Com essa omissão, o MPF parece conceder imunidade aos manifestantes, como se eles não violassem a lei, o que as próprias imagens da televisão desmentem
Na terça-feira, dia 6, o Ministério Público Federal (MPF), por meio da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, informou aos governadores de São Paulo, Geraldo Alckmin, e do Rio de Janeiro, Francisco Dornelles, que vai monitorar as próximas manifestações contra o governo de Michel Temer para averiguar a ocorrência de possíveis excessos na ação das polícias estaduais.
O ofício ao governador de São Paulo informa que “servidores e membros do Ministério Público Federal estarão coletando informações, imagens e áudios das manifestações e da conduta das forças policiais, com o objetivo de analisar se a atuação do Poder Público atende aos parâmetros nacionais e internacionais de uso moderado e proporcional da força pelo Estado, assim como estão sendo observadas as normas do devido processo legal pela polícia judiciária”.
Chama a atenção o fato de que o MPF admita apenas a existência de possíveis excessos na atuação da polícia. Por que não agir da mesma forma com os manifestantes? Com essa omissão, o MPF parece conceder imunidade aos manifestantes, como se eles não violassem a lei, o que as próprias imagens da televisão desmentem. Na semana passada, por exemplo, manifestantes contrários ao impeachment de Dilma Rousseff depredaram patrimônio público e privado, destruíram uma viatura da PM e bloquearam avenidas, transtornando o trânsito em amplas áreas da cidade. Nada disso, porém, parece importar ao MPF. Estaria ele interessado apenas nos direitos de uma das partes?
Os manifestantes parecem merecer do MPF ampla compreensão, como se as ações destes sempre se pautassem pelo respeito à ordem jurídica, o que não é exatamente o que ocorre, tendo em vista o histórico de violência de muitos deles. Já em relação à polícia, o MPF admite que pode haver excessos em sua atuação, o que o levou a propor um monitoramento preventivo para evitar abusos.
Essa desigualdade no tratamento do caso pelo MPF sugere a existência de preconceito incompatível com sua missão constitucional. O art. 127 da Carta Magna é expresso: “O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.
Como se vê, o MPF existe para defender a ordem jurídica e o regime democrático. Sua atuação deve primar, portanto, pela mais absoluta isenção. Toda vez que o Ministério Público assume previamente um posicionamento favorável a um dos lados, ele se põe fora de seus limites institucionais.
É o que pode estar acontecendo com a anunciada atuação preventiva do MPF nesse caso. Mais do que ninguém, o MPF deve saber que a lei e a democracia existem para a defesa dos direitos de todos os cidadãos, indistintamente. Vige no País o princípio da igualdade. Não se pode privilegiar a atuação de alguns em detrimento de outros. Tal modo de proceder é especialmente grave quando feito justamente por quem deveria zelar pela igualdade de todos perante a lei.
Ao pressupor que apenas os órgãos de segurança pública podem estar cometendo excessos, o MPF corre o risco de alimentar uma grave discriminação em relação a essas instituições públicas. Além de injusto – pois a imensa maioria dos policiais tem tão somente a meritória disposição de que a lei seja cumprida e se mantenha a paz –, esse comportamento pode levar à conclusão de que a violência praticada por alguns manifestantes é tolerável, como se ela fosse simplesmente uma proporcional reação a abusos policiais. Seria lastimável que a iniciativa do MPF tivesse como consequência conferir certo ar de legitimidade à violência de black blocs e companhia.
É mais que hora de agir com prudência, serenidade e isenção, dentro dos estritos limites da lei. Isso vale para todos – para a polícia, para os manifestantes e para o Ministério Público Federal.
09 de setembro de 2016
Editorial Estadão