“Tenho tido pesadelos, senhor juiz; sonho que morri assassinado por mim mesmo, que estou preso com traficantes estupradores. Não mereço isso, eu, que sempre assumi minha condição de corrupto ativo e passivo. Por isso, hoje sou delator, senhor. Mas não sou apenas um delator de obviedades sabidas há séculos, tipo fulano levou tanto de grana, sicrano recebeu propina etc. Isso é café pequeno. Eu vi muita coisa com estes olhos que espiam pelas janelas da Papuda, esperando minha redução da pena. Eu faço uma delação profunda que desentranha dos suspeitos e acusados o que lhes vai na alma, nessa maratona de roubalheiras.
Digamos, até faço uma delação psicanalítica. Sou profissional e didático... Considero-me um técnico, um cientista da corrupção nacional...
Eu estou hoje, senhor juiz, feliz no lugar da verdade – tenho o prazer vingativo do dedo-duro. Para mim, que vivi mergulhado na mentira, falar a verdade até me inebria, me sossega.
Já levei muito dinheiro vivo para uns canalhas durante um jantar nordestino, dei-lhes a grana, entre moquecas e sarapatéis, que eles repartiram ali na cara, enquanto se refocilavam em chopes e gargalhadas, notas de dólares voltejando no ar, promessas de joias para as esposas fascinadas com os belos maços de grana, prostitutas à espreita nos bordéis próximos, ‘laranjas’ recebendo gorjetas magras, sorrindo com bocas desdentadas, notas frias preenchidas com avidez, em suma, um espetáculo sem ‘finesse’ que a mim escandaliza. Mas não sou um otário e me resguardei – gravei tudo no meu celular iPhone 6, à disposição de vossa meritíssima pessoa. Lá estão as bocas gotejantes de volúpia, os dedos vorazes, um espetáculo educativo sobre a alma nacional.
Também, senhor juiz, delatei aquele caolhinho da Petrobras que conseguiu amealhar R$ 97 milhões só de gorjeta, o que até me deixa um pouco deslumbrado, porque é um marco histórico na corrupção do planeta. Sem querer debochar de seu defeito, aqueles olhinhos piscavam, passando uma fragilidade quase proposital que esconde uma alma de desbravador, um ousado inventor de tretas e tramoias; dá até certa pena vê-lo magrinho esmagado por um tesouro perdido, enlouquecendo de arrependimento na celinha da polícia.
Delatei a vossa senhoria um ex-presidente da República que me tomou R$ 20 milhões, mesmo debaixo de opróbrio em que vive há 25 anos. Eu não aguentei e ousei lhe perguntar: ‘Por que você quer essa grana toda? Você já tem tanto...’ Ele não respondeu, óbvio, mas eu ouvi sua resposta muda: ‘não roubo mais por necessidade; é prazer mesmo. Estou muito bem de vida, tenho sete fazendas reais e sete imaginárias, mando em cidades do Nordeste, mas sou viciado na adrenalina que me arde no sangue na hora em que a mala de dólares voa em minha direção’.
Delatei o tesoureiro que me levou milhões em doações para o PT eleger o Lula e Dilma. Ele teve a cara dura ‘revolucionária’ de me exigir: ‘Precisamos de dinheiro para renovar nossa utopia, como disse nosso Lula! Agora, se você não soltar a grana logo, esquece o contrato para superfaturar a nova refinaria’. E riu debochado: ‘Afinal, o Petróleo é Nosso!’
Soltei o tutu, sim, senhor juiz, senão minha empresa quebrava... E valeu a pena, apesar de a Polícia Federal (PF) ter descoberto o superfaturamento 20 vezes maior do que aquela mixaria de US$ 1 milhão que doei para a ‘revolução socialista’... Perdoe-me por rir dessa piada vermelha...
Eu mesmo levei dinheiro vivo à sede do PT, eu, um homem refinado (creia-me, sr. juiz), tive de me submeter a senhas, senão não entrava. O porteiro perguntou a mim: ‘Tulipa’? E eu respondi: ‘Caneco’. Pode essa humilhação depois dos muitos milhões que entreguei àqueles moleques bolivarianos? E o ladrão receptor, um boçal com estrelinha no peito, ainda foi grosso: ‘Cadê o pixuleco?’
Delatei aquele ‘mão grande’ da Petrobras que investiu em arte, em quadros e esculturas contemporâneas para lavar dinheiro, mas suas obras de arte são medíocres. Esse burro poderia ao menos comprar coisas de valor, e não aquelas bobagens penduradas na parede – um Miró falso ao lado de um Romero Britto. Roube, mas com ‘finesse’.
Eu delato, senhor juiz, porque me tiram do sério suas negações diante do óbvio. Eles negam tudo, ninguém fez nada nunca, e Brasília vira um palco vazio sem atores. Isso desperta em mim os ‘impulsos mais primitivos’, como disse nosso pioneiro Roberto Jefferson... E nada chega ao Lula, esse, sim, o grande culpado desse filme de horror... Será que ele tem parte com o demônio para ficar tão blindado? Como disse um dos presos do petrolão: ‘Que país é este?’
Um país onde os presidentes do Congresso estão sendo investigados na Lava Jato? Aliás, eles nem ligam, sorriem, pois têm foro privilegiado no STF...
Por isso vos digo: tenho orgulho de mim, senhor. Minha delação é histórica. Eu topava uma propinazinha, tudo bem, mas isso, não. Eles estão desmanchando o país. Um dia serei louvado por isso.
Assim, senhor juiz, permita-me citar o padre Antônio Vieira: ‘Eles furtam em todos os tempos de verbo: furtam, furtavam, furtaram, furtariam e haveriam de furtar mais, se mais houvesse’.
Sem contar as carantonhas que nem precisam de acusações: Ricardo Pessôa (o paletó apertado em sua grande barriga), o Edison Lobão (fascina-me a vaidade desse feio), o sorriso tático do Marcelo Odebrecht, as caras ‘revolucinárias’ de Edinho Silva, Vaccari, aplaudidos de pé pelo ex-PT…Tudo está na cara…
Por isso, senhor juiz, acho que presto um serviço relevante ao país e lhe peço: não me ponha numa cela de 12 metros quadrados, varrendo o chão e limpando a privada.
Anseio, meritíssimo, pela doce tornozeleira eletrônica que me comunicará com os satélites no céu, o que me deixa emocionado, pela poesia que isso encerra: meus malfeitos no espaço sideral perto do Cruzeiro do Sul!”
07 de julho de 2015
Arnaldo Jabor
Digamos, até faço uma delação psicanalítica. Sou profissional e didático... Considero-me um técnico, um cientista da corrupção nacional...
Eu estou hoje, senhor juiz, feliz no lugar da verdade – tenho o prazer vingativo do dedo-duro. Para mim, que vivi mergulhado na mentira, falar a verdade até me inebria, me sossega.
Já levei muito dinheiro vivo para uns canalhas durante um jantar nordestino, dei-lhes a grana, entre moquecas e sarapatéis, que eles repartiram ali na cara, enquanto se refocilavam em chopes e gargalhadas, notas de dólares voltejando no ar, promessas de joias para as esposas fascinadas com os belos maços de grana, prostitutas à espreita nos bordéis próximos, ‘laranjas’ recebendo gorjetas magras, sorrindo com bocas desdentadas, notas frias preenchidas com avidez, em suma, um espetáculo sem ‘finesse’ que a mim escandaliza. Mas não sou um otário e me resguardei – gravei tudo no meu celular iPhone 6, à disposição de vossa meritíssima pessoa. Lá estão as bocas gotejantes de volúpia, os dedos vorazes, um espetáculo educativo sobre a alma nacional.
Também, senhor juiz, delatei aquele caolhinho da Petrobras que conseguiu amealhar R$ 97 milhões só de gorjeta, o que até me deixa um pouco deslumbrado, porque é um marco histórico na corrupção do planeta. Sem querer debochar de seu defeito, aqueles olhinhos piscavam, passando uma fragilidade quase proposital que esconde uma alma de desbravador, um ousado inventor de tretas e tramoias; dá até certa pena vê-lo magrinho esmagado por um tesouro perdido, enlouquecendo de arrependimento na celinha da polícia.
Delatei a vossa senhoria um ex-presidente da República que me tomou R$ 20 milhões, mesmo debaixo de opróbrio em que vive há 25 anos. Eu não aguentei e ousei lhe perguntar: ‘Por que você quer essa grana toda? Você já tem tanto...’ Ele não respondeu, óbvio, mas eu ouvi sua resposta muda: ‘não roubo mais por necessidade; é prazer mesmo. Estou muito bem de vida, tenho sete fazendas reais e sete imaginárias, mando em cidades do Nordeste, mas sou viciado na adrenalina que me arde no sangue na hora em que a mala de dólares voa em minha direção’.
Delatei o tesoureiro que me levou milhões em doações para o PT eleger o Lula e Dilma. Ele teve a cara dura ‘revolucionária’ de me exigir: ‘Precisamos de dinheiro para renovar nossa utopia, como disse nosso Lula! Agora, se você não soltar a grana logo, esquece o contrato para superfaturar a nova refinaria’. E riu debochado: ‘Afinal, o Petróleo é Nosso!’
Soltei o tutu, sim, senhor juiz, senão minha empresa quebrava... E valeu a pena, apesar de a Polícia Federal (PF) ter descoberto o superfaturamento 20 vezes maior do que aquela mixaria de US$ 1 milhão que doei para a ‘revolução socialista’... Perdoe-me por rir dessa piada vermelha...
Eu mesmo levei dinheiro vivo à sede do PT, eu, um homem refinado (creia-me, sr. juiz), tive de me submeter a senhas, senão não entrava. O porteiro perguntou a mim: ‘Tulipa’? E eu respondi: ‘Caneco’. Pode essa humilhação depois dos muitos milhões que entreguei àqueles moleques bolivarianos? E o ladrão receptor, um boçal com estrelinha no peito, ainda foi grosso: ‘Cadê o pixuleco?’
Delatei aquele ‘mão grande’ da Petrobras que investiu em arte, em quadros e esculturas contemporâneas para lavar dinheiro, mas suas obras de arte são medíocres. Esse burro poderia ao menos comprar coisas de valor, e não aquelas bobagens penduradas na parede – um Miró falso ao lado de um Romero Britto. Roube, mas com ‘finesse’.
Eu delato, senhor juiz, porque me tiram do sério suas negações diante do óbvio. Eles negam tudo, ninguém fez nada nunca, e Brasília vira um palco vazio sem atores. Isso desperta em mim os ‘impulsos mais primitivos’, como disse nosso pioneiro Roberto Jefferson... E nada chega ao Lula, esse, sim, o grande culpado desse filme de horror... Será que ele tem parte com o demônio para ficar tão blindado? Como disse um dos presos do petrolão: ‘Que país é este?’
Um país onde os presidentes do Congresso estão sendo investigados na Lava Jato? Aliás, eles nem ligam, sorriem, pois têm foro privilegiado no STF...
Por isso vos digo: tenho orgulho de mim, senhor. Minha delação é histórica. Eu topava uma propinazinha, tudo bem, mas isso, não. Eles estão desmanchando o país. Um dia serei louvado por isso.
Assim, senhor juiz, permita-me citar o padre Antônio Vieira: ‘Eles furtam em todos os tempos de verbo: furtam, furtavam, furtaram, furtariam e haveriam de furtar mais, se mais houvesse’.
Sem contar as carantonhas que nem precisam de acusações: Ricardo Pessôa (o paletó apertado em sua grande barriga), o Edison Lobão (fascina-me a vaidade desse feio), o sorriso tático do Marcelo Odebrecht, as caras ‘revolucinárias’ de Edinho Silva, Vaccari, aplaudidos de pé pelo ex-PT…Tudo está na cara…
Por isso, senhor juiz, acho que presto um serviço relevante ao país e lhe peço: não me ponha numa cela de 12 metros quadrados, varrendo o chão e limpando a privada.
Anseio, meritíssimo, pela doce tornozeleira eletrônica que me comunicará com os satélites no céu, o que me deixa emocionado, pela poesia que isso encerra: meus malfeitos no espaço sideral perto do Cruzeiro do Sul!”
07 de julho de 2015
Arnaldo Jabor