores sofrem desvantagem quando se trata da opinião pública. Sua posição é verdadeira, mas enfadonha; a de seus oponentes é excitante, mas falsa.” Por outro lado, ao visitar mais tarde países do leste europeu, após a queda do Muro de Berlim e o colapso do comunismo, o autor ficou chocado com a fragilidade das novas democracias dominadas por aventureiros corruptos, concluindo que não bastam eleições para caracterizar uma democracia: muito mais importantes são as instituições permanentes e o espírito público que deveria responsabilizar os políticos eleitos. “Um governo responsável não surge por meio de eleições”, afirma. “Surge do respeito à lei.”
“Como ser um conservador” apresenta e investiga a visão conservadora em relação ao nacionalismo, ao socialismo, ao capitalismo, ao liberalismo, ao multiculturalismo, ao ambientalismo e ao internacionalismo, entre outros “ismos”.
Ainda que se possa discordar de suas ideias, é inegável que o livro propõe de forma inteligente debates indispensáveis sobre o mundo em que vivemos hoje e sobre as escolhas que somos obrigados a fazer, tanto no plano teórico das esferas de valor quanto no plano das questões práticas, que afetam diretamente o nosso futuro e a nossa qualidade de vida.
Mas o capítulo mais interessante do livro é aquele em que Scruton resume sua trajetória, numa mini-autobiografia que esclarece e justifica suas convicções. Ilustrando a tese (do historiador do socialismo Robert Conquest) de que “todo mundo é de direita nos assuntos que conhece”, Scruton conta, por exemplo, como seu pai, um operário filiado ao Partido Trabalhista, era extremamente conservador em relação aos valores e modos de vida da zona rural onde cresceu.
Apesar do crescente reconhecimento de que desfrutam suas ideias, aos 71 anos Roger Scruton ainda faz parte de uma minoria no meio acadêmico, mesmo num país tido como tradicionalista como a Inglaterra:
Apesar do crescente reconhecimento de que desfrutam suas ideias, aos 71 anos Roger Scruton ainda faz parte de uma minoria no meio acadêmico, mesmo num país tido como tradicionalista como a Inglaterra:
“Nos círculos intelectuais, os conservadores se movem calma e silenciosamente, cruzando olhares pelo cômodo, assim como os homossexuais na obra de Proust. (...)
Nós, os que supostamente excluem, vivemos sob pressão para esconder o que somos, por medo de sermos excluídos.” Segundo afirma, não são só os intelectuais que passam por isso:
“Conservadores comuns – muitas pessoas, provavelmente a maioria, se enquadram nessa categoria – são constantemente informados de que suas ideias e sentimentos são reacionários, preconceituosos, sexistas ou racistas. As tentativas honestas de viver de acordo com as próprias ideias são desprezadas e ridicularizadas.”
Já em relação ao debate econômico, Scruton é um crítico severo do continuado declínio cultural e econômico que resulta do ideal de se alcançar uma sociedade nova e igualitária em que todos teriam o mesmo (ou seja, coisa nenhuma).
Já em relação ao debate econômico, Scruton é um crítico severo do continuado declínio cultural e econômico que resulta do ideal de se alcançar uma sociedade nova e igualitária em que todos teriam o mesmo (ou seja, coisa nenhuma).
Ele afirma que, em países que almejam a riqueza e o desenvolvimento, a figura mais importante não é o administrador, mas o empreendedor (outra palavra que, na prática, ganhou um sentido pejorativo no Brasil) – isto é, aquele que assume e enfrenta os riscos de produzir riqueza.
Segundo o autor, a ideia do Estado como uma figura paterna benigna, que aloca de forma eficiente os ativos coletivos da sociedade para o lugar onde são necessários “e que está sempre presente para nos retirar da pobreza, da doença ou do desemprego” é uma ilusão, que não foi aprovada no teste da realidade.
E isso por um motivo muito simples: por mais que um governo seja competente em matéria de distribuição (o que já é difícil), não se pode distribuir uma riqueza sem que existam as condições para criá-la.
11 de outubro de 2015
Luciano Trigo
11 de outubro de 2015
Luciano Trigo