"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

HIPNOSE COLETIVA

Guilherme Fiuza não poupa os que protestavam contra ‘tudo’, o mesmo que protestar contra nada, e que tomaram as ruas em junho de 2013. Chama isso de ‘rebeldia inofensiva’

Para o filósofo Henri Bergson, o riso não pode ser bondoso. Sua função é “intimidar humilhando”. Lembrei disso ao reler os deliciosos textos de Guilherme Fiuza reunidos no livro “Não é a mamãe”, que será lançado pela Record nesta quinta, às 19h na Travessa do Leblon.

Sua marca registrada é o sarcasmo diante do inacreditável: a passividade da opinião pública frente aos inesgotáveis escândalos do governo petista. Acreditou-se até mesmo nos mitos da “faxineira ética” e da “gerentona eficiente”.

Nunca antes na história deste país se roubou tanto, avançou-se tanto sobre o Estado como se fosse uma “cosa nostra”. Tudo protegido pela narrativa dos “oprimidos do bem”. O “governo popular” das “minorias” — o operário e a mulher — goza de um salvo-conduto para praticar todo tipo de “malfeito”. A imprensa “burguesa e golpista” não tem nada com isso, e deveria parar com essa mania chata de se meter em assuntos “privados” dos governantes.

O humor ácido de Fiuza é um soco na cara de um povo sonolento, hipnotizado pela repetição incansável de slogans vazios e chavões ridículos. Seu principal alvo nem é o PT com suas falcatruas, mas sim os eleitores com sua negligência.

Fiuza não poupa os que protestavam contra “tudo”, o mesmo que protestar contra nada, e que tomaram as ruas em junho de 2013. Chama isso de “rebeldia inofensiva”, um circo que não leva a nada. Acreditar que o gigante havia acordado era a grande piada, só que de mau gosto.

Criativo, ele cunha expressões excelentes para descrever o Brasil de hoje que, visto com o benefício do retrospecto pelos observadores do futuro, será motivo de muita perplexidade. “Esquerda S.A.”, “elite vermelha”, “Império do Oprimido”, “DisneyLula”, entre tantos outros, são termos que descrevem com perfeição a situação surreal de nosso país.

Ótimo frasista, Fiuza tem grande poder de síntese, sem deixar de lado o chiste. Exemplos não faltam:

“É comovente a garra da esquerda brasileira em defesa da melhoria social de sua conta bancária”; “O Brasil acha que um presidente bonzinho pode tudo, inclusive decretar almoço grátis para todos”; “Nunca antes na história deste país os argumentos foram tão inúteis.”

“Que mania os repórteres têm de se meter com a propina alheia”; “O PT já cansou a beleza do Brasil com o politicamente correto como fachada do administrativamente incorreto — os fins nobres justificando os meios torpes.”

“A elite envergonhada se sente nobre quando bajula o povão. Não contem para ninguém que os avanços sociais começaram no governo de um sociólogo, porque isso vai estragar todo o heroísmo da esquerda festiva.”

“No Brasil emergente da era Lula, a pobreza é quase um diploma. E a ignorância enseja carinho e condescendência”; “O brasileiro é, antes de tudo, um crédulo. Deem-lhe um pretexto para ter fé em alguma coisa, e ele se lambuza de esperança”; “Ficou então combinado assim: enquanto Dilma refresca a vida dos fisiológicos, os éticos apoiam Dilma contra o fisiologismo”; “Como o eleitor já deveria saber, quando o PT grita pela ética, é hora de segurar a carteira.”

“Para os intelectuais franceses, Lula é o homem do povo que dobrou as elites, o ex-operário que superou a ignorância para salvar os pobres. Só quem não superou a ignorância, pelo visto, foram os cientistas políticos parisienses.”

“O trabalhismo, como se sabe, é a arte de se pendurar no cabide estatal e não largar o osso”; “Nunca se desafiou a corrupção com tanta compaixão”; “Os fatos, hoje, são um detalhe. O que o senso comum respeita mesmo é a repetição.”

“Para os não iniciados, é bom esclarecer: ‘elite’, no dicionário do PT, é um termo figurativo muito importante para os ladrões do bem, que os mantém na condição de milionários oprimidos”; “O julgamento do mensalão ficará como uma página quase cômica da história brasileira. O país que explode de orgulho com o fim da impunidade é governado, candidamente, pelo mesmo grupo político que pariu o esquema.”

E tem muito mais. O que fica claro é que se trata de um jornalista corajoso, que não teme remar contra a maré vermelha, contra a patrulha dos “oprimidos”, nem contra a farsa oficial montada pela poderosa máquina estatal. Não é à toa que Fiuza entrou para a “lista negra” criada pelo vice-presidente nacional do PT, de formadores de opinião independentes que ousam criticar o governo e apontar para toda a podridão do maior esquema já visto de assalto aos cofres públicos em plena luz do dia.

O livro é leitura obrigatória para quem não quer hibernar enquanto é saqueado pelos “representantes do povo”.

 
20 de agosto de 2014
Rodrigo Constantino, O Globo

PÁREO DURO



20 de agosto de 2014
Dora Kramer, O Estadão

O TEMPO CORRE CONTRA MARINA


BRASÍLIA - O Datafolha reflete um momento específico: é o primeiro imediatamente depois da morte de Eduardo Campos e antes dos programas de TV. Muita água vai rolar.

Mesmo assim, todas as campanhas, ainda tontas pela tragédia, vão ter de se recompor com base nesses dados. E Aécio Neves se vê, subitamente, "ensanduichado" entre Dilma Rousseff, a favorita, e Marina Silva, a grande novidade.

Dilma teve a pior notícia: a vitória no primeiro turno evaporou, e ela está num empate técnico com Marina num eventual segundo turno entre as duas. Mas Dilma não perdeu um só ponto para a nova adversária, e candidatos à reeleição dependem até mais da avaliação de governo e dos índices de rejeição do que de intenções de voto. O ótimo/bom do governo subiu de 32% para 38%, e o ruim/péssimo caiu de 29% para 23%.

Marina teve as melhor notícia: já larga com 21%, em meio a enorme exibição na mídia e gerando expectativa de vitória final. Mas a excepcionalidade do momento passa, e ela tem as piores condições. Seu partido não é seu; PSB e Rede têm uma relação complicada; os arranjos estaduais estão em suspense; setores que se encantavam com Campos não se encantam com ela; setores que se encantavam com ela desencantaram-se. Não será uma campanha fácil. O tempo corre contra Marina.

E Aécio? Respira aliviado por não perder capital para Marina, mas está estacionado em 20% e espremido entre as fortes condições de Dilma (tempo de TV, palanques estaduais, imagens de obras de governo) e os ventos favoráveis a Marina (foco das atenções, o bom "recall" de 2010 e a ansiedade por uma terceira via).

E mais: Dilma pode bater em Aécio, Aécio pode atacar Dilma, Marina pode dizer poucas e boas contra os dois. Mas Dilma e Aécio não podem mirar Marina agora, porque teria efeito bumerangue.

Em ascensão, ela está livre para voar sem os estilingues dos adversários. Mas cuidado com os "aliados"!

 
20 de agosto de 2014
Eliane Cantanhede, Folha de SP

FRUTOS DO CONTROLE PETISTA


 
20 de agosto de 2014
Editorial O Estadão

FOI DADA A LARGADA


 
20 de agosto de 2014
Merval Pereira, O Globo

ANTIAMERICANISMO, UMA DOENÇA LETAL


Essa doença ataca a área cognitiva do sistema nervoso de pessoas expostas ao contágio, principalmente as que já apresentavam uma pronunciada predisposição ao ódio e ao rancor. Caracteriza-se por agressividade crescente e rejeição a tudo o que for americano, com exceção de tênis Nike, aparelhos eletrônicos da Apple, roupas de grife produzidas a preços reduzidos nos Estados Unidos e inúmeros outros itens que caracterizam aquela civilização consumista. Os casos mais graves vêm acompanhados por acessos de ódio incontrolável, sem causa aparente. Geralmente, essas pessoas não tiveram contato anterior com cidadãos daquele país mas os consideram responsáveis por todas as desgraças do mundo. Encontram breve alívio de seus sintomas queimando bandeiras dos Estados Unidos e de outras nações que considerem inimigas de povos “progressistas”, não alinhados.
O contágio se dá em universidades, sindicatos, movimentos sociais e também através de jornais em que viceja um largo contingente de portadores do mal que utilizam seus espaços midiáticos e suas cátedras para disseminar a doença. Os primeiros sintomas dos infectados se traduz por uma espécie de euforia e prazeroso sentimento de pertencer a um seleto grupo de pessoas esclarecidas, humanas e sensíveis, bem diferentes desses reacionários, gente de direita, divorciados da realidade de um mundo dominado pela cobiça. Do sentimento à ação, os iluminados se sentem no direito a ajudar a humanidade a alcançar “um novo mundo é possível” através de palavras de ordem e atos violentos.
Contando com a indiferença da maioria da população, estendem sua agressividade sobre as instituições democráticas que dizem defender e, na ausência de uma reação adequada dessas instituições e dos partidos tradicionais, podem chegar ao poder, com todas as consequências que isto pode acarretar à nação. Para eles, tudo é explicado pela geopolítica dos interesses escusos dos imperialistas e assim podem dormir tranquilos, certos de que entendem o mundo como poucos.
A doença é letal, porque não há vacina contra ela e os indivíduos são levados a um estado progressivo de embrutecimento de tal ordem que não terão mais condição de voltar à razoabilidade e à compaixão. É uma morte por dentro que não há como estancar.
 
20 de agosto de 2014
Abrahão Finkelstein

AS ELEIÇÕES E AS NUVENS


 
20 de agosto de 2014
Gil Castello Branco, O Globo

O QUE MUDOU


 
20 de agosto de 2014
Hélio Schwartsman, Folha de SP

O TABULEIRO ECONÔMICO


 
20 de agosto de 2014
Editorial Gazeta do Povo, PR

A POLÍTICA DO AUTOENGANO


No PT há mais gente preocupada em ‘desconstruir’ a nova adversária do que em mudar a maneira de governar. Subestimar Marina é erro. Lula já provou desse veneno


O primeiro cenário depois do desastre, mapeado pelo Datafolha, teve o efeito de um bálsamo para candidatos e seguidores aflitos: Dilma Rousseff (com 36%) e Aécio Neves (20%) se mantiveram intactos, e Marina Silva entrou na disputa com preferência (21%) similar à sua votação na eleição presidencial de 2010.

Grande novidade é a mudança no comportamento do eleitorado. Um mês atrás os sem-candidato, por indecisão ou opção, somavam 50 milhões de eleitores (35% ) e agora são 31 milhões (22%). Ou seja, 19 milhões de brasileiros resolveram entrar no jogo.

Esse movimento teve como primeira consequência a afirmação — agora de maneira explícita e majoritária — da vontade de uma eleição presidencial em dois turnos. Pela primeira vez em 18 meses, Dilma perde no confronto com os dois principais adversários — ficou abaixo (5%) da soma de Aécio e Marina.

Isso aconteceu mantendo-se intocado o desejo de mudanças, talvez a característica dessa campanha, expresso por mais de dois terços do eleitorado em sucessivas sondagens.

Candidatos deveriam interpretar como pressão, a 11 semanas do primeiro turno, por urgência na apresentação de ideias objetivas sobre como o país pode avançar em saúde, educação, transporte, segurança e desenvolvimento econômico, sem perder o já conquistado, como o valor da moeda e o controle da inflação.

Ontem, porém, havia mais gente no comando do PT preocupada em “desconstruir” a nova adversária do que em pensar sobre uma nova maneira de governar. É um método de autoengano, porque subestima o adversário.

Lula provou desse veneno no outono de 2008. Na quinta-feira 8 de maio, ele reuniu governadores da Amazônia e ministros, entre eles Marina Silva, responsável pelo Meio Ambiente, na época em conflito com Dilma Rousseff.

Lula anunciou uma nova política ambiental para a Amazônia delegando-a ao ministro de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger. Justificou: “O importante é alguém isento para tocar. A Marina não é isenta...”.

Ela ouviu calada. Ficou até o fim, como se nada houvesse acontecido, com seu peculiar meio sorriso, os passos e gestos comedidos que acentuam sua aparência frágil.

Na terça-feira seguinte, 13 de maio, Lula estava em um almoço no Itamaraty, onde discursaria sobre a Abolição da Escravatura. Um assessor entregou-lhe a carta de demissão de Marina com uma notícia: o texto já estava nos sites de notícias (“Deixo seu governo com a consciência tranquila”, ela dizia).

A ministra demitira o presidente, em público. E Lula foi o último a saber — registraram os jornais, de Porto Alegre a Berlim.

Em setembro passado, Lula previu a impossibilidade de registro do partido de Marina. A decisão seria confirmada pela Justiça dias depois. A maior contribuição para anulação de filiações à Rede partiu dos cartórios eleitorais do ABCD paulista, por coincidência região dominada pelo PT. Ali, a rejeição chegou a 60%. Alegou-se até a ausência “por gravidez” da responsável pelo reconhecimento de firma.

Marina não desistiu, uniu-se a Eduardo Campos. Numa trapaça da História, está aí, de novo. Com todas as suas contradições, mas acompanhada por 19 milhões de eleitores, informa a mais recente pesquisa.
 
20 de agosto de 2014
José Casado, O Globo

A NOVA EQUAÇÃO ELEITORAL


A primeira das 20 sessões de propaganda para a Presidência da República no rádio e na TV - duas vezes ao dia, três vezes por semana, até 2 de outubro - começa ainda sob o impacto do desastre aéreo que na quarta-feira matou o candidato Eduardo Campos, do PSB. A ele caberia, por sorteio, iniciar o ciclo. A fração de 2 minutos e 3 segundos a que teria direito, no bloco de 25 minutos, provavelmente o mostrará hoje quando dizia as palavras com que passou à história, nos instantes finais da entrevista que dava ao Jornal Nacional (JN), na véspera da tragédia, e que viriam a dominar o seu cortejo fúnebre, acompanhado por mais de 100 mil pessoas, domingo, no Recife: "Não vamos desistir do Brasil".

Se não por decoro, pelas regras do jogo eleitoral, a sua até então companheira de chapa, Marina Silva, não poderá se apresentar desde já como a sua substituta. Nem herdeira, como decerto haverão de preferir os correligionários do ex-governador de Pernambuco, para mantê-la vinculada às suas propostas (nem sempre coincidentes com as dela) e, mais ainda, aos compromissos eleitorais assumidos pelo partido nos Estados (no Rio e em São Paulo, contra a sua vontade). Formalmente, a ex-senadora só poderá assumir a candidatura da coligação liderada pelo PSB depois de ter o seu nome homologado amanhã pela executiva nacional da legenda e avalizado pela maioria das quatro siglas aliadas, no prazo legal de 10 dias. Na reunião, a cúpula do partido deverá escolher também o nome do vice de Marina.

Isso significa que, na melhor das hipóteses, apenas no dia seguinte ela poderá se dirigir ao eleitorado como aspirante ao Planalto, encarnando a "terceira via" preconizada por Campos para interromper duas décadas de governos ou do PSDB ou do PT. Dos candidatos que contam, Marina é quem menos tem o que apostar no período oficial de propaganda. Tudo computado, contará com apenas 82 minutos, ante 183 de Aécio Neves e 456 de Dilma Rousseff. Mas, em 2010, quando dispunha só de 1 minuto e 23 segundos em cada entrada, a penúria de tempo na mídia de massa foi mais do que compensada pelo boca a boca de seus entusiásticos seguidores e o aluvião de mensagens em seu favor nas redes sociais. Marina obteve surpreendentes 19,6 milhões de votos (ou perto de 18% dos sufrágios válidos), o que a levou ao terceiro lugar na disputa.

Agora, trazida à liça pela força do acaso - ou, segundo ela, pela Providência Divina, a que atribui a sua decisão de não viajar com o titular da chapa no voo afinal acidentado -, Marina já mudou a equação sucessória. Pesquisa do Datafolha realizada nos dois dias seguintes ao acidente deu-lhe 21% das intenções de voto, em empate técnico com Aécio (20%). Ele e Dilma (36%) mantiveram as mesmas posições da sondagem anterior, com 8% para Campos. Nas simulações de segundo turno, a esta altura inevitável, Marina bate Dilma por 47 pontos a 43, no limite da margem de erro. As futuras sondagens dirão se esses números traduzem a emoção do momento ou se exprimem uma migração efetiva dos eleitores até então indecisos ou propensos a invalidar o seu voto: esse contingente, que somava 27% há um mês, caiu para 17%.

Inevitavelmente no centro das atenções do público que acompanhar o início do horário de propaganda, Marina terá de dizer a que vem, já não representando apenas "o novo", como há quatro anos, nem tampouco centrada na causa ambiental. Pelo menos os eleitores que descobriram as ideias do candidato do PSB na entrevista ao JN terão a natural curiosidade de saber o que a aproxima e o que a diferencia do político a quem se aliou no ano passado, quando fracassou em registrar como partido o movimento Rede Sustentabilidade. Marina também terá de se voltar para as questões terrenas dos brasileiros, deixando em casa o misticismo que a levou a dizer, no velório de Campos, que "essas coisas acontecem em nome de algo maior".

O papel do horário eleitoral na definição do voto é discutível, de todo modo. Sem dúvida desperta o público para o pleito, mas não parece decisivo para o seu resultado. Nas quatro últimas eleições presidenciais, ganhou o candidato que já liderava as pesquisas quando começou a temporada. Marina mudará a escrita?
 
20 de agosto de 2014
Editorial O Estadão

RENDA BÁSICA: ROBIN HOOD ÀS AVESSAS


É preciso considerar que a escassez de recursos é uma realidade concreta e exige seletividade nas transferências sociais

O mítico herói inglês, que tirava dos ricos para dar aos pobres, ficaria boquiaberto diante da tese da renda básica de cidadania (ou renda mínima), defendida há anos pelo senador Eduardo Suplicy (PT-SP).

A renda básica é uma transferência mensal a ser paga pelo Estado a todos os cidadãos --ricos e pobres. Na prática, a adoção de tal política, no Brasil, seria um retrocesso em relação aos consagrados programas de transferência de renda com condicionalidades --Bolsa Escola (no governo Fernando Henrique Cardoso) e Bolsa Família (no governo Luiz Inácio Lula da Silva).

No Brasil, onde a desigualdade é elevada, a saída é óbvia e as evidências empíricas são muito claras: direcionar as políticas públicas àqueles que delas mais necessitam.

Se o governo do PT tivesse seguido a lei nº 10.835, de 2004, a chamada "renda básica de cidadania" já deveria estar sendo paga a todos os brasileiros, sem distinção socioeconômica. O benefício, porém, nunca foi concretizado.

Ainda que a renda mínima seja defendida por economistas importantes como o belga Philippe Van Parijs, à luz do argumento de que o caráter universal do programa ampliaria a liberdade pessoal, é preciso considerar que a escassez de recursos é uma realidade concreta e exige seletividade nas transferências sociais.

A lei --proposta por Suplicy, aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente Lula-- promete pagar a todos os cidadãos o mesmo que for pago aos brasileiros mais pobres. É justo? Não.

Seria um grave erro desperdiçar recursos do Estado, que são arrecadados da própria sociedade, quando ainda convivemos com preocupante contingente de brasileiros e de brasileiras sem o mínimo necessário para sobreviver.

Se, hoje, conseguimos identificar a parcela mais pobre da população, com evidente sucesso, e transferir a estas pessoas montantes de recursos importantes, que os ajudam a sair da situação de pobreza extrema, por que defender a ideia de jogar recursos para o alto?

Uma conta simples mostra o grau de desatino da tese. Há 200 milhões de habitantes no Brasil. Se fixarmos um valor de R$ 100 ao mês por habitante (quantia relativamente baixa, quando consideramos que a lei preconiza que o recurso transferido seja suficiente para custear as despesas de saúde, educação e alimentação), o montante necessário para financiar a empreitada totalizaria R$ 240 bilhões ao ano!

Isso corresponderia a 4,6% do PIB, ou a dez vezes o orçamento anual do Bolsa Família. Ainda que a ideia fosse acatada pelo governo, caberia perguntar: de onde sairiam os recursos? De mais impostos, ou de menos gastos sociais?

A classe A representa, hoje, 2% da população brasileira --ou cerca de 4 milhões de pessoas. Isto é, dos R$ 240 bilhões, R$ 4,8 bilhões seriam destinados aos mais ricos da sociedade, que recebem acima de R$ 13,8 mil mensais. Essa pequena parcela da sociedade já detém 17% de toda a massa de renda do país e seria ainda mais beneficiada.

Lição número um da economia: a utilização dos recursos (privados e públicos) deve buscar o melhor resultado possível e a melhor relação de custo e benefício.

Criar um benefício monetário igual para todos é o mesmo que jogar dinheiro pela janela. O correto é adotar políticas seletivas em favor dos mais pobres --isto é, seguir a tendência do Bolsa Escola e do Bolsa Família. Além disso, evidentemente, é preciso criar novas políticas para atender à demanda da sociedade por mais e melhores serviços públicos e garantir ambiente propício à geração de maior número de empregos com bons salários.

A renda básica de cidadania pode partir da cabeça de gente bem-intencionada. Mas nunca é demais lembrar que, de boas intenções, o inferno está cheio.
 
20 de agosto de 2014
Felipe Salto, Folha de SP

DE COMO A SORTE AFETA DILMA E MARINA


 
20 de agosto de 2014
Aloísio de Toledo César, O Estadão

A POLÍTICA NO COTIDIANO, DO JORNALISTA CLAUDIO HUMBERTO


 
20 de agosto de 2014 

UTOPIA NO CONDOMÍNIO


Imagine que você tem alguns vizinhos inadimplentes. Como ser 'legal' com eles?

Todo mundo sabe como reunião de condomínio é um saco. Castigo pra uma noite depois do trabalho. Não é ótimo quando alguém resolve que uma "churrasqueira" (aquilo que faz fumaça e deixa tudo com cheiro de gordura) é um gênero de primeira necessidade?

Muita gente suspeita de que, quando alguém quer ser síndico, é porque gosta de mandar ou tem muito tempo livre ou é muito limpinho ou, pior, está faltando ação na cama. Aliás, quem é muito limpinho é porque não tem mesmo uma boa cama suja.

Penso nesse roteiro abaixo com intenções experimentais. Sempre que ouço pessoas "de boa vontade" (recentemente uma leitora me lembrou esta excelente frase, "desconfiar da bondade dos bons"!) falarem sobre como o mundo seria melhor se fizéssemos o que elas acham que deveríamos fazer, me lembro de reuniões de condomínio --principalmente quando se enfrenta o velho problema da inadimplência.

Todo adulto sabe que o órgão mais sensível do homem é o bolso (menos os mentirosos). Pesquisas recentes mostram que casais toleram mais facilmente adultérios sexuais do que financeiros. Ele até pode comer a secretária, mas se der um apartamento pra ela, é demais. Ela até pode dar pro professor de tênis, mas se ganhar mais do que diz que ganha, aí ele não suporta. O adultério financeiro é mais intolerável do que o sexual, portanto. Que vá o corpo, mas que fiquem os anéis.

Sigamos em nossa proposta de pôr as utopias no laboratório. Como eu dizia, o convívio em condomínios é a prova cabal de que qualquer utopia política é coisa de mau caráter ou iniciante em filosofia. Vejamos.

Imagine que você tem alguns vizinhos inadimplentes. Agora pense, como ser "legal" com os inadimplentes? Alguém na reunião conta que o cara do 41 está com câncer. Como ele nunca vem às reuniões, por razões óbvias, como vocês poderão checar? Pedirão exames via oficial de Justiça? E se for verdade? Dividirão a dívida do condomínio entre vocês? Todo doente terá desconto? Mas a separada do 61, que cuida sozinha de três filhos porque o marido era um traste, pergunta: "Eu já acordo às seis todo dia pra trabalhar e levar meus filhos na escola (a perua escolar está um absurdo!), por que devo arcar com a inadimplência dos outros? E se eu ficar doente? Vocês vão cuidar de mim e meus três filhos?".

Outro devedor, do 11, só sai de casa ao meio-dia. Dizem que é artista, por isso é difícil pagar as contas. Entretanto, trocou de carro recentemente, e você continua com aquele coreano que comprou em quatro anos de parcelamento, cinco anos atrás. Como proceder? Invadir a casa pra ver se ele de fato tem essa "atividade nobre que não vale pelo que se ganha mas pelo serviço que se presta à cultura"? E se for? Vão bancá-lo?

E a família do 52? O marido perdeu o emprego, apesar de a esposa (que já está com aquele rosto opaco de mulher que não bebe há muito tempo) trabalhar como uma louca. Perdoamos a dívida deles? Ou instituímos que todos devem dar uma contribuição para o caixa da família do 52?

Mas o pior mesmo foi a experiência do último inadimplente em questão. A síndica anterior, que era muito magra e silenciosa (vivia com gatos pela casa), conseguiu leiloar o apartamento 43, por que a dívida estava muito alta. No dia do despejo, o zelador conta pelos cantos que a filhinha do casal chorava perguntando porque aqueles homens estavam tirando-a do quarto dela. Dizem as más (ou boas?) línguas que fotos nas redes sociais apareceram com dizeres do tipo: "Parem com a violência nos condomínios!".

Pra completar a pauta da reunião, havia a suspeita de que a moradora do 72, uma gostosa de uns 40 anos, estava dando em cima dos caras do prédio (mesmo os casados!). Como agir sem confessar que você tem preconceitos com mulheres separadas no elevador com seu marido ou que você é um invejoso porque a tal gostosa nunca olhou pra você?

Enfim, imagino que a turma do "vamos fazer um mundo melhor" devia se concentrar em resolver os dramas dos condomínios antes de "fait la morale" (em francês é mais chique) pra cima de nós, que pagamos a conta.

 
20 de agosto de 2014
Luiz Felipe Pondè, Folha de SP

O ABUTRE E O BEIJA-FLOR


americanos.
 
20 de agosto de 2014
Omar Peres, O Globo

UMA RECONSTRUÇÃO INACABADA


 
A diplomacia brasileira pôs abaixo parte do velho edifício sem edificar em seu lugar uma casa nova

A diplomacia de Dilma deixa a impressão de reconstrução que retificou alguns erros da anterior, sem conseguir construir obra própria.

Era claro o que exigia correção: excesso de protagonismo, iniciativas temerárias em áreas distantes das prioridades do país, silêncio em relação a regimes violadores de direitos humanos, inspiração ideológica e sectária da política externa.

Certas mudanças vieram de fatos. A saída de um presidente carismático pôs fim ao protagonismo, enquanto a ruína da imagem internacional da economia brasileira impôs estilo diplomático mais sóbrio.

É mérito da presidente o retorno à defesa dos direitos humanos em situações como a do Irã. Também se deve a ela o esforço de redefinir a relação com os EUA em termos inovadores como o do programa Ciência sem Fronteiras.

Essa aproximação, que deveria culminar com a visita de Estado da presidente a Washington, foi vítima da espionagem da NSA. Não se pode censurar a decisão de suspender a iniciativa até que se restabeleçam condições políticas propícias.

A frustração de elemento importante como esse da reconstrução diplomática cria a sensação de um projeto em que se pôs abaixo parte do velho edifício sem edificar no lugar uma casa nova.

Da obra de demolição, resta intacta a ideologização da política sul-americana. A ela se acrescentaram monstrengos inéditos: a suspensão arbitrária do Paraguai do Mercosul como pretexto para precipitar o ingresso da Venezuela; o lamentável episódio do falso "asilo" ao senador boliviano Roger Pinto.

O que faltou edificar, porém, supera em muito o que ficou sem demolir. Esperava-se que uma tecnocrata objetiva como a presidente imprimisse à diplomacia a busca pragmática de resultados tangíveis.

A colheita é magra: nada se fez para renovar o Mercosul, abalado por crise de credibilidade terminal. O relacionamento comercial com o principal parceiro no bloco, a Argentina, tampouco teve melhora.

A diplomacia perdeu a capacidade até de formular proposta para superar a crise do Mercosul. Não tem outro horizonte além de se agarrar a uma união aduaneira que naufraga sem que o Brasil proponha ao menos um plano para salvá-la.

A mesma falta de imaginação criativa se nota na ausência de um gesto decisivo em direção a países como o México e seus companheiros da Aliança do Pacífico --Colômbia, Chile e Peru.

Somente no apagar das luzes do governo se decidiu retomar negociações iniciadas há mais de dez anos para um acordo de livre-comércio com a União Europeia.

Apesar de anunciada várias vezes, não se conseguiu definir até agora posição negociadora comum nem dar início efetivo às tratativas.

O que salvou a política externa de balanço constrangedor foi a reunião dos Brics em Fortaleza. A criação do banco de infraestrutura e do fundo de reservas veio da capacidade de construir consenso da diplomacia brasileira, ao custo inclusive da renúncia a ambições legítimas.

O resultado exemplifica o que teria sido possível obter se a mesma competência, despida de distorção ideológica, tivesse sido aplicada aos demais problemas.
 
20 de agosto de 2014
Rubens Ricupero, Folha de SP

VIDA BEM VIVIDA


 
20 de agosto de 2014
Valdo Cruz, Folha de SP

ENERGIA E INFRAESTRUTURA


 
20 de agosto de 2014
José Goldemberg, O Estado de S.Paulo

FORA DE ORDEM


 
20 de agosto de 2014
Elena Landau, Folha de SP

DEMOCRACIA DEPENDE DO JORNALISMO


Não há um único assunto relevante que não tenha nascido numa pauta do jornalismo de qualidade. Os temas das nossas conversas são, frequentemente, determinados pelo noticiário e pela opinião dos jornais. A imprensa é, de fato, o oxigênio da sociedade. As redes sociais reverberam, multiplicam, agitam. Mas o pontapé inicial é sempre das empresas de conteúdo independentes. Sem elas a democracia não funciona.

Arthur Sulzberger Jr., chairman e publisher do The New York Times, sublinhou a importância de uma marca de credibilidade, independentemente da plataforma informativa. “A tradição é a maior qualidade do nosso jornalismo. É a maneira como as coisas são vistas, é a precisão de investigar, são os core values com que trabalhamos. Queremos continuar fazendo algo no qual se pode confiar. Mudar para o mundo digital significa apenas contar com novas ferramentas para fazer exatamente o mesmo. A experiência diária do jornalismo não muda, é essencialmente única”.

O jornalismo não é antinada. Mas também não é neutro. É um espaço de contraponto. Seu compromisso não está vinculado aos ventos passageiros da política e dos partidarismos. Sua agenda é, ou deveria ser, determinada por valores perenes: liberdade, dignidade humana, respeito às minorias, promoção da livre iniciativa, abertura ao contraditório. Por isso os jornais são fustigados pelos que desenham projetos autoritários de poder. O jornalismo sustenta a democracia não com engajamentos espúrios, mas com a força informativa da reportagem e com o farol de uma opinião firme, mas equilibrada e magnânima. A reportagem é, sem dúvida, o coração da mídia.

O bom jornalista ilumina a cena, o repórter manipulador constrói a história. A distorção, no entanto, escapa à perspicácia do leitor médio. Daí a gravidade do dolo. Na verdade, a batalha da isenção enfrenta a sabotagem da manipulação deliberada, da preguiça profissional e da incompetência arrogante. Todos os manuais de redação consagram a necessidade de ouvir os dois lados de um mesmo assunto. Mas alguns procedimentos, próprios de opções ideológicas invencíveis, transformam um princípio irretocável num jogo de aparência.

A apuração de mentira representa uma das mais graves agressões à ética e à qualidade informativa. Matérias previamente decididas em ambientes sectários buscam a cumplicidade da imparcialidade aparente. A decisão de ouvir o outro lado não é honesta, não se apoia na busca da verdade, mas num artifício que transmite uma máscara de isenção, uma ficção de imparcialidade. O assalto à verdade culmina com uma estratégia exemplar: repercussão seletiva. O pluralismo de fachada convoca pretensos especialistas para declarar o que o repórter quer ouvir. Mata-se a notícia. Cria-se a versão.

O prestígio de uma publicação não é fruto do acaso. É uma conquista diária. A credibilidade não se edifica com descargas de adrenalina. A crise do jornalismo está intimamente relacionada com a perda de qualidade do conteúdo, com o perigoso abandono de sua vocação pública e com sua equivocada transformação em produto mais próprio para consumo privado. É preciso recuperar o entusiasmo do “velho ofício”. É urgente investir fortemente na formação e qualificação dos profissionais. O jornalismo não é máquina, tecnologia, embora se trate de suporte importantíssimo. O valor dele se chama informação de alta qualidade, talento, critério, ética, inovação.

Sem jornalismo público, independente e qualificado, o futuro da democracia é incerto e preocupante.

 
20 de agosto de 2014
Carlos Alberto Di Franco, O Globo

AS PROVAS DE UMA TEORIA



Aos 72 anos de idade minha visão da economia brasileira parte sempre de uma leitura estrutural dos fatores principais que comandam sua dinâmica. Neste sentido procuro construir um futuro ainda hipotético a partir de movimentos que entendo devam influir progressivamente no comportamento dos mercados. Este é um exercício quase solitário, pois o número de analistas com esta visão da economia é muito menor do que o dos palpiteiros do dia a dia.

Por isto, quando uma pesquisa de campo, como a realizada pelo diretor do Instituto Data Popular - e publicada pelo Valor na sua edição do último dia 13 -, confirma minha leitura do futuro, sinto um conforto muito grande. No final são dados reais caminhando na direção do cenário idealizado por mim há alguns anos. A entrevista de Renato Meirelles trata dos efeitos da formalização do emprego, ocorrida principalmente a partir de 2005 entre os brasileiros das classes D e E.

Este movimento de formalização do trabalho das classes de renda mais baixa no Brasil ocorreu em dois momentos distintos: o primeiro, nos anos seguintes ao Plano Real, quando o número de brasileiros que viviam no espaço do emprego formal passou de 33% do total para 44%. O segundo momento ocorre a partir de 2005, quando a formalização volta a ganhar força e chega a 67% da população agora no final do mandato da presidente Dilma (veja gráfico). Estudo recente realizado pela equipe do Banco Itaú mostra que este processo deve se estabilizar quando atingir 70% da população brasileira, por volta de 2016.

Minha conversão à tese de que vivíamos realmente uma mudança estrutural importante na sociedade brasileira ocorreu em fins de 2008. Afinal o gráfico nesta página, construído pela equipe da Quest Investimentos em 2005, já falava por si mesmo. A partir de 2008 minha preocupação foi procurar entender os efeitos que este novo desenho da sociedade teria sobre as dinâmicas política e econômica em nosso país. Venho fazendo este exercício de forma continuada desde então e, por isto, a matéria do Valor teve um impacto muito grande para mim. Afinal, uma pesquisa de campo, com credibilidade, mostrava que meu exercício de abstração estava correto e que poderia dar um passo adiante - mais ambicioso - nas minhas previsões.

Antes de fazê-lo vou mostrar ao leitor quais as mudanças importantes que a passagem de um brasileiro comum da informalidade para a formalidade econômica traz no seu comportamento como cidadão. Creio ter encontrado uma ideia que resume de forma sintética estas mudanças: o cidadão na economia formal passa a ter um futuro relativamente previsível pela frente. Entendo como um futuro relativamente previsível o fato de ter um contrato formal de trabalho que lhe permite ter acesso, entre outros, a programas sociais como FGTS e PIS/Pasep, ao credito bancário e, principalmente, ao direito de ter seu salário corrigido anualmente com base na inflação passada e, em certos períodos, com um ganho real no valor de seu salário. Apenas o fantasma do desemprego pode mudar este quadro.

A formalização do trabalho, em uma sociedade em que o nível de consumo tem um valor muito forte, responde por grande parte do boom de consumo do segundo mandato do presidente Lula. A sincronia destas mudanças com o aumento da confiança do sistema bancário na economia acelerou ainda mais seu crescimento. Entre 2006 e 2008, as vendas ao varejo nas regiões Norte e Nordeste chegaram a crescer a taxa anuais superiores a 15%. Na esteira deste aumento do consumo seguiu-se um aumento significativo do investimento na medida em que as empresas mais conservadoras passaram a perder fatias de mercado. E a economia brasileira - e o governo do PT - viveram anos de ouro.

Deixo de lado a questão econômica e volto agora a especular sobre os efeitos defasados no tempo que esta formalização do emprego terá sobre a sociedade brasileira. Mais uma vez recorro a entrevista do presidente do Data Popular ao Valor para reforçar minha tese de que a formalização do emprego trará mudanças no comportamento político destes brasileiros e na sua forma de avaliar o Estado. Renato Meirelles cita, por exemplo, o fato de que pela primeira vez estes brasileiros estão encarando de frente os impostos cobrados em seus salários.

"A favela cresceu junto com a economia e esse cara passou a pagar imposto na fonte. Ele não tem noção de imposto indireto. Então, ele não sabia o que era pagar imposto. Agora sabe. Com isso, passa a cobrar mais dos serviços públicos. Deixa de entender serviço público como um favor do governo e passa a entender como uma contrapartida pelo que ele paga. Isso é ótimo. Ele não quer mais cesta básica. Quer plano nacional de banda larga. Não quer dentadura. Quer ProUni".

Esta é uma diferença fundamental para que possamos entender o Brasil dos próximos anos. Quando o cidadão não tem futuro somente o governo pode garantir a ele alguma segurança em relação ao futuro; quando ele passa a ter o emprego formal e começa a pagar impostos ao governo esta lógica se inverte, principalmente na situação em que os serviços públicos prestados pelo governo são de péssima qualidade. Dentro desta ótica fica mais fácil entender a Constituição brasileira de 1988, quando o emprego formal atingia menos de 30% da população. E certamente poderemos esperar que, talvez no fim dessa década, haja condições políticas para sua revisão.
 
20 de agosto de 2014
Luis Carlos Mendonça de Barros, Valor Econômico