Este é um blog conservador. Um canal de denúncias do falso 'progressismo' e da corrupção que afronta a cidadania. Também não é um blog partidário, visto que os partidos que temos, representam interesses de grupos, e servem para encobrir o oportunismo político de bandidos. Falamos contra corruptos, estelionatários e fraudadores. Replicamos os melhores comentários e análises críticas, bem como textos divergentes, para reflexão do leitor. Além de textos mais amenos... (ou mais ou menos...) .
"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville (1805-1859)
"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville (1805-1859)
"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.
quinta-feira, 25 de julho de 2019
'RECEPTADOR DE MATERIAL ROUBADO' - DIZ NUNES SOBRE GREENWALD
O jornalista Augusto Nunes, colunista da Veja e comentarista da rádio Jovem Pan, comentou as novas revelações sobre o ataque de um grupo hacker contra autoridades brasileiras.
Em declaração no Twitter, nesta quinta-feira (25), Nunes disse que a confissão do hacker Walter Delgatti “rasgou a fantasia de Glenn Greenwald“, editor e cofundador do site Intercept, que obteve repercussão internacional com a divulgação do material obtido ilegalmente.
Em depoimento à Polícia Federal (PF), na quarta-feira (24), Delgatti, conhecido como “Vermelho”, confessou ter repassado ao militante norte-americano Greenwald informações interceptadas do aplicativo Telegram.
Em nota, a defesa de Greenwald disse que “não comenta assuntos relacionados à identidade de suas fontes anônimas”.
Ainda de acordo com a mensagem de Augusto Nunes no Twitter, o jornalista afirmou que a delação do hacker transforma Greenwald em um “receptador de material roubado”.
25 de julho de 2019
renova mídia
PALAVRAS AO VENTO
A falta de cuidados com as palavras pode trazer grandes prejuízos políticos, como mostram precedentes
O presidente Jair Bolsonaro vai levar muito tempo para se livrar do "lapsus linguae" que cometeu chamando os nordestinos de “paraíbas”, numa conversa com microfone aberto sem que soubesse.
As distrações na linguagem falada podem revelar preconceitos arraigados, ou serem simplesmente equívocos desastrados. Sujeitas a manipulações políticas. Ontem, na sua primeira viagem ao Nordeste, Bolsonaro teve que se explicar diversas vezes, e o fez com criatividade.
Dizer que “somos todos paraíbas” foi uma boa saída. Já usar um chapéu de boiadeiro foi repetir um gesto político tradicional. No Rio, onde Bolsonaro fez sua vida política, embora seja paulista, chamar nordestinos de “paraíbas” tem um sentido pejorativo histórico, devido às migrações nordestinas para a Região Sudeste do país, em busca de emprego e fugindo da seca.
Em São Paulo, o menosprezo vai para os “baianos”, pela mesma razão. Bolsonaro também falou “somos todos baianos” ontem, bem orientado para que a tentativa de correção de seu lapso de linguagem tivesse alcance nacional.
O general Hamilton Mourão, vice de Bolsonaro, sofreu muito com esse tipo de erro durante a campanha, ou revelando desejos recônditos como acabar com o décimo terceiro salário, ou tratando de temas tóxicos, como torturas ou autogolpes.
No poder, o general Mourão passou a ser cuidadoso com as palavras, refletindo uma posição mais moderada que o próprio presidente Bolsonaro, que, incentivado pelo filho Carlos, considerou parte de uma campanha para colocá-lo como alternativa viável.
Carlos chegou a dizer que havia gente no entorno do pai que queria sua morte. Bolsonaro ecoou esse sentimento paranoico ao perguntar a Mourão por telefone, quando estava internado devido à tentativa de assassinato: “Quer me matar?”.
Recentemente, deu parabéns a Mourão por ter conseguido ficar sem dar entrevistas por uma semana. Como tem mandato pelo voto, tanto quanto Bolsonaro, Mourão é indemissível, ao contrário de outros militares que trabalhavam no governo e foram defenestrados, geralmente vítimas de intrigas palacianas da família do presidente.
Ontem, os dois chegaram abraçados para uma cerimônia no Palácio do Planalto, com Bolsonaro dizendo que estavam “namorando”. Outra brincadeira frequente do presidente, que distribui beijos e abraços “héteros”.
A falta de cuidados com as palavras pode trazer grandes prejuízos políticos, como mostram precedentes históricos já relatados aqui na coluna. Desde o caso do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que tachou de “vagabundos” quem se aposentava cedo, e acabou marcado como tendo classificado todos os aposentados de vagabundos.
Mas o mais famoso aconteceu em 1945, quando o brigadeiro Eduardo Gomes, candidato a presidente pela UDN com larga vantagem sobre o candidato getulista, o general Eurico Dutra, fez um duro discurso contra Getúlio.
Disse que não precisava dos votos “desta malta de desocupados que apoia o ditador”. Segundo relato da historiadora Alzira Alves de Abreu, do CPDOC da Fundação Getulio Vargas, o getulista Hugo Borghi descobriu no dicionário que “malta”, além de significar “bando ou súcia”, o que já era ofensivo, também denominava trabalhadores que levavam suas marmitas nas linhas férreas, o que atingia mais diretamente os eleitores pobres.
Daí a dizer que o brigadeiro não queria os votos dos “marmiteiros”, menosprezando os pobres, foi um passo, e o general Dutra venceu uma eleição perdida. No caso atual, como o lapsus linguae foi cometido fora da campanha eleitoral, Bolsonaro ainda terá muito tempo e tinta na caneta para se aproximar dos “paraíbas” e “baianos”.
Já anunciou o décimo terceiro para o Bolsa Família, e estuda um abono para os que o recebem. Uma tentativa de retomar um reduto eleitoral petista, prejudicada pela fala revelada.
25 de julho de 2019
Merval Pereira, O Globo
O presidente Jair Bolsonaro vai levar muito tempo para se livrar do "lapsus linguae" que cometeu chamando os nordestinos de “paraíbas”, numa conversa com microfone aberto sem que soubesse.
As distrações na linguagem falada podem revelar preconceitos arraigados, ou serem simplesmente equívocos desastrados. Sujeitas a manipulações políticas. Ontem, na sua primeira viagem ao Nordeste, Bolsonaro teve que se explicar diversas vezes, e o fez com criatividade.
Dizer que “somos todos paraíbas” foi uma boa saída. Já usar um chapéu de boiadeiro foi repetir um gesto político tradicional. No Rio, onde Bolsonaro fez sua vida política, embora seja paulista, chamar nordestinos de “paraíbas” tem um sentido pejorativo histórico, devido às migrações nordestinas para a Região Sudeste do país, em busca de emprego e fugindo da seca.
Em São Paulo, o menosprezo vai para os “baianos”, pela mesma razão. Bolsonaro também falou “somos todos baianos” ontem, bem orientado para que a tentativa de correção de seu lapso de linguagem tivesse alcance nacional.
O general Hamilton Mourão, vice de Bolsonaro, sofreu muito com esse tipo de erro durante a campanha, ou revelando desejos recônditos como acabar com o décimo terceiro salário, ou tratando de temas tóxicos, como torturas ou autogolpes.
No poder, o general Mourão passou a ser cuidadoso com as palavras, refletindo uma posição mais moderada que o próprio presidente Bolsonaro, que, incentivado pelo filho Carlos, considerou parte de uma campanha para colocá-lo como alternativa viável.
Carlos chegou a dizer que havia gente no entorno do pai que queria sua morte. Bolsonaro ecoou esse sentimento paranoico ao perguntar a Mourão por telefone, quando estava internado devido à tentativa de assassinato: “Quer me matar?”.
Recentemente, deu parabéns a Mourão por ter conseguido ficar sem dar entrevistas por uma semana. Como tem mandato pelo voto, tanto quanto Bolsonaro, Mourão é indemissível, ao contrário de outros militares que trabalhavam no governo e foram defenestrados, geralmente vítimas de intrigas palacianas da família do presidente.
Ontem, os dois chegaram abraçados para uma cerimônia no Palácio do Planalto, com Bolsonaro dizendo que estavam “namorando”. Outra brincadeira frequente do presidente, que distribui beijos e abraços “héteros”.
A falta de cuidados com as palavras pode trazer grandes prejuízos políticos, como mostram precedentes históricos já relatados aqui na coluna. Desde o caso do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que tachou de “vagabundos” quem se aposentava cedo, e acabou marcado como tendo classificado todos os aposentados de vagabundos.
Mas o mais famoso aconteceu em 1945, quando o brigadeiro Eduardo Gomes, candidato a presidente pela UDN com larga vantagem sobre o candidato getulista, o general Eurico Dutra, fez um duro discurso contra Getúlio.
Disse que não precisava dos votos “desta malta de desocupados que apoia o ditador”. Segundo relato da historiadora Alzira Alves de Abreu, do CPDOC da Fundação Getulio Vargas, o getulista Hugo Borghi descobriu no dicionário que “malta”, além de significar “bando ou súcia”, o que já era ofensivo, também denominava trabalhadores que levavam suas marmitas nas linhas férreas, o que atingia mais diretamente os eleitores pobres.
Daí a dizer que o brigadeiro não queria os votos dos “marmiteiros”, menosprezando os pobres, foi um passo, e o general Dutra venceu uma eleição perdida. No caso atual, como o lapsus linguae foi cometido fora da campanha eleitoral, Bolsonaro ainda terá muito tempo e tinta na caneta para se aproximar dos “paraíbas” e “baianos”.
Já anunciou o décimo terceiro para o Bolsa Família, e estuda um abono para os que o recebem. Uma tentativa de retomar um reduto eleitoral petista, prejudicada pela fala revelada.
25 de julho de 2019
Merval Pereira, O Globo
COICE NA LITURGIA
O cargo de presidente implica e exige respeito. Mas não é o caso de Bolsonaro
A chapa está esquentando. Jair Bolsonaro, o presidente mais boquirroto da história da República, tem se superado ultimamente em sua especialidade de atacar adversários, ofender aliados, ignorar protocolos, diminuir instituições, promover crises, agredir minorias, comprar brigas gratuitas, humilhar seus próprios amigos, mentir com grande convicção, desdizer-se na maior cara dura e, de modo geral, escoicear a liturgia do cargo.
Formalmente, é um presidente. Tem ao seu redor pessoas para protegê-lo, transportá-lo, abrir-lhe portas, fazer seus ternos, cortar-lhe o cabelo, corrigir sua postura, preparar sua agenda, escrever seus discursos e, principalmente, orientá-lo sobre as grandes questões, a atitude a tomar sobre este ou aquele problema, a oportunidade de manifestar-se ou manter-se neutro diante de certos assuntos. Bolsonaro deve ter todos esses profissionais para servi-lo. Mas, ou são uns incompetentes ou é ele quem os desqualifica, passando por cima de seus conselhos e metendo os pés pelas mãos por conta própria.
Durante a campanha, quando batia boca com os adversários, dava-se um desconto. Campanha é assim mesmo, pode-se falar qualquer coisa, só os bobos acreditam. Mas, a partir do momento em que se enverga a faixa —e há uma foto do dia da posse, em que Bolsonaro, deslumbrado, aponta para a dita cuja—, impõe-se uma compostura. O cargo implica e exige respeito.
Apenas nos últimos dias, Bolsonaro chamou os nordestinos de “paraíbas”, rotulou um general como “melancia” —verde por fora, vermelho por dentro— e tachou um importante órgão de pesquisa, que nem deve saber para o que serve, de divulgar dados “mentirosos”. Mas, nesta, levou um troco: foi acusado de falar como se estivesse “em uma conversa de botequim”.
Como não se dá ao respeito como presidente, Bolsonaro logo não poderá exigir que seus presididos o tenham por ele.
25 de julho de 2019
Ruy Castro
Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues
A chapa está esquentando. Jair Bolsonaro, o presidente mais boquirroto da história da República, tem se superado ultimamente em sua especialidade de atacar adversários, ofender aliados, ignorar protocolos, diminuir instituições, promover crises, agredir minorias, comprar brigas gratuitas, humilhar seus próprios amigos, mentir com grande convicção, desdizer-se na maior cara dura e, de modo geral, escoicear a liturgia do cargo.
Formalmente, é um presidente. Tem ao seu redor pessoas para protegê-lo, transportá-lo, abrir-lhe portas, fazer seus ternos, cortar-lhe o cabelo, corrigir sua postura, preparar sua agenda, escrever seus discursos e, principalmente, orientá-lo sobre as grandes questões, a atitude a tomar sobre este ou aquele problema, a oportunidade de manifestar-se ou manter-se neutro diante de certos assuntos. Bolsonaro deve ter todos esses profissionais para servi-lo. Mas, ou são uns incompetentes ou é ele quem os desqualifica, passando por cima de seus conselhos e metendo os pés pelas mãos por conta própria.
Durante a campanha, quando batia boca com os adversários, dava-se um desconto. Campanha é assim mesmo, pode-se falar qualquer coisa, só os bobos acreditam. Mas, a partir do momento em que se enverga a faixa —e há uma foto do dia da posse, em que Bolsonaro, deslumbrado, aponta para a dita cuja—, impõe-se uma compostura. O cargo implica e exige respeito.
Apenas nos últimos dias, Bolsonaro chamou os nordestinos de “paraíbas”, rotulou um general como “melancia” —verde por fora, vermelho por dentro— e tachou um importante órgão de pesquisa, que nem deve saber para o que serve, de divulgar dados “mentirosos”. Mas, nesta, levou um troco: foi acusado de falar como se estivesse “em uma conversa de botequim”.
Como não se dá ao respeito como presidente, Bolsonaro logo não poderá exigir que seus presididos o tenham por ele.
25 de julho de 2019
Ruy Castro
Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues
Folha de SP
BOLSONARO ERROU O TIRO NO 'MELANCIA'
O capitão precisa ouvir o conselho do general Médici e, todo dia, botar água na cabeça para esfriá-la
Com 13 milhões de desempregados, a economia andando de lado e a projeção de mais um ano de pibinho, o Brasil já tem problemas suficientes, não precisa trazer de volta o fantasma da anarquia militar. Com idas e vindas, ele assombrou a vida do país dos últimos anos do século XIX até o final do XX.
Jair Bolsonaro elegeu-se presidente da República pela vontade de 57,8 milhões de brasileiros. Teve o apoio público de dezenas de oficiais das Forças Armadas e formou um ministério com oito militares. Fez um agradecimento ao ex-comandante do Exército dizendo que “o que nós já conversamos morrerá entre nós, o senhor é um dos responsáveis por eu estar aqui, muito obrigado, mais uma vez.” Sabe-se lá o que conversaram, mas desde o primeiro momento o capitão reformado associou seu governo às Forças Armadas. Como agradecimento, tudo bem. Além disso, é uma perigosa impropriedade.
Bolsonaro deixou a tropa depois de dois episódios de ativismo e indisciplina. Referindo-se ao capitão, o ex-presidente Ernesto Geisel classificou-o como “um mau militar”. Quem está no Planalto é um político com 30 anos de vida parlamentar e uma ascensão meteórica. Em seis meses de presidência, demitiu três oficiais-generais e na semana passada disse que outro, Luiz Eduardo Rocha Paiva, aliou-se ao PCdoB: “Descobrimos um ‘melancia’, defensor da Guerrilha do Araguaia em pleno século XXI”. Ele havia criticado a escolha de Eduardo Bolsonaro para a embaixada em Washington e a fala dos governadores “de Paraíba”.
Esse general de brigada chefiou a Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e, na reserva, em março foi nomeado para integrar a Comissão da Anistia. Chamá-lo de “melancia” (verde por fora, vermelho por dentro) foi um despautério. Em 2010, Rocha Paiva acusou o PT de “querer implantar um regime totalitário no Brasil”. Dois anos depois, lembrou as execuções praticadas pelo PCdoB no Araguaia. Foram pelo menos três. (Esqueceu-se das execuções de guerrilheiros que se renderam, mas ninguém é obrigado a se lembrar de tudo.)
Tanto o general Rocha Paiva como Bolsonaro deram suas opiniões por meio desse instrumento diabólico que são as redes sociais. Num caso, falou um general da reserva que ocupa um cargo público. Noutro, o presidente da República. Juntos, produziram um inédito curto-circuito.
A presença de militares no governo gerou a compreensível curiosidade em torno de suas preferências e ansiedades. General da reserva é uma coisa; da ativa, outra. Muito outra é general da reserva que ocupa cargo civil. Os chefes militares raramente falavam, de Dutra até comandantes mais recentes, passando por Castelo Branco, Médici e Geisel. O atual comandante do Exército, Edson Pujol, não tem conta no Twitter.
Na dia 12 de outubro de 1977, quando o presidente Geisel demitiu o ministro do Exército, general Sylvio Frota, um grupo de oficiais tentou sublevar-se, e um general ligou para o ex-presidente Médici, que vivia no Rio, calado. Queria seu apoio e ouviu o seguinte: “Põe água na cabeça. Põe água para esfriar a cabeça.”
(O general Augusto Heleno, que era capitão e ajudante de ordens de Frota, lembra-se de alguns episódios desse dia.)
Bolsonaro precisa pôr água na cabeça para cuidar de seu governo, deixando os quartéis em paz e silêncio.
25 de julho de 2019
Élio Gaspari
Folha de SP/ Globo
Com 13 milhões de desempregados, a economia andando de lado e a projeção de mais um ano de pibinho, o Brasil já tem problemas suficientes, não precisa trazer de volta o fantasma da anarquia militar. Com idas e vindas, ele assombrou a vida do país dos últimos anos do século XIX até o final do XX.
Jair Bolsonaro elegeu-se presidente da República pela vontade de 57,8 milhões de brasileiros. Teve o apoio público de dezenas de oficiais das Forças Armadas e formou um ministério com oito militares. Fez um agradecimento ao ex-comandante do Exército dizendo que “o que nós já conversamos morrerá entre nós, o senhor é um dos responsáveis por eu estar aqui, muito obrigado, mais uma vez.” Sabe-se lá o que conversaram, mas desde o primeiro momento o capitão reformado associou seu governo às Forças Armadas. Como agradecimento, tudo bem. Além disso, é uma perigosa impropriedade.
Bolsonaro deixou a tropa depois de dois episódios de ativismo e indisciplina. Referindo-se ao capitão, o ex-presidente Ernesto Geisel classificou-o como “um mau militar”. Quem está no Planalto é um político com 30 anos de vida parlamentar e uma ascensão meteórica. Em seis meses de presidência, demitiu três oficiais-generais e na semana passada disse que outro, Luiz Eduardo Rocha Paiva, aliou-se ao PCdoB: “Descobrimos um ‘melancia’, defensor da Guerrilha do Araguaia em pleno século XXI”. Ele havia criticado a escolha de Eduardo Bolsonaro para a embaixada em Washington e a fala dos governadores “de Paraíba”.
Esse general de brigada chefiou a Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e, na reserva, em março foi nomeado para integrar a Comissão da Anistia. Chamá-lo de “melancia” (verde por fora, vermelho por dentro) foi um despautério. Em 2010, Rocha Paiva acusou o PT de “querer implantar um regime totalitário no Brasil”. Dois anos depois, lembrou as execuções praticadas pelo PCdoB no Araguaia. Foram pelo menos três. (Esqueceu-se das execuções de guerrilheiros que se renderam, mas ninguém é obrigado a se lembrar de tudo.)
Tanto o general Rocha Paiva como Bolsonaro deram suas opiniões por meio desse instrumento diabólico que são as redes sociais. Num caso, falou um general da reserva que ocupa um cargo público. Noutro, o presidente da República. Juntos, produziram um inédito curto-circuito.
A presença de militares no governo gerou a compreensível curiosidade em torno de suas preferências e ansiedades. General da reserva é uma coisa; da ativa, outra. Muito outra é general da reserva que ocupa cargo civil. Os chefes militares raramente falavam, de Dutra até comandantes mais recentes, passando por Castelo Branco, Médici e Geisel. O atual comandante do Exército, Edson Pujol, não tem conta no Twitter.
Na dia 12 de outubro de 1977, quando o presidente Geisel demitiu o ministro do Exército, general Sylvio Frota, um grupo de oficiais tentou sublevar-se, e um general ligou para o ex-presidente Médici, que vivia no Rio, calado. Queria seu apoio e ouviu o seguinte: “Põe água na cabeça. Põe água para esfriar a cabeça.”
(O general Augusto Heleno, que era capitão e ajudante de ordens de Frota, lembra-se de alguns episódios desse dia.)
Bolsonaro precisa pôr água na cabeça para cuidar de seu governo, deixando os quartéis em paz e silêncio.
25 de julho de 2019
Élio Gaspari
Folha de SP/ Globo
A FACE OCULTA DE BOLSONARO
Antes de Toffoli blindar filho Flávio, presidente insinuou que indicará protegido dele para STF
Nos 200 dias de governo do capitão reformado e deputado federal aposentado, além do Bolsonaro óbvio das declarações sobre o Nordeste reduzido a “paraíba” e da insistência descabida em fazer o filho caçula embaixador em Washington, há outro, cuidadosamente escondido para evitar perdas. Por falta de espaço nesta página e excesso de exposição de seu acervo de frases infelizes, convém tentar lançar uma luz sobre o que ele, subordinados, prosélitos e fanáticos não conseguem mais esconder de sua face oculta.
Aos 23 dias iniciais do mandato, Bolsonaro disse a um repórter da agência Bloomberg em Davos, na Suíça: “Se, por acaso, ele (o filho Flávio) errou e isso ficar provado, eu lamento como pai, mas ele vai ter que pagar o preço por essas ações que não podemos aceitar”. De volta ao Brasil, contudo, tirou a máscara de “isentão” (definição preferida de outro filho, Carlos, para desqualificar quem ouse discordar após concordar com algo) para fazer exatamente o contrário. Após decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, proibindo o compartilhamento de dados da Receita Federal, do Banco Central e do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), com Ministério Público Federal (MPF) e Polícia Federal (PF), ele até tentou escapulir de comentar, argumentando: “Somos Poderes harmônicos independentes. Te respondi? Ele é presidente do STF. Somos independentes, você acha justo o Dias Toffoli criticar um decreto meu? Ou um projeto aprovado e sancionado? Se eu não quisesse combater a corrupção, não teria aceitado o Moro como ministro”. Mas terminou deslizando em truísmos e platitudes, ao afirmar: “Pelo que eu sei, pelo o (sic) que está na lei, dados repassados, dependendo para quê, devem ter decisão judicial. E o que é mais grave na legislação. Os dados, uma vez publicizados (sic), contaminam o processo”. O quê?
O feroz cobrador das falhas do PT não explicou por que o caçula interrompeu o inquérito, em vez de provar inocência.
A revista Crusoé, do site O Antagonista, revelou que clientes da banca da mulher de Toffoli, Roberta Rangel, do qual este foi sócio, foram procurados pela Receita para explicar depósitos. Dias antes um colega por quem o presidente do STF tem manifestado apreço (e vice-versa), Gilmar Mendes, comparara o MPF e a PF à Gestapo, polícia política nazista, após averiguações sobre a contabilidade da banca de Sérgio Bermudes, de quem sua mulher, Guiomar, é sócia. Essa descoberta pode lançar um véu de suspeição sobre a decisão de Toffoli de suspender todos os inquéritos (segundo consta, 6 mil) de lavagem de dinheiro no País. Mas não altera a origem da decisão, tomada a partir da defesa de Flávio Bolsonaro.
Pode ser mera coincidência, até prova em contrário, mas o fato é que recentemente, a pretexto de reclamar de uma decisão do STF criminalizando a homofobia, o presidente, do alto de sua prerrogativa de indicar os membros do colegiado, queixou-se de não haver ali um ministro “terrivelmente evangélico”.
Nos 200 dias de governo do capitão reformado e deputado federal aposentado, além do Bolsonaro óbvio das declarações sobre o Nordeste reduzido a “paraíba” e da insistência descabida em fazer o filho caçula embaixador em Washington, há outro, cuidadosamente escondido para evitar perdas. Por falta de espaço nesta página e excesso de exposição de seu acervo de frases infelizes, convém tentar lançar uma luz sobre o que ele, subordinados, prosélitos e fanáticos não conseguem mais esconder de sua face oculta.
Aos 23 dias iniciais do mandato, Bolsonaro disse a um repórter da agência Bloomberg em Davos, na Suíça: “Se, por acaso, ele (o filho Flávio) errou e isso ficar provado, eu lamento como pai, mas ele vai ter que pagar o preço por essas ações que não podemos aceitar”. De volta ao Brasil, contudo, tirou a máscara de “isentão” (definição preferida de outro filho, Carlos, para desqualificar quem ouse discordar após concordar com algo) para fazer exatamente o contrário. Após decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, proibindo o compartilhamento de dados da Receita Federal, do Banco Central e do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), com Ministério Público Federal (MPF) e Polícia Federal (PF), ele até tentou escapulir de comentar, argumentando: “Somos Poderes harmônicos independentes. Te respondi? Ele é presidente do STF. Somos independentes, você acha justo o Dias Toffoli criticar um decreto meu? Ou um projeto aprovado e sancionado? Se eu não quisesse combater a corrupção, não teria aceitado o Moro como ministro”. Mas terminou deslizando em truísmos e platitudes, ao afirmar: “Pelo que eu sei, pelo o (sic) que está na lei, dados repassados, dependendo para quê, devem ter decisão judicial. E o que é mais grave na legislação. Os dados, uma vez publicizados (sic), contaminam o processo”. O quê?
O feroz cobrador das falhas do PT não explicou por que o caçula interrompeu o inquérito, em vez de provar inocência.
A revista Crusoé, do site O Antagonista, revelou que clientes da banca da mulher de Toffoli, Roberta Rangel, do qual este foi sócio, foram procurados pela Receita para explicar depósitos. Dias antes um colega por quem o presidente do STF tem manifestado apreço (e vice-versa), Gilmar Mendes, comparara o MPF e a PF à Gestapo, polícia política nazista, após averiguações sobre a contabilidade da banca de Sérgio Bermudes, de quem sua mulher, Guiomar, é sócia. Essa descoberta pode lançar um véu de suspeição sobre a decisão de Toffoli de suspender todos os inquéritos (segundo consta, 6 mil) de lavagem de dinheiro no País. Mas não altera a origem da decisão, tomada a partir da defesa de Flávio Bolsonaro.
Pode ser mera coincidência, até prova em contrário, mas o fato é que recentemente, a pretexto de reclamar de uma decisão do STF criminalizando a homofobia, o presidente, do alto de sua prerrogativa de indicar os membros do colegiado, queixou-se de não haver ali um ministro “terrivelmente evangélico”.
Na segunda vez o fez saudando um dos ministros numa reunião com vários membros de titulares na Esplanada dos Ministérios, o advogado-geral da União, André Mendonça. Na última vez em que apelou para a expressão, originalmente usada pela ministra da Família, Damares Alves – uma impropriedade, pois “terrível” é definido no Houaiss como algo “que infunde ou causa terror” –, em 11 de julho, disse que ele é cotado para preencher essa lacuna, 16 meses antes da prevista aposentadoria do decano, Celso de Mello. Não seria o caso de indagar se é hora de tratar do assunto antes de ser aprovada a reforma da Previdência, tida e havida como a primeira providência a ser tomada para destravar a economia e reduzir as mais relevantes taxas de desemprego?
Aos 46 anos, há 19 na Advocacia-Geral da União (AGU), Mendonça está longe de ser popular como Moro e Bretas.
De Mendonça só se sabe que dirigiu o Departamento de Patrimônio Público e Probidade Administrativa da AGU, indicado pelo presidente do STF, antes de migrar para a Controladoria-Geral da União, no governo Temer (!), representando a AGU em acordos de leniência com empresas acusadas de corrupção. Dali foi promovido a advogado-geral por Bolsonaro, que o anunciou em novembro. Segundo fontes ouvidas pelo UOL, o presidente do STF já trabalha pela aprovação dele na sabatina do Senado, caso seja indicado para o STF.
Sua conexão com o PT, do qual o ex-advogado-geral foi subordinado em toda a carreira, é revelada em artigo publicado na Folha de Londrina de 30 de outubro de 2002, resgatado pela repórter Constança Rezende, do UOL. No texto Mendonça não cita o nome de Lula, mas afirma, três dias após a vitória do petista, que o triunfo “enchia os corações do povo de esperanças”. Além disso, escreveu à época que as urnas haviam revelado “o primeiro presidente eleito do povo e pelo povo”. “O fato é notório e não admite discussões e assim o coração do povo se enche de esperança, o mundo nos assiste com um misto de surpresa e admiração, embora alguns confiem desconfiando, mas certamente convictos que o Brasil cresceu e seu povo amadureceu, restando consolidada a democracia não só porque o novo presidente foi eleito pelo povo, mas porque saiu do próprio povo”. Criacionista, ele diz respeitar quem não é, mas no texto revela dogmas sobre os quais “não admite discussões”. Tolerante até a página 2.
Pode-se dizer que o também pastor presbiteriano nunca foi ingrato. Mesmo já estando sob ordens de Bolsonaro, foi o único chefe de uma instituição importante relacionada ao Direito a assinar parecer defendendo o decreto do padrinho para impedir críticas a seus pares (além de censurar a Crusoé) e a compra por este de lagostas e vinhos premiados para os banquetes da casa. Só em 16 meses o Brasil saberá se, de fato, a espécie não evoluiu e se Darwin, afinal, tinha ou não razão.
25 de julho de 2019
José Neumanne, Estadão
JORNALISTA, POETA E ESCRITOR
Aos 46 anos, há 19 na Advocacia-Geral da União (AGU), Mendonça está longe de ser popular como Moro e Bretas.
De Mendonça só se sabe que dirigiu o Departamento de Patrimônio Público e Probidade Administrativa da AGU, indicado pelo presidente do STF, antes de migrar para a Controladoria-Geral da União, no governo Temer (!), representando a AGU em acordos de leniência com empresas acusadas de corrupção. Dali foi promovido a advogado-geral por Bolsonaro, que o anunciou em novembro. Segundo fontes ouvidas pelo UOL, o presidente do STF já trabalha pela aprovação dele na sabatina do Senado, caso seja indicado para o STF.
Sua conexão com o PT, do qual o ex-advogado-geral foi subordinado em toda a carreira, é revelada em artigo publicado na Folha de Londrina de 30 de outubro de 2002, resgatado pela repórter Constança Rezende, do UOL. No texto Mendonça não cita o nome de Lula, mas afirma, três dias após a vitória do petista, que o triunfo “enchia os corações do povo de esperanças”. Além disso, escreveu à época que as urnas haviam revelado “o primeiro presidente eleito do povo e pelo povo”. “O fato é notório e não admite discussões e assim o coração do povo se enche de esperança, o mundo nos assiste com um misto de surpresa e admiração, embora alguns confiem desconfiando, mas certamente convictos que o Brasil cresceu e seu povo amadureceu, restando consolidada a democracia não só porque o novo presidente foi eleito pelo povo, mas porque saiu do próprio povo”. Criacionista, ele diz respeitar quem não é, mas no texto revela dogmas sobre os quais “não admite discussões”. Tolerante até a página 2.
Pode-se dizer que o também pastor presbiteriano nunca foi ingrato. Mesmo já estando sob ordens de Bolsonaro, foi o único chefe de uma instituição importante relacionada ao Direito a assinar parecer defendendo o decreto do padrinho para impedir críticas a seus pares (além de censurar a Crusoé) e a compra por este de lagostas e vinhos premiados para os banquetes da casa. Só em 16 meses o Brasil saberá se, de fato, a espécie não evoluiu e se Darwin, afinal, tinha ou não razão.
25 de julho de 2019
José Neumanne, Estadão
JORNALISTA, POETA E ESCRITOR
AS AMEAÇAS DE TRIBUTAR TRANSAÇÕES FINANCEIRAS
Felizmente, parecem muito baixas as chances de vigorar a nova CPMF ou o imposto único
Renasceu a ideia de tributar as transações financeiras, uma incidência disfuncional e prejudicial à produtividade. Ela tem o patrocínio do secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra, que defende uma CPMF repaginada para compensar a eliminação de contribuições previdenciárias sobre a folha de pagamentos. Indo mais longe, um grupo de empresários, o Brasil 200, propõe a substituição do sistema tributário por um imposto único sobre transações financeiras. O impacto sobre a eficiência da economia passaria de negativo (no caso da proposta federal) a desastroso.
O imposto único sobre transações financeiras foi defendido pioneiramente na década de 1980 pelo economista americano Edgard Feige, da Universidade de Wisconsin-Madison. A ideia chegou ao Congresso dos Estados Unidos, mas foi rejeitada com base em parecer do Federal Reserve (o banco central norte-americano), que apontou seus inconvenientes econômicos e sociais.
Feige parece ter inspirado Cintra, que lançou a ideia no Brasil em 1989 e a tornou uma espécie de obsessão pessoal. Na época, o Ministério da Fazenda manifestou-se contrário à proposta, mas ela encantou parte do empresariado, que criou campanha em favor do imposto único. O empresário Flávio Rocha, ora membro do Brasil 200 e então deputado federal, apresentou emenda constitucional para adoção da medida – com base na qual se lançou candidato à Presidência da República nas eleições de 1994 –, da qual desistiu.
O imposto único prometia radical simplificação do sistema tributário e, assim, a redução dos custos de pagar impostos. A nova incidência, arrecadada nas transações financeiras, dispensaria formulários e outras obrigações. A Secretaria da Receita Federal seria extinta. A emenda não foi adiante. Eram muitos os seus graves defeitos.
O imposto único seria uma incidência cumulativa, em cascata, que impregnaria cada etapa do processo produtivo. Haveria incentivos para a integração vertical. As empresas procurariam reduzir ao máximo suas aquisições de insumos, promovendo internamente sua produção. Haveria séria redução da eficiência. Ficaria impossível desonerar as exportações, pois não se teria como calcular o imposto incidente na cadeia produtiva.
A medida atentaria contra a Federação, pois Estados e municípios passariam a depender exclusivamente da União para financiar seus orçamentos. Seria inconstitucional. Governadores e prefeitos combateriam a proposta. Mais, o imposto único agravaria as desigualdades, pois os pobres pagariam mais do que os ricos como proporção de sua renda.
Sob o aspecto creditício, ao incidir sobre as transações com uma alíquota de 2,5% nos recebimentos e pagamentos, o imposto único criaria uma cunha de 5% sobre o custo dessas transações. O spread bancário, já em si alto, aumentaria ainda mais. A elevação da taxa de juros ao tomador final pioraria a atividade de produzir bens e serviços, com efeitos deletérios sobre a produtividade da economia. O Brasil 200 reivindica uma medida suicida.
Desde a criação do Imposto de Renda, a grande inovação foi o imposto de consumo sobre o valor agregado em cada etapa do processo produtivo (IVA). Implementado inicialmente na França em 1954, o IVA permitiu a completa eliminação da cumulatividade, incentivando ampla descentralização econômica. Seu efeito positivo na eficiência e na produtividade inspirou vários países a adotá-lo. Hoje, o IVA é adotado em mais de 160 países e se tornou a regra na União Europeia.
Flávio Rocha voltou a defender o imposto único. Em artigo na Folha de S.Paulo (11/7) tachou o IVA de imposto de nossos avós. Foi sua resposta ao projeto de emenda constitucional do deputado Baleia Rossi (MDB-SP), que prevê a criação do imposto sobre bens e serviços (IBS), uma espécie de IVA. Sua base é o estudo realizado pelo Centro de Cidadania Fiscal, liderado pelo economista Bernard Appy.
Nenhum país cogitou de substituir o “avô” IVA por um imposto único sobre transações financeiras. Muito recentemente (2018) a Índia implementou um IVA moderno, em substituição ao caótico sistema de tributação do consumo. Estima-se que a medida tenha acrescentado dois pontos porcentuais ao PIB potencial indiano.
Rocha defende o imposto único, por ele agora denominado e-tax. Para ele, “com uma economia cada vez mais uberizada, não faz sentido se cogitar uma tributação dos tempos das charretes”. Seu entusiasmo se baseia na ideia de que a revolução digital teria aposentado as formas tradicionais de cobrança de impostos. E isso poderia implicar, como se dizia antes, a extinção da Secretaria da Receita Federal.
A era digital está revolucionando o sistema de pagamentos e a forma de produzir, comprar e vender, mas os atos comerciais continuam os mesmos. As pessoas adquirem bens e serviços de consumo e investimento exatamente como antes, apenas de forma mais eficiente. As compras de pão, leite, vestuário, eletrônicos, automóveis e da ampla gama de serviços passaram a ser feitas mediante o uso de cartões de crédito ou débito, via comércio eletrônico e pelo uso de códigos QR. Mas, do mesmo jeito, elas continuam agregando valor em cada etapa do processo produtivo.
Acresce notar que nenhum país, nem mesmo os desenvolvidos e a China, onde se originou e evoluiu a revolução digital, e onde é vasta a produção acadêmica associada ao tema, até hoje tenha discutido a criação de uma e-tax. Eles não perdem tempo com ideias esfuziantes, mas injustificáveis e perigosas. Do lado federal, custa a crer que uma equipe econômica composta de liberais e ultraliberais apoie a recriação da CPMF. O próprio presidente rejeitou a ideia.
Por tudo isso parecem muito baixas, felizmente, as chances de vigorar a nova CPMF ou a barbaridade do imposto único.
25 de julho de 2019
Maílson da Nóbrega
O Estado de S.Paulo
Renasceu a ideia de tributar as transações financeiras, uma incidência disfuncional e prejudicial à produtividade. Ela tem o patrocínio do secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra, que defende uma CPMF repaginada para compensar a eliminação de contribuições previdenciárias sobre a folha de pagamentos. Indo mais longe, um grupo de empresários, o Brasil 200, propõe a substituição do sistema tributário por um imposto único sobre transações financeiras. O impacto sobre a eficiência da economia passaria de negativo (no caso da proposta federal) a desastroso.
O imposto único sobre transações financeiras foi defendido pioneiramente na década de 1980 pelo economista americano Edgard Feige, da Universidade de Wisconsin-Madison. A ideia chegou ao Congresso dos Estados Unidos, mas foi rejeitada com base em parecer do Federal Reserve (o banco central norte-americano), que apontou seus inconvenientes econômicos e sociais.
Feige parece ter inspirado Cintra, que lançou a ideia no Brasil em 1989 e a tornou uma espécie de obsessão pessoal. Na época, o Ministério da Fazenda manifestou-se contrário à proposta, mas ela encantou parte do empresariado, que criou campanha em favor do imposto único. O empresário Flávio Rocha, ora membro do Brasil 200 e então deputado federal, apresentou emenda constitucional para adoção da medida – com base na qual se lançou candidato à Presidência da República nas eleições de 1994 –, da qual desistiu.
O imposto único prometia radical simplificação do sistema tributário e, assim, a redução dos custos de pagar impostos. A nova incidência, arrecadada nas transações financeiras, dispensaria formulários e outras obrigações. A Secretaria da Receita Federal seria extinta. A emenda não foi adiante. Eram muitos os seus graves defeitos.
O imposto único seria uma incidência cumulativa, em cascata, que impregnaria cada etapa do processo produtivo. Haveria incentivos para a integração vertical. As empresas procurariam reduzir ao máximo suas aquisições de insumos, promovendo internamente sua produção. Haveria séria redução da eficiência. Ficaria impossível desonerar as exportações, pois não se teria como calcular o imposto incidente na cadeia produtiva.
A medida atentaria contra a Federação, pois Estados e municípios passariam a depender exclusivamente da União para financiar seus orçamentos. Seria inconstitucional. Governadores e prefeitos combateriam a proposta. Mais, o imposto único agravaria as desigualdades, pois os pobres pagariam mais do que os ricos como proporção de sua renda.
Sob o aspecto creditício, ao incidir sobre as transações com uma alíquota de 2,5% nos recebimentos e pagamentos, o imposto único criaria uma cunha de 5% sobre o custo dessas transações. O spread bancário, já em si alto, aumentaria ainda mais. A elevação da taxa de juros ao tomador final pioraria a atividade de produzir bens e serviços, com efeitos deletérios sobre a produtividade da economia. O Brasil 200 reivindica uma medida suicida.
Desde a criação do Imposto de Renda, a grande inovação foi o imposto de consumo sobre o valor agregado em cada etapa do processo produtivo (IVA). Implementado inicialmente na França em 1954, o IVA permitiu a completa eliminação da cumulatividade, incentivando ampla descentralização econômica. Seu efeito positivo na eficiência e na produtividade inspirou vários países a adotá-lo. Hoje, o IVA é adotado em mais de 160 países e se tornou a regra na União Europeia.
Flávio Rocha voltou a defender o imposto único. Em artigo na Folha de S.Paulo (11/7) tachou o IVA de imposto de nossos avós. Foi sua resposta ao projeto de emenda constitucional do deputado Baleia Rossi (MDB-SP), que prevê a criação do imposto sobre bens e serviços (IBS), uma espécie de IVA. Sua base é o estudo realizado pelo Centro de Cidadania Fiscal, liderado pelo economista Bernard Appy.
Nenhum país cogitou de substituir o “avô” IVA por um imposto único sobre transações financeiras. Muito recentemente (2018) a Índia implementou um IVA moderno, em substituição ao caótico sistema de tributação do consumo. Estima-se que a medida tenha acrescentado dois pontos porcentuais ao PIB potencial indiano.
Rocha defende o imposto único, por ele agora denominado e-tax. Para ele, “com uma economia cada vez mais uberizada, não faz sentido se cogitar uma tributação dos tempos das charretes”. Seu entusiasmo se baseia na ideia de que a revolução digital teria aposentado as formas tradicionais de cobrança de impostos. E isso poderia implicar, como se dizia antes, a extinção da Secretaria da Receita Federal.
A era digital está revolucionando o sistema de pagamentos e a forma de produzir, comprar e vender, mas os atos comerciais continuam os mesmos. As pessoas adquirem bens e serviços de consumo e investimento exatamente como antes, apenas de forma mais eficiente. As compras de pão, leite, vestuário, eletrônicos, automóveis e da ampla gama de serviços passaram a ser feitas mediante o uso de cartões de crédito ou débito, via comércio eletrônico e pelo uso de códigos QR. Mas, do mesmo jeito, elas continuam agregando valor em cada etapa do processo produtivo.
Acresce notar que nenhum país, nem mesmo os desenvolvidos e a China, onde se originou e evoluiu a revolução digital, e onde é vasta a produção acadêmica associada ao tema, até hoje tenha discutido a criação de uma e-tax. Eles não perdem tempo com ideias esfuziantes, mas injustificáveis e perigosas. Do lado federal, custa a crer que uma equipe econômica composta de liberais e ultraliberais apoie a recriação da CPMF. O próprio presidente rejeitou a ideia.
Por tudo isso parecem muito baixas, felizmente, as chances de vigorar a nova CPMF ou a barbaridade do imposto único.
25 de julho de 2019
Maílson da Nóbrega
O Estado de S.Paulo
ENTREVISTA COM FLÁVIO ROCHA
VAMOS ESQUECER O NOME CPMF E FAZER O E-TAX - DIZ O DONO DA RIACHUELO
Empresário afrma que IVA é prposta dos anos 1980 de acadêmico que nunca encostou a barriga no balcão
O empresário Flávio Rocha, da Riachuelo, defende uma proposta de reforma tributária com um imposto único sobre movimentação financeira, que vem sendo atrelado à ideia da CPMF.
O antigo “imposto do cheque”, como era conhecida a CPMF, ficou estigmatizado e precisará mudar de nome, para E-tax, segundo Rocha.
Mas é um modelo que elimina distorções e combate a informalidade porque atinge todas as transações, mesmo as irregulares, avalia o empresário. É o “imposto do futuro”, segundo ele.
Rocha critica a outra via, tocada pelo deputado Baleia Rossi (MDB-SP) na Câmara com base no modelo pensado pelo economista Bernarda Appy, do IVA (Imposto sobre Valor Agregado).
Como o sr. vê esse surgimento de tantas propostas de reforma tributária?
Há dois caminhos. Um é o imposto da economia uberizada, da economia não linear. O outro é o IVA, que é um imposto dos anos 1980, quando a economia era linear.
O IVA pressupõe um imposto declaratório de alta complexidade em que o governo precisa rastrear milhares de deslocamentos físicos da mercadoria, entre a confecção e a loja.
O caminhão de algodão vai para a fiação e depois vem a tecelagem, depois o caminhão de tecido vai para a confecção e sai um outro que vai para a loja. Mas hoje a economia é uberizada. Há uma demanda estratificada e uma oferta estratificada, com a tecnologia fazendo milhões de conexões.
Por exemplo?
Você vai no Mercado Livre. Eu entrei aqui, tinha Rolex de R$ 150. Está crescendo violentamente o roubo de carga, porque hoje você tem escoamento fácil para todo tipo de mercadoria.
As empresas C to C se dizem apenas uma plataforma de comunicação. Essa operação é imune a IVA porque não identifica o fluxo de mercadoria. Mas poderia ser tributado na transação porque tudo acontece no sistema bancário.
O modelo de vocês vai atingir as transações feitas entre familiares? O filho que pede R$ 500 para o pai?
Sim. O que estamos propondo funcionou magistralmente, apesar do estigma que se criou. E durante 12 anos foi o imposto com o menor impacto e menor distorção na economia.
Vamos deixar de lado esse nome que está estigmatizado, que é CPMF. Seria o E-tax, que é uma marca mais moderninha, mais simpática.
Em 12 anos, é o único imposto que não tem contencioso. É a adoção da base mais universal que existe, que é a soma de todos os débitos e créditos eletrônicos.
Você deixa de falar de base de R$ 10 a R$ 30 bilhões e passa a falar de base de trilhões de reais.
Por isso você deixa de falar de alíquotas de 17%, 18%, horripilantes 25%, como Bernard Appy está falando, e dizem que vai ser até mais. É uma coisa devastadora. Isso vai ser um desastre. Isso vai ter um efeito na volta da informalidade.
Mas também falam isso do modelo de vocês?
Mas eu estou falando de um imposto de zero vírgula alguma coisa. Ele está falando de imposto de 25%. É uma proposta de um acadêmico que nunca encostou a barriga no balcão e está anos-luz da realidade de mercado.
Fiquei assustado com a ingenuidade da proposta. Não tem a menor possibilidade de ser colocada em prática. Cada elo da cadeia produtiva tem um grau de tolerância ao desaforo tributário. É a curva de Laffer.
Chega a um momento em que compromete a arrecadação?
Teve notícia do Rio de Janeiro baixando a alíquota do ICMS de bares e restaurantes de 12% para 4%, coisa que São Paulo fez há alguns anos e teve aumento de arrecadação. Isso é a curva de Laffer já na fase descendente.
Esse imposto já tinha avançado o sinal. Por que o restaurante é 4% e telecomunicação é 40% em alguns casos?
Alguns setores são muito fronteiriços com a informalidade. Uma loja de calça e camisa na rua José Paulino tem um informal do lado, um camelô na frente. É uma coisa muito delicada. Qualquer ponto a mais mata essa empresa ou joga ela para a informalidade. Mata a competitividade.
Já o setor automobilístico tem um grau de tolerância ao desaforo tributário muito grande porque não tem indústria informal de carros.
O de vocês também é pesado porque tem o 2,8% em cada ponta?
Não é isso. Eu fui o autor da emenda do imposto único em 1993, quando o Marcos Cintra [hoje secretário especial da Receita Federal] era professor na FGV. Eu era um jovem deputado e transformei em uma emenda constitucional. Lá nasceu o nome de imposto único. E era 1%.
Hoje nós não sabemos ainda onde está o ápice da curva de Laffer desse imposto. Ele já foi testado a 0,38%, com uma performance fantástica e sem nenhuma distorção. É o imposto do futuro.
O governo gasta para cobrar os coitados dos contribuintes. Gasta para arrecadar. É uma loucura. A ideia é começar gradualmente. O Paulo Guedes falou em 0,6%.
E aí?
Nossa! Isso já dá para substituir contribuição patronal sobre a folha, dá para substituir PIS Confins. O Marcos Cintra mesmo diz [que] não existe ninguém que entenda de PIS/Cofins. Cada fiscal tem a sua interpretação.
Vai ser difícil vocês levarem adiante essa história de CPMF?
Tem que mudar o nome. Está estigmatizado, mas nós vamos explicar. Não vai ser CPMF. Eu vivi bem esse assunto. Houve quase um levante brasileiro, eu fui até candidato a presidente com essa bandeira lá atrás.
Havia muito desejo do imposto único. E foi também a maior frustração política da minha vida. De repente, o que era para ser imposto único virou o quinquagésimo nono imposto brasileiro. Isso foi uma frustração.
Por isso que a CPMF já nasceu com essa marca, e nas mãos de um governo gastador. Esse é o perigo desse imposto. Eu reconheço. Tem de ter as travas. Porque ele é um imposto indolor.
Na mão do governo gastador, você vai aumentando e quando vê está arrancando 50% do PIB [Produto Interno Bruto], porque ele é tão eficiente e tão indolor que você não percebe que está pagando.
Ele é um aspirador de pó que tem de ser usado com muita responsabilidade e travas para não passar de determinado patamar.
Vocês dizem que o modelo de vocês inibe a sonegação, mas ele também não pode levar para informalidade as transações?
Um imposto de 17%, como o ICMS, tem um senhor estímulo para migrar para informalidade. Mas esse imposto aqui é insonegável. Eu não sei até qual alíquota. Vamos ter de testar.
Mas garanto que até 1%, com certeza, ele é insonegável porque qualquer alternativa para se evadir do pagamento custa mais de 1%.
Como?
Se você hoje paga 3% ou 4% pela conveniência de usar o cartão de crédito no sistema bancário moderno, sem ter de andar com malas de dinheiro, porque é que você vai passar a andar com malas de dinheiro para economizar o 1% do imposto?
Se você começar a fazer como o Geddel [Vieira Lima, ex-ministro de Michel Temer] e botar um monte de dinheiro em casa, tem uma erosão, imposto inflacionário.
Eu não sei por que voltam nessa crítica. Isso mostra deslealdade intelectual.
Vocês estão se colocando nessa guerra de iniciativas de reforma tributária, com a proposta do movimento Brasil 200. Aonde vocês acham que vão chegar? Porque a proposta do governo é a do secretário Marcos Cinta, que já disse que a dele é outra?
É praticamente a mesma.
O Marcos Cintra já falou que a dele não é de vocês. O Senado tem uma outra e a Câmara tem outra?
Eu não vou entrar nessa briga fulanizada. Tem egos demais nesse negócio.
O vice-presidente Hamilton Mourão foi ao evento de lançamento da proposta de vocês do grupo de empresários Brasil 200, mais no dia seguinte disse que achava que isso não ia passar.
Para mim, essas propostas não têm rosto. Essa disputa não interessa.
Existe uma oportunidade de virada de página na metodologia, na tecnologia de financiamento do estado. Existe o risco de se investir em uma proposta de reforma tributária que tende a caminhar rapidamente para obsolescência porque é a proposta do imposto que fazia sentido para a economia dos anos 1980.
Segundo Appy, nenhum país do mundo que está usando o IVA está desembarcando.
Como existia a inflação inercial, existe também uma informalidade inercial. Qualquer deslize, essa informalidade aflora.
Nós tivemos uma grande conquista de redução da informalidade desde a substituição tributária. Setores como proteína animal, microinformática, tinham uma informalidade de 90%.
Com a substituição tributária, tirou a tributação do boteco da esquina, do restaurante, e trouxe a tributação para a Coca-Cola, para Ambev, que tem endereço conhecido, que é mais fácil de tributar.
Imagine o efeito de se acabar com a substituição tributária. O doutor Bernard Appy disse explicitamente que não vai mais tributar o contribuinte substituto.
Em vez da Nestlé, vão fiscalizar 4 milhões de pequenos mercados e botecos. É inexequível, é a volta galopante da informalidade. Imagine se a tributação da Coca-Cola for feita na ponta. Uma lata de Coca-Cola tem 75% de imposto, que é cobrado predominantemente na engarrafadora.
O IVA é um imposto sobre valor adicionado cobrado na ponta, no destino, que é o elo mais vulnerável da informalidade. É aí que se dá a concorrência desigual entre o formal e o informal.
O grupo Brasil 200 quer fazer manifestação em defesa da reforma tributária, como foi com a Previdência. Já foi um fenômeno ver as pessoas na rua pedindo a reforma da Previdência. Vamos ver pessoas na rua pedindo CPMF?
E-tax. CPMF eu não acredito, não. Mas, pelo E-tax, eu acho que vai. O eleitor acordou, galgou um novo patamar de cidadania. Deixou de ser um eleitor-súdito, pedinte do Estado, para ser o eleitor-cidadão.
Essa é a real mudança. A mudança não é ter eleito [Jair] Bolsonaro. Foi essa mudança de chave. É um eleitor consciente.
O modelo de vocês também vai tributar a doação de igreja que for feita no cartão de crédito?
A beleza desse imposto é ele ser universal. Não pode ter exceção para ele funcionar. A CPMF teve muitos problemas... Problemas não: foi o melhor imposto que a gente já teve, não gerou nenhuma distorção. Tudo aquilo que se dizia que ia acontecer, de integração vertical, que os bancos iam quebrar, nada disso aconteceu.
Então esse imposto tem de ser realmente universal, porque ele pega a igreja, mas pega a economia informal, pega a venda sem nota, pega doleiro, bicheiro, conta fantasma, o que for.
O sr. esteve com Appy. Que critica ele fez ao seu modelo?
Ele falou que é um imposto que gera distorções, imposto cumulativo. Estão criando chavões e estigmas.
Imposto cumulativo de alíquota baixa não é necessariamente ruim. Ruim é um imposto de alíquota alta em setor que tem informalidade. Muito mais perigoso do que um imposto de 1,5% cumulativo, mas que todo mundo paga.
Seu modelo beneficia empresas verticalizadas como a Riachuelo?
São empresas diferentes. A Guararapes vende para a Riachuelo. Tem transações. [Na cadeia, o fio é vendido para fazer o tecido] e depois faz o pano, depois vende para a Confecções Guararapes, que vende para a Riachuelo [empresas do grupo].
Nós temos o mesmo número de transações que tem uma Renner ou uma C&A, que compram de um fornecedor da malharia de Santa Catarina, que comprou o tecido não sei de quem, que comprou o fio não sei de quem.
Essa crítica foi feita lá atrás na CPMF, quando diziam que a indústria automobilística toda ia se integrar. As montadoras iam ter fábricas de pneus e autopeças. Nada disso aconteceu porque o efeito é muito pequeno.
25 de julho de 2019
Folha de SP
O empresário Flávio Rocha, da Riachuelo, defende uma proposta de reforma tributária com um imposto único sobre movimentação financeira, que vem sendo atrelado à ideia da CPMF.
O antigo “imposto do cheque”, como era conhecida a CPMF, ficou estigmatizado e precisará mudar de nome, para E-tax, segundo Rocha.
Mas é um modelo que elimina distorções e combate a informalidade porque atinge todas as transações, mesmo as irregulares, avalia o empresário. É o “imposto do futuro”, segundo ele.
Rocha critica a outra via, tocada pelo deputado Baleia Rossi (MDB-SP) na Câmara com base no modelo pensado pelo economista Bernarda Appy, do IVA (Imposto sobre Valor Agregado).
Como o sr. vê esse surgimento de tantas propostas de reforma tributária?
Há dois caminhos. Um é o imposto da economia uberizada, da economia não linear. O outro é o IVA, que é um imposto dos anos 1980, quando a economia era linear.
O IVA pressupõe um imposto declaratório de alta complexidade em que o governo precisa rastrear milhares de deslocamentos físicos da mercadoria, entre a confecção e a loja.
O caminhão de algodão vai para a fiação e depois vem a tecelagem, depois o caminhão de tecido vai para a confecção e sai um outro que vai para a loja. Mas hoje a economia é uberizada. Há uma demanda estratificada e uma oferta estratificada, com a tecnologia fazendo milhões de conexões.
Por exemplo?
Você vai no Mercado Livre. Eu entrei aqui, tinha Rolex de R$ 150. Está crescendo violentamente o roubo de carga, porque hoje você tem escoamento fácil para todo tipo de mercadoria.
As empresas C to C se dizem apenas uma plataforma de comunicação. Essa operação é imune a IVA porque não identifica o fluxo de mercadoria. Mas poderia ser tributado na transação porque tudo acontece no sistema bancário.
O modelo de vocês vai atingir as transações feitas entre familiares? O filho que pede R$ 500 para o pai?
Sim. O que estamos propondo funcionou magistralmente, apesar do estigma que se criou. E durante 12 anos foi o imposto com o menor impacto e menor distorção na economia.
Vamos deixar de lado esse nome que está estigmatizado, que é CPMF. Seria o E-tax, que é uma marca mais moderninha, mais simpática.
Em 12 anos, é o único imposto que não tem contencioso. É a adoção da base mais universal que existe, que é a soma de todos os débitos e créditos eletrônicos.
Você deixa de falar de base de R$ 10 a R$ 30 bilhões e passa a falar de base de trilhões de reais.
Por isso você deixa de falar de alíquotas de 17%, 18%, horripilantes 25%, como Bernard Appy está falando, e dizem que vai ser até mais. É uma coisa devastadora. Isso vai ser um desastre. Isso vai ter um efeito na volta da informalidade.
Mas também falam isso do modelo de vocês?
Mas eu estou falando de um imposto de zero vírgula alguma coisa. Ele está falando de imposto de 25%. É uma proposta de um acadêmico que nunca encostou a barriga no balcão e está anos-luz da realidade de mercado.
Fiquei assustado com a ingenuidade da proposta. Não tem a menor possibilidade de ser colocada em prática. Cada elo da cadeia produtiva tem um grau de tolerância ao desaforo tributário. É a curva de Laffer.
Chega a um momento em que compromete a arrecadação?
Teve notícia do Rio de Janeiro baixando a alíquota do ICMS de bares e restaurantes de 12% para 4%, coisa que São Paulo fez há alguns anos e teve aumento de arrecadação. Isso é a curva de Laffer já na fase descendente.
Esse imposto já tinha avançado o sinal. Por que o restaurante é 4% e telecomunicação é 40% em alguns casos?
Alguns setores são muito fronteiriços com a informalidade. Uma loja de calça e camisa na rua José Paulino tem um informal do lado, um camelô na frente. É uma coisa muito delicada. Qualquer ponto a mais mata essa empresa ou joga ela para a informalidade. Mata a competitividade.
Já o setor automobilístico tem um grau de tolerância ao desaforo tributário muito grande porque não tem indústria informal de carros.
O de vocês também é pesado porque tem o 2,8% em cada ponta?
Não é isso. Eu fui o autor da emenda do imposto único em 1993, quando o Marcos Cintra [hoje secretário especial da Receita Federal] era professor na FGV. Eu era um jovem deputado e transformei em uma emenda constitucional. Lá nasceu o nome de imposto único. E era 1%.
Hoje nós não sabemos ainda onde está o ápice da curva de Laffer desse imposto. Ele já foi testado a 0,38%, com uma performance fantástica e sem nenhuma distorção. É o imposto do futuro.
O governo gasta para cobrar os coitados dos contribuintes. Gasta para arrecadar. É uma loucura. A ideia é começar gradualmente. O Paulo Guedes falou em 0,6%.
E aí?
Nossa! Isso já dá para substituir contribuição patronal sobre a folha, dá para substituir PIS Confins. O Marcos Cintra mesmo diz [que] não existe ninguém que entenda de PIS/Cofins. Cada fiscal tem a sua interpretação.
Vai ser difícil vocês levarem adiante essa história de CPMF?
Tem que mudar o nome. Está estigmatizado, mas nós vamos explicar. Não vai ser CPMF. Eu vivi bem esse assunto. Houve quase um levante brasileiro, eu fui até candidato a presidente com essa bandeira lá atrás.
Havia muito desejo do imposto único. E foi também a maior frustração política da minha vida. De repente, o que era para ser imposto único virou o quinquagésimo nono imposto brasileiro. Isso foi uma frustração.
Por isso que a CPMF já nasceu com essa marca, e nas mãos de um governo gastador. Esse é o perigo desse imposto. Eu reconheço. Tem de ter as travas. Porque ele é um imposto indolor.
Na mão do governo gastador, você vai aumentando e quando vê está arrancando 50% do PIB [Produto Interno Bruto], porque ele é tão eficiente e tão indolor que você não percebe que está pagando.
Ele é um aspirador de pó que tem de ser usado com muita responsabilidade e travas para não passar de determinado patamar.
Vocês dizem que o modelo de vocês inibe a sonegação, mas ele também não pode levar para informalidade as transações?
Um imposto de 17%, como o ICMS, tem um senhor estímulo para migrar para informalidade. Mas esse imposto aqui é insonegável. Eu não sei até qual alíquota. Vamos ter de testar.
Mas garanto que até 1%, com certeza, ele é insonegável porque qualquer alternativa para se evadir do pagamento custa mais de 1%.
Como?
Se você hoje paga 3% ou 4% pela conveniência de usar o cartão de crédito no sistema bancário moderno, sem ter de andar com malas de dinheiro, porque é que você vai passar a andar com malas de dinheiro para economizar o 1% do imposto?
Se você começar a fazer como o Geddel [Vieira Lima, ex-ministro de Michel Temer] e botar um monte de dinheiro em casa, tem uma erosão, imposto inflacionário.
Eu não sei por que voltam nessa crítica. Isso mostra deslealdade intelectual.
Vocês estão se colocando nessa guerra de iniciativas de reforma tributária, com a proposta do movimento Brasil 200. Aonde vocês acham que vão chegar? Porque a proposta do governo é a do secretário Marcos Cinta, que já disse que a dele é outra?
É praticamente a mesma.
O Marcos Cintra já falou que a dele não é de vocês. O Senado tem uma outra e a Câmara tem outra?
Eu não vou entrar nessa briga fulanizada. Tem egos demais nesse negócio.
O vice-presidente Hamilton Mourão foi ao evento de lançamento da proposta de vocês do grupo de empresários Brasil 200, mais no dia seguinte disse que achava que isso não ia passar.
Para mim, essas propostas não têm rosto. Essa disputa não interessa.
Existe uma oportunidade de virada de página na metodologia, na tecnologia de financiamento do estado. Existe o risco de se investir em uma proposta de reforma tributária que tende a caminhar rapidamente para obsolescência porque é a proposta do imposto que fazia sentido para a economia dos anos 1980.
Segundo Appy, nenhum país do mundo que está usando o IVA está desembarcando.
Como existia a inflação inercial, existe também uma informalidade inercial. Qualquer deslize, essa informalidade aflora.
Nós tivemos uma grande conquista de redução da informalidade desde a substituição tributária. Setores como proteína animal, microinformática, tinham uma informalidade de 90%.
Com a substituição tributária, tirou a tributação do boteco da esquina, do restaurante, e trouxe a tributação para a Coca-Cola, para Ambev, que tem endereço conhecido, que é mais fácil de tributar.
Imagine o efeito de se acabar com a substituição tributária. O doutor Bernard Appy disse explicitamente que não vai mais tributar o contribuinte substituto.
Em vez da Nestlé, vão fiscalizar 4 milhões de pequenos mercados e botecos. É inexequível, é a volta galopante da informalidade. Imagine se a tributação da Coca-Cola for feita na ponta. Uma lata de Coca-Cola tem 75% de imposto, que é cobrado predominantemente na engarrafadora.
O IVA é um imposto sobre valor adicionado cobrado na ponta, no destino, que é o elo mais vulnerável da informalidade. É aí que se dá a concorrência desigual entre o formal e o informal.
O grupo Brasil 200 quer fazer manifestação em defesa da reforma tributária, como foi com a Previdência. Já foi um fenômeno ver as pessoas na rua pedindo a reforma da Previdência. Vamos ver pessoas na rua pedindo CPMF?
E-tax. CPMF eu não acredito, não. Mas, pelo E-tax, eu acho que vai. O eleitor acordou, galgou um novo patamar de cidadania. Deixou de ser um eleitor-súdito, pedinte do Estado, para ser o eleitor-cidadão.
Essa é a real mudança. A mudança não é ter eleito [Jair] Bolsonaro. Foi essa mudança de chave. É um eleitor consciente.
O modelo de vocês também vai tributar a doação de igreja que for feita no cartão de crédito?
A beleza desse imposto é ele ser universal. Não pode ter exceção para ele funcionar. A CPMF teve muitos problemas... Problemas não: foi o melhor imposto que a gente já teve, não gerou nenhuma distorção. Tudo aquilo que se dizia que ia acontecer, de integração vertical, que os bancos iam quebrar, nada disso aconteceu.
Então esse imposto tem de ser realmente universal, porque ele pega a igreja, mas pega a economia informal, pega a venda sem nota, pega doleiro, bicheiro, conta fantasma, o que for.
O sr. esteve com Appy. Que critica ele fez ao seu modelo?
Ele falou que é um imposto que gera distorções, imposto cumulativo. Estão criando chavões e estigmas.
Imposto cumulativo de alíquota baixa não é necessariamente ruim. Ruim é um imposto de alíquota alta em setor que tem informalidade. Muito mais perigoso do que um imposto de 1,5% cumulativo, mas que todo mundo paga.
Seu modelo beneficia empresas verticalizadas como a Riachuelo?
São empresas diferentes. A Guararapes vende para a Riachuelo. Tem transações. [Na cadeia, o fio é vendido para fazer o tecido] e depois faz o pano, depois vende para a Confecções Guararapes, que vende para a Riachuelo [empresas do grupo].
Nós temos o mesmo número de transações que tem uma Renner ou uma C&A, que compram de um fornecedor da malharia de Santa Catarina, que comprou o tecido não sei de quem, que comprou o fio não sei de quem.
Essa crítica foi feita lá atrás na CPMF, quando diziam que a indústria automobilística toda ia se integrar. As montadoras iam ter fábricas de pneus e autopeças. Nada disso aconteceu porque o efeito é muito pequeno.
25 de julho de 2019
Folha de SP
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