“Por que queríamos chegar ao governo? Não para agir como os outros, mas para
atuar de maneira diferente”. A pergunta foi feita, há poucos dias, por Luiz
Inácio Lula da Silva. Trata-se da mais emblemática peroração do fundador do
Partido dos Trabalhadores sobre os rumos que a entidade tomou em seus 33 anos de
vida.
Mesmo guardando considerações mais largas sobre as curvas de companheiros,
Lula dá um puxão de orelhas em uns que dão muito valor ao parlamento e em
outros, interessados em cargos públicos. E lembra os tempos heróicos d’outrora,
quando “parecia bonito carregar pedra”, diferentes dos dias atuais, em que a
pessoa “vai fazer uma campanha e todo mundo cobra”.
A evocação saudosa do guia do PT, mesmo que não tenha sido essa sua intenção,
sinaliza o fim de um sonho, o mesmo que acolhe a intenção da ex-senadora do
Acre, Marina Silva, de inaugurar, ao lado do parceiro Eduardo Campos, governador
de Pernambuco e presidente do PSB, uma nova era na política.
Os visionários de ontem e os sonháticos de hoje imaginam plantar em todas as
searas da República sementes imunes aos vírus da velha política –
patrimonialismo, fisiologismo, mandonismo, grupismo, nepotismo -, capazes de
gerar árvores frondosas e frutos saudáveis, todas irrigadas pelas limpas fontes
da ética. Os campos pragmáticos dariam lugar às roças programáticas.
Diante da impossibilidade de substituir uma cultura política por outra da
noite para o dia, principalmente quando não há movimentos capazes de
redirecionar práticas, costumes e processos, torna-se evidente que a emblemática
Marina se assemelha, em sua peregrinação, à imagem de “carregadora de pedra” do
mesmo molde do empreendimento que o velho PT tentou construir, em 33 anos, e não
conseguiu.
Por que uma “nova política” tem se tornado abstração em nossas plagas, não
adentrando o território da práxis? Por ser complexa a tarefa de promover
mudanças rápidas na fisionomia política, principalmente quando se vê nela a
estampa dos valores do passado.
Os agentes políticos em atuação no Parlamento, a quem cabe dar o primeiro
passo na direção das mudanças, não se motivam a avançar em qualquer vereda
reformista, considerando que a equação custo-benefício não lhes rende.
Se os avanços não ocorrem por falta de suficiente motivação dos agentes
partidários, o que a estática na política acarreta ao tecido institucional? Um
agregado paralisante: acomodação, mesmice, burocracia, obsolescência,
embrutecimento das estruturas e passividade dos gestores públicos.
A imagem se assemelha às árvores que chegam à velhice vegetal: o crescimento
diminui, os processos de regeneração são lentos, as raízes não conseguem mais
retirar água do solo e sais minerais em quantidade necessária; os vasos que
conduzem nutrientes param de funcionar; as folhas caem, os galhos perdem o viço,
o tronco ameaça tombar a qualquer momento. Não é o que ocorre com os
partidos?
Em saudável Nação democrática, 20 anos no centro do poder amarram qualquer
partido numa sequóia cheia de cupins. A deterioração se instala, um ambiente
acomodatício se instala nas cercanias do poder, a criatividade emperra a
máquina. No passado, cada ciclo tinha sua vitamina.
A era FHC exibia a charmosa bandeira social-democrata, a mesma que, em certo
momento, enfeitou as cores dos governos europeus. Tinha, de um lado, a força dos
capitais privados e, de outro, os braços do Estado do bem-estar, que exigia
domínio sobre os serviços públicos.
O ciclo Lula, aproveitando a derrocada do choque liberal dos anos 90,
revigorou o capitalismo de Estado, inaugurando o mais abrangente programa de
distribuição de renda da comunidade mundial.
Hoje, esse modelo parece exaurido. Na era Dilma, a presença do Estado na
economia se faz mais forte, causando certo desconforto junto aos investidores
internacionais. O PT, por seu lado, passou a ser membro atuante no palco da
velha política, disputando com apetite fatias de poder e usando métodos
combatidos de cooptação política.
Na floresta dos tucanos, as árvores, com cascas cada vez mais despregadas,
envergam de velhice. O PSDB não se renovou. A sigla vive de lembranças de quando
os governadores Franco Montoro e Mário Covas brandiam seus escopos, envergando o
estandarte da modernidade.
O tom lamuriento de Lula e o desespero tucano para unir suas alas e amenizar
querelas internas constituem inequívoca sinalização de que, em 2014,
assistiremos à última sessão de cinema, encenada pelos dois maiores competidores
eleitorais.
PSDB e PT poderão, até, voltar a resplandecer no futuro, voltando a se
espichar para cima e para baixo como uma árvore adolescente, mas esse
renascimento implica profundo reencontro com ideários e valores. Não significa
que outros deverão, a seguir, tomar seu lugar. Não há indicação disso.
O cenário é o de difusa disputa entre grandes e médios partidos, com foco em
indivíduos e não das ideias, sob a égide de uma modelagem eleitoral muito
permissiva quanto a uso de recursos financeiros e centrada na exuberância
mercadológica.
Por ausência absoluta de vontade política para reformar costumes e ante o
mesmo blábláblá que se ouvirá no próximo pleito, faz sentido a hipótese do
esgarçamento maior do tecido institucional caso protestos e expectativas
frustradas continuem a fazer barulho nos tensos meses do próximo verão.
Veremos dois grandes círculos concêntricos agitando as correntes: um, que se
formará na onda da Copa do Mundo, a partir de junho; e outro, que tende a bater
nas margens eleitorais e despejar suas águas (votos) nas urnas.
Os resultados de um evento impactarão o outro? Os perfis mais identificados
com o novo (Marina veste esse figurino?) serão beneficiados? As velhas árvores
voltarão a ser viçosas?
Sejam quais forem as respostas, não há como deixar de enxergar entulhos de
velhos edifícios que desmoronam por falta de reboco. Paredes carcomidas, baús
embolorados, ferramentas enferrujadas se espalham nos vãos e desvãos da
Federação.
27 de outubro de 2013
Gaudêncio Torquato, jornalista, professor titular da
USP, consultor político e de comunicação