"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

AOS CAÇADORES DE MAMUTES

 

Era uma vez um grupo de trogloditas famintos que vivia caçando coelhos. Um pegava um coelho aqui, outro pegava um coelho ali, mas coelhos são pequenos demais, permitiam apenas que os trogloditas fossem vivendo sempre com fome e com dificuldade. 

Mamutes

Um belo dia, um troglodita com um espírito mais criativo e empreendedor teve uma idéia. Chamou os outros, fez uns rabiscos na areia com um graveto e explicou o seguinte:
- Pessoal, nós podemos afiar a ponta de um galho com umas pedras – vamos chamar isso de “lança” – e usar isso para caçar um mamute! Cada um pega uma lança, nós cercamos o mamute e jogamos as lanças nele, até matá-lo! Então teremos carne de sobra para todo mundo! 

Um segundo troglodita disse:
- Que absurdo! Mamutes são caça de tigres-de-dentes-de-sabre! Trogloditas comem coelhos! Se Deus quisesse que os trogloditas comessem mamutes, teria feito os trogloditas com dentes de sabre!
O primeiro respondeu:
- Mas trogloditas comem mamutes! Nós já comemos as carcaças que os tigres-de-dentes de sabre acabaram de matar e devorar parcialmente! Por que não matarmos nós mesmos os mamutes e ficarmos com as melhores partes?
O segundo respondeu:
- Você é um herege com idéias malditas! Se você pensa mesmo assim, eu não vou ajudar você! Faça você sozinho!
E foi embora, acompanhado por mais alguns.
O primeiro troglodita, surpreso, perguntou aos que restaram:
- Bem, pessoal, vamos caçar mamutes?
Um terceiro troglodita respondeu:
- Ih, cara, não vai dar certo. Nunca ninguém caçou mamutes antes. Que garantia a gente tem que isso vai funcionar? Pode ser que a gente gaste um tempão construindo essa sua invenção aí e ela não funcione.
O primeiro respondeu:
- Garantia mesmo não há, mas as chances são muito boas. Você pode apontar alguma falha no raciocínio? Eu acho que devemos tentar!
O terceiro responde:
- Não sei, não. Acho que você é um sonhador. Não acredito que isso vá dar certo. Faça você sozinho.
E foi embora, acompanhado por mais alguns.
O primeiro troglodita, decepcionado, perguntou aos que restaram:
- Bem, pessoal, vamos tentar caçar mamutes?
Um quarto troglodita disse:
- Eu não tenho tempo.
Um quinto troglodita disse:
- Eu estou ocupado.
Um sexto troglodita disse:
- Eu prefiro caçar coelhos.
Um sétimo troglodita disse:
- Faça você sozinho.
E foram todos embora, deixando o primeiro argumentando sozinho com as paredes da caverna.
Então o primeiro troglodita, sem nenhum apoio, decidiu que ia mesmo fazer aquilo sozinho.

Ao mesmo tempo em que precisava continuar caçando coelhos para sobreviver, ele procurou árvores adequadas, com madeira dura o suficiente para fazer lanças, cortou diversos galhos com pedras lascadas, aprimorou seu invento com ponteiras de pedra cortante, produziu com muito esforço um grande conjunto de lanças, estudou a distribuição dos mamutes, traçou um plano estratégico, contratou uns neandertais para ajudarem na execução da caçada e conseguiu matar vários mamutes! 

E, tendo obtido tamanho sucesso na caça de mamutes que passou a sobrar carne de mamute, decidiu oferecer o excedente aos trogloditas da região, em troca de peles, frutas e do serviço de preparar lanças para as próximas caçadas. 
A notícia do sucesso do troglodita empreendedor se espalhou e chegou aos ouvidos dos trogloditas que o haviam deixado sozinho.
O segundo disse que ele só conseguiu aquilo por bênção de Deus.
O terceiro disse que ele só conseguiu aquilo por sorte.
O quarto, o quinto e o sexto disseram que ele só conseguiu aquilo porque tinha recursos de que eles não dispunham.

O sétimo disse que não é justo que ele monopolize toda a carne de mamute enquanto os outros passam fome e criou o Partido dos Trogloditas,  prometendo fazer “justiça social” com a carne de mamute do primeiro. 

Ele passou a defender “cotas de carne de mamute” para os “trogloditas excluídos” e passou a chamar o troglodita que criou a lança de “explorador” e qualquer um que dissesse que o primeiro tinha razão de “reaça”. 

Num mundo minimamente civilizado, é óbvio que o primeiro troglodita encontraria muitos parceiros para aquele empreendimento, que a quantidade de mamutes caçados seria suficiente para todos se alimentarem bem, que todos desfrutariam de mais tempo livre para produzir novos e interessantes avanços que melhorariam a qualidade de vida de todos e que ninguém daria atenção para o safado do sétimo troglodita. 

Num mundo de trogloditas, entretanto, é bem provável que o primeiro troglodita tivesse que pagar para que os outros trabalhassem em equipe, que acabasse apontado como o causador da miséria dos que não se organizam para caçar, que o sétimo troglodita fosse eleito Presidente dos Trogloditas e que instituísse cotas de carne de mamute para sustentar os trogloditas que não querem caçar nem mesmo coelhos. 

Mas um absurdo desses só poderia acontecer na ficção, entre trogloditas. 
Ainda bem que no mundo civilizado somos todos cidadãos suficientemente inteligentes, empreendedores e politicamente atuantes para jamais permitir que um absurdo desses aconteça, não é mesmo? 

13 de janeiro de 2014
Arthur Golgo Lucas

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