A última campanha do doutor Paulo
Para ser bem-sucedida, uma campanha a deputado federal em São Paulo precisa
dispor de 10 milhões de reais, segundo estimativas não oficiais. “Minha campanha
vai custar saliva e corda vocal. Não cobrei nada de você para vir aqui, cobrei?
E você está fazendo a minha campanha de graça”, reagiu o deputado federal Paulo
Salim Maluf, do Partido Progressista, o PP, quando o confrontei com os números
numa tarde fria e chuvosa de julho, em Limeira, interior de São Paulo. “Te
paguei para você vir aqui?”, continuou ele, dirigindo-se agora à repórter de um
diário local.
As campanhas têm um custo elevadíssimo, insisti. “Meu amor, não têm. Eu gasto
a gasolina do carro. E o chofer, que pago do meu bolso. Só. E tento relembrar as
obras que eu fiz, não é? É um dividendo eleitoral que eu tenho.” E mais: “Você
alguma vez ouviu que comprei cabo eleitoral? Não gasto dinheiro, gasto minha
saúde.” No registro de sua candidatura no Tribunal Superior Eleitoral, Maluf
orçou sua campanha em cerca de 8 milhões de reais. Seu patrimônio declarado é de
39 milhões.
Sim, Maluf consta mais uma vez das listas eleitorais. Ele contabiliza 22
campanhas, para si próprio ou para candidatos que apoiou. Em 47 anos de vida
pública, foi prefeito biônico de São Paulo (1969) e governador também indicado
do estado (1979), prefeito de novo, em votação direta (1993), e elegeu-se
deputado federal em 1982, 2006 e 2010. Entre 1985 e 2008, foi derrotado em duas
disputas pela Presidência, quatro para a prefeitura paulistana e quatro para o
governo paulista. A busca de votos para a reeleição ao Congresso começou logo
depois do fim da Copa. “Eu só tenho essa opção. Não tenho outra. Eu tenho
autocensura”, disse.
É a idade, e não a ficha com acusações como de improbidade administrativa e
evasão de divisas, que ele alega para explicar a despedida. “Vou fazer 83 anos
[em setembro]. Termino o mandato com 87. Quem sabe não será a hora de
fazer companhia só para a Sylvia [sua mulher há 59 anos]”, disse ele em
seu Azera preto (o modelo 2015 vale em torno de 114 mil reais), enquanto nos
deslocávamos de um hotel em Limeira para o comitê eleitoral de um
correligionário que o “doutor Paulo” quer ver em Brasília no ano que vem. O
automóvel não consta em sua declaração de bens enviada ao TSE.
"Maluf, posso tirar uma foto com você?”,
perguntou um funcionário do hotel. “Vem cá, querido. Com prazer.” Ele se levanta
vagarosamente. A voz é a mesma, a entonação idem, assim como as frases de
efeito. “A Marina? Em 2018? Não... As ideias dela, de manter o bioma, são para
ter 15% de votos. Manter o bioma é quatro borboletas, cinco cobras, dois sapos e
uma taba de índios”, definiu. “Precisa perguntar se o índio quer ficar na
vitrine como foi descoberto há 500 anos ou se ele quer o automóvel do ano, um
celular.” Já Lula, esse volta em 2018: “Se não voltar, o PT estará muito mal.
Não terá outro candidato. Perto do Lula eu sou comunista. Ele deu empréstimo
para banqueiro, para multinacional. Eu não daria.” Por fim, disse que não
precisa ser Zaratustra para prever a vitória de Dilma Rousseff neste ano. “E põe
aí no Facebook”, recomendou ao fã sobre a foto.
A despeito da referência à rede social, tudo em Maluf soa anacrônico.
Sobretudo a campanha, com visitas a rádios e jornais do interior, nos quais
tenta emplacar entrevistas. O roadshow se repete todas as semanas, de
terça a sexta-feira, ao lado do chofer e de um assessor. O principal obstáculo à
estratégia é o princípio de isonomia da Lei Eleitoral, que prescreve tratamento
equânime aos candidatos. “Está cheio de rádio e tevê com medo de receber
candidato. Se recebe um, tem que receber todos. Eu não vou pedir voto. Vou
responder a perguntas de interesse nacional”, argumentou, desenxabido com o fato
de, naquele dia, uma emissora de televisão limeirense ter cancelado sua
aparição.
A tarde terminou com um discurso para 32 pessoas no comitê do
correligionário. Um político do PP se elege deputado federal com 100 mil votos,
contabilizou Maluf. “Espero que eu tenha um pouco mais”, emendou, terminando com
a conhecida gargalhada estridente. Em 2010, ele angariou 497 203 votos. Sua pior
marca foi na disputa de 2008 pela Prefeitura de São Paulo, quando obteve 376 734
e não passou para o segundo turno. Seu melhor desempenho em disputas para o
parlamento foi em 2006, quando teve 739 827 votos, recorde naquele ano.
Malufistas convictos, porém, são cada vez mais raros.
No dia em que Maluf visitou Limeira, a
Procuradoria Regional Eleitoral de São Paulo pediu a impugnação da sua
candidatura, o que já havia ocorrido em 2010. Naquele ano ele recorreu ao
Supremo Tribunal Federal e conseguiu escapar – a corte entendeu que a Lei da
Ficha Limpa só passaria a valer neste ano. A legislação estabelece que
condenados em segunda instância não podem concorrer a cargos eletivos por oito
anos.
Em novembro de 2013, o Tribunal de Justiça de São Paulo condenou Maluf a
pagar uma multa de quase 43 milhões por desvios e superfaturamento na construção
do túnel Ayrton Senna. “Se eu fui aprovado em 2010, não tem por que não ser
aprovado em 2014. O que é que eu fiz? Eu só fiz o bem”, finalizou com outra
longa risada. “Não houve dolo nem enriquecimento ilícito.”
A última vez em que Maluf viajou para o exterior foi em 2009. Visitou
Argentina, Inglaterra, Itália e Espanha. Seu nome consta da lista de procurados
da Interpol, e ele não pisa nos Estados Unidos, assunto que o deixa contrariado.
A Promotoria de Nova York o acusa de evasão de divisas e de manter 11 milhões de
dólares em paraísos fiscais. “Meu amor, estamos dentro do estado de direito.
Quando lhe fazem uma acusação falsa, na Palestina se resolve com uma bomba. Na
Crimeia ou na Ucrânia, com um míssil. Aqui em São Paulo, graças a Deus, com um
advogado.”
Maluf diz que se explicou “umas 300 vezes”. “Dizem que o Maluf é procurado. É
mentira. Vocês não me acharam? Se quiserem, que venham me ouvir na Justiça
brasileira.” Gritando, concluiu: “Posso tomar um avião e ir lá [nos Estados
Unidos] sim, senhora. Mas não vou.” Quando a conversa parecia ter azedado,
ele me puxou para um abraço e estalou um beijo em minha bochecha: “Linda!”
Andando em direção à porta, apertou o queixo de três garotas do comitê. Entrou
no Azera preto e partiu para outra cidade.
12 de agosto de 2014
Malu Delgado