Pasárgada é um lugar lindo, com uma qualidade de vida magnífica, mas que estava se deteriorando por causa de problemas aparentemente originados pela debandada dos cardumes.
O valor da produção pesqueira estava diminuindo. Como os peixes estavam encolhendo, a solução dos empresários foi usar redes com malhas mais finas, aumentar o volume capturado e pedir ajuda ao governo.
A pedido da Associação dos Pescadores, a legislação pesqueira foi alterada e as alíquotas dos impostos de importação de frutos do mar aumentaram. Mesmo assim, a situação continuou a piorar: menos renda para o setor; queda nas atividades de apoio, como transporte e armazenamento; a necessidade de importar mais alimentos; redução da arrecadação tributária; e, o mais grave, desemprego.
A economia pasargadiana entrou num círculo vicioso de nível de atividade menor, déficit fiscal, criação de novos impostos, mais dívida pública, juros mais altos e encolhimento do produto potencial (capacidade de crescer do PIB) do país.
Os empresários pediam mais ajuda para seus setores e contavam com o apoio dos ministros, que também queriam que o governo gastasse mais para estimular a economia. As demandas foram atendidas, mas a situação continuava a piorar.
Com a deterioração da conjuntura, a insatisfação popular crescia e os republicanos ganhavam força política e pediam o fim da monarquia, cada vez com mais intensidade. O momento exigia uma atitude do soberano.
O rei, amigo de Manuel, percebeu que mais do mesmo não resolveria. O lado empresarial era reacionário e o estatal, míope. Os dois bandos tinham um pensamento mágico saudosista de que grandes cardumes voltariam às costas pasargadianas e tudo voltaria a ser como era.
O soberano também notou que o padrão de dificuldades do setor pesqueiro era parecido com o do industrial, o do bancário e o da atuação do governo na economia. A maneira de pensar e de agir de seus gerentes os tornava reféns de uma estratégia autodestruidora.
Os homens de negócios de Pasárgada só atuavam para manter e aumentar o lucro de suas organizações. Não percebiam que, coletivamente, eles eram a causa dos problemas que afligiam o país.
O rei não podia mudar o pensamento mágico e reacionário dos empresários, que em sua quase totalidade, no mundo todo, só atua olhando para o próprio umbigo. Fez o que era cordato: mudou a política econômica e o gabinete, adotando um plano com dois princípios orientadores: sustentabilidade e potencialidade.
O primeiro preceito é de que não se pode retirar mais de um ambiente, natural ou econômico, do que ele consegue repor. Caso contrário, a produtividade futura encolhe. É o que acontecia com os peixes, e algo parecido com a intermediação financeira e as contas do governo. São dinâmicas em que mais agora é menos depois.
Entre outras medidas de sustentabilidade, o rei fixou um tamanho mínimo de redes e zonas de exclusão para pescadores, impôs uma agenda de crédito responsável, adotou uma política industrial consistente e fez uma reforma fiscal.
A outra orientação, complementar à anterior, foi um conjunto de ações para aumentar o produto potencial. A prática da aquicultura marinha, nos regimes extensivo e intensivo, revigorou a atividade pesqueira e em pouco tempo voltou a ser uma propulsora da economia.
Ações semelhantes foram tomadas nos demais setores.
Pasárgada voltou a crescer vigorosamente, com inclusão e estabilidade. Resumindo, o rei parou de acreditar em pensamento mágico, tomou as medidas adequadas e todos lá viveram felizes para sempre.
Literatura e economia. O ponto deste artigo é que o lugar de pensamento mágico é na literatura, não na economia, como está acontecendo atualmente no Brasil. É óbvio que as dinâmicas industrial, financeira e fiscal aqui são insustentáveis e desastrosas para o futuro.
Não só o Produto Interno Bruto (PIB) está encolhendo, como também a capacidade de crescer quando os problemas atuais forem resolvidos. O produto potencial brasileiro está diminuindo a uma velocidade espantosa. Estimativas mostram que caiu de 5% ao ano, em 2010, para menos de 3%, em 2016.
O Brasil espera o desenlace da crise política e ambos os lados, situação e oposição, prometem que, se saírem vitoriosos, os problemas atuais serão superados. É pensamento mágico.
O grupo da situação não só não está consertando as falhas do modelo que causou a crise, como continua a piorar a dinâmica da economia. Um exemplo: no mês passado, aprovou o uso do FGTS como garantia para o crédito consignado. Um despautério, quando o correto seria corrigir as distorções do mercado de financiamentos. Outro exemplo é a mudança proposta na política monetária que reduziria o valor da dívida pública bruta por causa de um critério de contabilização tupiniquim.
O outro bando, a oposição, parece ter encomendado ao conselheiro Acácio – pelas generalidades óbvias – as mudanças propostas. Ilustrando: uma proposta é colocar um teto para os gastos públicos. É uma afirmação que se repete desde a época do Império; o adequado seria explicitar que gastos seriam limitados: se salários, quais e em quanto? Aposentadorias de quem e qual o limite? E por aí vai. As propostas de reformas são um conjunto de boas intenções, só.
Em síntese, a situação não muda sua maneira de atuar e está sem um plano de governo consistente, e a oposição não apresenta um programa robusto com medidas concretas. Os dois lados induzem ao pensamento mágico, afirmando com convicção que, vencendo na política, triunfarão na economia. É ilusionismo, usam esse argumento apenas para ganhar apoio.
É hora de dar um basta. Não é necessário esperar o desenlace da peleja entre eles para fazer o Brasil voltar a crescer. Há como começar a superar a crise. Uma agenda econômica de consenso entre os dois grupos tem de começar a ser construída e pode, sim, avançar em paralelo com a disputa política.
Situação e oposição afirmam com convicção que, vencendo na política, triunfarão na economia. É ilusionismo
11 de abril de 2016
Roberto Luis Troster, O Estado de São Paulo
CONSULTOR. DOUTOR EM ECONOMIA, FOI ECONOMISTA-CHEFE DA FEBRABAN E PROFESSOR DA USP E DA PUC-SP