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A missão do prof. Olavo de Carvalho, em abrir a possibilidade de viabilizar a formação política, pode fazer história e dar esperança a nossa geração, que angustiada frente aos desafios atuais, se expressa pela indagação de Lobão no hangout anterior, com Graça Salgueiro:
"E o quê a gente faz?"
No hangout com Lobão e Danilo Gentilli, o prof. Olavo de Carvalho, ao ser questionado sobre a sua posição em relação à formação política, deixou clara a sua disposição em preparar aqueles que realmente têm vocação e querem atuar no difícil campo político. Penso que foi um dos momentos altos da conversa, o que demonstrou de modo inequívoco a prioridade do seu trabalho como educador, em preparar intelectuais capazes de entender a realidade do nosso país e ocupar postos na sociedade para agirem no combate à barbárie atual – intramuros.
E voltamos então ao desafio que permanece o mesmo, em todos os momentos da História, seja qual for o contexto cultural e político: muitas vezes os que têm vocação em servir à pátria e darem o melhor de si, se lançam à generosidade heróica e fazem história em meio às hostilidades dos ambiciosos desmedidos, que querem apenas se servir do poder, como num desvio de propósitos, para as patologias do mandonismo, a manipulação e demais violências engendradas por estruturas totalitárias. As verdadeiras lideranças se sentem, em alguns instantes, aquém de suas forças: "quem sou eu para ir ter com o faraó?” indagou Moisés.
O fato é que muitos dos melhores talentos, as almas mais nobres, as que amam de verdade, são as que padecem na cova dos leões da arena política, e muitas vezes, como ressalta Johan Huizinga, "os heróis se movem em meio a negociações políticas frias e calculistas com um ímpeto imprudente e um capricho pessoal que põe a perder sua vida e seus esforços".
Os ambiciosos desmedidos, que querem se servir do poder para o mando pessoal se favorecem da lógica amoral e imoral dos oligarquismos que se formam por serem mais astutos e implacáveis nas práticas de todo abuso de poder. Mas há os vocacionados, que são chamados como Teseu, para enfrentar o Minotauro no labirinto, e também vencem os desafios, pois contam com o fio de Ariadne. Tal sabedoria é requerida para se moverem sem tibieza na areia movediça do campo político. E aí, sim, por aquilo que dá humanidade e civiliza, justifica-se a formação. Aquiles não prescindiu do Centauro Quíron, e mesmo com o mal-entendido com Agamemnon, voltou para o campo de batalha quando a circunstância de força maior assim exigiu, e com isso garantiu a vitória necessária.
E pensar que Crítias e Alcibíades foram discípulos de Sócrates apenas por ambição e cobiça. Conta Xenofonte que "Crítias foi o mais cobiçoso, violento e sanguinário dos oligarcas. Alcibíades o mais dissoluto e insolente dos democratas". Frequentavam Sócrates, pois "queriam tudo feito por eles, que seu nome não tivesse igual". Por isso Xenofonte reconhece que "Sócrates não deveria ter ensinado política aos que com ele conviviam antes de ensinar-lhes a sabedoria".
Enquanto estavam em companhia de Sócrates aparentaram o que foi preciso para alcançar suas ambições. "Uma vez longe dele, Crítias, refugiado na Tessália, viveu em companhia de homens mais afeitos à ilegalidade que à justiça". Alcibíades também tornou-se insolente, soberbo sem limites.
E o mesmo Crítias, antes aluno, "se tornou inimigo jurado de Sócrates. Não tendo do que acusá-lo, carregava-o com a censura que de comum se joga aos filósofos e caluniava-o junto à opinião pública". Sócrates arguiu então que a violência e a ilegalidade "são atos pelos quais o mais forte, em vez de convencer o mais fraco, obriga-o a fazer o que lhe convém". Mas o filósofo esmerou-se na defesa de princípios e valores e não fraquejou no seu dever de "correr perigo ao lado da lei e da justiça".
O caso clássico de Sócrates é exemplar no que deve se pautar o filósofo e de como entende a vocação e a missão do político em favor da verdadeira liberdade, resistindo, portanto, a toda e qualquer tirania. Só assim o político pode cumprir sua missão de servir à Pátria, dispondo dos recursos para fazer valer a justiça e a liberdade; que ambas sejam garantidas para a promoção do bem integral da pessoa humana.
Deve, pois, o filósofo instruir o político? Indagação antiga, mas tanto Sócrates quanto outros luminares da inteligência humana reconhecem a validade de tal instrução, apesar dos riscos e dos perigos constantes, por conta da tentação da desmesura. O fato é que "a verdadeira instrução só pode ser para o bem", diz Santo Agostinho. E deve perseverar nesse propósito, sempre.
Hoje no Brasil, o lulismo faz triunfar a lógica de Macunaíma, com uma degradação moral nunca antes vista no país, e cuja ideologia totalitária é mascarada pela mídia, por acadêmicos e artistas liliputianos e subservientes do Leviatã globalista, que se agiganta cada vez mais. Há, pois, urgência, mais uma vez, de se refrear o furor da hybris.
Por isso, a missão do Prof. Olavo de Carvalho, em abrir a possibilidade de viabilizar a formação política, pode fazer história e dar esperança a nossa geração, que angustiada frente aos desafios atuais, se expressa pela indagação de Lobão no hangout anterior, com Graça Salgueiro: "E o quê a gente faz?"
E em resposta a tudo isso, cabe uma ressalva: discernir os ambiciosos desmedidos, a exemplo de Crítias e Alcibíades, e os verdadeiramente vocacionados, dispostos a realmente estudar, e a se sacrificar, e assumir o ônus da missão, a aceitar o deserto e a cruz, no "bom combate" pela vida.
01 de novembro de 2013