Durante a ressaca pós-eleição onde um dos grandes saldos é a polarização com uma onda conservadora insuflando um impeachment e até ressuscitando a ditadura militar, fui conversar com o deputado estadual Marcelo Freixo do PSOL, que iniciará seu terceiro mandato na ALERJ, onde hoje preside a Comissão de Direitos Humanos e Cidadania.
O debate sobre a corrupção assumiu o protagonismo nessas eleições e continua estampando a capa das revistas e dos jornais. Marcelo Freixo foi muito criticado ao apoiar Dilma no segundo turno em meio à onda dos escândalos, questionamento que ele considera expressão de uma ‘despolitização’.
“Eu refleti muito sobre a corrupção como carro-chefe do debate político. Isso é o resultado da despolitização da política, quando você não entende qualquer mecanismo político e leva para o comportamental.”
A urgência da reforma política para a democratização do Estado foi o tema central desta conversa – “corrupção a gente combate com reforma política” -, sendo prioritário na reforma política o financiamento público de campanha e o voto em lista com dois turnos.
“Com o financiamento público de campanha empreiteira não compra mais prefeito, não compra mais governador. A disputa política tem que ser feita a partir do projeto político e não de quem se vendeu.”
A crise de representatividade na política nacional se fez presente nas manifestações de junho, e o deputado que tem grande possibilidade de sair candidato à prefeitura do Rio de Janeiro em 2016 propõe um projeto político de campanha atravessado pela população, com participação direta durante a campanha discutindo pontos de interesse.
“Quem ganhou a eleição no Rio de Janeiro foi o não-voto (35,8% da votação total), enquanto o Pezão ficou em segundo (55,78% dos votos válidos). Isso mostra que o modelo esgotou. A grande aliança que eu vou costurar em 2015 não será com nenhum partido, será com a sociedade civil.”
Crítico à atual gestão do Rio de Janeiro, Freixo considera que a cidade virou palco de negócios, aponta os problemas reais com o sistema policial e as famosas UPPs que têm seu erro na origem, de acordo com ele.
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Qual seu balanço sobre as UPPs no Rio de Janeiro?
As UPPs não surgem como um projeto de segurança pública, com os critérios da segurança pública. Temos uma polícia com a mesma concepção de guerra, do inimigo e não uma polícia de proximidade. Desde as condições de trabalho e tudo que envolve a polícia, à hierarquia e à militarização.
O mapa das UPPs não segue o mapa da criminalidade e da segurança pública, mas dos investimentos, dos que pagam, da cidade-negócio. E se fosse ter uma UPP em cada favela a polícia do Rio de Janeiro teria que ser maior do que o exército dos EUA e Israel juntos, é inviável.
Quando o Estado não entra com a possibilidade de garantia de direitos ele joga sobre a polícia a possibilidade do conflito. Você não avança nos direitos, e não avança com a democracia. O morador acaba se dirigindo à polícia com assuntos que não dizem respeito à polícia, como por exemplo, pra falar sobre coleta de lixo, sobre fazer uma festa. Você não traz uma nova relação com as pessoas.
Existe uma possibilidade real de você se candidatar à prefeitura do Rio em 2016?
Depende de uma decisão partidária, mas é bem provável que eu saia candidato pelo PSOL. Fui candidato na última eleição e fiquei em segundo lugar com 29%, uma votação expressiva. Só não houve segundo turno porque teve uma concentração de forças políticas, o Eduardo Paes teve um apoio de 22 partidos com 16 minutos de TV enquanto eu tive um minuto apenas.
A gente acaba de sair de uma eleição muito vitoriosa, fui o deputado mais votado do Brasil com 350.408 votos.
Hoje nós temos uma bancada com 5 deputados estaduais. o nosso candidato – Tarcisio Motta – ao governo saiu do completo desconhecimento pra ser a grande surpresa da eleição, com uma votação na cidade do Rio de Janeiro que foi o dobro do candidato do PT.
Eu não fui o mais votado só na zona sul, eu fui o mais votado em diversas áreas, inclusive de milícia onde eu sequer pude colocar o pé.
Fui o deputado mais votado com o menor custo. Eu não gosto desse cálculo porque ele é perigoso, mas a imprensa fez. Se você faz o cálculo do total de votos por quanto eu gastei, cada voto meu saiu a 61 centavos. Isso porque existe a alternativa da rede social.
Há a possibilidade de coligação com o PT na eleição para a Prefeitura do Rio de Janeiro em 2016?
Com determinados segmentos do PT, não necessariamente no todo. Quando eu fui candidato à prefeitura do Rio de Janeiro em 2012 teve uma parte do PT que me apoiou, chamavam os ‘petistas com Freixo’, eu acho que essa fração pode ser maior na próxima eleição. Mas não sei se isso faz com que os partidos se aproximem. Atualmente o PT apoia o prefeito Eduardo Paes.
Qual a estratégia de campanha para 2016?
Não quero me reunir em cúpulas partidárias, fazendo o velho troca-troca, do escambo político de tempo de TV por cargos. Esse modelo faliu.
Em 2015 nós vamos formar um grupo de trabalho, de estudo, com pessoas de várias áreas do Rio de Janeiro para fazer um esqueleto de um projeto de cidade que é algo muito maior que o PSOL.
Que cidade a gente quer? A cidade do cimento ou do sentimento? A gente quer a cidade do sentimento.
Radicalizar a democracia, ampliar a capacidade das pessoas de participação na vida pública.
E no segundo semestre de 2015 esse esqueleto vai paras as redes sociais pra que isso se multiplique num grande debate, para que cada cidadão possa dar sua opinião, por que isso dá um sentimento de pertencimento. Como diz o Neruda a vida é uma escolha, as consequências cada um que arque com as suas.
As manifestações de junho foram uma mudança de paradigma, para o bem e para o mal. Surgiu uma onda reacionária. Qual a relação?
A despolitização da política causa isso. Um exemplo é o debate da corrupção. Como sou uma pessoa muito marcada pelo enfrentamento à corrupção fui questionado ao ter apoiado a Dilma no segundo turno. Diziam que eu apoiei a corrupção. Como se o PSDB fosse a referência ética do Brasil!
Corrupção a gente combate com reforma política. O debate é pedagógico. Eu refleti muito sobre a corrupção como carro chefe do debate político. Quando não se entende qualquer mecanismo político se leva para o comportamental.
Sobre a questão da representatividade nas manifestações – apareceu uma ojeriza à representatividade?
A crise de representatividade era a expressão da despolitização da política e do nacionalismo exacerbado. Uma sociedade que bota um milhão de pessoas na rua, bota de tudo na rua. E o resultado foi que levou a um congresso mais conservador. Se você despolitiza a política o que vai determinar é o poder econômico, o poder do voto religioso, dos centros sociais, cada vez mais conservadores. Você tem as emissoras e o poder econômico.
E o partido Podemos na Espanha?
É novo, muito novo. A gente ainda está tentando entender, eles próprios do Podemos ainda estão tentando entender diante da velocidade com que as coisas aconteceram. Mas a Espanha tem um índice de desemprego altíssimo, de desencanto completo com a política da representatividade. A taxa de desemprego entre os jovens chega a 50% na Espanha. É entre os jovens que o Podemos dialoga e cresce. E o Podemos, assim como o PSOL, tem uma inversão de pauta familiar, onde o filho influencia o voto do pai. A juventude começa a ser o protagonista na política.
Como funciona a estrutura partidária do Podemos?
Eles trabalham com uma rotatividade maior. Eles têm um programa muito parecido com o que a gente está querendo fazer, que se chama movimento. Não vamos apresentar um programa de governo feito por meia dúzia de especialistas. Teremos um debate permanente colocado no circuito das ideias alcançando um maior número de pessoas.
Isso dialoga com a reforma política. Quais são os pontos prioritários da reforma política?
Número um: financiamento público de campanha.
A luta política é pedagógica. Hoje no Rio de Janeiro as pessoas não sabem dizer o nome de 5 vereadores. Isso é um absurdo.
É uma luta de construção de olhar, de construção de possibilidades, de consensos. E a reforma política está muito longe do debate cotidiano das pessoas. Elas pensam que isso é coisa do político. Delegam até que explode, então nada os representa. Eles sabem muito mais o que não querem do que o que querem. Pra construir um projeto político eu tenho que que ter política na cabeça. A indignação é muito importante mas não leva a lugar nenhum. O que aconteceu em junho são sentimentos, não manifestações. Manifestação é saber onde eu quero chegar.
Mas foi um começo.
Sim um começo extraordinário e que se espalha. Altera comportamentos, altera reações. Para financiamento público de campanha é decisivo. Você não pode continuar tendo empreiteiras financiando campanhas.
Se eu tiver que elogiar o governo do PT vou falar do salário mínimo, da redução do número de miseráveis. Mas isso não pode acontecer exclusivamente pela via do acesso ao mundo do consumo, tem que ser acompanhado de uma mudança institucional de serviços de qualidade, de educação, saúde e transporte, que não aconteceu. O SUS, que é um avanço, é inviabilizado quando se destina o dinheiro para os bancos. O BNDES hoje é um captador de dinheiro público para beneficiar os financiadores de campanhas.
Quem tem a gestão dos trens da Supervia no Rio de Janeiro é a Odebrecht, a gestão do metrô é a OAS, das barcas Rio Niterói é CCR, ou seja as empreiteiras tem a gestão de toda a mobilidade urbana do Rio de Janeiro. São as empreiteiras que financiam as campanhas, quem determina o tempo que você vai gastar da sua vida no deslocamento são as empreiteiras.
Como a gente disse na campanha: quem escolhe a música é quem paga a orquestra. A música que o Pezão canta, que o Eduardo Paes canta, que o Cabral cantou nos cabarés parisienses, quem paga a orquestra são as empreiteiras. Com o financiamento público de campanha empreiteira não compra mais prefeito, não compra mais governador.
E o formato?
Isso não pode acontecer isoladamente. A proposta apresentada pela CNBB e pela OAB em que foi feito o plebiscito no dia 7 de setembro, propõe o financiamento público com voto em lista e a eleição do voto em lista no Parlamento em dois turnos. Isso é interessante, porque na Europa o voto em lista, onde o partido determina quem está na frente, está numa crise de representatividade muito grande. Essa burocracia partidária, tanto da direita quanto da esquerda estão muito cristalizadas, gerando um afastamento muito grande do conjunto de desejos da sociedade.
A proposta da reforma política da OAB e da CNBB é que se defina um partido, onde eles terão que dizer o que eles pensam – hoje boa parte das mais de 30 legendas não pensam nada, são legendas de mercado, que alugam e fazem uma grande ciranda financeira. O Eduardo Paes tinha apoio de mais de 20 partidos, que ele não saberia nem nomear e, se perguntasse o que cada partido desse tinha como eixo central, seria risada. São legendas criadas para serem vendidas, para gerar tempo de TV. Eu sou contrário à coligação na proporcional, ou seja coligação pra deputado.
A sociedade vai votar nos programas do partido e no segundo turno se votaria para alterar a ordem da lista. No primeiro turno vota na legenda e no segundo turno no candidato. Isso funciona casado com financiamento público de campanha. Assim você quebra a burocracia partidária.
Como vai funcionar na prática a democracia direta, com a reforma politica e como aprovar com esse Congresso?
Muito difícil. Ainda não sei o tamanho dessa onda conservadora, se é só uma onda ou um tsunami. Ela é preocupante porque nasce como antipetismo, por erros e acertos do PT, mas é também anti qualquer projeto de esquerda. Quem dera que o PT fosse aquilo de que ele está sendo acusado!
Onde a gente mais pode avançar hoje, concretamente, é no debate das cidades, no modelo de organização. A gente vive a cidade, não vive o país. O modelo de orçamento participativo já é uma coisa antiga, é preciso fazer com que os moradores de cada bairro possam opinar sobre, por exemplo, o transporte de sua área.
Ter espaços de debates criados pelas prefeitura para resolver os problemas que cada bairro tem. Temos que ampliar o canal de escuta para que chegue na câmara, na prefeitura. A partir disso você vai dar um sentimento de pertencimento.
Eles que me acusam de bolivariano, mas isso acontece em Nova York e em Berlim mais do que na Venezuela. Não é possível que a gente não consiga ampliar a democracia pelas redes virtuais.
Como lidar com essa onda reacionária? O preconceito histórico do Brasil está exposto como nunca esteve, com isso o absurdo também fica exposto.
Os fascistas saíram do armário. Eu me posicionei publicamente no plenário com o jornalista que chamou os nordestinos de bovinos. Lamentei o desconhecimento histórico dele. Ele queria que o nordeste votasse em quem? E ninguém quer falar da eleição em Minas e no Rio que foi onde definiu a eleição.
O debate entre a direita e esquerda sempre foi mais no viés econômico. Agora surge uma disputa social de uma concepção de sociedade, há um debate social sobre as cotas, programas das bolsas, dos conselhos, isso é ruim.
15 de janeiro de 2015
Tracy Segal