"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

domingo, 27 de outubro de 2013

"O MUNDO ENCANTADO DA DOUTORA DILMA"

As fantasias do governo produzem uma euforia que desemboca na síndrome do sítio: estão todos contra nós


No Brasil encantado em que vive o Planalto, as obras do trem-bala estariam adiantadas e ele rodaria em 2016, para a Olimpíada. Felizmente, continua no papel. Depois do Enem deste fim de semana haveria outro (ou já houvera). Infelizmente, foi só promessa da doutora Dilma e do ministro Fernando Haddad.

Seu substituto, o comissário Mercadante disse que prefere gastar construindo creches. Por falar em creche, durante a campanha eleitoral a doutora prometeu mais seis mil (quatro por dia). Em abril ela disse o seguinte: "Queremos mais, muito mais. (...) Vamos chegar a 8.685 creches." A repórter Maria Lima fez a conta e mostrou que seria necessário entregar 31 novas unidades a cada dia até julho do ano que vem (13 por dia até o fim do governo). A doutora zangou-se: "Minha meta é 6.000 creches. Quem foi que aumentou para 8.000?" Ela.
 
Sua conta era a seguinte: em abril, havia 612 creches prontas, 2.568 em obras e 2.117 contratadas. Somando, chegava-se a 5.397. Se obras em andamento e contratadas são obras concluídas, 2010 foi um grande ano. Terminaram-se as obras da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, e as águas do rio São Francisco foram transpostas. Promessas.
 
Para ficar na conta da meta de campanha, admitindo-se que a doutora já entregou 3.000 creches, até o fim do seu mandato precisa entregar pelo menos oito por dia.
 
O mundo encantado do Planalto desencadeia uma compulsão mistificadora. Se o governo terminar só 4.000 creches, atire a primeira pedra quem acha esse programa um fracasso. Será um grande resultado, que partiu de uma promessa exagerada. Trocando o mundo real (a obra entregue) pelo virtual (a promessa, ou o contrato), o comissariado intoxica-se numa euforia que desemboca na irritação. A última bruxaria do encantamento partiu da doutora Magda Chambrard, diretora da Agência Nacional do Petróleo. Ela anunciou que nos próximos 30 anos o campo de Libra renderá R$ 1 trilhão. Em maio passado a mesma doutora disse que "gostaria de ter mais Eikes" no setor petrolífero. Uma semana depois, começou o inferno astral de Eike Batista e de quem acreditou nele.
 
O encantamento desenvolve nos governantes uma síndrome de sítio, como se o mundo estivesse contra ele. De onde Maria Lima tirou a referencia às 8.000 creches? De uma fala da doutora.
 
 
AVISO AMIGO
 
Há sinais de que será necessária uma chacoalhada de pessoas e políticas na condução da economia.
 
Depois da repercussão dos leilões aguados e das dificuldades de Eike Batista, dividem-se os empresários em dois grupos: um torce por um novo quadro, outro quer que fique tudo como está, para continuar tirando fatias do presunto de um governo atrás de credibilidade.
 
 
ALSTOM
 
Ou o tucanato paulista tem uma estratégia capaz de causar inveja ao comissariado petista que pretende livrar seus caciques das penitenciárias pelo mensalão, ou está numa tática suicida, jogando o escândalo do propinoduto denunciado pela Siemens para dentro da campanha eleitoral do ano que vem.
 
Pelas provas, depoimentos e cifras, esse caso ultrapassa, de longe, o mensalão. Ali não há domínio do fato, o que há são fatos dominantes.
 
 
EM SILÊNCIO
 
A Arquidiocese do Rio tirou a sorte grande por trabalhar em silêncio. Há cinco anos ela fez uma faxina nas suas contas, afastou um padre que administrava seus bens e transferiu para uma casa em São José dos Campos o cardeal Eusébio Scheid, substituído por d. Orani Tempesta. Scheid deixou o apartamento de 500 metros quadrados (R$ 2,2 milhões) que fora comprado no Flamengo. O administrador, padre Edvino Steckel, foi acusado de ter gasto R$ 14 milhões em móveis, carros e enfeites. Em 2010 seu substituto foi detido no Galeão quando embarcava para Portugal com 52 mil euros nas roupas e nas malas.
 
Agora o papa Francisco detonou publicamente o bispo da Diocese alemã de Limburg, que torrou 31 milhões de euros num palácio episcopal.
 
 
JOHN KENNEDY
 
Começa na semana que vem a avalanche dos 50 anos da morte, no dia 22 de novembro, do presidente americano John Kennedy. Juntando mito e mistério, girará em torno de dois grandes temas: foi Lee Oswald, sozinho, quem o matou? E se ele não tivesse ido a Dallas, como ficariam os Estados Unidos?
 
O mistério do crime prosseguirá e metade dos americanos continuarão acreditando que houve uma conspiração. Chegará às livrarias a tradução de "11/22/1963", de Stephen King. (Na rede, em inglês, sai por US$ 12,38.) Conta a história de um sujeito que viajava no tempo e foi a Dallas para impedir que Oswald atirasse. Seu melhor momento está na conclusão, escrita com a ajuda de Richard Goodwin, que foi assessor de Kennedy. Ele especula como ficaria o país se a viagem a Dallas tivesse sido cancelada.
 
Existem 40 mil livros sobre o presidente. Os melhores estão mais para o estilo Roberto Carlos, e a maioria é ruim. Muito acima da média, está na rede por US$ 15,20 o "Camelot's Court - Inside the Kennedy White House" (A Corte de Camelot - Por dentro da Casa Branca de Kennedy"), de Robert Dallek.
 
Dallek, um moderado devoto da tese segundo a qual os tiros vieram de Lee Oswald, acrescenta mais um "se".
 
Kennedy teria sobrevivido "se" não estivesse com o colete ortopédico que mantinha-o com o tronco erecto. Por quê? Porque, ao levar o primeiro tiro, que entrou pelas costas e saiu pelo nó da gravata, teria se curvado e o novo tiro não lhe explodiria o crânio.
 
 
UMA AULA DE FHC PARA OS COMISSÁRIOS
 
Em agosto de 1995, na mesma arapuca em que caiu a doutora Dilma, o programa "Café com o Presidente", Fernando Henrique Cardoso disse o seguinte:
 
"Passados seis meses de governo, eu quero anunciar os primeiros resultados positivos dos esforços que nós estamos realizando para combater uma triste realidade brasileira: a mortalidade infantil. E quero começar falando do município de Jaramataia, que fica lá no interior do Estado de Alagoas. Até o ano passado, 333 crianças, de cada mil que nasciam, morriam antes de completar um ano de idade. De janeiro para cá, este número caiu para 3. Vou repetir, é isso mesmo, caiu para 3 crianças em cada mil."
 
Lorota do mundo encantado. Três crianças mortas para mil nascidas vivas, nem na Suíça. Esse era o número de mortes por diarreia em Jaramataia, onde a mortalidade caíra de 333 para 249. Quando a fraude foi revelada, a máquina do encantamento mobilizou-se, e uma médica recebeu um telefonema intimando-a a "não deixar o presidente passar por mentiroso".
 
FHC paralisou a máquina, dizendo mais ou menos o seguinte: "O número estava errado? Então estava errado, e nós não temos que responder à crítica".
 
No caso da doutora Dilma, o Planalto explicou que entre as 8.685 creches mencionadas por ela havia obras contratadas por Lula. Fica combinado assim.

27 de outubro de 2013
Elio Gaspari, O Globo

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