Como já não é mais possível nem desejável viver sem uma rede global, coletiva, é preciso educá-la.
Os anos 70 foram bem loucos. No meio das pirações filosóficas e teorias paranormais, uma ideia chama a atenção. Tanto por sua bizarrice na época quanto por sua viabilidade, quase meio século depois, por meio da tecnologia. A hipótese Gaia foi uma mistura de misticismos que atribuíam ao planeta uma espécie de "consciência cósmica". Segundo a teoria, os seres vivos interagiriam com as redondezas inorgânicas para formar uma espécie de super-organismo, um sistema complexo responsável pela autorregulação do ambiente, garantindo a vida.
A ideia é poética, mas não tem cabimento. Mamãe Natureza não está preocupada com seus filhinhos, como bem o podem provar os pobres dinossauros. Não há equilíbrio. Depois de cada choque o ambiente se reconfigura de forma diferente, sacrificando espécies no processo.
Gaia não existe, mas há pouco tempo outra espécie de consciência global vem se formando. Ela não tem nada de natural nem esotérico. Pelo contrário, é construída pelos processos comerciais e industriais e conectada pelas redes digitais.
A presença humana desde a Revolução Industrial provocou mais mudanças no planeta do que boa parte dos acidentes geológicos. O uso da terra através de agricultura e mineração, a destruição de ecossistemas e o comprometimento da biodiversidade, a poluição e o crescimento das metrópoles levaram a uma mudança sem precedentes da superfície e das condições de habitação do planeta. A mudança é tão grande que vários cientistas se referem à época atual como o "Antropoceno", uma época que viria depois do Holoceno, o período geológico em que vivemos desde a última glaciação, há cerca de dez mil anos.
A tecnologia aplicada aos sistemas de transporte, comunicação, logística, mineração, agricultura, industrialização e energia cria uma nova espécie de inteligência global. Suas operações integradas criam um tipo de consciência de rede, coletiva, descentralizada e auto-organizável. Como a hipótese Gaia, ela é autorregulável, resistente a catástrofes naturais ou a qualquer interrupção da rede.
Onisciente, onipotente e onipresente, a tecnosfera cria uma espécie de "super-organismo", que envolve a terra em um processo complexo e descentralizado. É uma inteligência mais parecida com a de uma planta do que com a de um Godzilla. Plantas não têm cérebro, controle central ou órgãos vitais. Sua arquitetura modular permite a reconstrução de boa parte de sua estrutura sem morrer. Não há nada tão resiliente no mundo animal.
Aos 20 anos, essa super-planta ainda é jovem. Ela não tem objetivo a não ser se manter viva. Como qualquer organismo, cresce descontroladamente. Seus desejos não são muito diferentes dos nossos. Água pura e abundância de energia, por exemplo, são vitais para boa parte dos processos industriais.
Como já não é mais possível nem desejável viver sem a rede global, é preciso educá-la, criar nela um sistema imunológico que nos proteja de ações perigosas ou daninhas.
Mas para isso é preciso saber o que queremos. Precisamos reforçar as ideias de comunidade global e os valores de nossas instituições, com a consciência de que o sistema só se sustentará quando beneficiar a todos, sem exceção.
Os anos 70 foram bem loucos. No meio das pirações filosóficas e teorias paranormais, uma ideia chama a atenção. Tanto por sua bizarrice na época quanto por sua viabilidade, quase meio século depois, por meio da tecnologia. A hipótese Gaia foi uma mistura de misticismos que atribuíam ao planeta uma espécie de "consciência cósmica". Segundo a teoria, os seres vivos interagiriam com as redondezas inorgânicas para formar uma espécie de super-organismo, um sistema complexo responsável pela autorregulação do ambiente, garantindo a vida.
A ideia é poética, mas não tem cabimento. Mamãe Natureza não está preocupada com seus filhinhos, como bem o podem provar os pobres dinossauros. Não há equilíbrio. Depois de cada choque o ambiente se reconfigura de forma diferente, sacrificando espécies no processo.
Gaia não existe, mas há pouco tempo outra espécie de consciência global vem se formando. Ela não tem nada de natural nem esotérico. Pelo contrário, é construída pelos processos comerciais e industriais e conectada pelas redes digitais.
A presença humana desde a Revolução Industrial provocou mais mudanças no planeta do que boa parte dos acidentes geológicos. O uso da terra através de agricultura e mineração, a destruição de ecossistemas e o comprometimento da biodiversidade, a poluição e o crescimento das metrópoles levaram a uma mudança sem precedentes da superfície e das condições de habitação do planeta. A mudança é tão grande que vários cientistas se referem à época atual como o "Antropoceno", uma época que viria depois do Holoceno, o período geológico em que vivemos desde a última glaciação, há cerca de dez mil anos.
A tecnologia aplicada aos sistemas de transporte, comunicação, logística, mineração, agricultura, industrialização e energia cria uma nova espécie de inteligência global. Suas operações integradas criam um tipo de consciência de rede, coletiva, descentralizada e auto-organizável. Como a hipótese Gaia, ela é autorregulável, resistente a catástrofes naturais ou a qualquer interrupção da rede.
Onisciente, onipotente e onipresente, a tecnosfera cria uma espécie de "super-organismo", que envolve a terra em um processo complexo e descentralizado. É uma inteligência mais parecida com a de uma planta do que com a de um Godzilla. Plantas não têm cérebro, controle central ou órgãos vitais. Sua arquitetura modular permite a reconstrução de boa parte de sua estrutura sem morrer. Não há nada tão resiliente no mundo animal.
Aos 20 anos, essa super-planta ainda é jovem. Ela não tem objetivo a não ser se manter viva. Como qualquer organismo, cresce descontroladamente. Seus desejos não são muito diferentes dos nossos. Água pura e abundância de energia, por exemplo, são vitais para boa parte dos processos industriais.
Como já não é mais possível nem desejável viver sem a rede global, é preciso educá-la, criar nela um sistema imunológico que nos proteja de ações perigosas ou daninhas.
Mas para isso é preciso saber o que queremos. Precisamos reforçar as ideias de comunidade global e os valores de nossas instituições, com a consciência de que o sistema só se sustentará quando beneficiar a todos, sem exceção.
13 de janeiro de 2014
LULI RADFAHRER, Folha de SP