Mujica, cercado de jornalistas na ABI, condena o consumismo
O ex-presidente uruguaio Pepe Mujica foi aclamado na manhã desta quinta-feira, no auditório da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), no Rio, ao fazer restrições à sociedade de consumo e pregar o exercício da humildade na política, que precisa defender sempre o interesse da maioria, ao invés de proteger uma minoria privilegiada. Mujica, que agora é senador, veio à cidade para receber o primeiro prêmio “Personalidade Sur”, concedido pela Federação das Empresas da América do Sul a figuras de relevância do continente.
UM HOMEM SIMPLES E DESPOJADO
Foi recebido pelo jornalista Paulo Jerônimo, vice-presidente da ABI, e saudado por Jesus Chediak, diretor da instituição, Em seu breve discurso, Chediak exaltou o comportamento de Mujica, que doa a maior parte de seu salário a instituições beneficentes e leva uma vida simples, sem a menor sofisticação.
Logo depois, o economista Carlos Lessa discorreu sobre a trajetória de Mujica, que tem paralelos com a carreira de Nelson Madela, pois o político uruguaio ficou 14 anos na prisão, por enfrentar a ditadura uruguaia.
Depois, ao ser colocado em liberdade, notabilizou-se também como professor e homem público. “Pepe Mujica fez de sua própria vida uma aula a toda a Humanidade”.
CONCENTRAÇÃO DE RENDA
Em seguida, o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães destacou a atuação do político uruguaio em defesa dos menos favorecidos. Ao final, fez uma advertência sobre a concentração de renda no Brasil, onde apenas 71 mil detêm 25% das riquezas nacionais. E protestou que o Brasil seja um dos países mundo que não taxam o mercado de capitais. O outro é a Eslovênia.
Último orador a saudar Mujica, o engenheiro Darc Costa, presidente da Federação, conseguiu levantar o auditório, aplaudido ao falar sobre a importância do exercício de uma política que respeite os interesses nacionais.
Costa defendeu a integração cultural, política e social dos países da América Latina, que é apoiada por Mujica, e destacou uma importante tese do ex-presidente uruguaio, que propõe o fortalecimento dos bancos públicos, para reduzir o desmedido poder do sistema financeiro internacional.
APROVEITAR A VIDA
Mujica então tomou a palavra. Com seu jeito pausado, começou dizendo que a vida é uma só e precisa ser aproveitada da melhor maneira possível.
“Como as pessoas não conseguem ser felizes, as religiões então induzem a crença de uma nova vida, bem melhor do que esta”, acentuou, acrescentando ser recomendável que as pessoas procurem ser felizes nesta vida, porque até agora ainda não se conseguiu confirmar cientificamente a existência de uma nova oportunidade de vida.
Criticou duramente a sociedade de consumo, a acumulação de bens e riquezas, o esbanjamento das elites, que compram artigos supérfluos sem parar, exibindo um comportamento doentio. “Isto por acaso é felicidade?”, perguntou.
Mujica disse que é preciso mudar a mentalidade das pessoas e o comportamento dos políticos, que devem defender a maioria do povo, ao invés de preservar o interesse de uma minoria privilegiada. “Não há homem grande, há causa grande”, sentenciou, arrancando aplausos entusiasmados.
Disse que hoje em dia as pessoas entram na política para enriquecer. “Se você se acostuma a comer na mesa dos ricos, acabará pensando que é rico”, prosseguiu, ressalvando que não estava fazendo uma apologia à pobreza e à miséria, mas os políticos têm que viver como a maioria, e não como a minoria privilegiada.
E terminou voltando a defender a tese de que é importante que as pessoas sejam felizes nesta vida, sem ficar esperando a próxima, sendo aclamado por vários minutos.
ENTREVISTA
Cercado de jornalistas, Mujica demorou a sair do auditório. Sobre a liberação da maconha no Uruguai, disse que o objetivo é enfraquecer o narcotráfico, porque ele é pior que a droga: “O que queremos é regularizar o consumo, assegurar que o consumidor possa comprar uma dose sem ter que recorrer ao narcotráfico”.
Recusou-se a comentar o governo da presidente Dilma Rousseff, mas afirmou que muitas pessoas reclamam sem se darem conta da melhora social do país nos últimos anos:
“Não estou no Brasil, mas o país já teve grandes presidentes e grandes dificuldades. O problema está no derrotismo de achar que está tudo perdido. Se teve gente que se equivocou, que sejam castigados”, disse o político uruguaio.
Mujica não quis comentar a possibilidade de Dilma Rousseff estar implicada em malfeitos. “Sou senador de outro país. Não viria ao Brasil, do qual dependemos tanto, opinar sobre a presidente ou o ministro tal. Tenho que ter habilidade diplomática e carinho com o povo brasileiro, pois os governos passam e povo fica”, explicou.
27 de agosto de 2015
Carlos Newton