Ontem, no jornal Folha de S.Paulo, foi publicada uma boa entrevista com o economista e ex-ministro Delfim Netto, concedida a repórter Raquel Landim. Lúcido, didático e objetivo, Delfim Netto dá bons conselhos ao pessoal do governo federal, que anda pra lá de perdido no Palácio do Planalto. Vale a pena conferir.
O ex-ministro Delfim Netto acredita que o ajuste fiscal ficou mais difícil após a perda do selo bom pagador, concedido pela agência Standard & Poor's [S&P]. "Os juros e o câmbio vão subir e vai aumentar a volatilidade do mercado, porque a credibilidade interna e externa ficou comprometida", disse.
O economista também afirma que os programas sociais precisam ser ajustados à disponibilidade de recursos e que o único programa intocável é o Bolsa Família. "Não é possível que seja tudo prioridade."
Delfim — ex-ministro dos governos militares, conselheiro informal de diversos presidentes na redemocratização e colunista da Folha — considera que a atitude de mandar ao Congresso um orçamento apontado deficit em 2016 foi ingênua: "Uma incompetência política dramática".
Diz ainda que a relação com o Congresso ficará ainda mais complicada.
Folha - O governo deveria ter cortado gastos sociais para fechar o rombo no Orçamento?
Delfim Netto - Só tem um programa realmente importante que funciona: o Bolsa Família. Os outros têm que ser ajustados a disponibilidade de recursos.
Se o governo quer colocar o programa Minha Casa, Minha Vida como prioridade, tem todo o direito, porque foi eleito para isso. Mas tem o dever de cortar algum gasto correspondente. Não é possível que tudo seja prioridade.
A agência S&P se precipitou? Não entendeu as idas e vindas da política brasileira?
Não. A agência tinha dado um voto de confiança e esperou. Ficaram desiludidos.
Quais as consequências da perda do grau de investimento?
É algo grave, sério, mas o Brasil já viveu sem o grau de investimento. Não é o fim do mundo. No entanto, seguramente, indica que o ajuste fiscal vai ser ainda mais custoso.
Os juros e o câmbio vão subir e vai aumentar a volatilidade do mercado, porque a credibilidade interna e externa ficou comprometida. Não adianta fechar os olhos e dizer que as agências de risco não valem nada. De fato, elas têm uma capacidade duvidosa, mas não adianta reclamar.
O ministro Joaquim Levy foi colocado no cargo para evitar o rebaixamento. Sua permanência no posto está comprometida?
O Levy lutou bravamente para que isso não acontecesse. É um sujeito de caráter e, mesmo contrariado, sabe que faz parte de um governo. O Levy está imbuído de um sentido de missão e vai continuar lutando. Para mim, saem todos rebaixados: ministros, governo, o país.
Vamos ter mais turbulência política?
Sem dúvida. O Congresso reproduz a sociedade, mas num microcosmo e se excita muito mais. Temos um problema muito sério dentro da base do governo.
O fato é que o PT não está de acordo com o programa do seu próprio governo. Ponto final. O comportamento do PT é consequência do fato de que o governo perdeu o protagonismo.
A base aliada toda está resistindo simplesmente porque o governo não governa. É algo espantoso. O governo vem dizendo que não vai fazer mais nada e que vai esperar o Congresso mandar. Não há como se demitir da tarefa de assumir o protagonismo do processo.
Vivemos um presidencialismo que se diz de coalizão, mas que é quase imperial. Os instrumentos estão na mão do Executivo e ele exerce um poder imenso.
O ex-presidente Lula tem dado declarações contra o ajuste fiscal. Na sua opinião, qual é o objetivo?
Lula está expressando o seu ponto de vista, dizendo que está ocorrendo desemprego. É verdade. Mas o desemprego não foi causado pelo ajuste, mas pelos excessos de 2014 e pela política equivocada. O ajuste sequer teve efeito ainda. As despesas do governo continuam crescendo.
O ajuste sequer teve efeito. As despesas do governo continuaram crescendo. Ele está expressando o seu ponto de vista. Ele está dizendo que está havendo um desemprego, e é verdade, mas o desemprego não foi causado pelo ajuste, mas pelos excessos da política errada.
Por que você está fazendo o ajuste? Porque cometeu excessos extraordinários ao longo de 2014.
O senhor tem sugerindo que o governo deveria elevar a Cide para cobrir o rombo. Por quê?
O argumento contra a Cide é que vai subir a inflação. Chega a ser infantil. Teremos uma inflação de 10% com ou sem Cide. A inflação está em 10% por erros cometidos no passado. No ano que vem, a expectativa é de inflação em 5%.
Com o aumento da Cide, vamos resolver um problema gigantesco, não só nas contas públicas, mas no setor sucroalcooleiro. O setor sucroalcooleiro foi destruído junto com a Petrobras.
A Cide é um imposto que vai na direção correta de proteger o meio ambiente, porque incentiva a substituição de gasolina por álcool. Hoje temos cerca de 80 usinas em estado de calamidade. Se recuperarmos 60% ou 70% delas, vamos ampliar emprego e produção.
O que mais deveria ser feito para arrumar as contas públicas?
A única cláusula pétrea na Constituição são os direitos individuais. O resto pode ser alterado se houver disposição.
A desintegração do sistema previdenciário é culpa do governo que nunca assumiu a responsabilidade.
É preciso apresentar uma lei que se resume numa idade mínima para aposentadoria e encontrar as regras de passagem.
Outro ponto é essa proposta da CUT que está presa há anos na Casa Civil que regulariza o entendimento do trabalhador com o empresário, sob a vigilância do sindicato. Vai dar uma enorme flexibilidade para eles decidam o que é do seu interesse sem ouvir a Justiça do trabalho, que é uma das áreas mais retrógradas do país.
Também é necessário resolver a reforma do ICMS. Ou seja, o governo precisa dar uma demonstração clara de que vai mudar as restrições da economia que foram construídas por nós mesmos.
13 de setembro de 2015